Até o inferno





O Oráculo conduziu a Chave de Portal para que eles parassem na sala das profecias. Mia não se esforçou para cair de pé, pelo contrário. Estatelou-se no chão e ali ficou, em estado de choque, as lágrimas correndo livres pelas bochechas cobertas de sardas. Seus cabelos estavam desgrenhados e a menina enterrava nas faces as unhas de ambas as mãos.

Hermes caiu sentado ao lado da amiga e observava seu sofrimento. Segurava o choro, mas sentia um nó na garganta e um aperto no peito difíceis de descrever. A dor era tão forte que dava a impressão de que não acabaria nunca. O que haviam feito, afinal? Salvaram os pais de Mia e condenaram Daniel a uma morte horrível junto ao desconhecido.

Wyrda caminhou com dificuldade e parou ao lado dos dois jovens, oferecendo-lhes uma bebida servida em taças de cristal. Hermes foi o primeiro a tomar, de um gole só. Era forte, bastante quente e tinha gosto de gengibre. Depois, vendo que Mia não se movia para tomar a poção, o loiro colocou a mão em sua nuca e ajudou-a a sorver o conteúdo da taça. A ruiva engasgou ligeiramente com a bebida misturada ao choro. Enquanto isso, O Oráculo virou as costas para os dois amigos, e pôs-se a observar as profecias da parede com um interesse fingido. Já o senhor e a senhora Weasley continuavam com os olhares perdidos, caídos num canto da sala, próximos ao divã.

Num gesto forçado, Mia se sentou ao lado de Hermes, mas permanecia ainda sem forças para se levantar por completo. Abraçou-se ao amigo e continuou chorando, até que se deu conta de que Wyrda se aproximara e os encarava. A raiva estava quente no coração e a menina não foi capaz de se controlar.

- VOCÊ SABIA! MALDITO SEJA QUE NÃO ME CONTOU! VOCÊ SABIA QUE PERDERÍAMOS DANIEL! Você sabia que ele não voltaria conosco... – a voz de Mia diminuíra de intensidade e dera lugar ao choro compulsivo novamente.

O Oráculo caminhou até ela, abaixando-se e enxugando as lágrimas do rosto da menina. Hermes não saiu de perto da amiga, pois não sabia até que ponto poderia confiar naquele estranho ser de orelhas pontiagudas e sem unhas nos dedos das mãos. O loiro o encarava de forma desafiadora, pronto a defender a amiga para evitar que ela sentisse mais dor, mesmo que para isso ele tivesse que dar a própria vida por ela.

- Wyrdfell fez o que deveria fazer. O Oráculo não pode intervir nas profecias.

- PARA O INFERNO COM AS PROFECIAS! Eu só quero meu amigo de volta...

Wyrda levantou o corpo com dificuldades e aproximou-se do divã onde estavam o senhor e a senhora Weasley. Examinou-os atentamente, enquanto os dois encaravam o vazio. Impôs ambas as mãos sobre os corpos quase sem roupas e curou as feridas produzidas pela temporada na prisão. Depois, cobriu-os com duas túnicas muito alvas e sentou-os no divã. Então, foi para o centro da sala e se apoiou na borda da Penseira, levando uma das mãos a cabeça. Franziu o cenho como se sentisse toda a dor de Mia dentro de si. Apontou o dedo indicador comprido para a própria cabeça e um fiapo de prata saiu de dentro dela, acompanhando o movimento da mão até que foi colocado dentro do conteúdo rodopiante da bacia de pedra.

- Tu tens o poder que o Lorde das Trevas desconhece. Agora vá, os teus já sabem o que se passou aqui e estão preocupados contigo. Leve teus pais, eles precisarão de tua ajuda agora. Sejas forte e cumpra tua missão, Wyrdfell. Os Renegados dependem de ti, não te esqueças disso.

Tentando controlar os sentimentos adversos que invadiam seu coração, Mia se deixou ser conduzida pelo Oráculo juntamente com Hermes e seus pais. Entraram no armário sumidouro e rodopiaram uma vez mais rumo à casa dos gêmeos Weasley. Ao abrir a porta do velho móvel, Mia deu de cara com Fred e Jorge, e ao lado deles estava vovó Molly e tia Gina, desacompanhada do senhor Malfoy.

- Ah! Graças a Merlin! – a mulher ruiva correra para o filho, acariciando-lhe os cabelos despenteados e tentando limpar o rosto do garoto. – Nunca mais faça isso, Hermes, nunca mais, entendeu?!

Mia saiu logo em seguida, quase tão arrasada quanto o loiro, puxando os apáticos senhor e senhora Weasley. O casal encarava a todos como se fossem desconhecidos, sem saber de fato onde se encontravam e nem ao menos quem eram. Na hora exata em que os viu, vovó Molly reconheceu o feitiço ao qual eles haviam sido submetidos.

- Foi um Obliviate - ela dissera com um ar cansado, conduzindo-os a duas poltronas próximas. Retirando uma varinha de dentro das vestes, conjurou duas canecas com uma bebida fumegante e cedeu-as para o filho e a nora.

- Vovó! A senhora melhorou? – Mia estava surpresa com a lucidez que a avó apresentava naquele momento. Mas ao invés de Molly responder, foi tia Gina quem falou.

- Eu dei um jeito de falar com Fred e Jorge quando vi que Hermes havia fugido de casa nesta manhã, apesar de todos os protestos de Draco – ao falar o nome do marido, Mia pode notar uma expressão de revolta nos rostos dos gêmeos. - Imaginei que vocês estivessem aprontando alguma e resolvi que já estava na hora de me comunicar com minha família. Então, quando consegui estabelecer um contato, vi que Fred e Jorge estavam no hospital. Fui até lá e, ao me ver, mamãe se recuperou do feitiço e nós...

- Que feitiço? O que é esse tal de Obliviate? – Hermes interrompera a narrativa da mãe para questioná-la, olhando depois para os pais de Mia, que observavam tudo ao redor de forma assustada, como se estivessem ainda em Azkaban.

- Obliviate é um feitiço da memória – vovó Molly começou a explicar. – Os seguidores do Lorde das Trevas aplicam o feitiço em todos aqueles que não querem contribuir com os serviços da Polícia Negra e também naqueles que sabem demais. Depois de enfeitiçados pelos Obliviadores, os bruxos são devolvidos ao mundo dos trouxas e nunca mais se lembram de quem são. Mas alguns continuam em Azkaban até apodrecer, sem memória. Tudo depende da gravidade do crime que cometeram aos olhos do Lorde.

- E como foi que você se recuperou, vovó? – Mia questionara.

- Amor, minha querida – vovó Molly se aproximara de tia Gina, abraçando a filha com ternura e acariciando-lhe os cabelos vermelhos. – A emoção de rever minha pequena Gina fez com que eu me recordasse de tudo.

- Um caso muito raro, eu ouso dizer, não é mesmo, Fred? – Jorge dissera, e o irmão assentira em concordância.

Mia deveria estar feliz agora. Sua avó havia melhorado, seus pais estavam novamente em casa, e tia Gina voltara para o convívio da família que antes tivera que abandonar. Mas nada conseguia apagar da memória da menina o rosto apático de Daniel, totalmente entregue aos terríveis guardas das masmorras de Azkaban. Como se lesse os pensamentos da amiga, Hermes se virou para a mãe e perguntou:

- Mãe, o que os tais dementadores fazem com as pessoas quando as capturam?

Tia Gina olhou para o filho e depois procurou o apoio de cada um dos familiares. Parou os olhos em Mia, que esperava a resposta ansiosamente. Talvez houvesse alguma forma de salvar Daniel, de voltar até lá e ajudar o amigo. A mãe de Hermes suspirou resignada antes de começar:

- Os dementadores são criaturas horríveis. Eles se alimentam da felicidade dos seres humanos. Por isso, a única forma de vencê-los é produzir um Patrono. Este feitiço só pode ser realizado se o bruxo se concentrar numa lembrança feliz antes de lançá-lo. Mas, caso o bruxo não seja capaz de conjurar um Patrono, a criatura aplica-lhe o beijo do dementador, ou seja, suga sua alma até que não sobre mais nada. A pessoa vive uma semivida, como um corpo sem essência, pairando num universo não-humano. Assim a morte se aproxima de forma muito mais veloz que num bruxo que ainda conserva a alma dentro de si. Desculpe, meninos... mas nesse momento Daniel já não está mais entre nós...

Mia engoliu em seco e controlou os olhos cheios de lágrimas. Olhou para Hermes e teve a certeza de que o amigo pensava a mesma coisa que ela. Ambos fariam de tudo para vingar a morte de Daniel. Nem que tivessem que enfrentar e matar o próprio Lorde das Trevas. Esse era o destino, o futuro e o livre arbítrio deles. E nada poderia pará-los.

- Próximo passo: patronos – Mia sussurrara no ouvido de Hermes, e este concordara com um aceno de cabeça.

- Vou até o inferno com você se for preciso. Ou eu não seria um Malfoy!

Mia abraçou o amigo, enquanto imaginava que nem sempre o poder significa a glória eterna. O peso da responsabilidade do que tinha nas mãos era maior do que qualquer um de sua idade poderia carregar. E, no entanto, ali estava o futuro, clamando por ela e obrigando-a a agir. Ela não sabia de onde, mas tiraria forças para lutar contra o Mal até o fim. E morreria tentando se fosse preciso.

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