A profecia
- Olá, Mia Wyrdfell. A viagem proporcionada pelo Oráculo foi boa para ti?
Os olhos de águia fitavam a menina. Wyrda usava as mesmas vestes verdes com detalhes marrons do primeiro encontro. A única diferença na aparência era o aspecto cansado nas feições e uma ligeira dificuldade no caminhar, que evidenciavam a idade avançada do Oráculo, algo que Mia não notara por conta do êxtase do primeiro encontro.
- Fora os rodopios enjoativos, tudo bem – Mia sorria de maneira nervosa, sentindo-se ao mesmo tempo aliviada por estar novamente na companhia de Wyrda e angustiada pelo estado debilitado do Oráculo. – Não há outros meios de viajar para o seu mundo? Menos... digamos... rodopiantes?
- Meios seguros não há – explicou Wyrda, mancando ligeiramente na direção de Mia. – Utilizastes os únicos dois meios não detectáveis conhecidos pelo Oráculo.
Wyrda respirou fundo e apoiou os braços cobertos pelas longas mangas das vestes na Penseira, que descansava no centro da sala. Os dedos finos e longos, desprovidos de unhas, tinham os nós brancos por conta da força que ele fazia para se apoiar na bacia de pedra mágica.
- O que aconteceu com você? Machucou-se? – Mia foi incapaz de conter a curiosidade diante do estado debilitado do Oráculo.
- Eu não sou importante agora. Tu és. Procuraste pelos Potter?
- Eu...eu...- Mia não conseguia responder. Sentia-se mal por não ter pesquisado nada, por não ter feito a única coisa que o Oráculo havia pedido. – Eu não sabia nem por onde começar. Perdi noites de sono buscando alguma pista, mas foi tudo em vão. Não encontrei nada que pudesse me aproximar dos Potter, nada que me fizesse saber quem eles são, nada! – o desespero na voz da menina era evidente.
- Eu sei de tudo isto, Wyrdfell – O Oráculo encarava os olhos castanhos de Mia, que pareciam prestes a derramar as lágrimas contidas com muito esforço. – Os Potter estão muito perto de ti. Nem sempre aquilo que é parece ser. Tu precisas pensar com o coração para encontrar. Agora, aproxime-se, tenho mais uma lembrança importante para te mostrar.
- Antes, queria te perguntar uma coisa – Mia o interrompeu, provocando em Wyrda um ligeiro olhar de contrariedade que foi rapidamente disfarçado. - O que são estas palavras escritas nas paredes?
Mia fazia referência às várias palavras e expressões escritas em preto nas alvas paredes da moradia de Wyrda. Em certos lugares, as palavras estavam tão amontoadas que não era possível distinguir seus significados.
- São profecias – ele explicou. – As que já aconteceram tem como companheiras palavras-chave do passado. As que ainda não aconteceram apenas aguardam que o destino se faça. É assim desde o princípio do fim, desde que o Lorde destruiu o Ministério e levou consigo todos os globos das profecias. Eu ouvi tudo em meio ao caos e o peso da responsabilidade de conservar o conhecimento caiu sobre meus ombros como um fardo, por vezes pesado demais para carregar. Agora venha, não há mais tempo a perder!
Wyrda pegou de dentro das vestes um pequeno frasco transparente. Retirou a rolha e despejou o conteúdo na massa cinza azulada e rodopiante da Penseira. Pegou a mão de Mia e ela pôde sentir como ele estava suando frio. A menina ficou a um passo de entrar em pânico. Se ele estava nervoso, que dirá ela, que não sabia nem metade do que estava acontecendo. Imitou-o e aproximou o nariz do conteúdo da bacia. As cabeças de ambos estavam coladas e eles avistavam uma nova cena, como se fosse de uma janela no topo do mundo. Em poucos segundos, Mia caíra de joelhos em meio a um descampado, com Wyrda chegando logo atrás e aterrissando com perfeição ao lado dela.
O Oráculo não falava, apenas fazia gestos para que a ruiva o seguisse. Mia sabia, pela experiência anterior, que não poderiam ser vistos nem ouvidos, mas permaneceu em silêncio acompanhando os passos de seu orientador. Chegaram a um pequeno bosque circundado por um lago e pararam próximos a uma frondosa árvore, com folhas muito verdes e algumas flores de início de primavera. Uma moça jovem estava de costas para eles, brincando com a água do lago. Ao seu lado havia uma pequena cesta com flores compondo a paisagem, que lembrava a Mia um quadro bucólico do período do Arcadismo, uma escola artística e literária que começara na Europa, no século XVIII. Os longos cabelos negros da moça caiam pelas costas em cachos torneados, a pele muito branca em contraste. Cantava uma canção com uma voz doce e inocente, enquanto observava o sol se pôr detrás da montanha.
A moça do lago não poderia perceber, mas do local privilegiado onde estava Mia visualizou uma outra forma, escondida atrás de alguns arvoredos próximos. Apesar do sol de primavera, a figura utilizava uma capa negra que a cobria dos pés a cabeça, não permitindo identificar se era de fato homem ou mulher. Só era possível afirmar que se tratava de um humano, ou algo próximo disso, e Mia teve mais certeza ainda de sua constatação quando o estranho sacou a varinha mágica e segurou-a de maneira firme na mão esquerda. Era um bruxo, afinal.
A canção da morena foi interrompida por um estalido seco. Diante do seu olhar assustado surgiu um homem semi-nu, a barba cobrindo o rosto marcado, os cabelos negros sujos e sem corte, as calças rotas esburacadas em vários pontos. O primeiro ímpeto da moça foi gritar, mas uma compaixão desenfreada fez com que ela se contivesse assim que vira que o homem não conseguira sustentar o próprio corpo e caíra de costas no chão. Aproximando-se do estranho, a moça do lago observou o rosto jovem, porém muito machucado. Sangue seco escorria pela boca e por diversos ferimentos em todo a extensão do corpo. Algumas feridas pareciam abertas recentemente, outras davam a impressão de que não cicatrizavam há tempos, constantemente renovadas.
- Meu Deus! O que faço? – a jovem encarava o corpo inerte do rapaz enquanto se perguntava em voz alta.
Foi quando Mia, antes atenta à cena entre a moça do lago e o homem, ouviu um movimento próximo de onde ela e O Oráculo estavam. O estranho de capa apontava a varinha para os dois jovens, prestes a enfeitiçá-los.
- NÃO!!!
Mia foi contida pelo Oráculo apenas com uma das mãos, como se ele pudesse concentrar nela toda a força do universo. Sem conseguir interromper os acontecimentos, Mia ouviu uma voz feminina murmurar:
- Ab imo corde, ab initio, absconditum mentis.
Um feixe de luz vermelho acertou em cheio no coração da moça do lago. Esta, sem dizer palavra e sem dar o menor sinal de que havia sentido algo diferente, rasgou da barra do vestido um pedaço de pano, molhou na água do lago e enxugou a testa machucada do homem. Ele estava muito magro e a jovem, apesar de pequena, conseguiu erguê-lo, apoiando-o em seus ombros para levá-lo até uma pequena casa de campo próxima do local. Só então Mia pôde perceber que aquele homem machucado era o mesmo que seus pais tentaram ajudar na lembrança anterior que presenciara na Penseira. Aquele era Harry Potter!
Ao ver a menina se afastar com Potter nos ombros, Mia ainda escutou a voz feminina que utilizava a capa dizer em voz baixa:
- Feliz é o destino da inocente vestal, esquecida pelo mundo que ela mesma esqueceu. Brilho eterno de uma mente sem lembranças! Abençoados são aqueles que esquecem, porque aproveitam até mesmo seus equívocos...
Após terminar a frase, a estranha mulher abaixou a cabeça de forma resignada e evaporou no ar, provocando o mesmo estalido de quando Potter surgira ao lado da moça do lago. Wyrda olhou para Mia, e ela imaginou que seu rosto deveria traduzir a mais pura expressão de dúvida.
- Por hoje é só. Vamos voltar – avisou O Oráculo, e sua voz soou para Mia como se viesse de muito longe.
Wyrda tomou-a pelo braço e ambos começaram a girar. Quando Mia abriu os olhos, estava novamente na sala, parada ao lado da Penseira, com as mãos apoiadas na bacia. A ruiva estava sem fôlego, a emoção fora intensa demais para um dia no qual ela não esperava viver nada de diferente. Quando acordou pela manhã, apenas aulas chatas a aguardavam. Agora, encontrava-se parada diante do Oráculo após assistir uma cena do passado do próprio Harry Potter.
- O Eleito que falhara - Wyrda fitava os olhos cansados de Mia. - É assim que os Renegados costumam chamar Harry Potter depois que o Lorde das Trevas venceu a Última Batalha. Havia uma profecia que determinava que apenas um poderia viver enquanto o outro sobrevivesse. No entanto, afirmo que ambos ainda vivem e a profecia não se cumpriu. Ela está aqui, vê só? Há apenas uma palavra-chave em volta dela que já foi escrita pelas letras do destino.
Mia acompanhou os passos vacilantes do Oráculo. Na parede do lado esquerdo, para onde ele apontava, havia a seguinte inscrição:
”Aquele com o poder de vencer o Lorde das Trevas se aproxima... nascido dos que o desafiaram três vezes, nascido ao terminar o sétimo mês... e o Lorde das Trevas o marcará como seu igual, mas ele terá um poder que o Lorde das Trevas desconhece... e um dos dois deverá morrer na mão do outro pois nenhum poderá viver enquanto o outro sobreviver... aquele com o poder de vencer o Lorde das Trevas nascerá quando o sétimo mês terminar...”
Logo abaixo dos nomes de Harry Potter e Lorde Voldemort, havia outro rabiscado numa letra um pouco diferente, mais corrida, como se tivesse sido preenchido às pressas. A leitura assustou a ruiva: Mia Granger Weasley.
- Eu? – Mia questionou, incrédula.
- ...Mas ele terá um poder que o Lorde das Trevas desconhece... aquele com o poder de vencer o Lorde das Trevas nascerá quando o sétimo mês terminar.
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