Confissões de uma Torre Oscila
CAPÍTULO XIX. CONFISSÕES DE UMA TORRE OSCILANTE
A noção de tempo naquela torre isolada era incerta.
Quanto tempo fazia que os dois estavam ali? Parados, absortos em pensamento... cada um sentado numa extremidade da sala, recostados à parede de pedra nua, apenas respirando. Quanto tempo? Se Amélia não se enganava, já devia ter se passado mais ou menos duas horas.
O calor era quase insuportável.
Mas o pior de tudo naquela situação era ter que ouvir a respiração de Severo, cada vez mais cansada. Ela não sabia ainda ao certo o motivo, mas ele estava bem mais pálido que o normal.
O silêncio – fora a respiração ofegante de Snape – reinava, e ela apenas brincava com o espelho que horas refletia a sua imagem suja e cansada, horas o rosto do Voldemort que ela conhecera anos atrás.
Saber que morreria ali era agonizante.
- Amélia.
Ela levantou a cabeça, para ver o sorriso fraco de Snape.
- Que?
- Eu tenho uma notícia.
Ela suspirou.
- Espero que seja boa.
- Na situação em que nos encontramos, acho que é boa notícia para mim. Os insetos na minha Marca Negra, sabe?
- Hm?
- Eu menti quando disse que não estava sentindo nada.
- Mentiu?
Snape assentiu lentamente.
- Eu... Eu sinto que eles estão se alimentando do meu sangue... e, talvez, não tenha mais muita coisa para eles comerem.
Ela fechou os olhos, controlando-se para não deixar o desespero tomar conta do seu ser.
- Você vai morrer e me deixar só?
- Sim.
Silêncio.
Milhões de coisas passavam-se na cabeça dela... imagens dos dois juntos, felizes... Cada vez mais, a certeza do amor que voltara ainda mais forte se apoderava da sua mente e coração.
E, agora, ele morreria na frente dela, pensando que não era amado, e ela teria que sobreviver com o seu cadáver por sabe-se lá quantos dias, até que a fome e a sede... ou quem sabe a falta de ar, levasse a sua própria vida.
Não. Ela não podia deixá-lo ir sem lhe dizer algumas verdades.
- Severo?
Fraco, ele levantou o rosto para encará-la.
- O meu casamento é uma mentira. Uma grande mentira, nunca passou de pura conveniência. Eu amo Brian como o amigo. Ele é o meu melhor amigo. Só.
- Amigo?
Os olhos dela começaram a se encher de lágrimas.
- Nós nos casamos para que os seus filhos tivessem um pai, já que eu não queria procurar você. Mas, em doze anos de casados, nunca ficamos juntos sequer uma vez! Eu inventei que o amava porque tinha medo de que, se ficássemos juntos, eu pudesse acabar colocando em risco a vida dos nossos filhos.
- Mas... – Ele respirou algumas vezes com dificuldade. – Se os comensais já pensavam que nós estávamos juntos, pouca diferença faria se era verdade ou não.
- Eu sei! – ela limpou a primeira lágrima. – Mas eu estava com medo de começar a amar você como eu já tinha amado... Quando agente se separou foi simplesmente desesperador e eu não queria passar por isso de novo, caso você morresse. E eu estava insegura, porque Dumbledore, na lembrança, dizia que você estava apaixonado por Narcissa... Foi medo e ciúme, o que me fez mentir.
Ele assentiu.
- Nossos filhos... Eles se parecem tanto com você! – Algumas lágrimas que ela não se deu ao trabalho de limpar. – Sabe, eles têm os seus olhos! Os mesmos olhos negros profundos que nunca me deixaram esquecer de você. Eles são magros, e têm cabelos pretos e oleosos, como o seu. Falar com Phillipe é o mesmo que estar falando com você. Ele é tão formal, e, mesmo criança, esconde os seus sentimentos, e eu sou uma das poucas que consegue decifrá-lo. E... eu descobri isso há pouco: eles têm muito talento pra poções!
Snape deu uma pequena risadinha e disse.
- Eu já estou orgulhoso deles.
- Eu queria que você os conhecesse.
- Eu queria conhecê-los.
Amélia chorou abertamente.
O que ela tinha dito sobre seus sentimentos, principalmente, tinha sido uma revelação até mesmo para ela. Tudo que ela queria era ter tido coragem para arriscar um pouco mais... certamente teria sido mais feliz...
Quando os seus soluços finalmente pararam e as lágrimas cessaram, a voz de Snape ecoou.
- Amélia?
Era impressionante o quanto o seu rosto estava melancólico. Ela nunca tinha o visto com aquela expressão: a mais pura dor.
- Sim?
- Narcissa... foi apenas um caso que durou um pouco mais. Por ter sido mais longo, Dumbledore pensou que eu a amasse. De fato, eu estava apaixonado por Narcissa, fascinado... mas, na minha vida inteira, só consegui amar uma pessoa.
Ela sorriu, sentindo os olhos voltarem a marejar.
- Quando você voltou, eu já não estava mais com ela... e desde então, não consigo pensar em outra pessoa que não seja você.
- Severo...
- Essas alianças... eu nunca pensei que um dia revelaria isso. Essas alianças foram compradas duas semanas antes de você ir embora. Eu ia pedir você em casamento, mas não sabia como. Quando eu me decidi, meu pai morreu e eu adiei os planos.
- Então nós jogamos o nosso tempo fora?
- Exato. E eu sempre me senti culpado por nunca ter entregado as alianças... ou por não ter pedido pra você ficar.
Ela abaixou a cabeça.
- Não chore, Mia.
- Eu amo você. Muito. Mais que a minha vida.
- Eu também.
Lentamente, Amélia enxugou as lágrimas e começou, com o coração aos pulos, a engatilhar até ele.
Era tudo que ela sempre quis ouvir. Tudo o que ela sabia, mas precisava ter a confirmação pelos lábios dele, daquela maneira tão franca e aberta que ele fizera.
Quando chegou perto dele e acariciou o seu rosto... Enquanto ele, hipnotizado, passou as mãos frias e suadas pelos cabelos dela...
Eles sabiam, naquele momento, que nem o tempo e nem a vida foram capazes de acabar com aquele sentimento, de tão forte que era... Não seria a morte que os separaria.
Os seus corpos jazeriam juntos naquela torre para sempre. As suas almas caminhariam de mãos dadas, em rumo ao além vida, ao desconhecido. A única certeza que os dois tinham era a de que, não importava o que acontecesse, eles ficariam juntos.
Os olhares se prenderam... Nunca, talvez, tinham se olhado com tamanha sinceridade. Os olhos negros já não estavam mais tão escuros e ele não se importava com as lágrimas que corriam pelo rosto dela.
E, finalmente, as bocas sedentas se encontraram...
Uma explosão de amor e desejo tomou conta dos dois, e logo não se sabia mais a que corpo era de quem. Eram dois se tornando um.
Severo a agarrou mais forte, pressionando os seus corpos.
Naquele momento, nada mais importava: a vida, a família... ou o motivo que a fazia segurar firmemente um espelho em sua mão.
A mão distraída que segurava o espelho se abriu para abraçá-lo mais forte.
E, quase em câmera-lenta, o espelho caiu no chão, estraçalhando-se em mil pedaços.
O sobressalto separou o corpo do casal, que pôde ver os pedaços acenderem-se numa luz intensa e refletirem um rosto despedaçado de Voldemort. E eles explodiram diversas vezes, até reduzir todo o vidro a mero pó.
- Está destruída? – Amélia perguntou, incerta.
- Está.
E, de repente, a torre começou a tremer, como outrora já tinha feito... como se um terremoto estivesse abalando a sua estrutura.
Só que, dessa vez, realmente abalou.
As paredes de pedra começaram a desabar. Um grande pedaço cairia na cabeça de Snape, se Amélia não o tivesse puxado.
O barulho ensurdecedor não os deixava se concentrar.
- O que agente faz?
Amélia gritara, sacando a sua varinha, enquanto Snape tomava forças sabe-se lá de onde e se levantava.
Uma parte inteira da parede caiu, fazendo entrar uma grande baforada de ar. Snape foi até o buraco que acabara de ser aberto, vendo, a mais ou menos uns vinte metros de queda, o jardim: Porém no chão uma plantação inteira das ultra-venenosas plotoeiras.
- Nós vamos pular!
Amélia foi para o lado dele.
O seu coração falhou quando viu a altura e onde deveria cair.
- Nós vamos morrer!
Uma pedra a acertou.
- Rápido! Enquanto caímos, use o aguamenti com o máximo de força que você puder empregar!
Era loucura, mas, quando mais uma pedra a atingiu, ela viu que não tinha muita escolha, senão pular.
E, de mãos dadas, os dois pularam.
Durante a breve queda, Snape causou uma explosão que abriu uma cratera no chão. O jato de água conjurado pela varinha de Amélia – e ajudado pela de Snape – serviu para encher a cratera, mesmo que precariamente.
E, com um barulho de água se espalhando – e um grito de Amélia – os dois caíram.
Um segundo depois, viram a torre desabar completa, bem ao lado deles.
A poeira que subiu foi acompanhada das tossidas do casal que tentava a todo custo escapar da muito profunda piscina improvisada.
- Você está bem?
Amélia deu um gemido.
- Estou... Sai do castelo, afinal. Você?
- Precisando de sangue.
Conseguiu, finalmente, sair da cratera. Ajudou Snape... Ele parecia tão fraco! Passou um minuto sentado, ofegando – e, enquanto isso, a torre voltava a se erguer.
- Temos que chegar à cabana...
Amélia mordeu o seu lábio inferior em desespero. Olhou para o barquinho ancorado há poucos metros dele e tentou sorrir, passando otimismo.
- Pelo menos agente já sabe como fazemos para chegar ao outro lado... Fora dos limites, poderemos aparatar.
Apoiando-o, Amélia caminhou até o barco. Rapidamente, dissolveu a corda com a água ácida do rio e acomodou-se junto com Severo no barco. Imediatamente, o caminho tenso até a outra margem começou.
E foi então que Amélia teve uma iluminação:
Aquela concha, quando segurada por um Comensal da Morte, ganhava o mesmo formato e tamanho da Marca Negra. Aquela água tinha queimado a pele de Amélia... Então, talvez...
- Severo, pegue a concha!
Com o rosto pálido, ele perguntou.
- Como?
- Pegue a maldita concha e a encha de água!
No momento em que ele segurou a concha, o formato mudou, tornando-se uma réplica perfeita da Marca Negra... E ele entendeu.
Cheio de esperança, ele encheu a concha com o ácido encostou-a em sua antiga Marca.
Amélia virou o rosto quando a fumaça e o cheiro de carne queimada começou a subir e empestear o ambiente.
Quando o barco atracou na outra margem, Snape baixou a concha e, dentro dela, dezenas de pequenos insetos que antes estavam comendo o seu sangue agora jaziam mortos no recipiente em formato de caveira.
Suspiros aliviados de ambos os lados puderam ser ouvidos.
Pela primeira vez em horas, Amélia sorriu verdadeiramente.
- Ainda quer conhecer nossos filhos, Severo?
Um tímido sorriso dançou nos lábios dele.
- Nós vamos sobreviver.
E, dizendo isso, ele se levantou, seguido por Amélia.
Ela segurou na sua mão e logo aparatou junto com ele, desaparecendo daquele belo cenário.
E, assim que desapareceram, uma criatura encapuzada e mascarada saiu dos fundos de um frondoso arbusto – um Comensal da Morte.
Lentamente caminhando até a margem...
O capuz foi abaixado e a máscara retirada, revelando o rosto envelhecido de Frederick Schwartz, que olhava esperançoso para a sua imagem refletida nas águas cristalinas. Um sorriso brincava em seus lábios finos.
- Amélia, Amélia... Quem diria que um dia eu finalmente conseguiria me vingar? Nunca esqueci do seu sorriso quando me viu na prisão... E nunca vou esquecer a sua expressão antes de morrer.
Sorrindo ainda mais abertamente, Schwartz sumiu.
XxXxXxX
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!