Visgo de Primavera



Capítulo III

Visgo de Primavera

Lilly não entendia o porquê de Tiago estar fugindo dela há mais de duas semanas. Ele, logicamente, já notara que toda aquela pose de ‘eu te odeio, Potter’, não passava de uma máscara. Ou pelo menos ela queria pensar isso...

-O que tem acontecido entre vocês, hein?- Narcisa perguntou discretamente para Lilly.

Tiago estava sentado no fundo da sala, ao lado de Sirius e Remo. Pedro dormia algumas carteiras à frente. Lilly olhou para o garoto que, imediatamente, desviou o olhar e fingiu estar conversando com Sirius.

-Seria melhor você perguntar o que não está acontecendo entre a gente.- ela falou, parecendo triste.

-Mas ele admitiu que gosta de você?- Lilly deu de ombros- Que você gosta dele eu já sei, Lilly, há muito tempo, desde quando vocês começaram efetivamente a brigar. Mas ele eu tinha minhas dúvidas...achava que você seria só mais uma conquista...

-Ele quase me beijou na enfermaria...- ela disse num sussurro.

-O QUÊ???- a turma se calou e olhou para as duas garotas. Narcisa olhou em volta- Desculpa...- e virou-se para a amiga novamente- ...digo, o quê?

-É isso, ele quase me beijou lá na enfermaria, no dia em que ele me trouxe lá de Hogsmeade...

-Então foi por isso que ele chegou daquele jeito lá no dormitório?

-De que jeito? Que dormitório?

-O dormitório masculino.

-O que você estava fazendo lá?- Narcisa corou intensamente.

-Eu...bem...eu estava com o Remo...

-Ah, Cisa... você ainda tem insistido com isso, não é?

-Eu o amo, Lilly, e não vou deixar que meus pais resolvam a minha vida por mim. Só porque eles querem que eu case com aquele brutamontes do Malfoy, não sei quanto mil anos mais velho do que eu, não quer dizer que eu efetivamente me case com ele. E, de qualquer jeito, o assunto aqui não sou eu. É você.- Lilly suspirou, vendo que ela voltara a ser o centro daquela conversa.

-Então, diz aí, de que jeito o Potter chegou lá no dormitório?

-Você ainda o chama de Potter, é?

-Eu sempre o chamei assim.

-É, mas depois que você beijá-lo vai ser esquisito chamá-lo pelo sobrenome.- Lilly corou.

-E quem disse que eu vou beijá-lo?

-E quem disse que você não vai beijá-lo?

-É, realmente, e você ainda não disse...

-...de que jeito ele chegou ao dormitório...- Narcisa completou, fazendo gestos frenéticos no ar- Certo, ele parecia ofegante, estava com os cabelos bem bagunçados...

-Cabelo bagunçado é natural nele...- Lilly falou.

-Certo, certo, mas estavam muito bagunçados. E, além do mais, ele estava com um travesseiro.

-Um travesseiro?

-É, bem...ali.- Lilly franziu o cenho.

-Bem ali onde?- Lilly olhou para os lados. Narcisa fez um gesto impaciente no ar e depois apontou para baixo.

-Bem ali...você sabe, ali... naquele lugar...- Lilly olhou para baixo e apontou.

-NAQUELE LUGAR???- novamente a turma olhou para as duas garotas. Lilly parou o gesto de ‘apontar para baixo’ imediatamente, corando como nunca corara na vida.- ...eu... me...desculpe...- ela virou-se para frente, afundando o rosto nas mãos. Então, num sussurro, Narcisa falou:

-Remo me disse que ele estava com ‘problemas hormonais’.

-Sério?- Lilly perguntou, num fio de voz.

-Sério.

-Mas isso não quer dizer nada.

-Como não? Talvez ele tenha ficado...bem...

-Como?

-...sabe,- ela chamou Lilly para que se aproximasse, de modo que pudesse dizer no ouvido dela-...aceso...- Lilly olhou surpresa para Narcisa e ambas abafaram risadinhas.

-Aceso, é?

E, nesse instante, o pequeno professor Flitwick entrou na sala, segurando uma pilha de livros duas vezes maior do que ele. As meninas se olharam e deram de ombros, ainda mantendo sorrisos discretos no rosto.

Tiago chamou Remo e Sirius para se aproximarem, de modo a falar-lhes algo num tom mais baixo possível:

-O que será que elas- e apontou para Narcisa e Lilly- estavam falando?- Sirius e Remo se entreolharam.

-O Aluado comentou com a namorada sobre o seu... uhm... probleminha hormonal daquele dia...- Tiago olhou de esguelha para Remo.

-Eu não me contive, Pontas... E além do mais, ela estava lá quando você chegou, e claro que ela ia me perguntar alguma coisa sobre o seu...estado ofegante...

Sirius e Remo sorriram, tentando não fazer barulho. Tiago ficou vermelho, procurando algum lugar para se esconder... os dois amigos apertaram as mãos num gesto de cumplicidade, vitoriosos por terem feito Tiago Potter corar.

-Ela me odeia!- Tiago falou, soando pesaroso demais, como se aquilo fosse o fim do mundo. Sirius de tapinhas nas costas do amigo.

-Você já deveria estar acostumado a isso, Pontas...- disse ele, soando engraçado e óbvio demais.

-----

Três semanas. Era esse o tempo que Lilly sequer olharam direito para Tiago. E esse também era o tempo máximo em que os dois não se falaram, ou brigaram, já que, até o episódio da enfermaria, os dois nunca tinham tido uma conversa civilizada. Aquela situação era bastante incômoda.

Lilly pegou o lírio que estava sobre o seu criado-mudo. Ele brilhava intensamente, e ela não se lembrava de já ter visto uma flor como aquela.

-Foi ele quem te deu?- Lilly sobressaltou-se.- Calma, garota, sou eu.

-Você me deu um susto, Cisa!- Lilly pôs a mão no peito e olhou para a amiga, que saía do banheiro encoberta por uma toalha- Você já não devia estar dormindo? Está tarde para você estar tomando banho, não acha?- Cisa deu de ombros.

-Eu estava com o Remo até agora.- ela disse, dando de ombros- Vamos fugir antes do ano terminar.

-Como???- as três outras meninas do dormitório se remexeram em suas camas e resmungaram alguma coisa- Silencio!- Lilly envolveu-as com um feitiço silenciador e prosseguiu- Vocês pretendem fugir???

-Meus pais estão pegando pesado comigo, disseram que assim que eu terminar o colégio vou me casar com o Malfoy, já marcaram até o casamento...- Narcisa sentou-se na cama de Lilly, prestes a chorar- será no segundo dia de julho...

-Mas isso dá um dia depois que sairmos de Hogwarts...- Narcisa confirmou. Lilly a abraçou, reconfortando-a.

-Eu não quero me casar com aquele brutamontes, Lilly... não quero...- e deixou que as lágrimas escorressem pelo seu rosto.

-Eu sei que não, Cisa.- Lilly afastou-se da amiga e fitou seus olhos azuis- Mas vamos encontrar um jeito de você se livrar dessa, certo? Por que você não conversa direito com o Remo? Ele é o único daquele grupinho idiota dos meninos que tem a cabeça no lugar, ele deve ter alguma idéia melhor do que fugir.- Narcisa deu um meio sorriso e, com rapidez, transformou sua toalha de banho em roupas normais e correu dormitório afora, parando para falar:

-Vou falar com ele agora mesmo!- antes de sumir.

Lilly fez um gesto com a cabeça, achando maluquice a reação de Narcisa. Bom, talvez o que Narcisa sentisse fosse mesmo algo bem maluco. Era amor. E o amor é algo que não se explica, é impulsivo. E Lilly sabia que Narcisa Black amava Remo Lupin mais do que tudo na vida, e que tentaria ficar com ele...uhm...para sempre.

Ela ainda olhou para a porta durante algum tempo, imaginando se algum dia teria alguém para amar como Narcisa tinha. Ou, se ao menos Lilly fosse capaz de admitir realmente que amava Tiago, talvez ficasse mais fácil. Ou, quem sabe, olhando para o lírio esquecido na cama, ela tenha admitido seus sentimentos.

A flor voltou para o vaso sobre o criado-mudo. Lilly fitou-a por breves segundos, imaginando o que faria com relação àquele que lhe dera o lírio e que quase a beijara...aquilo era complicado demais. Odiar uma pessoa e não ter noção do momento a partir do qual passou a amá-la.

Num salto, Lilly pegou a sua capa e saiu do dormitório. O salão comunal, provavelmente, era um bom lugar para se pensar. E, àquela hora, já de madrugada, não teria ninguém para incomodá-la.

Ela pegou um copo d’água da jarra sobre a mesinha, ao lado dos sofás, e sentou-se numa das almofadas mais próximas da lareira. O fogo ainda crepitava alto, e faíscas pulavam de toco em toco.

Algum tempo depois, como se quebrasse todo o silêncio que pairava no salão comunal, o barulho do quadro da Mulher Gorda soou alto e apressado, fechando-se em seguida. Lilly olhou para a passagem, mas não viu ninguém entrar ou sair. Ela voltou sua atenção para a lareira e, quase que instantaneamente, virou-se para a passagem novamente.

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Tiago já estava ficando maluco com toda aquela situação. Não bastasse a implicância de Sirius e Remo, que constantemente lembravam do episódio depois da visita à enfermaria ou, resumindo, de acordo com Remo, o seu estado ofegante, ainda tinha a distância que mantinha com Lilly, já que esta também mal olhava para ele.

Mas, provavelmente, o pior de tudo aquilo, era o pensamento persistente que assaltava a mente de Tiago: aquela era a última primavera dele em Hogwarts, e ele sequer falara a Lilly o quanto ele a amava, desde que a vira pela primeira vez. E ele também sequer teria a chance de levar um tapa na cara ou um beijo, com tal declaração.

Ele olhou mais uma vez para o céu, limitando-se a um suspiro de resignação. Se não agisse logo provavelmente perderia Lilly para sempre.

Em Hogwarts eles estavam seguros. Ali nada poderia atingi-los e, então, Tiago teria todo o tempo do mundo para conquistar a ruivinha Lilly Evans. Porém, em pouco menos de dois meses eles estariam para sempre fora de Hogwarts.

E no mundo real havia a guerra e o terror de Voldemort. E ali, todo o tempo era precioso e cada minuto poderia ser o último.

Tiago pegou sua capa de invisibilidade abandonada no chão e cobriu-se. Estava decidido. Ele não deixaria Lilly sair da sua vida em dois meses, e enfrentar uma guerra sem ele. Tiago Potter não deixaria que Lilly tomasse um caminho oposto ao dele assim que saíssem de Hogwarts. Falaria com ela na primeira oportunidade, e se declararia.

-Adsuesco Asuesco!- ele disse a senha.

-Potter! Potter! Perambulando pela escola novamente?- a Mulher Gorda questionou, sabendo que por trás da capa de invisibilidade estava o garoto de cabelos negros e olhos castanho-esverdeados.

-Pra não perder o hábito, senhora.- a voz sussurrou, aparentemente vinda de lugar nenhum. O quadro deu passagem e ele entrou.

Assim que botou os pés no salão comunal, viu alguém olhá-lo. Estava nas almofadas, próximo à lareira. Ele logo reconheceu a dona daquele par de olhos verdes: Lilly Evans. E ele realmente não esperava que uma oportunidade surgisse tão rápido...

Ela virou-se novamente para a lareira e ele, rapidamente, jogou a capa de invisibilidade para longe. Foi quando ela olhou para ele.

-Potter... como... mas como você...- ela levantou-se e foi até ele.

-Não, Evans, eu não aparatei. Lembro-me muito bem das vezes que você me disse, há muito tempo, que é impossível aparatar em Hogwarts.- ela franziu o cenho.

-Então como...- ele apontou a capa, estendida de qualquer jeito sobre o sofá.- Uma capa de invisibilidade?- ele assentiu- você não poderia estar por aí pelos corredores da escola, é proibido.

-Certo, certo, eu sei que é. E como monitora chefe você deve me tirar não sei quantos pontos... vamos lá, vá em frente... mas depois deixe-me dizer uma coisa que venho planejando há dias, OK?- ele disse de maneira apressada.

-O que foi agora, Potter?- ela perguntou desconfiada.

-Primeiro, vamos deixar de lado todas essas formalidades, por favor. Eu odeio quando você me chama de Potter, parece tão distante e alheia. E eu odeio quando eu te chamo de Evans, porque parece que eu te odeio, e isso está longe de ser verdade.- ela ergueu uma sobrancelha, e exibiu um meio sorriso, mas mesmo assim ainda parecia muito desconfiada.

-O que você quer dizer com isso, Po...Tiago?- foi a vez dele sorrir, satisfeito por ouvi-la falar seu primeiro nome pela...segunda vez?

-O que eu quero dizer, Lilly, é que você não é mais uma conquista pra mim.- ele falou, aproximando-se- O que eu quero dizer é que eu gosto de você, gosto mesmo...- ela, à medida que ele se aproximava, dava passos para trás- e eu não sei desde quando, mas eu sei que a partir de algum momento brigar contigo não era mais tão engraçado,- até que ela chegou à parede, sem ter mais como se afastar dele- e te chamar de Evans era horrível, e te ouvir me chamar de Potter doía. E eu estava ficando maluco diante da sua indiferença, porque você vivia me chamando de patético, abusado e idiota, e eu não sei desde quando eu mudei, mas se mudei foi por tua causa, para tentar conseguir pelo menos um sorriso teu...- ela fitou os olhos dele, olhando-os a fundo, e depois sorriu, sinceramente- e pelo visto eu consegui.

-Eu...- ela abriu e fechou a boca várias vezes, sem conseguir dizer nada. Então ele suspirou profundamente e, ainda olhando os olhos verdes dela, falou:

-O que eu quero dizer com tudo isso, Lilly Evans, é que- e ele suspirou novamente- Eu. Te. Amo!- e disse pausadamente.

Então ele se afastou e fechou os olhos, colocando as mãos à frente do rosto, numa posição de defesa, esperando, de alguma forma, que ela fosse dar um tapa nele. Segundos depois, vendo que não havia tapa nenhum, ele abriu um dos olhos, espiando o que acontecia em volta. Lilly olhava para ele, com um sorriso divertido, mas ainda um pouco surpresa diante da última informação que ele lhe dera.

-Você não vai me bater?- ele perguntou, ainda com um olho aberto apenas. Ela negou com a cabeça.

-Não depois do que você me disse. Eu não seria capaz.- ele abriu o outro olho e postou-se ereto, agora pouco mais confiante. E então ele se aproximou.

Ela novamente se afastou, chegando até a parede e sendo, de certa forma, presa por Tiago.

-Wingardium Leviosa!- uma voz, ao longe, soou, e Tiago e Lilly olharam para os lados. Acima deles, eles notaram, pairava um visgo.

Tiago olhou em volta novamente e viu, ao pé da escada do dormitório masculino, três pares de olhos - um castanho claro, e dois de um azul muito intenso – Remo, Narcisa e Sirius, claro. Mas Lilly pareceu não notar, e Tiago sequer se importou com a presença dos três ali. O momento estava perfeito demais para ser estragado.

-Visgo de primavera?- ela perguntou, fitando novamente os olhos de Tiago.

-Parece que sim...

Sem pedir permissão, Tiago apenas encostou os seus lábios nos de Lilly. A sensação inicial foi de que algo quente crescia por dentro, e ficava mais quente a cada momento, de modo que um beijo doce e infantil não seria o bastante.

E então Tiago colocou uma mão na cintura de Lilly, trazendo-a mais para perto, e ela abraçou-se ao pescoço dele. Ele sentiu que Lilly abria levemente a boca, tentando aprofundar mais o beijo. E ele sentiu-se feliz por isso, por ser correspondido, tendo a certeza de que ela também o amava.

O visgo, acima deles, brilhava intensamente. E, à medida que o tempo passava, o visgo se desfazia em pontinhos coloridos, que cobriam os corpos daqueles dois adolescentes que, finalmente, descobriam o amor.

-É estranho, não é?- ela sussurrou, abraçando-se a ele- Você acha que isso vai dar certo?- ele afastou-se dela, mas ainda a mantinha segura pela cintura, e fitou os olhos verdes dela, que brilhavam mais do que nunca naquele momento.

-Acredite, Lilly, o nosso amor ainda vai virar uma lenda.- ele disse com toda a sinceridade possível, fazendo-a ter certeza de que aquele garoto de cabelos pretos e rebeldes, e olhos castanho-esverdeados sob óculos redondos e pretos, que um dia ela achara tão esnobe e nauseante, era o homem de sua vida.

E então ela teve a iniciativa de beijá-lo. Dessa vez com muito mais amor do que antes. Um beijo muito mais caloroso e apaixonante. Porém, foi durante esse beijo, que Lilly teve um certo receio. Pela primeira vez ela teve medo de perder Tiago...

x.x.x

continua...

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