Ciúmes
Capítulo 8
Um adolescente distraído, 16 anos recém completos, brincava rolando um pergaminho com os dedos. Estava refugiado sob a sombra de uma árvore no jardim bem cuidado da rua dos Alfeneiros n°4. Era um fim de tarde quente no início de agosto, o silêncio inusitado se devendo à ausência dos parentes do rapaz, cada um preocupado com sua própria vidinha comum, extraordinariamente banal, uma vidinha que nunca usaria palavras como extraordinário. Quanto ao rapaz, sim. Extraordinário era a vibração que exalava por todos os seus poros. Saltava aos olhos que Harry Potter era admirável, formidável, em outras palavras, extraordinário. Coisa que os Dursleys não podiam compreender e muito menos perdoar.
Harry rolava o pergaminho, o papel não aparentando ser velho, mas parecendo bastante manuseado, fazendo crer que fosse importante, como uma carta querida. Seu conteúdo, que o rapaz agora relia, confirmava as suspeitas.
“Harry,
não te vejo desde que o Expresso de Hogwarts parou em King’s Cross. Não tinha muito a dizer então. Nem tenho muito agora, exceto que sinto sua falta.
Sirius se foi, ainda não consigo pensar nisso sem um aperto na garganta. Minha mãe me deu algumas fotos dele quando jovem, vi por seus olhos vermelhos que ela tinha chorado, pensando no quanto a vida foi injusta com ele, talvez. Foi assim que me senti o verão todo, enquanto lia as cartas de Hermione, de Phillys, enquanto guardava as fotos antigas de novo em seu velho baú. Fico doente ao olhá-las. Ainda é cedo demais. Quem sabe quando o tempo passar a gente não possa olhar juntos tantas outras fotos lacradas naquela arca? Fico ainda mais doente quando te imagino sozinho, trancado com seus tios. Você não é dado a confidências, mas sei que seria bom ter alguém pra segurar sua mão, pra poder contar. Se isto estiver correto faz de conta que estou perto de você. Meu pensamento está.
Não faço idéia do lugar onde estou escondida, meu pai pareceu não me achar digna de confiança pra ter esta informação. Depois de nossa pequena aventura no Ministério não posso sequer resmungar contra isso. Felizmente ainda voltarei à Hogwarts. Seria de se esperar que me mandassem para a China ou para a lua, mas devo minha estrela à minha mãe, que após uma discussão à portas fechadas (e à prova de orelhas extensíveis), me informou que meu pai havia cedido. Vovó diz que nunca viu meu pai sair de uma discussão tão derrotado.
O rescaldo do retorno das trevas e alguns poucos espiões bem plantados, nos faz crer que nosso nome já não é tão secreto assim, talvez seja este o motivo da escola ser o lugar mais seguro pra gente como eu, e também esta deve ser a razão de meus passos serem vigiados dia e noite por um auror, projeto de carteiro, que faria o Pirraça parecer a mais agradável das companhias.
Estas são as piores férias de todo o sempre.
Joshua não me escreveu, acho que a conversa de permanecermos amigos não deu resultado. Soube por Mione que ele conseguiu entrar no curso para curandeiro, queria poder dar os parabéns, mas fico feliz de todo jeito. Eu não deveria estar sentindo falta dele, mas estou. Sinto falta de Ron e Hermione, Luna e Neville, mais trinta e tantos colegas que me lembro agora, mas ninguém me faz tanta falta quanto você. No meio de tantas mentiras sei que posso ser verdadeira com você. Nada paga a sorte de ter te conhecido, por que somos amigos, somos iguais.
Te vejo em breve,
Celina Lux.
PS: Muito assunto pra quem não tinha nada a dizer.”
Ele terminou de ler e passou a mão pelos cabelos arrepiados. Era difícil não pensar nela, difícil não pensar em Sirius, nos últimos acontecimentos do semestre passado. Ela estava certa, estava com o corpo trancado enquanto seus pensamentos viajavam velozes procurando algo que lhe trouxesse consolo, alguém que simplesmente segurasse sua mão e ficasse a seu lado vendo o dia terminar. Seria perfeito se fosse ela.
Em outras circunstâncias estaria dando pulos de alegria. Celina tinha terminado com Joshua pouco depois da esparrela no Ministério. Mas a perda de Sirius mudava tudo. Nos dias que antecederam as férias somente pôde se preocupar com isso e com o fato de que havia uma profecia que o condenava a matar ou morrer. Durante a viagem de volta ele notou que Celina ficara horas conversando e se despedindo de Joshua em outro vagão, permanecendo muito quieta quando voltou ao seu lugar, perdida na paisagem da janela. Nem assim ele se sentiu enciumado. Ela estava sozinha, estava livre. Nem assim ele se sentiu feliz.
Agora, com a carta dela nas mãos, o que sentia de verdade era vontade de lhe contar sobre a profecia, devolver a confiança que ela tinha posto nele. Mas feliz... ainda não podia dizer que estava. Quem sabe nos próximos dias, quando Dumbledore o levaria para a Toca.
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- Não posso te obrigar a dizer o que aconteceu de verdade, nem te forçar a ficar comigo. Eu estou totalmente impotente... e isso é um saco. E mesmo assim consigo ser patético o suficiente pra achar que seria incrível a gente junto.
- Foi incrível. – Celina sentia os cabelos fustigando seu rosto em leves chicotadas, tal a força do vento. Poderia ter começado esta conversa em qualquer outro lugar, mas no seu entender a beira do lago era onde tudo tinha começado, portanto onde tudo deveria terminar. – E nunca diga que é patético.
- Isso não chega a ser surpresa de verdade, eu nunca fui tão próximo, tão importante como outros... – ele interrompeu sem querer escutar.
- Você é importante. – ela precisava encontrar um jeito de fazer isso sem magoá-lo. Não ia suportar perder definitivamente mais alguém naqueles dias.
- Como Hermione? Ronald? Importante como Harry Potter? – Joshua deixou um travo de mágoa pontuar sua frase final. – Acho que não.
- Isso não é justo Josh, eles são minha família em Hogwarts.
- Justo? Justiça é uma palavra que não cabe nessa conversa. – ele pareceu perder a paciência. - Justiça seria saber o que te aconteceu, o que são esses arranhões nos seus braços, por que Hermione Granger está internada na enfermaria ou por que você tem passado dias e dias apática como uma boneca de cera.
- Eu caí de uma escada. – ela falou simplesmente.
- Celina... – ele levantou as mãos descontente, sem querer ouvir subterfúgios.
- Eu caí de uma escada no Ministério da Magia. Fui atingida por uma azaração jogada por um Comensal da Morte. – ela falou sem energia, apenas querendo se livrar logo da informação.
O semblante no rosto do rapaz ficou sombreado. Ela viu que com sua percepção apurada ele soube que era verdade e também não chegou a se surpreender. Coisas estranhas aconteciam com ela. Celina gostaria de perguntar o que se passava pela sua cabeça, mas sabia que não tinha esse direito. Não enquanto negaria qualquer outra pergunta sobre o assunto.
- Você não vai dizer nada mais sobre isso, não é? – ele perguntou triste.
Ela apenas sorriu sem alegria fazendo que não.
- Então eu acho que preciso me afastar de você agora. – ele falou com a mesma tristeza.
- Por favor, não vamos acabar assim... eu gosto muito de você.
- Mas não o bastante pra ficar comigo, não o bastante nem pra confiar em mim. - ele pôs os olhos magoados nela. - Só me responda uma coisa, Celina. É a última pergunta que vou fazer. Isto tem alguma coisa a ver com Harry Potter?
Ela ficou calada, mas seus olhos devem ter transmitido algo como lealdade por que foi a vez de Joshua sorrir amargo:
- Você já respondeu. – ele a afastou gentilmente de sua frente. – Também não quero terminar assim, mas por enquanto é melhor eu ficar longe, você não está me fazendo muito bem.
Celina se revirou na cama se lembrando de como aqueles últimos dias de aula foram terríveis, do quanto foram solitários sem a alegria contagiante dele. Tinha que ser feito, sabia disso. Também sabia que precisavam conversar direito, se despedir direito, mas somente nas últimas horas dentro do trem tinha decidido ignorar a decisão dele e se aproximar. Tinha batido em sua cabine, os colegas dele saíram entre curiosos e brincalhões, as cortinas foram fechadas e minutos constrangidos se tornaram horas de conversa difícil, mas honesta. Antes dela sair ele tinha chamado seu nome, ela jamais se esqueceria da surpresa de ser espremida na porta da cabine por um Joshua intenso, num beijo de despedida que durara muito mais do que a razão se lembrava.
- Adeus, fadinha. – ele tinha acariciado sua bochecha saindo da própria cabine, a deixando sozinha e descomposta.
Ela voltou para os amigos com uma sensação de perda egoísta. Não amava Joshua, mas era bom demais te-lo consigo.
Com o passar das semanas, enquanto ficava presa dentro daquela casa, a sensação de perda se espalhou para tudo o mais, escola, quadribol, amigos, e Harry voltou a se tornar seu pensamento e saudade mais constante. Foi quando a carta nasceu.
Num cantinho de seu cérebro, Celina sabia que Joshua tinha razão, ele jamais seria tão importante em sua vida como Harry. Era quase como se Harry fosse parte dela.
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- Anda meninos, ajudem Hermione com a bagagem. – Molly Weasley pedia ajuda pela garota que puxava um pesado baú com um braço e segurava um gato esperneante com o outro.
Ron tentou pegar a alça do malão, mas tendo tocado nos dedos da garota recuou a mão como se tivesse tocado em fogo. Tinha algo estranho com aqueles dois, pensou Harry substituindo o amigo na função de ajudar a amiga. Ela tinha aparecido na Toca nos últimos dias de férias, se portando quase como sempre, exceto que às vezes ela e Ron pareciam estranhamente formais em alguns momentos, uma coisa que Harry já tinha notado no final do quinto ano. Era certo ter acontecido alguma coisa, mas ele não estava disposto a se intrometer.
A senhora Weasley abraçou cada um fazendo as recomendações de praxe e se foi acompanhada por Tonks e Lupin, que guardavam sua retaguarda. Outros dois aurores permaneceram por perto esperando o Expresso de Hogwarts partir em segurança. Era um esquema de proteção necessário naqueles tempos, mas que sempre irritava Harry.
- Deixa que eu faço isso. – Ron já refeito da confusão, tomou o malão de Hermione das mãos do amigo e se espremeu por entre o punhado de alunos que congestionavam a porta do vagão.
- Você já viu Celina? – Hermione lançou um de seus olhares a Harry, fazendo o bruxo parar de girar a cabeça e se voltar rapidamente para a colega.
- Não estava procurando.
- Ah, tudo bem, - ela se virou impaciente, o gato se contorcendo em seus braços. – quando você a encontrar diga que já estou voltando. Acho melhor acomodar o bichento e ver onde Ron enfiou meu malão.
No momento em que ela se foi, a cabeça do bruxo voltou a sondar a plataforma. Um número incomum de pessoas se juntava próximo àquele vagão, fazendo Harry se perguntar o que haveria de tão interessante por ali. Teria ficado surpreso em saber que a razão era o próprio. Graças ao Profeta Diário sua aventura no Ministério já não era segredo para ninguém, o que lhe conferira uma aura de herói predestinado aos olhos dos estudantes e bruxos em geral.
Ele fez uma volta com o corpo se deparando com Cho Chang. A oriental o encarou curiosa numa expressão de crescente interesse em seu rosto bonito. Ele conhecia mais daquela garota do que ela podia imaginar e não estava nem um pouco disposto a repetir o relacionamento “tocante” do último ano. Harry olhou divertido para ela e se desviou deliberadamente para outro lado. Então a chinesa foi varrida de sua mente. Celina Lux. Ele havia focalizando o objeto de sua procura. Se seus olhos pudessem teriam dado um longo assovio. Ela estava a mesma, mas estranhamente diferente, como se umas poucas semanas tivessem dado um acabamento mais adulto a suas feições. Aquela não era mais uma garota sapeca, era uma jovem que atraía e tentava, mesmo estando parada. Um ar mais sombrio tinha se instalado em seu rosto, algo que combinava com sua postura displicente tanto quanto uma risada escancarada o faria. Mais uma combinação ambígua para a jovem que tinha tantas facetas quanto o cristal que carregava no pescoço. Era uma garota de calça jeans, tênis e camiseta. Não era sexy, era sensual. Era discreta, mas se destacava na multidão.
Enquanto abria caminho por dezenas de garotas que se riam bobamente, “O que tinha de errado com elas?”, o rapaz ia descobrindo realmente o quanto tinha sentido falta daquela garota.
Celina girou a cabeça até ver Harry emergir de uma massa compacta de meninas suspirantes, seus olhos se encontraram e ela sorriu levemente com o canto da boca.
Harry estava tão absorto em sua visão que só a meia dúzia de passos notou que Celina estava junto a um casal. Ele constatou espantado que aquela ao lado só poderia ser Florência Lux. A antiga namorada de Sirius, que se parecia com uma versão mais adulta e serena da filha, um possível espelho do futuro. Num átimo de segundo se lembrou de ter visto na penseira, em seu quarto ano, um Dumbledore paciente perguntando à jovem Berta Jorkins por que seguira um determinado casal.
“- Ele me azarou, Professor Dumbledore, e eu só estava brincando, só disse que o tinha visto beijando Florência atrás das estufas na quinta-feira passada...
- Mas por que, Berta – disse Dumbledore tristemente, fitando a menina -, por que você teve que segui-lo, para começar?”
Nunca mais tinha se lembrado disso, mas era evidente que devia se tratar de Sirius e Florência Lux. Harry entendeu o padrinho e sorriu de lado achando graça que pudesse estar gostando da filha que Sirius teria tido se a vida fosse diferente.
Celina completou os passos que os separavam e o abraçou levemente.
- Legião de fãs, Potter? – ela cochichou em seu ouvido. As sobrancelhas dele se ergueram indagadoramente. – E eu com pena por você estar sozinho... Venha conhecer meus pais. – ela o puxou pela mão.
Só então ele focalizou o bruxo imponente parado ao lado da mulher loira. Gabriel McGregor o olhou com curiosidade.
Celina o apresentou e o homem apertou sua mão de igual para igual.
- É um grande prazer. Há muito tempo quero conhecer o assunto inesgotável de minha filha. – falou descontraído, sem sequer dar a entender que pudesse ter ficado furioso por Harry ter metido a garota numa luta com Comensais da Morte. E logicamente tinha ficado.
- Você não parece nada difícil, mas Celina também não. – Gabriel o mediu com um indício de sorriso no rosto. - Tenho a sensação de que não gostaria de estar no lugar de Dumbledore, trancado com vocês dois naquele castelo.
Não era impossível gostar de Gabriel McGregor, pensou Harry aliviado. Quando se voltou para a mulher notou que esta tinha os olhos nublados de lágrimas.
- Sim, é o filho de Lily Evans. - ela disse olhando em seus olhos. – Não importa o quanto se pareça com James, o que eu vejo é Lily em você. – e abraçou Harry emocionada deixando o rapaz extremamente encabulado.
- Mamãe, você prometeu... – Celina falou derrotada.
- Eu sei, eu sei. – ela soltou Harry do abraço. – Me desculpe, são muitos anos de saudade...
- Não tem problema. A senhora era hum... amiga da minha mãe, não era? – ele falou cordialmente, ajeitando os óculos tortos no rosto.
- As melhores amigas. Celina tinha apenas três meses quando você nasceu. Por segurança nós tínhamos saído do país, então nunca pude te conhecer. Foram anos desejando te ver, mas Dumbledore era muito rigoroso em não chamar atenção sobre você enquanto estivesse com seus tios.
Harry assentiu com um “Não tem problema”, mas a bruxa continuou:
- Eu quis te adotar, sabe, tentei de todas as formas, mas Dumbledore foi irredutível. – Florência passou a mão levemente pelo rosto dele.
“Ela quis me adotar? Eu seria criado como irmão de Celina?”, ele pensou confuso. Seria bom crescer rodeado de amor, mas complicado demais em relação a seus sentimentos pela garota. Harry estava certo ao pensar que a convivência só o teria feito se apaixonar mais cedo ainda.
- Então só pude torcer de longe para que você fosse feliz, se tornasse um bruxo forte e admirável. Pelo que Celina nos diz você se tornou isso e muito mais.
- Mãe! – a garota estava escarlate. – Daqui a pouco o Harry vai achar que somos adoradores fanáticos.
Mas apesar do embaraço o rapaz tinha ficado imensamente feliz com o comentário. Celina tinha opiniões lisonjeiras sobre ele.
Ron e Hermione também chegaram a tempo de conhecer os pais da amiga. O ruivo ficara boquiaberto diante de Florência. Considerando Madame Rosmerta, ele sempre tivera uma inclinação por mulheres mais velhas. Eles ainda conversaram um pouco antes de embarcar, Florência fazendo Harry e os outros prometerem visitá-los quando as coisas acalmassem. Harry nem se importou quando a bonita bruxa o apertou num abraço final.
Já no vagão, Ron e Hermione se retiraram para a costumeira ronda e enquanto o trem ganhava velocidade, Harry e Celina se recolheram à sua cabine.
- Desculpa, ela não costuma ser assim. Geralmente é um poço de tranqüilidade. – Celina falou sobre a mãe e se jogou no sofá da cabine, deslizando as costas pelo encosto.
- Então ela quis me adotar? – Harry falou quase que para si mesmo.
- Isso também foi novidade pra mim. Pela paz de espírito dela foi bom não ter conseguido. – ela disse divertida. – Se eu sozinha fui uma hecatombe, imagina o estrago que a gente faria juntos?
O bruxo concordou soltando boas risadas.
- Como foi sua infância? – se interessou o garoto, coçando as orelhas de bichento.
- Feliz, um pouco solitária também. Tirando Phillys e Dimitri não tinha muitas crianças por perto. Só os pivetes emproados das festas de sociedade.
- Malfoy estava incluído?
- Claro. Apesar de que ele nunca me incomodou. Costumava ficar me seguindo, era até cansativo, mas não fazia por mal.
- Então foi um amor de infância...
- Não enche. – ela sorriu para os pés.
- Aposto que você também fazia sucesso entre os outros garotos.
- Acredite, eu não era flor que se cheire. – pelo olhar matreiro que ela lançou, Harry imaginou o monstrinho em pele de anjo que tinha habitado aquele corpo.
“Que talvez ainda habite”, ele se desviou da paisagem da camiseta justa dela, olhando para o corredor em busca de pensamentos mais inocentes. Um minuto perto dela e já estava se comportando como um maníaco.
- Vou buscar alguma coisa pra comer. Pra quando o Ron e a Mione voltarem da patrulha. – ele se precipitou. – Quer algo?
Ela fez que não e ficou sozinha achando que Harry estava meio estranho. Estava observando bichento se espreguiçar no banco da frente quando pressentiu alguém na soleira da porta. Virou a cabeça na expectativa de ver o amigo de volta, mas se deparou com Draco Malfoy. Desde aquele último verão, debaixo da cerejeira, os dois tinham se evitado mutuamente, as palavras ásperas do jogo final de quadribol não ajudando a alterar a situação. “Muito menos a prisão do pai dele”, pensou a bruxa sem nem se mover no assento.
- Tomara que você não esteja esperando um convite pra entrar. – ela falou friamente.
- Nah, só apreciando a vista. – ele se encostou cinicamente no batente da porta.
- A vista prefere não ser apreciada. – ele parecia muito arrogante pra quem tinha o pai trancafiado em Azkaban.
- Tsk, tsk, tsk – ele apertou os olhos cinza, divertido. – Quando nos casarmos você vai precisar moderar esse gênio difícil. O gosto então, nem se fala. – ele passou os olhos por suas roupas.
- E então ele acordou. – ela estalou os dedos falando para bichento. – Ou ele apenas queria me fazer rir? – o gato balançou o rabo como se desse de ombros. – É eu sei, ele definitivamente não é engraçado. Deve ter sido sonho.
- Mas meus sonhos costumam virar realidade, minha linda. Agora mais do que nunca. – o sarcasmo escutado não tinha tirado o sorriso dos seus lábios. Podia-se até arriscar que ele estivesse gostando de ser provocado.
Ela o olhou pelo o rabo do olho e tornou pesarosa para o gato, falando num tom sigiloso:
- Mau sinal, loucura congênita, já li que nesses casos é melhor não contrariar. – então se voltou para Malfoy. – Meu vestido de núpcias está pronto, é belíssimo, metros e metros de calda. Eu até te mostraria, mas dá azar. – ela parou um pouco pensativa. – Mas pensando melhor, pode ver, se eu me casar com você não tem jeito do azar ficar pior.
Draco então fez a coisa mais inimaginável do mundo, começou a rir.
- Você está drogado? – ela falou incrédula. – Tomou poção vencida? Ou eu só perdi meu poder de te irritar?
- Não, você continua um pé no saco – ele disse segurando o riso. – Mas é o que mais me atrai em você, sempre brincando com fogo.
- Ah, Deus, você se acha perigoso? – foi a vez dela sorrir. - Eu tive um Mini-Pufe mais ameaçador que você.
- Celina, sou mais perigoso do que você pode imaginar. Você ficaria surpresa com o que meus “novos amigos” sabem, um deles em particular. – os olhos rutilaram de satisfação e maldade.
“Ele está jogando verde”. Ela o encarou sem demonstrar temor, mas seus olhos incertos já não refletiam ironia. “Se ele estivesse ameaçando sua família...”
- Tem certeza que não tem nenhum calouro pra você amedrontar com suas historinhas? Aproveite enquanto eles ainda te acham assustador – ela ergueu a mão acenando. – Enquanto isso adeus, o mirante acabou de fechar. – já tinha perdido tempo demais com ele.
- Não fique preocupada, eu nunca machuco quem amo. – ele tornou sarcástico. - Quanto às roupas, não que te caiam mal, é que eu gostaria de te ver de novo com um vestido de festa... ou sem nada. Qualquer uma das opções seria encantadora.
Ela lançou um olhar irritado para o loiro, suas mãos coçando de vontade de apanhar a varinha. Draco pareceu perceber o que ela estava pensando.
- Te vejo em Hogwarts, minha linda. – ele se retirou pelo corredor dando um esbarrão proposital em Harry, que vinha na direção oposta. Os dois se olharam como cães de briga, em outra ocasião teria havido uma chuva de azarações, mas Malfoy não pareceu disposto a continuar a provocação e Harry se preocupou em ver Celina.
- O que aquele pulha queria? – disse jogando as guloseimas no assento.
- Apreciar a vista – a bruxa observou bichento miar pondo seus olhos amarelados sobre ela. – Ganhar uma inimiga. Conseguiu as duas coisas.
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Os garotos estavam descendo da carruagem puxada por Testrálios, tinham estado anormalmente quietos no percurso da estação até a escola. Harry tinha contado aos amigos, ainda no trem, sobre a profecia e suas implicações. Tinha recebido todo apoio de que precisava e fora até engraçado ver Ron engasgando com uma tortinha de abóbora tentando disfarçar o quanto ficara chocado. Entretanto Harry sabia que eles precisariam de um tempo para digerir a nova situação.
Estavam atravessando o saguão de entrada quando Celina falou de modo que apenas ele escutasse:
- Talvez minha missão na vida seja ser sua guardiã.
- ?
- Se minha família precisa lutar contra as trevas e você é quem deve derrotar Voldemort, então tenho que te ajudar no que puder.
Ele a olhou surpreso. De forma nenhuma queria Celina enfiada nessa história, a luta de morte seria entre ele e Voldemort, ninguém mais. Mas antes que pudesse verbalizar seus pensamentos, eles escutaram o barulho inconfundível de uma bexiga d’água acertando o chão e um baque estrepitoso atrás de si.
Hermione tinha escorregado na água e estava esparramada no chão de pedra, as bochechas da cor de maçãs maduras. Do teto, Pirraça gargalhava com o malfeito. De pé, bem perto dela, Parvati Patil apanhou do chão um livrinho de capa vermelha que aparentemente escapara das vestes de Mione. Ninguém pareceu notar o fato.
Harry se adiantou para ajudar a garota vexada, mas Celina o segurou pela manga das vestes. Ron já tinha se adiantado levantando a garota com facilidade e delicadeza.
- Você está bem, Mione? Não se machucou? – o rapaz a olhou preocupado, seus olhos azuis procurando por hematomas inexistentes.
- Eu... fica... bom. - Hermione parecia sequelada. Ter Ron novamente tão perto a deixara sem reação e definitivamente sem nenhuma coordenação verbal. De repente aquela noite secreta, tão duramente negada por sua mente racional, voltou em todos os detalhes. O calor da pele dele, seu cheiro, suas mãos sobre ela, suas bocas juntas. Ao cruzar seu olhar com o de Ron percebeu que a lembrança não era unilateral.
Eles escutaram Lavender e Parvati começarem a rir. Não viram que apesar das risadas a primeira tinha um brilho duro no olhar. Os risos finalmente acordaram Hermione, a fazendo se desvencilhar do ruivo com enorme rapidez.
- Idiotas... – murmurou Celina enquanto se dirigiam com Hermione para o salão principal.
Já estavam acomodados na mesa da Gryffindor quando Lavender disse numa vozinha ensaiada:
- Ah, Hermione... – ela falou baixinho, mas ainda assim de jeito a fazer Ron escutar. – Acho que isso te pertence.
A garota se precipitou por cima da mesa, arrebatando o diário das mãos da colega.
- O que isto está fazendo com você? – ela perguntou nervosa.
- Você deixou cair no saguão, não é Parvati? – ela tornou para a amiga fingindo inocência.
- Você leu? – Mione estava pálida.
- Depende... Se você estiver se referindo à parte onde você e Victor Krum ficaram juntos na biblioteca... Bem, posso ter dado uma olhadinha sem querer.
Hermione passou de pálida à vermelha em um segundo. Mas não se comparava a Ron, o rapaz tinha o rosto incandescente de choque e raiva.
- Também vi um desenho de um coração com umas letras dentro. – Lavender continuou impiedosa. – Mas não me lembro bem quais seriam... – era mentira, as letras estavam marcadas à fogo em suas retinas: HG e RW.
- É melhor fechar a boca, Lavender, - Celina, ao lado da amiga, ameaçou. – antes que alguém faça isso por você.
- Claro. Dumbledore já vai começar o discurso mesmo. – a garota deu uma última olhada satisfeita para o rosto carrancudo de Ronald. Seu plano parecia ter dado muito certo.
Lavender tinha atirado no que viu e acertado o que não viu, como diz o ditado. Nos próximos dias Ron tratou Hermione com um desdém irônico, e na tentativa de ferir a garota começou a desfilar com Lavender por toda a escola. Em sua imaginação fora de controle, o ruivo pensava que a garota ainda gostava do búlgaro e que estivera apenas curtindo com sua cara na malfadada noite do fire whiskey.
Como conseqüência dos maus tratos e do ciúme que a corroia por dentro, Hermione parecia querer pulverizar Ronald Weasley de sua vida. Quando por acaso ficavam a sós, faíscas de ódio eletrificavam o ar. Com a grande competência da bruxa em toda sorte de feitiços, Celina e Harry temiam que qualquer hora dessas Ron fosse transfigurado em purê.
As coisas só pareceram se aliviar razoavelmente quando Harry informou aos amigos que teria encontros particulares com Dumbledore naquele ano e que toda ajuda que recebesse seria bem vinda. Falou isso dando a entender que precisava de todos unidos. A união não aconteceu, com Ron e Lavender colados como duas enguias seria demais esperar por isso, mas pelo menos houve um pouco mais de paz. Mione transformara sua fúria assassina em algo como indiferença gelada.
- Ron é só um insetinho. – Hermione dissera à Celina naquele café da manhã. - Incomoda, mas é insignificante demais pra fazer mal a alguém.
Celina reparou em Lavender com os braços no pescoço do rapaz. Mione podia tentar se convencer de que o ruivo nada significava, mas seu olhar magoado a traía constantemente. Olhando para Harry a seu lado, Celina agradeceu mentalmente que não precisassem passar por esse tipo de situação. Ainda bem que nenhum dos dois achava o outro atraente. Hormônios estragam tudo.
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De acordo com sua observação cotidiana dos colegas, Celina podia dizer que alguma coisa muito estranha vinha acontecendo. Desde que pusera os pés em Hogwarts, mesmo antes disso, no trem para a escola, as pessoas pareciam estar olhando de um jeito engraçado pra ela, atencioso demais, em sua opinião. Devia ter alguma coisa errada com ela. “Uma verruga crescendo no meu nariz”, Celina riu sozinha atraindo alguns olhares enquanto seguia pelo corredor.
- Oi, McGregor, boas férias? – um belo rapaz negro passou por ela devagar, o desdém costumeiro substituído por uma curiosa deferência.
Celina se limitou a balançar a cabeça, meio reticente. Desde quando Blaise Zabini falava com ela? Com a traidora do sangue que jogara um balde de bosta de dragão em sua cabeça esnobe quando tinham 8 anos de idade? Ela podia apostar que ele não tinha esquecido. Ela pelo menos, não.
Melhor descartar a idéia da verruga. Dumbledore devia ter colocado Poção da Simpatia na água.
Ela entrou na sala comunal não se incomodando com o olhar presunçoso que Lavender Brown lhe lançou cutucando em Parvati, então se lembrou do diário, da sacanagem com Hermione. “Pensando melhor...”
- Ei, Lavender, - Celina gritou parando a alguns passos e logo mudando para um tom confidencial que atraiu muitas orelhas curiosas. - Mark Norton andou me escrevendo no verão. Ele era monitor chefe no quarto ano...
- Eu me lembro bem quem era. – Lavender falou rispidamente.
- É claro que lembra. – Celina piscou para a garota que a olhou sem entender coisa nenhuma. - Mark te mandou lembranças. Disse que nunca vai esquecer o quanto te fez sofrer, sabe... sobre aquele fora naquele dia.- algumas pessoas esticaram o pescoço para escutar melhor, de fato um terceiranista chegou a cair da cadeira. – Ele acha que você devia parar de mandar poemas e fotos, por que já está ficando constrangedor. Disse também que sente muito, mas que é pra você não se desesperar, um dia passa.
Os colegas riram. A colega a fitou lívida.
- Sua...
- Sua? – Celina pôs a mão em concha no ouvido olhando para a outra significativamente.
Lavender fechou a boca tremendo de indignação, e puxando Parvati saiu da sala sem dizer mais uma única sílaba.
Era mentira, Celina não se correspondia com Mark, duvidava que fosse vê-lo novamente e nunca soubera de fora nenhum. Mas Lavender não podia dizer isso. O que a colega sabia era que Celina a tinha visto numa posição um tanto comprometedora com Christian Kane no final do último ano. Por serem amigos, Celina jamais trairia o colega, mas Lavender não sabia disso. Só sabia que o capitão da Hufflepuff tinha uma namorada de um metro e oitenta bem desagradável e bastante agressiva. Melhor levar um histórico pé na bunda hipotético do que perder os dentes de verdade.
“Por Hermione”, pensou a garota satisfeita. Não era o soco que ela merecia, mas já era um começo.
Ela viu uns cabelos negros espetados atrás de uma dezena de livros. Ele estava tentando construir um forte? Parecia tão alheio que nem viu ela se aproximando.
Celina soltou seus livros e se inclinou para o pergaminho por trás de Harry.
- Trouxe mais uns tijolos pra sua muralha. – ela riu bagunçando mais ainda o cabelo dele com a mão e se debruçando sobre a mesa para ler melhor. – Dever pesado?
Harry se voltou divertido, tinha escutado a provocação e estava querendo perguntar se ela andava treinando tiro ao alvo em Lavender. Quando abriu a boca a pergunta foi esquecida, de onde ela estava ele enxergou muito de perto o colar perdido dentro da blusa, embora não fosse o colar a causa da perda de memória ou do arrepio que subiu veloz por sua coluna.
- Nada demais. – ele desviou depressa o olhar para baixo, mas não foi melhor, a saia escocesa também não deixava muito lugar para a imaginação. Aquela garota era completamente, totalmente... gata.
- Esqueceu metade da saia? – ele disse querendo parecer sério. – Você está com...
- As pernas de fora? – ela riu para o dever de transfiguração. – Que foi? Está te tirando a concentração?
- Tiraria a concentração até do Prof. Binns.
- Antiquado! Bruxo da idade média! É o que você é, Potter. Pra seu governo eu usava esta mesma saia no quarto ano e não me lembro dela causar tanto frisson. - ela se sentou na cadeira ao lado.
- Você deve ter crescido. – os olhos dele pareciam ter vontade própria. - Ou a saia encolheu.
“Ela precisava mesmo cruzar as pernas?”
- A saia não encolheu. E eu estou quase do mesmo tamanho, ou seja, uns dez centímetros mais alta que você.
- Se levante, por favor. – Harry ficou de pé, um sorrisinho superior brincando em sua boca. “Se ela quer brincar, vamos brincar.”
Ela se levantou condescendente.
- Precisa de uma régua? – o sorriso dela morreu quando ficou frente a frente com ele e precisou levantar a cabeça para ver seus olhos. – O quê?
- O que você dizia? – os olhos verdes dele se estreitaram, o sorriso ainda na boca.
- Quando foi que você ficou deste tamanho? – ela fitou o corpo dele desconcertada. – Quando foi que você arrumou... isso?
“Braços definidos, pernas fortes... aah”. Ela tinha andado com uma venda nos olhos, por acaso?
- Durante os últimos três anos. – ele a fitou direto nos olhos. – Gostaria de conferir?
Ela sentiu seu rosto esquentar. Estava corando? Corando para Harry Potter? Que absurdo! Ele era seu amiguinho, o garotinho magricela que ela adorava implicar. Mas enquanto tentava se convencer disso, seus olhos teimavam em examinar o porte físico dele, um conjunto decididamente feito para tirar o fôlego. Seu “amiguinho” não tinha aquele corpo, seu “amiguinho” jamais olharia para ela daquele jeito... Celina deu um passo para trás instintivamente e tropeçou na cadeira, perdendo o equilíbrio. Harry a segurou com facilidade, as mãos fortes prendendo sua cintura. O calor ficou mais intenso.
- O quê? Será que é a luz ou você está enrubescendo, Lux? – ele a fitou deliciado, a boca entreaberta num sorriso maroto.
Ela o empurrou se afastando depressa.
- Tudo bem, você cresceu, - ela se rendeu. – o que não quer dizer que precisa ficar tão convencido.
Ele piscou, rindo gostosamente. Era delicioso descobrir que aquela deusa indiferente era humana. Maravilhoso sentir o poder de fazê-la perder aquele arzinho provocante e a deixar completamente atrapalhada, pra variar.
- Isso é obra de um algum feitiço? – ela o olhou desconfiada.
Harry sorriu malicioso:
- Só tem um jeito de descobrir, não é? O convite está de pé. - ele se inclinou falando mais baixo. - Quando você quiser posso te convencer do meu... ãh, processo de crescimento. Integralmente. Do jeito que você preferir. Até que fique... satisfeita.
Ele estava descaradamente a provocando, pensou Celina, pasma. E pensar que menos de cinco minutos atrás estava bagunçando o cabelo dele como se fosse seu brinquedinho.
Podia esquecer de tentar fazer o dever de transfiguração ao lado dele, do jeito que estava era capaz de não lembrar o próprio nome.
Momentos depois Hermione sorria para ela de um jeito bem professoral.
- O que você esperava, que ele ficasse criança pra sempre?
- Certo, mas vocês podiam ter me avisado. Aliás, onde eu estava que não vi essa mudança? – Celina andava de um lado para outro no dormitório com uma sensação estranha de ter sido enganada. – Quer dizer, não foi só na altura, foi... no jeito dele.
- A gente não costuma prestar muita atenção no que está bem debaixo do nariz. – Mione, sentada na cama, achava interessantíssimo o comportamento da amiga.
- É como se eu tivesse dormido com um ursinho de pelúcia durante anos e de repente acordasse com... com...
- Com um homem no lugar. – Mione continuou. – Seu ursinho cresceu, e agora?
- E agora? E agora nada! – ela jogou as mãos para o alto. – Tudo mudando... tudo diferente. Parece que só eu continuo igual.
- Igual? Ah, tudo bem, Celina. - Hermione riu gostosamente. – Deixa eu te dar outra desilusão. Sabe a sua saia?
- Sei. Eu cresci. – ela respondeu mal humorada.
- Certo, você cresceu um pouco, mas a questão não é esta. Acontece que você se transformou. O que há dois anos era só uma saia inocente, agora... vamos dizer que você enche ela de uma forma diferente.
Celina parou na frente do espelho encarando aquela estranha com suas roupas.
- Será que eu passei tanto tempo vivendo que esqueci... de mim?
- Um grande desperdício se você me permite dizer. – seu reflexo do espelho respondeu intrometido.
- Bom, você tem que admitir que nunca prestou muita atenção à sua aparência. – tornou Hermione. - O que não significa que os outros não prestaram. Isso define bem a chamada que o Harry te deu.
- Eu não disse isso! – ela se voltou embaraçada.
- Não disse, mas foi assim que eu entendi. – Mione disse maliciosa. – Você acha que ele nunca te notou? Que nunca pensou em você de outro jeito?
- É claro que não! – ela disse tentando ignorar o modo como ele a olhava ultimamente, particularmente momentos atrás, na sala comunal. – Estamos falando do Harry, Hermione!
- Um rapaz de carne e osso como qualquer outro. Mas... seja como você quiser. – Mione deu de ombros. – Só um conselho, a partir de agora é melhor você mudar seu jeito com ele. Parar de tratá-lo como um menininho, de provocá-lo como se ele ainda fosse criança e não soubesse o que fazer, ou te garanto que da próxima vez que você brincar de acordá-lo de manhã pode não sair do quarto dele com sua virtude intacta.
- Francamente, o que você pensa que eu sou? Eu só brincava, nunca joguei charme ou coisa assim. – ela se irritou.
- Pois a partir de agora a brincadeira pode ser levada a sério. – Hermione abaixou a voz.- E como finalmente até a sua mente avoada notou como ele está absolutamente incrível... talvez agora você também queira...
- Hermione! – Celina se escandalizou.
- Brincadeira! Retiro o que disse. – Mione falou depressa, mas no fundo aquilo começou a fazer muito sentido. Principalmente vendo a amiga toda corada e emburrada voltar a andar nervosa pelo quarto.
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Uma coisa boa de se ter uma amiga tão inteligente era ela te conhecer quase melhor que você mesma. Infelizmente alguém te conhecer tanto tornava quase impossível enganar essa pessoa. Hermione parecia estar certa em muitas coisas e Celina estava muito consciente dos olhares que viam tudo que a amiga lhe lançava sempre que estavam com Harry.
Nas semanas seguintes à esclarecedora conversa com a amiga, Celina pôde experimentar igualmente duas sensações, uma boa e outra... um problema.
A boa: Era diferente andar pela escola sabendo o efeito que causava nos rapazes, com a famigerada saia ou outra roupa qualquer. Diferente de um jeito bom, poderoso, e pela primeira vez na vida ela estava aprendendo o que era flertar, o que era ter aquela sensação gostosa de se sentir desejada, um friozinho na barriga ao perceber que até seus gestos mais simples eram seguidos por dezenas de rapazes embasbacados.
Estava encostada na parede de uma das centenas de corredores da biblioteca com um sorrisinho de lado e um livro de feitiços na mão. Não tinha a menor idéia do que o livro tratava, mas fingia prestar muita atenção nas linhas do papel. Havia um único jovem no mesmo corredor, Benjamin Travis, o “garoto mau” da Ravenclaw, que parecia estar procurando um livro qualquer há uma eternidade. Só parecia, por que tinha a mesma expressão no rosto que ela. Benjamin. O rapaz moreno, de intensos olhos negros e comportamento “rebelde sem causa” que tinha recebido sucessivas detenções por voar com sua Nimbus 2001 dentro do castelo, trocar ofensas numa aula com Severus Snape, cabular aulas para fugir até Hogsmead, brigar com namorados ciumentos e se encontrar com inúmeras garotas nos locais mais improváveis (invadindo, não se sabe como, o dormitório feminino da Slytherin e dizem até que a sala da McGonagal). Tudo isso não necessariamente nessa ordem. Benjamin tinha “perigo” em todas as cores, piscando alucinadamente na testa.
Celina tentou deixar seu rosto inexpressivo, falhando redondamente. Aquele jogo de gato e rato já vinha durando algumas semanas. Eles viam um ao outro pelo castelo e trocavam olhares demorados, paquera explícita, nenhum querendo ser o primeiro a dar o braço a torcer. “Paquerar é a melhor invenção do mundo.” E até outro dia era uma arte das mais desconhecidas para ela. Ficar com Dimitri tinha sido natural e inevitável, com Joshua não tinha precisado fazer nada, só aceitá-lo. Nunca tinha atraído ninguém conscientemente. Até agora.
- Livro interessante? – ele falou parando a seu lado.
- Nem tanto. – ela disse para as páginas abertas.
- Parecia ser, pelo tempo que você está aí.
“Ah, ele se achava realmente irresistível”.
- Ainda não tenho certeza, – ela tornou evasiva, pondo o livro de lado. – a capa é interessante, mas pode ser que o conteúdo seja patético. Tudo é questão de tempo pra ler.
- Ou do tipo de leitura que você está querendo. – ele completou.
- E você, achou o que queria? – ela desconversou espertamente.
Ele acenou que sim com a cabeça, o sorriso mais maroto do mundo no rosto.
- Não vim aqui pelos livros.
- Veio a uma biblioteca e não está interessado em livros. – ela cruzou os braços. - Acho que está no lugar errado, Travis.
- Na verdade enquanto você estiver aqui... este vai ser o lugar perfeito. – ele se aproximou perigosamente.
- Perfeito para quê? – ela apertou os olhos sacudindo a cabeça levemente, como se não estivesse entendendo.
- Celina! – Harry surgiu na outra ponta do corredor falando um pouco alto demais para uma biblioteca. Era óbvio que tinha interrompido algo. – O que você está fazendo? – ele olhou para o ravenclaw com cara de poucos amigos.
O problema: “Aquele” era o problema de Celina. O novo Harry. Novo pelo menos para ela, que estava tão desconcertada em descobrir que o amigo era um homem, e extremamente atraente por sinal, que não sabia mais como se portar perto dele. “O que a gente faz quando o melhor amigo resolve, do dia pra noite, ficar tudo de bom?” Obviamente a sabichona Hermione tinha percebido a amiga analisando (secando) o rapaz quando ele não estava olhando, e mais, tinha dito que achava muito natural que Celina se sentisse atraída pelo belo espécime masculino em questão. Hermione só podia estar biruta. “Eu não estou meio que fugindo do Harry por isso, só estou dando um tempo pra me acostumar com a mudança.”, Celina se justificava constantemente com seus botões.
- Temos treino de quadribol. – Harry balançou a Firebolt, sarcástico. – A menos que você tenha algo mais importante pra fazer.
- Eu já estava indo. – ela olhou de relance para Benjamin seguindo em direção ao amigo.
- Hei! – o ravenclaw a chamou sorridente. – Em outra ocasião me lembre de dizer para a garota perfeita... o que seria perfeito.
A garota fez cara de desentendida, mas Harry leu tudo nas entrelinhas. “Perfeito seria ver todos seus dentes partidos”, teve vontade de dizer. Se olhar matasse, Benjamim teria sofrido morte por combustão espontânea.
Durante o trajeto até o vestiário, Harry nem sequer olhou para ela. Permaneceu distante, numa completa indiferença passivo-agressiva. Era como se ela nem existisse.
- Harry... obrigada por me chamar. – ela tentou puxar assunto, incomodada com a frieza dele.
- Não pense que vou ficar te procurando pra avisar de todo treino, é responsabilidade sua comparecer. – ele disparou agressivo.
- Eu sei...não tinha me esquecido. – ela disse confusa. Era a primeira vez que ele a tratava daquele jeito, como se tivesse raiva dela.
- Procure arrumar outro horário para seus encontros ou então saia do time. Está na hora de você escolher algumas prioridades. Talvez um lugar menos público para suas diversões. – ele a deixou para trás com largas passadas.
Celina permaneceu estática, magoada com as palavras duras dele.
- Qual é o seu problema, Potter? – ela gritou para as costas dele sem obter resposta.
A partir deste dia a convivência dos dois pareceu entrar em lento colapso. Não conversavam muito e passavam cada vez mais tempo com os outros amigos. Celina andava com Hermione, que preferia comer um morcego vivo a ficar perto de Ron. Por conseqüência Harry andava com Ron, sendo obrigado a assistir aos amassos do amigo com Lavender. E isto, juntamente com a decisão de não se aproximar de Celina, surtiu em Harry certos efeitos colaterais. Se agarrar com garotas quase desconhecidas foi o principal. Não queria compromisso, seu coração infelizmente já estava dolorosamente ocupado. Procurava se encontrar com as garotas secretamente, sem a sombra de testemunhas, dizendo a si mesmo que preferia ser discreto, mas no fundo, para que Celina não soubesse. “Ela ainda está sozinha, quem sabe um dia desses...” Então se amaldiçoava pelo pensamento, se não acontecera antes, agora que ela estava cada vez mais mulher e cada vez mais consciente do poder que exercia nos homens é que não iria acontecer. Era puro inferno ver os olhares que ela recebia, ver que ao invés de desdenhar como antes ela agora sorria veladamente. Ficar com outras garotas era como uma xícara de água num incêndio. Era como estar sedento e beber água do mar. Elas o assediavam, ele aceitava, enganava seus anseios por algumas horas, mas depois continuava insatisfeito.
- Você sabe, Parvati Patil está de olho em você. – Ron cutucou o amigo no caminho para a aula de poções. – Lavender me contou, mas nem precisava, do jeito que a outra te seca.
- Naah... Parvati é colega de sala, é muito próxima. – Harry disse indiferente.
Celina escolhera aquele momento para ultrapassá-lo, dando um forte esbarrão em seu ombro na pressa.
- Desculpa. – ela tinha corado fortemente ao encontrar seus olhos intensos, continuando a seguir para a aula quase correndo.
- É por causa dela, não é? – Ron seguia o olhar de Harry pelas costas da garota.
- Como? – ele se sentiu gelar.
- Achou mesmo que eu não ia perceber? – disse o amigo com cara de tédio. – Você esteve com Sarah Mitchels na semana passada e com Amanda Grady nesta, todas te procuraram e você não teve o menor problema em sair com elas, mesmo que nenhuma parecesse significar grande coisa pra você. Mas quando eu sugeri alguém da nossa casa, do mesmo dormitório que Celina, você nem cogitou a possibilidade.
- Desde quando você se tornou tão observador? – Harry tornou com a expressão sombria.
- Desde que você começou a murmurar o nome dela dormindo. – disse Ron para o rosto espantado do amigo. – Relaxe, ninguém mais ouviu. Mas não posso dizer que seu segredo está a salvo. É um pouco óbvio demais o jeito que você fica quando ela está por perto, acho até que a Celina deve ser cega pra não ter percebido. Então pode caprichar melhor em babar escondido quando ela passa, – ele sorriu. – você não é o único sabe, mas pode ter mais chances que os outros.
Vendo que Harry tinha uma expressão descrente, nada dizendo, Ron voltou a perguntar:
- O que você pretende fazer a respeito?
- Eu gosto dela. Ela não. Ponto. Não tem nada a ser feito sobre isso. – ele cortou.
Uma vez dentro da sala, Harry foi obrigado a se sentar ao lado de Celina, Hermione ficava longe de Ron o mais que pudesse.
- A festa de Slughorn está aí, - Ron sussurrou. – você deveria reconsiderar. Numa festa coisas podem acontecer...
Harry a observou soturnamente, de onde estava podia sentir um leve calor emanando da pele dela. Aquilo já era bom, agora imaginar “coisas acontecendo”, era sonhar demais.
“Inferno, como alguém pode se concentrar sendo observada por olhos que brilham desse jeito?”. Já era a terceira vez que Celina trocava os ingredientes pedidos pelo professor. Ia ter muita sorte se o caldeirão não explodisse até o fim da aula. “Não é normal alguém ter olhos assim... queima”. Ela podia pedir para trocar de lugar com Hermione, mas ia dar na cara demais. Ele que continuasse olhando. Só por que ele tinha ficado assim tão... tudo, não podia começar a achar que ela era mais uma. Ah, por que ela sabia muito bem sobre a passagem secreta do quarto andar, onde ele levava as garotinhas deslumbradas dele. Elas não se achavam no direito de perturbá-la no banheiro feminino a todo momento? Descrevendo como ele era maravilhoso, pedindo conselhos, como se ela fosse a porcaria de uma fonte de informações perita em Harry Potter. Duvidava muito que continuassem a incomodar se soubessem que “o eleito” estava querendo colocá-la em sua listinha nada seleta de conquistas. Pelo menos é o que estava parecendo. Ou estava de fato ficando tão louca quanto todo mundo sempre dissera.
Esta era a dúvida e a frustração de Celina. Não queria que ele pensasse nela como fazia com as outras. Os hormônios dele podiam estar em ebulição, mas ele precisava se lembrar que ela era a Celina, que eram amigos, tinham respeito e carinho um pelo outro. Mas ao mesmo tempo se sentia completamente deprimida quando pensava que aquilo devia ser apenas fruto de sua imaginação hiperativa. “Que diabo, também sou mulher, por que aquele infeliz não consegue perceber isso?”. Se ele fosse qualquer outro não pensaria duas vezes. Mas ele era o Harry! A pessoa que mais sabia sobre ela em todo o mundo. Era quase incestuoso pensar nele daquela forma. Sonhar com ele em tais circunstâncias, que acordava molhada de suor. Ela sacudiu a cabeça com energia. Talvez esquecesse isso tudo se ficasse com Benjamin. Seria tão simples... Não entendia por que ainda não tinha ficado. Talvez seu problema fosse só excesso de energia.
Excesso de energia podia desconectar neurônios, mas duvidava que provocasse alucinações visuais e físicas. À noite teve indícios de que podia estar enganada, ou tesão acumulado não fazia bem ao cérebro. Estava deitada de bruços no sofá comunal tentando terminar um dever incrivelmente cacete de poções. Slughorn tinha oferecido Poção Cobertor de Orelha na aula à tarde, deixando os alunos do sexto ano calorentos como se estivessem envolvidos num constante abraço “caliente”. E agora, como se não bastasse, o velho devasso queria que os alunos descrevessem os efeitos. Para a próxima aula tinha dado a entender que tomariam Amortentia. Ela resmungou irônica que no momento não precisava tomar uma poção para ficar com os sentidos à flor da pele, já bastava o jeito que estavam. O professor devia era lhe dar uma poção da frigidez. Seis meses sem um mísero beijo na boca, e tudo que sabia fazer era reparar nos colegas treinando quadribol (ficava de costas para Harry o máximo que podia, evitando o uniforme de capitão que lhe ordenava a se aproximar, tocar, agarrar). E também reparava no sorriso deliciosamente culpado de Benjamin Travis, e, Deus me perdoe, até no corpo de Draco Malfoy quando se esbarrava propositalmente com ela na mesmíssima aula de poções. Isso tudo sem mencionar novamente Harry, sempre sentado bem ao lado, constantemente ao alcance dos olhos e de todas as partes descontroladas de seu corpo. Se as coisas continuassem daquele jeito ela ia começar a estudar seriamente a possibilidade de desistir da matéria.
Celina balançou o rabo de cavalo afugentando a tentação e começou a descrever os efeitos de taquicardia e confusão que estava sentindo, era impressão sua ou um arrepio estava percorrendo sua pele naquele instante? Sério, estava subindo pro cérebro! O arrepio se transformou na familiar sensação de frio na barriga que surgia quando um certo alguém colocava seus olhos de raio x sobre ela. “Ah, droga!”. Quando girou a cabeça um par de olhos verdes confirmou sua suspeita.
Quando Harry entrou na sala comunal e se sentou em sua poltrona preferida, só queria relaxar um pouco e subir para um belo banho e um sono pacífico. Mas não, ela tinha que estar ali! Alguém tinha avisado a ela que era inverno? Por que calça jeans, blusinha de algodão e pés descalços era demais. Só podia ser provocação. E sem raciocinar ele também começou a se remexer, afrouxando o colarinho da camisa, era efeito da lareira ou de algo mais? Então se lembrou, “Slughorn”. Com suas poções impetuosas e a festa de natal a se aproximar, o velho Slug estava conseguindo tirar seu sono, não que ele precisasse de estímulo maior do que o que estava diante de si. Ficou pensando se alguém já a teria convidado. É claro que já. “Dá uma olhada nela!”. E foi o que de fato ele fez.
Não pretendia ter olhado tão insistentemente, mas agora era tarde. Ela tinha parado de balançar as pernas para cima e para baixo, e girado a cabeça fazendo seus olhos se encontrarem.
- Oi. – deplorável, pensou Harry. Não tinha nada melhor pra falar? Agora os dois mal conversavam e o que ele sabia dizer era “oi”? Daqui a pouco ia comentar o tempo...
- Oi. – ela respondeu igualmente monossilábica, colocando a pena automaticamente de volta no pergaminho. Parecia pronta para voltar ao dever.
- Calor, né? – ai, que horror! Que se dane! Melhor ser non sense do que deixar a oportunidade passar.
- Slughorn. – ela disse num muxoxo. – Você tem alguma idéia de quando isso vai passar? – uma gotinha de suor estava escorrendo por sua têmpora e tomando o caminho que descia ao pescoço.
“Tomara que nunca.”, ele pensou seguindo a gotinha descer cada vez mais, porém sua resposta foi mais civilizada:
- Pra cada pessoa tem um tempo, mas até amanhã deve acabar. É isso ou eu juro que vou começar a andar sem roupa pelo castelo.
- Não acho que muita gente ia reclamar. – ela se ouviu falar alto. Mordeu a língua. Já era.
Ele a observou com ar de riso.
“Pro inferno!”. Ela continuou:
– Na verdade a metade masculina não ia ficar satisfeita, já a outra... não ia se incomodar nadinha, nadinha. “O provável era ter bandeirinhas e torcida organizada”
“Ela deu um sorrisinho?”. Harry se animou com o pensamento de que estavam agindo quase como antes.
- E de onde você tirou isso? – ele deu seu melhor sorriso maroto se fazendo de desentendido.
Ela lhe lançou um olhar de “Você precisa mesmo que eu te explique isso?”. Ele devolveu o olhar ainda sorrindo.
- Tudo bem, eu respondo se você me disser uma coisa antes. – ela voltou a balançar as pernas devagar. – Mas tem que jurar dizer a verdade.
Ele levantou e se aproximou depressa, se largando no chão bem ao lado da cabeça dela. Celina precisou recorrer a todo seu sangue frio para não tremer ou recuar, já bastava o toque de tambores no seu peito.
- Bom, como isso parece ser confidencial é melhor a gente falar baixo. – ele disse apoiando um braço perto do dela.
“Isso não é flerte! Não é não!”, ela pensou defensivamente. “É só uma conversa como as que a gente costumava ter. Um pouquinho mais próxima do que de costume, um pouquinho mais perigosa.”
- Certo. – ela se preparou para o bote. – O que você faz no quarto andar quando desaparece por horas?
“Merda”. Ele puxou o ar pela boca. Foi o único indício que ela teve de que ele ficara chocado com a pergunta. No mais, seu rosto permaneceu com a mesma expressão interessada de antes.
- Você já foi convidada pra festa do Slug? – ele tornou, segurando a outra ponta da pena dela.
- Você está fugindo da pergunta? – ela falou maliciosa.
- Não estou fugindo, só ganhando tempo. – ele sorriu novamente. – Então, já?
Ela pareceu avaliá-lo, então balançou a cabeça afirmativamente.
- Blaise Zabini.
- Quê?! Você vai à festa com o Zabini? – Harry sentiu seu sorriso desmanchar enquanto sua mão apertava a pena de Celina.
- Eu disse que fui convidada por Zabini, - ela puxou a pena amassada da mão dele. - não que aceitei.
Harry a fitou aliviado por um segundo, então a dúvida anuviou seu rosto novamente.
- E aceitou algum outro? – ele arqueou uma sobrancelha. - Do Benjamim Travis, por exemplo?
- Por que, está pensando em me convidar? – ela riu baixinho.
- Só curioso. – ele entrou no joguinho.
- Acho que é melhor voltar ao outro assunto, a gente está falando demais sobre mim.
- Não vejo assunto melhor. – ele disse a fazendo rir.
Ao passarem os risos, eles se aquietaram começando a tecer conjecturas sobre suas respectivas perguntas sem respostas. Celina quebrou o silêncio falando séria para o pergaminho:
- Você reparou que não temos conversado por semanas?
- Claro que reparei. – ele disse grave. – Você tem estado... ocupada.
- Não mais que você, Harry. – os dois se olharam num momento estranho de constrangimento e sinceridade.
Será que era possível retomar aquela amizade? Esquecer as sensações inquietantes que tornavam o contato dos dois tão desconfortável nos últimos tempos? Estariam eles prontos para pôr toda essa situação em pratos limpos?
- Mas, quanto à festa, - Celina fugiu da perigosa hora da verdade forçando um sorrisinho zombeteiro. – achei melhor convidar alguém, pra variar. O que me leva a te fazer um pedido... delicado, de certa forma. Mas só se você ainda não tiver convidado ninguém, é claro.
Ele cravou os olhos verdes nela, o coração falhando uma batida.
- Não convidei. Pode falar. – ele a viu morder o lábio inferior.
- Eu sei que devem ter centenas de garotas interessantes que você poderia levar. Algumas provavelmente matariam pela oportunidade, – ela olhou para ele insegura. – mas será que você consideraria ir c...
- Hei, Harry! – Neville chamou próximo à entrada.
Harry lançou um olhar assassino ao garoto que não pareceu entender que tinha interrompido um momento crucial. Ao contrário, Neville tinha no rosto uma expressão contentíssima.
- Quê? – falou mal humoradíssimo.
- Pediram pra te entregar isso. – Neville jogou um pedaço de papel que Harry apanhou no ar.
- Foi Dumbledore quem mandou? – ele perguntou se arrependendo instantaneamente de ter abrido a boca.
- Não, foi Amanda Grady, aquela sextanista da Hufflepuff. – Neville soltou a pérola, se retirando em direção ao dormitório.
- Ah... certo. – pelo canto do olho ele viu Celina prestando muita atenção às próprias unhas.
Ele enfiou o característico bilhete perfumado de qualquer jeito no bolso da calça esperando que ela continuasse o que estava dizendo antes. Mas a bruxa agora rabiscava um cantinho do papel sem esboçar intenção de dizer uma única palavra. O clima de intimidade tinha ido pro buraco.
- Celina, você ia me pedir uma coisa...
- É verdade. – ela voltou sua atenção novamente para ele. – Mas acho que talvez não seja uma boa idéia.
- Tenho certeza que é. – ele falou com firmeza. – Por favor, diz.
- Então... Você consideraria convidar Luna Lovegood como seu par? – ela disse fria e rapidamente.
Harry passou vários segundos tentando processar a informação.
- Luna? Você quer que eu leve a Luna? – ele repetiu incrédulo.
- Eu convidei Neville hoje de manhã, de modo que se você convidar a Luna... Eles podem ter uma chance de... sabe.
- Ooh... – ele percebeu desapontado aonde ela queria chegar. Porém uma súbita idéia surgiu em sua mente. – Claro que posso convidar.
- Isso seria legal. – ela se sentou no sofá apertando os ombros doloridos pela posição em que estivera. – Obrigada, Harry. – ela fez menção de se levantar.
- Não vai ainda. – ele pediu ainda sentado no tapete. – Estava muito bom nós dois aqui conversando.
- Não quero te atrasar. – ela puxou seu pergaminho e o estojo escolar. – Devem estar te esperando no quarto andar.
Harry jogou a cabeça para trás enquanto a garota saía de perto. Tinha pensado que poderiam ser companhia um do outro na festa, já que seus pares oficiais aproveitariam a noite juntos. Nem tudo estava perdido, mas o bilhete em seu bolso parecia ter liquidado boa parte de suas chances.
Por que tudo entre eles tinha que ser tão difícil? O sentimento clássico de desejo e frustração estava se manifestando outra vez. Segurar Celina era o mesmo que tentar reter areia utilizando apenas as próprias mãos. E quanto mais ele a cercava e apertava, mais sentia a bruxa escapar por seus dedos.
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N/A: Mary linda: Nooossa que elogio! Eu nunca, NUNCA, vou me cansar de seus recados. Apesar de ter a fic praticamente pronta na cabeça, algumas coisas acabam mudando no percurso, por isso as sugestões são tão importantes. Gostei de v ter falado pra colocar mais o Draco, ele tem um papel muito importante mais pra frente, mas estava mesmo um pouco esquecido (sua dica me acordou), e a intenção era fazer todo mundo gostar do Joshua, que bom que deu certo. Um beijo enorme, continue ai.
Um beijo a todos e até a próxima.
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