Lembranças Agri-doces
Capítulo 5
Celina sabia que Albvs Dumbledore havia interferido para que voltasse à Hogwarts no próximo período letivo, mas suspeitava que a mãe tivera um papel decisivo no bater do martelo. Queria a filha feliz, mesmo que isso significasse uma dose extra de preocupação pela proximidade com Harry Potter. Já bastavam os perigos que a garota enfrentava sendo apenas ela mesma. Mas Florência Lux não conseguia enxergar o garoto como um perigo em potencial, a amizade com Lily Evans falava mais forte. Mãe e filha tinham olhado inúmeros álbuns de fotografias naquele verão, apreciando as amigas no primeiro ano de Hogwarts, na adolescência e finalmente como jovens mulheres. Lily ao lado de um rapaz de cabelos incrivelmente arrepiados, xerox de Harry, e Florência com um outro moreno excepcionalmente bonito que ela não fez segredo em revelar ser um antigo namorado. Os olhos da mãe ficaram de um azul profundo, como o céu antes da chuva forte. Era evidente o motivo das fotos nunca serem vistas, traziam sofrimento demais. Então elas se deitaram na enorme cama abraçadas e conversaram durante horas, estava claro que o rapaz das fotos seria sempre o Dimitri de sua mãe. Alguém que simplesmente não se pode ter. Nem esquecer.
- Melhor papai não saber. – ela alisou os cabelos louros da mãe.
- Ele sabe. Coisas assim você não esconde, não tem como nem por que. – Florência sorria docemente. – Foi seu pai quem escolhi. É a seu pai que amo.
- Por que está me contando tudo isso?
- Não foi sempre assim? No momento certo não contamos tudo uma para a outra? – falou tocando na pedra verde no pescoço da filha. A pedra emitiu um suave brilho, coisa que sempre acontecia quando era tocada por alguém que amava quem a usava.
- Tem alguma coisa no ar, dá pra sentir. – a adolescente olhou para a mãe, olhos violeta contra olhos violeta, as cores mudando do mais profundo cinza ao verde até chegar ao azul.
- O rapaz da foto. Você vai conhecê-lo em breve.
- E por quê? – ela sentiu-se retesar.
- Por que esta casa talvez já não seja mais segura para você. – Florência parou de sorrir.-
E a casa onde ele está vivendo é no momento o lugar mais protegido de todo o país.
- É por causa da visita de Draco Malfoy? Ele não é uma ameaça pra mim.
- O garoto Malfoy é uma ameaça. A menor das suas, mas mesmo assim perigosa.
- Você vai me acompanhar? – ela perguntou duvidosa.
- Não. Eu e seu pai temos outro tipo de missão. Precisamos ser neutros, diplomáticos. Angariar informações através de simpatia. Sua avó vai se encarregar de levá-la em segurança até o local.
- Não vão desconfiar do meu sumisso?
- Para todos os efeitos você vai estar viajando, o que era o planejado antes de sua obstinação mudar nossos planos.
- Em outras palavras vocês vão me deixar mofando na casa de Sirius Black por todo o verão.
Florência estreitou os olhos:
- Então você o reconheceu.
- Escutei você dizendo durante anos que ele era inocente, e também o vi rapidamente no final do ano letivo, quando Voldemort voltou. Mas não acho que ele tenha reparado em mim, só tinha olhos para Harry.
- É natural, ele é o padrinho dele. Mas não se preocupe quanto a mofar, você não vai se entediar naquela casa, afinal seus amigos também vão estar lá.
- Harry vai estar lá? – ela perguntou com uma nota de animação na voz.
- E seus outros dois amigos, Hermione e Ronald. – Florência estudou com cuidado o rosto da filha. – Meu bem, tente não se apegar muito ao jovem Potter.
- Quê? – ela se voltou confusa.
- Ele tem um futuro muito incerto e mesmo que você possa ajudá-lo um dia, há grandes possibilidades dele não sobreviver à guerra.
- Isso foi a coisa mais horrível que eu já escutei. – ela sentou-se na cama, se soltando da mãe.
-É claro que sim, a verdade não costuma ser gentil, Celina. - ela também se sentou e segurou o rosto da garota com as mãos. - Você está preparada para perder outra pessoa de quem gosta? – e vendo a filha franzir o cenho prosseguiu. – Agora que a guerra está recomeçando devemos nos preparar para tudo.
- Você está preparada para me perder, mamãe?
A cor do rosto de Florência fugiu.
- Porque eu me recuso a esperar pelo pior. - Celina encarou a mãe. - Eu amaria Dimitri mais mil vezes, mesmo que soubesse que tudo ia terminar do mesmo jeito. E não vou deixar de me apegar com todas as minhas forças às pessoas que eu amo.
- Você tem mais coragem que eu, filha. A coragem de nossos antepassados. – os olhos de Florência se encheram d’água. – Sua força não nega a onde você pertence. Não ligue pra mim, as dores do mundo acabaram deixando o medo invadir meu coração. Eu sei o quanto está sendo exigido de você, o peso de nosso nome, tudo que nós vamos ter que enfrentar. Mas se você puder ter um sorriso, um pouco de felicidade, tudo vai ter valido a pena. – e quando abraçou a filha não disse mais nada, mas sabia que ter um filho era o mesmo que carregar o coração na mão, com o medo constante de que se ferisse. Ela jamais poderia destruir os sonhos e esperanças de uma garota de quinze anos. Por mais impossíveis que estes pudessem ser.
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Quando saiu do quarto da mãe, Celina voltou para seu lugar favorito da propriedade, a sua árvore, a árvore onde ela e Dimitri se beijaram pela primeira vez. Ela tinha nove anos e ele onze e tinham tido uma discussão porque ele estava indo embora para estudar em Durmstrang. A memória não ajudava muito, os fatos tinham ficado meio nebulosos com o passar dos anos e ela acabava fantasiando as lacunas do que se esquecera. Mas a sensação do beijo ainda existia, um leve pressionar dos lábios com a promessa de que estariam juntos em todos os verões. Aquela árvore fora o cenário de muitos outros encontros, muitos outros beijos, mas o primeiro permanecia como o mais importante, não só pelo beijo em si, mas pelo lembrete. Promessas se quebravam.
Sentou-se debaixo da árvore tirando alguns pergaminhos amassados do bolso traseiro da jeans. Eram as cartas que tinha recebido dos amigos. Infelizmente fora proibida de responder por medida de segurança, então tinha que se contentar em relê-las para se sentir mais próxima deles.
“Para Celina,
Da amiga Hermione
Espero que esta carta chegue logo, da mesma forma que também espero o tempo passar depressa para nos vermos em breve. Estou torcendo para as coisas estarem bem com você, ao menos melhores do que a última vez em que nos vimos. Tanto eu como Ron estamos seguros e bem, e estou te escrevendo de um lugar que na falta de definição melhor pode ser chamado de ‘interessante’.
Não vou esconder que estamos todos apreensivos com a situação, e sabemos que não devemos escrever novamente ou esperar por nenhuma resposta sua, mas sinto falta de poder desabafar um pouco. As coisas afetaram cada um de maneira diferente, Ron tem sido ótimo, nem parece com ele mesmo, está conseguindo até ser gentil. Retiro o que disse, pois ele acabou de me cutucar pela décima vez querendo opinar sobre o que estou escrevendo. Harry, ainda na casa dos tios, está um pouco irritado, como qualquer um de nós ficaria se estivesse sendo deixado no escuro. Eu sei que ele sim, gostaria de ouvir algum desabafo. O problema é que nem um nem outro se chama Celina. Estamos sentindo sua falta, sei que posso falar por nós três, principalmente por Ron, que tem preguiça de escrever e fica me pedindo para mandar lembranças o tempo todo. Não sabemos exatamente por que seus pais estão te escondendo tanto, dizer que são super-protetores me parece um argumento muito vazio. Será que você vai poder nos dizer o que está acontecendo de verdade? Não vá dizer que sou metida a sabe tudo, mas você parece ter sido criada de um jeito muito singular, como se nunca pudesse chamar atenção (não que você consiga). Outra coisa intrigante é a quantidade de feitiços que você sabe. Sua família já estava te preparando para a guerra? Sei que esta carta será entregue por um auror, então suponho que seu conteúdo não será extraviado ou lido por pessoas indesejáveis. É por este motivo que estou sendo tão sincera com as minhas dúvidas, mas quero que você saiba que independentemente de qualquer resposta continuo sua amiga, e se seu silêncio for necessário quero que ignore as linhas acima, menos a parte onde falo sobre a falta que você faz. Estamos torcendo para que Dumbledore consiga trazer você de volta à Hogwarts. Até lá fique com nossas saudades e carinhosos abraços,
Hermione.”
- É, minha amiga sabe tudo, dessa vez você vai ter que se contentar com meu silêncio. – Celina falou para o pergaminho. Mas não pôde deixar de sorrir intimamente pela perspicácia da colega.
A carta seguinte tinha sido sem dúvida nenhuma mais exasperada.
“Celina,
estou escrevendo há dias para os outros e não estou conseguindo nenhum tipo de resposta minimamente satisfatória. Será que com você vai ser diferente? Não nos vemos desde ‘aquele’ dia. Você foi embora antes do fim das aulas para fazer alguma coisa aparentemente importante para Dumbledore e depois sumiu sem deixar vestígios. Esta é a terceira vez que te escrevo, as outras cartas foram devolvidas por Edwiges, que inexplicavelmente não conseguiu te encontrar. Por isso esta carta será mandada por Hermione, que não me disse o porquê, mas pediu para que eu assim fizesse.
Estou enlouquecendo nessa casa de trouxas, sem notícias, sem informação e começando a acreditar que algo de muito ruim está acontecendo com você. Ron e Hermione estão juntos em algum lugar, não querem dizer aonde, tenho recebido seus bilhetes patéticos. Mas de você nem uma linha sequer. O que está acontecendo? Por que estou sendo deixado de fora? É como se eu não tivesse feito nada que justificasse minha inclusão nos planos de Dumbledore. Mas você foi incluída. Todos viram o modo como ele falou com você, te mandando informar a volta de Voldemort à sua família. Estou entendendo que estão me ignorando propositalmente e não espero isso de vocês, principalmente de você, que não teme nada. Continuo esperando por uma resposta, gostaria que fosse sua.
Harry”
- Droga, Harry! Eu jamais te deixaria no escuro. – ela disse para si mesma. Porém uma vozinha incômoda repetia em sua cabeça “Será que não? Não é o que você vem fazendo desde o começo? Escondendo informações de quem mais as merece? E tudo para salvar a própria pele?”
“Covarde”
“Covarde”
“Covarde”
Ela dobrou os pergaminhos enfiando-os de qualquer jeito na calça, tudo para que aquela voz desagradável parasse. Não era culpa dela. Ela tinha caído de pára-quedas como Harry naquela história. “Com a diferença de que ele está enfrentando o perigo enquanto você está escondida atrás de um muro de fantasias.”
Ela estava por um fio, um movimento brusco e seria mandada para longe. Para algum país distante, de onde não voltaria tão cedo. O importante agora era se manter quieta e voltar para Hogwarts. O lugar onde era mais necessária. Sentiu uma bola peluda se enroscando nela. “Bast!” A gata ronronou se aconchegando em seu colo. “Até você me abandona para dar seus passeios soturnos. Deve ser bom ser livre assim”
Celina acariciou a gata e fechou os olhos deixando o vento quente bagunçar seus cabelos. Sentia necessidade de conversar com alguém, também estava enlouquecendo naquela casa. Phillys também tinha escrito contando suas peripécias na escola suíça onde estudava, mas devido a ameaça que agora rondava a Grã-Bretanha não viria vê-la nas férias. Celina sentia-se só. Tinha se acostumado com a agitação da escola, a estar rodeada de centenas de pessoas. A coisa mais diferente que tinha acontecido em suas férias fora a visita surpresa de Draco Malfoy. A última pessoa em quem ela poderia pensar. Ela se perdeu na lembrança daquele estranho dia enquanto o vento aumentava balançando os ramos das arvores, fazendo as folhas cantarem.
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Celina estava sentada debaixo de sua cerejeira, fazendo flores crescerem em sua copa com a varinha, suas férias de verão já duravam semanas. Tediosas semanas de calor infernal, treinos diários de DCAT e feitiços. Tinham finalmente concordado em dar um tempo a ela durante as tardes. Naquele dia, particularmente, aquele descanso era bem vindo. Tinha sonhado a noite toda com Dimitri, os dois debaixo daquela árvore. Ele segurara sua mão dizendo as coisas que os namorados dizem. A abraçara e aproximara seu rosto do dela. Ela tinha fechado os olhos respirando seu cheiro, e quando suas bocas se encontraram ela sentiu o gosto dele misturado ao seu. Um gosto de amor, de dor. E de sangue no final. Então abriu os olhos sabendo que não era real. Ele falou em seu pensamento que não iria mais voltar, que era para ela ser feliz e se afastou devagar, dizendo num sorriso:
- Continue lutando.
Ela tinha acordado desesperada, tropeçando pelo quarto escuro, chamando o nome dele. Sua resposta foi o silêncio. Mesmo assim não chorou. Devia ser enfeitiçada para não conseguir chorar mesmo com tanta dor. Sentou-se no chão calada e ficou vendo o dia chegar.
Não tinha valido muito nas aulas daquele dia, fazendo com que Lilith a dispensasse bem mais cedo que de costume. Tirou as vestes escuras de treinamento e saiu de casa mal ouvindo o que a avó dizia.
Ela enfeitiçava a árvore como se fosse primavera enquanto seu coração pedia para que secasse os galhos, fizesse um inverno. Estava tão distraída que não ouviu os passos macios que se aproximavam. Quando deu por si percebeu um adolescente em pé, a observando tranqüilo.
- Achei bom ver como você estava se saindo nessas férias idiotas. – Draco Malfoy olhou para cima, para a copa da árvore. – Estou vendo que achou algo útil pra fazer.
As flores começaram a cair lentamente.
- O que você está fazendo aqui? – ela perguntou com uma voz débil. Estaria sonhando de novo? A figura do rapaz não se encaixava naquele local.
- Vim te ver. – ele disse descontraído. – Meu pai tem uma casa por aqui. Somos quase vizinhos. – ele parecia feliz com alguma coisa, como um gato com um ratinho suculento na boca.
- Você está diferente. – ela falou distante, como se não o visse correr os olhos por suas pernas nuas.
- Tudo está diferente. – ele sorriu pela primeira vez e ela deixou de prestar atenção nele.
Ele se agachou ao lado dela, tomando cuidado para não sujar a roupa.
- As coisas vão mudar muito agora. – ele procurava os olhos dela.
- Não tenho dúvidas de que vão mudar. Eu só me pergunto se vai ser do jeito que você imagina.
- Algumas coisas com certeza serão como eu imagino. Outras... – a mão dele escorregou para a dela. – eu só posso esperar que sejam.
Ela ficou olhando para as mãos enlaçadas sem encontrar um sentido naquilo, como num sonho, uma impossibilidade tão grande quanto se saltar de um precipício e sobreviver.
Ele tomou sua inércia por consentimento e aproximou o rosto do dela, os cabelos louros tocando sua face.
- Sangue Puro. – ela disse sem emoção.
- O quê? – ele parou confuso, a boca a centímetros da dela.
- No que te diz respeito eu sempre vou ser uma traidora do sangue i-mun-da. – ela continuou no mesmo tom, arrastando as sílabas finais.
Ele recuou tirando a mão, o movimento brusco fazendo com que se desequilibrasse. Celina sorriu apaticamente. Draco observou com crescente espanto ela pegar um punhado de terra no chão e esfregar devagar nos braços, no short branco, no rosto corado de sol e só então se levantar. Sem dizer mais uma única palavra ela deu as costas para ele, se aprofundando no meio das imensas árvores e da vegetação selvagem.
Quando regressou era quase noite. Não viu sinal de Draco, ele provavelmente tinha ficado confuso demais para fazer outra coisa senão ir embora, mas o saldo daquela inocente visita fora que os pais de Celina perceberam que ela ainda era muito localizável, um alvo fácil. E o veredito: banimento.
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Passou os próximos dias empacotando suas coisas, despedindo-se da casa, de Bast e dos pais. Sabia que corria o risco de ficar um longo tempo sem vê-los. Poucas horas antes de partir, o pai a chamou em seu escritório.
- Venha aqui minha menina. – Gabriel McGregor a colocou no colo como se fosse criança. Ela sorriu resignada. – Preciso que me prometa uma coisa.
- Não vou me meter em encrencas. – ela disse antecipando o sermão.
Ele levantou uma sobrancelha.
- Como se eu fosse acreditar. – ele puxou sua cabeça para seu ombro. – Quero que me prometa que vai nos avisar se as coisas se tornarem perigosas em Hogwarts.
- Prometo.
- Que vai permanecer atenta.
- Prometo.
- Que vai tomar cuidado com os rapazes.
- Pai... – ela riu.
Ele a colocou de pé e olhou em seus olhos.
- Nós te amamos filha. Não vamos suportar se algo ruim te acontecer.
- Não vai acontecer nada pai. Estou indo para a escola mais protegida do mundo, com os amigos mais protetores do mundo.
- Sobre isso... Harry Potter é apenas seu amigo, estou certo?
- É claro que sim! Você e mamãe estão meio obcecados com isso ou o quê? Harry é apenas meu a-mi-go.
- Melhor assim. – ele forçou um sorriso, mas sabia que grandes alvos como Harry Potter também atraiam tiros para quem quer que estivesse próximo. E sendo Celina também um alvo, não achava nada bom mantê-los perto.
Ele procurou dar leveza àquela despedida:
- Vamos ver...- ele deu uma piscadela – se você realmente conseguir se comportar te prometo o presente que quiser. Desde que não seja fire whiskey.
Então ele ainda se lembrava do suave pileque que ela e Phillys tinham tomado durante o último verão que a prima a visitara? Elas tinham despertado a casa toda com suas risadas enquanto tentavam subir as escadas engatinhando. Tudo bem, tinha sido uma data especial, estavam comemorando a ida de Celina para Hogwarts. Pensando melhor, isto também quase tinha custado sua ida para Hogwarts. Mas no final tinha sido mesmo uma despedida inesquecível, em todos os sentidos.
- Ah, não preciso de presente. – ela se apressou em dizer. – Desde que vocês estejam bem quando eu voltar...
- Nós vamos sempre estar aqui para você.
- Promete? – ela o imitou.
- Prometo.
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Estavam caminhando a uns três quarteirões, onde o carro os havia deixado. Lilith andando ao lado da neta e um auror logo atrás, o mesmo que tinha trazido as cartas para Celina. A bagagem já havia sido despachada horas antes. Estacaram numa ruela suja, fazendo a garota se perguntar se estavam perdidos. Com um aceno de varinha a avó fez surgir um pergaminho onde estava escrito um endereço, Largo Grimmauld n°12. Ela fez com que a neta o lesse fazendo surgir uma casa que Celina jurava não se encontrar ali segundos antes.
- Acha conveniente que eu também entre, Madame Lux? – o jovem auror perguntou.
- Não é necessário Jason. Obrigada pela companhia.
Lilith se afastou o suficiente para não escutar o rapaz dizer:
- Chame quando precisar, garotinha.
- Garotinha... – Celina se voltou com um olhar de desdém. – Espero não precisar.
- Nunca se sabe. Não se esqueça que entregar cartas de amor é minha especialidade. – ele riu divertido. - Hei! – ele chamou vendo ela se afastar. – Sabe, você vai ficar uma graça quando crescer.
Ela abriu a boca indignada, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa a rua ficou deserta. Ele tinha desaparatado.
Lilith a chamou apressada, fazendo a neta entrar o quanto antes. No momento em que ouviu a porta se fechar atrás de si foi esmagada num abraço tumultuado onde só enxergou cabelos castanhos muito cheios. Após cumprimentar Hermione, Celina também abraçou Ron e viu atrás dele uns olhos verdes curiosos.
- Harry! Ah, você deve estar tão furioso comigo... – e também se jogou nos braços dele.- Me desculpe por não ter te respondido, eu não podia.
- Está tudo bem, eu já sei – ele respondeu sentindo o perfume dos cabelos dela. A soltou depressa, encabulado.
Hermione a puxou para conhecer o lugar. A sede da Ordem da Fênix era a casa mais bizarra que já tinha visto. Se dissessem que uma legião de bruxos das trevas morava ali, acreditaria fácil. Foi apresentada aos membros da Ordem que estavam presentes, se surpreendendo de conhecer vários, todos freqüentadores de sua casa. Sentou-se com a avó à mesa da cozinha onde a mãe de Ron serviu chá a todos e apertou suas bochechas (“Que encanto de menina”), fazendo Ron abafar uma risada. Mas ainda faltava alguém, e quando Celina ouviu uma voz grave vindo da porta percebeu que finalmente veria seu anfitrião.
- É bom ver que vocês chegaram bem, Lilith. – Sirius Black se aproximou com um sorriso de lado. – Nenhum problema no caminho?
- Tudo muito tranqüilo. – Lilith abanou a mão elegantemente em sinal de que ele não se preocupasse. – Agora preciso lhe agradecer a hospitalidade e apresentar minha neta. – ela fez outro gesto em direção à garota, que se levantou. – Sirius, esta é Celina Lux.
Depois de tanto tempo escutando sobre ele, Celina o olhou com a sensação de estar vendo um velho conhecido. Quando esticou a mão, esta ficou parada no ar, Sirius não correspondera ao cumprimento, parecia pálido, como se estivesse diante de um fantasma.
- Hum, senhor Black? – ela continuava com a mão no mesmo lugar.
- Me chame de Sirius. – ele falou distante, finalmente apertando sua mão.
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Os dias que se seguiram foram divertidíssimos na opinião de Celina, que não se cansava da curiosa quantidade de artefatos bizarros da casa. Na opinião de Harry ela não se cansava era de Sirius. Estavam constantemente conversando e pareciam ter desenvolvido um estranho laço de amizade que deixava o garoto com uma pontadinha de ciúmes, não sabia bem de quem.
Estavam conversando na cozinha num certo fim de tarde quando Celina se afastou, curiosa a respeito de uma caixinha de música que Hermione havia encontrado. Ela tinha ficado encantada pela caixa, era mesmo bonita, mas deixava zonzos todos que escutavam sua melodia.
Enquanto os amigos estavam entretidos, Harry sentou-se ao lado se Sirius. O padrinho conversava com ele, mas sem deixar de observar Celina veladamente.
- Vocês estão mesmo se dando bem. – o garoto se cansou.
- Quê? – Sirius continuava distante.
- Você e Celina. Vocês já se conheciam ou coisa assim?
- De certo modo. – Sirius se voltou para o afilhado.
- ?
- A resposta para o que você gostaria de perguntar é que eu conheci a mãe de Celina. – Sirius sorriu. – Nós fomos namorados.
- Namorados? Você foi namorado... – Harry não estava acreditando naquilo.
- Hei! Pode ficar um pouco menos espantado? – Sirius disse com humor cáustico. – Pode não parecer, mas eu já tive uma vida.
- Não é isso. É que eu não sabia. – o garoto contemporizou.
- Mas ela sabe. – ele apontou com o nariz para a garota. – Foi a primeira coisa que conversou comigo. Tem topete essa menina, tem a quem puxar.
Harry olhou de um para outro e uma duvidazinha começou a se formar em sua mente.
- Ela não é minha filha. – Sirius olhou de soslaio para Harry, fazendo este se sentir descoberto. – Mas é tão bonita quanto a mãe. Um pouco mais rebelde talvez, pelo menos para quem não conheceu Florência direito. É como parte do meu passado batendo literalmente à minha porta.
Um barulho de um baque tirou a atenção de Harry sobre Sirius. Ron tinha caído no chão por causa da música da caixinha. Todos riam em volta dele, menos o mesmo, a cor da pele se confundindo com os cabelos. Harry foi ter com os amigos deixando Sirius sozinho com suas conjecturas. Ele mergulhou numa época mais feliz, na lembrança de tantos anos atrás, ainda fresca, como se tivesse acontecido ontem.
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Eram os últimos sobreviventes da festa de comemoração da taça de quadribol. James estava quase embriagado, pela cerveja ou pelos olhos de Lily, era difícil dizer. Quando ela subiu com as amigas ficamos só os dois na sala comunal.
- Padfoot, acho que estou apaixonado. – James ainda olhava para a escada por onde ela subira.
Fiz uma careta:
- Poupe-me da sua vida afetiva, Prongs. Ou devo dizer, da sua inexistente vida afetiva com a Evans.
James sorriu de lado;
- Você fala assim porque nunca sentiu nada dentro desse oco. – ele falou batendo a mão no meu peito. – Um dia ela ainda vai ficar comigo.
- Se você diz... – já sabia por experiência própria que quando ele ficava naquele estado era melhor concordar.
- Você acha que eu devo chamá-la pra sair? – ele caminhou trôpego até o pé da escada do dormitório feminino.
- Claro... só espere até amanhã.
- É... amanhã. – e saiu para o dormitório masculino sem falar mais nada, como se eu tivesse deixado de existir.
Escorreguei a coluna pelo sofá, me sentando mais escarrapachado ainda e comecei a soprar uma mecha de cabelo caída nos meus olhos. Estava feliz com a vitória, mas no silêncio da sala uma coisa começou a me perturbar. “Você não sente nada nesse oco.” Se Prongs soubesse... Não que eu algum dia fosse me jogar aos pés de uma garota como ele fazia todas as vezes que via a Evans. Garotas nunca foram problema.
Mas “ela” não era uma simples garota. Era difícil de explicar, não era criança, não era mulher feita, mas não podia ser classificada do jeito que estava acostumado. Ela era perfeitinha demais, não se alterava com nada, não adiantava implicar. Eu era o único que fazia isso, e muito. Os outros pareciam chegar quase à reverência. Santa Florência, nenhum fio de cabelo fora do lugar e um sorriso que quase cegava. A santa que começara a me perseguir nos sonhos sem que eu entendesse de onde vinha isso. Não precisava ir atrás de nenhuma garota, geralmente elas é que vinham, eu aceitava isso como fazendo parte da ordem natural das coisas. Quando começei a reparar naquela colega pensei que era mais por hábito, ela podia ser a pessoa mais bonita que já tinha visto, mas não tinha nada em sua calma e placidez que eu considerasse tão interessante. Não sei dizer quando aquilo se tornou obsessão, quando aqueles olhos de mil cores começaram a ter um sentido maior do que respirar. Comecei a segui-la pelo castelo, não prestava atenção nas aulas quando ela sentava perto, ficava olhando aquela boca, o pouco das pernas que a saia mostrava, a curva do pescoço, parecia um doente. Às vezes Prongs me pegava nestes momentos, e me dando um cutucão ria debochando, “Essa aí não é para o seus caninos”. Eu também ria e encolhia os ombros “Como se eu precisasse”. O pior é que eu tinha certeza que ela sabia que eu a devorava com os olhos. Sabia e não fazia nada, não brigava, não me olhava num convite, não movia um músculo da face. Calma, indiferente. Queria saber se sua boca era assim tão fria, se beijava de boca fechada, nessas horas pensava, arrogante, em ensiná-la como se faz. Eu sabia cada vez que ela era convidada para sair, sabia quando seus encontros começavam e quando terminavam. Não acho que ela gostasse de namorar, se quisesse podia ter saído com a escola toda, mas escolhia sempre os mais insossos, que não deviam nem saber pegar na mão. Santa de gelo.
Percebi um movimento logo atrás.
- Lily já foi dormir. – o que James estava tentando fazer?
- Eu sei.
Virei em direção à voz com os olhos muito abertos. Descalça, vestida com uma longa camisola branca de algodão, Florência se aproximou, os cabelos dourados caindo em cascata pelas costas. Ela observou o salão como se nunca o tivesse visto e sentou-se numa poltrona ao lado do sofá onde eu estava paralisado. Ela não disse mais nada e não me olhou nenhuma vez sequer. Não trazia um livro ou dever de casa que justificassem sua presença ali. Não fazia nada, só estava sentada sem nenhum motivo aparente, como se descer para o salão às duas da manhã fosse coisa corriqueira. O silêncio parecia tão denso que emprestava àquela sala um aspecto irreal. “Será que isso estava acontecendo?”.
Ela começou a brincar com um pingente em seu pescoço, o cristal verde passando entre seus dedos, os olhos brilhando como jóias, fitando o fogo da lareira. Eu não conseguia desviar meus olhos, mas também não conseguia falar nada.
- Eu vejo você me vigiar, Black. – ela disse sem se mover, fazendo todos os pêlos da minha nuca se arrepiarem. – Por quê?
Meu cérebro trabalhou rápido para responder aquela pergunta óbvia e perigosa.
- Por quê? Você não é de se jogar fora, já devia estar acostumada com isso. – as palavras sarcásticas saíram sem meu consentimento.
Ela olhou direto para mim pela primeira vez na noite e eu senti um baque no coração. Se ela pudesse ler pensamentos saberia que era a coisa mais linda e também mais inatingível do mundo.
- Você tem medo. – ela falou baixo. Era uma afirmativa.
- Medo... – inclinei o corpo para a frente com os braços apoiados nas pernas. Estava agora bem próximo dela. – E esse medo seria de você?
Ela não se moveu, mas eu tive a nítida sensação de que recuara, atenta à minha postura.
- Se você não consegue falar comigo sem subterfúgios, só pode ser medo. – ela podia se sentir acuada, mas tinha coragem. – Em que eu te ameaço?
Eu comecei a rir me recostando de novo no sofá.
- Lux, você precisa entender uma coisa, não sou um dos seus cachorrinhos. Não vou me ajoelhar na frente do seu altar e beijar seus pés.
- Não, não são meus pés o que você gostaria de beijar. – ela falou com um rubor no rosto.
Eu não acreditei no que estava ouvindo e voltei a ficar mudo, sem nenhum sarcasmo, me sentindo descoberto como se estivesse nu diante dela.
- Suas observações sobre mim... o modo como você me vê... Você me dá mais poder do que eu tenho de verdade, Black, - ela me pareceu nervosa pela primeira vez na vida, passando as mãos pelos braços como se sentisse frio. – e eu não sei o que fazer com isso. – ela soltou os braços e me olhou com uma expressão derrotada, como se me pedisse socorro.
“Bruxa!”. Eu nunca quis tanto beijar uma garota. Corri meus olhos pelo corpo dela porque não podia tocá-la e mergulhei nos seus olhos com um pedido mudo de permissão. Mas ela desviou os olhos dos meus e disse numa voz cansada:
- Duas coisas podem ser muito boas, como vinho e água, mas não significa que vão funcionar quando são misturadas.
Aquelas palavras foram como mel e sal. O mel da possibilidade, o sal da negativa.
- Você acha que eu sou bom, Florência? – o nome dela dançava pela minha língua e vi que ela cerrou os olhos antes de responder.
- Acho... – sua voz era quase um sussurro. – em quase todos os sentidos. Você só não é bom com alguns como o Snape... e comigo. – ela voltou a me encarar. – Mas agora eu acho que já sei o motivo.
- Será que você pode ser mais clara? – falei tentando imitá-la, sentado ali sem me mover. A armadura do sarcasmo pronta para ser vestida novamente.
Ela me olhou de cima a baixo, como se me avaliasse.
- Eu fui criada para não cometer erros. Já tenho uma vida programada, uma vida que eu também escolhi.
- Uma vida apática! – disparei.
- Você não sabe. – ela disse tranqüila, os olhos brilhando intensamente.
- Então me diz uma única coisa espontânea que você já fez na sua vida. Você insinua que eu sou um erro, se você nunca errou como pode saber? – a olhei em desafio.
- Você não sabe. – ela repetiu.
- Anda, me diz, que loucura você já fez na vida?
- Não posso dizer, - ela se levantou sem parar de me olhar. – mas posso mostrar.
Num movimento rápido ela passou uma perna sobre meu corpo, sentando-se sobre mim, e colou sua boca na minha antes que eu pudesse esboçar qualquer reação. Achei que estava ficando louco, Florência Lux estava em cima de mim, as mãos nos meus ombros, pedindo passagem com a língua para a minha boca. Não podia ser alucinação, seu corpo era real, seu cheiro real, o pingente de cristal frio sobre meu peito, real. Meu corpo se desligou de minha mente e tomou vida própria, a apertando contra mim, invadindo sua boca com a minha, encaixando seu corpo no meu. Um beijo insano, uma urgência dolorosa. Senti meu corpo inteiro latejar de desejo, o coração martelando descontrolado contra o dela. Ela descolou a boca da minha por um segundo e quando eu mordia aquela garganta branca a ouvi murmurar em meu ouvido:
- Viu porque eu não posso errar? Quando eu erro, eu erro muito feio.
Torci seus cabelos na nuca e puxei sua cabeça para trás com força.
- Eu. Não sou. Um erro. – falei irritado, ofegante, um pedaço de inferno no céu.
- Não, você não é. Nós dois juntos somos o erro.
- Você não vai fugir de mim. – falei forçando sua nuca, aproximando sua boca da minha. Ela não reagia, não se esquivava, estava submissa.
- Eu não vou fugir, eu não poderia. – era quase impossível ouvir sua voz. – Mas nós não temos a menor chance.
Mas tudo o que ela disse foi esquecido no segundo seguinte, quando eu tomei a sua boca e ela mergulhou as mãos nos meus cabelos.
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Sirius fechou as mãos, apoiando o rosto nelas. O namoro dos dois havia assustado metade da escola e a outra metade simplesmente não tinha acreditado. Depois de formados ainda tinha durado por quase dois anos. Dois anos de paraíso e brigas homéricas na casa que ele tinha comprado depois que saiu de Hogwarts. Ele não podia mudá-la, ela não podia modificá-lo, e suas escolhas para a vida se tornaram diferentes demais. Ela sempre esteve certa. Sirius Black e Florência Lux. Luz e Escuridão. Não podia mesmo ter dado certo.
Ele observou Celina, que ainda ria com Harry à sua frente. Olhar para ela era ver toda a vida que ele não tinha tido. Naquele momento olhar para ela era sofrer demais.
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N/A: Bast é o nome da deusa egípcia que tinha forma de gata. Eu amo gatos e não resisti ao nome.
Outra coisa a qual não resisti foi colocar um pouco se Sirius na época dos Marotos (que eu adoro).
Agora um aviso aos ansiosos: as coisas na fic vão acontecer no tempo certo, o que eu acho que dá um sabor todo especial à trama. Então nada de afobação com o casal Harry/Celina, crianças.
Mary: que delícia que você gostou do casal (isso mesmo, CASAL). Aguarde e confie.
Rafaela: muito obrigada pelo elogio, imaginar uma estória, uma cena, é uma coisa, mas escrever...(1% inspiração, 99% transpiração). E não, eu não leio nenhum livro do Sidney Sheldon há anos, nenhum nome foi tirado de lá. Engraçado serem parecidos.
TicHa: nem todos curtem fics com personagens originais, que bom que você não é um deles.
PS: No próximo capítulo, mais cenas de beijos. Não digo de quem.
Beijos para todos, Georgea, a maligna.
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