<b>Album de fotos</b>



Album de fotos




Mãe, não me diga que amigos são aqueles que perco

Pois eles sangrariam diante de você

E as vezes a família é quem você escolhe
Vanessa Carlton – Whos to say (quem dirá)





Dia 31 de agosto, ultimo dia de férias.

Esta data poderia ser resumida para ela em apenas uma palavra.

Tédio.

Ou então duas palavras.

Muito tédio.

Era isto que aquela moça sentia. As férias foram completamente um desperdício de seu tempo, sem nenhuma diversão como sempre foram. Somente estudos, arrumação da casa, estudos e mais arrumação da casa. Ela podia até ser a garota perfeitinha e bem comportada, a aluna modelo, a perfeita queridinha dos professores, que não abria mão dos estudos, mas não é só de pão que vive o homem. Mas como os romanos já sabiam, de pão e circo. E não via o circo naquela hora. A muito tempo não via diversão nenhuma.

Talvez com a exceção daquele dia no Beco Diagonal, onde se encontrou com Catalina para comprar o novo material necessário para o ano letivo, um dia antes dela viajar com a família para a fazenda que ainda tinham na Espanha. Mesmo depois de se mudarem para a Inglaterra, os Dias não vendiam aquele pequeno pedaço de terra, que sempre usaram no passado para passar os fins de semana, fugindo do círculo vicioso que era a rotina em Sevilha. Agora só era usado para descansar nas férias.

Fora isto, a moça estava submetida em férias incrivelmente tediosas.

A casa já estava arrumada, o pequeno jardim cortado e bem cuidado, as louças limpas e bem guardadas. Ainda era cedo demais para fazer o jantar, e como não queria nada de especial, não demoraria muito tempo para o fazer. Suas tarefas como dona de casa no momento não iriam a distrair, já que não haviam. Sentiu falta da mãe quando pensou nisto. Aquela bondosa senhora, mulher forte e sonhadora, não desanimava com a pobreza com que viviam, havia morrido a dois anos, conseqüência de uma trágica doença. Agora somente ela cuidava do pai e da casa, já que sua irmã ser uma inútil. Essa o tempo inteiro dividia-se em três atividades: reclamar da pobreza, procurar um otário para se casar com ela e fazer fofocas da vida alheia. Isto quando a irmã não estava em casa, já que nesta época acrescentava o item “irritar a irmãzinha queridinha” na lista de afazeres. Se ela ao menos tentasse procurar algum trabalho, teria um grande sucesso no jornalismo, nas colunas de fofocas. Mas nem para tornar os mexericos do dia a dia em algo que dê alguma renda ela prestava. Simplesmente dizia que mulheres não devem trabalhar.

Parecia que Petúnia, o nome de sua irmã, não se preocupava com nada, não ligava com a situação com a qual viviam. Parecia ser amargurada. Individualista, queria que tudo fosse dela. Talvez fosse por isto que odiava a irmã. Quem foi selecionada para uma escola particular e ainda conquistou uma bolsa de estuda foi a irmã, e não ela que teve que ir para um colégio público. Quem na infância era paparicada pelas professoras e era considerada uma graça pelas outras meninas foi a irmã, e não ela que vivia levando broncos e era vista como uma menina estranha. Quem era a queridinha dos pais, que na morte da mãe e acabou herdando as jóias da mãe – que eram poucas, mas muito antigos pois eram de família – foi a irmã, e não ela que viviam sendo repreendia duramente pelas besteiras que faz contentemente. Quem tinha cabelos lindos, uma cara de estrela de cinema era a irmã, e não ela que até tingiu os cabelos de louros para tentar se parecer com um dos rostos que povoavam as revistas que lia. Parecia que o destino também conspirava contra Petúnia, fazendo que ela decaísse enquanto sua irmã estava em pleno apogeu.

“Mas Petúnia não importa...” pensou a moça, agora já assentada em um sofá com estampas exageradas, pegando um jornal que ela considerava decente para ler, que estava misturado nos tabloídes que eram o único tipo de jornal que Petúnia lia. “ Se ela não se importa comigo, por que eu vou me importar com ela? Só porque ela é a minha irmã? ”.

O jornal era velho, as notícias já sabia de cor. Já tinha lido o jornal do dia e não estava interessada em ler alguma futilidade inserida em um tabloíde. A moça jogou o jornal na mesa de centro. Isto mostrava que nem o direito de se entediar com um jornal cheios de assuntos que não lhe interessava tinha. Já tinha lido todos os livros escolares do ano, e ainda todos os livros indicados que teve a oportunidade de colocar as mãos.

Por um momento pensou em dar uma volta pela vizinhança, mas logo mudou de idéia. Além de que nunca tinha muita disposição para qualquer exercício físico, ainda tinha que aturar olhares tortos. Petúnia obviamente não conseguia ficar muito tempo sem pensar na irmã, e sempre que fazia isto fazia comentários maldosos sobre ela para quem quer que tivesse perto. Atualmente ela tinha certeza de ser a pessoa mais falada do bairro todo. E como passava boa parte do ano no internato, as más bocas faziam fofocas, fofocas e mais fofocas. A situação já virou uma bola de neve impossível de ser derretida.

Em conseqüência disto, suas férias eram assim: fora as raras vezes que saia com as amigas de escola, ficava trancada em uma casa, estudando, lendo, assistindo alguma coisa na televisão ou fazendo a arrumação da casa. Nem parecia que era uma menina simpática e viva.

Ela decidiu ir para o quarto, ver se ainda tinha alguma coisa que não tinha colocado na mala. Obviamente não tinha nada. Tinha começado a fizer a mala a uma semana, mas não custava nada tentar, afinal qualquer desculpa é válida para o tempo passar.

Olhou em baixo da cama. Não tinha nada.

Olhou nas gavetas da escrivaninha. Não tinha nada.

Olhou em cima do guarda-roupa. Não tinha nada.

Olhou pelo chão. Não tinha nada, nem uma meia jogada.

Olhou em cima da cadeira. Encontrou finalmente algum objeto fugitivo.

Era um livro bonito. Quadrado em vez de retangular, com argolas douradas em vez de broxarão. Tinha uma capa vermelha bastante luminosa. Na capa haviam iniciais douradas que de tantos floreios que tinha, ninguém entendia se não soubesse previamente o que eram, não entendiam nada. Como era um pertence dela, ela sabia perfeitamente o que significava: L E, de Lílian Evans.

- Meu Deus! Como eu pude esquecer de colocar isto na mala? – falou ela para si.

Aquele era um álbum de fotografias que Márcia – uma outra grande amiga sua – tinham dado de presente aos completar quatorze anos de idade. Quando ganhara, estava repleto de fotos dela, sozinha ou com os amigos. E muitos espaços para colocar fotos novas. Ainda hoje, não tinha conseguido completá-lo, mesmo que um de seus hobbys seja a fotografia. Tudo que ia nele era muito bem selecionado.

Lílian levantou-se para colocar o álbum na mala, mas no meio do caminho parou. Aquilo parecia ser uma ótima maneira de passar o tempo: observar as fotos com as amigas. Afinal, aquelas não eram as mesmas fotos que tinha observado na ultima vez que abriu o caderno. As fotos, tais quis os livros de história, sempre mudam quando olhamos ou lemos uma segunda vez. Não que os traços das pessoas mudem ou as palavras se reordenarão, mas o pensamento do observador ou leitor muda, assim observando tudo de um ângulo diferente.

A moça sentou em sua cama, depois esticando os pés na mesma, mesmo estando com os sapatos nos pés. Não parecia se importar com isto, ou melhor, não parecia ter percebido isto. Ela abriu na primeira página e pôs-se a observar uma outra moça, sozinha, com o uniforme escolar, assentada embaixo a uma árvore.

Era bonitinha lá com seus onze anos de idade. Tinha cabelos que estavam atrás das orelhas eram longos, muitos longos de passagem, já que ultrapassavam a sua cintura. Eram ondulados e com bastante volume, em um corte reto e sem graça. Tinha sardinhas as bochechas e no nariz meio que arrebitado, que contrastavam com a pele muito branco no rosto com o formato semelhante a um ovo. A boca dela erra rosadinha e fininha. Os olhos eram quase orientais, um pouco menos esticado que o de um japonês, o que se dá o nome de amendoado. E mostrando que não era uma oriental, seus olhos em vez de serem negros, eram verdes. Eram de passagem os olhos mais lindos que muitos já viram. Verde cor de esmeralda, cor de grama, cor de uma palmeira, cor do tom esverdeado que encontramos em um prisma. Ela era linda.

A foto sorriu inocentemente para a moça, e ela sorriu do mesmo modo em resposta para aquela foto que tinham tirado de si mesma recém chegada à escola. A foto piscou e continuou a sorrir, sem dar indícios que percebia que era observada.

Sim, a foto se movia. E para ela parecia ser alguma coisa perfeitamente normal, contando o fato de não ter se assuntado nem um pouco com os movimentos da imagem. E isto era explicado pelo fato de que quando tinha onze anos – a mesma idade da foto – quando seus pais discutiam qual escola iria cursar, quando já estavam quase convencidos que mandaria a caçula para estudar no mesmo colégio da filha mais velha, um homem corpulento bateu em suas portas e chegou com uma notícia inesperada. Lílian tinha poderes mágicos correndo nas veias, e para serem melhor utilizados, ela deveria começar a freqüentar uma escola especial para bruxos. Ela logo ficou feliz com a notícia, e seus pais diziam que aquele tinha sido o dia que ela mais deu orgulho para eles.

Lílian sorriu pela ultima vez para a menininha antes de passar de página. Encontrou novamente a mesma menininha em outra fotografia, mas desta vez estava acompanhada. Na primeira foto estava juntamente com duas outras meninas, e a seguinte era uma foto em grupo.

Era o mesmo cenário da foto sozinha que se encontrava a segunda foto. Três meninas estavam abraçadas e sorridentes, sendo que a que ficava no meio era Lílian.

A primeira apresentava traços latinos, apesar de ter nascido no Velho Mundo, graças ao fato dos pais colombianos terem largado tudo no pais natal para começar a vida novamente na Espanha. Tinha a pele morena e os olhos amendoados e típicos daquela região. Os cabelo muito lisos e escuros, cortados de qualquer maneira um pouco além dos ombros também denunciariam sua etnia, se não fosse o fato de ter cabelos como os delas era completamente comuns entre as européias. Possuía um sorriso pacífico, como se fosse um anjo. Por cima da gravata do uniforme escolar tinha um delicado colar, que continha um pingente de ouro no formado da letra C, presente de sua mãe, que era uma herança de família de algumas gerações. E graças a isto todas as mulheres da família Dias davam algum nome que comece com C para as filhas. Por isto ela se chamava Catalina Dias.

A outra menina era excepcionalmente bonita. O que Petúnia nunca havia conseguido a vida inteira, ela tinha conseguido desde jovem: ter a aparência de uma atriz do cinema americano. Alta, magra, com o corpo que todas as garotas queriam ter. Alias, ela era tudo aquilo que uma garota gostaria de ser. Tinha cabelos claros e muito volumosos, além de olhos azuis claríssimos. E conseguia ainda ter um sorriso que muitas atrizes treinavam horas para conseguir fazer. Márcia conseguia ser desde o momento que pisou na escola até agora, o ultimo ano, ser um padrão estético para todas as garotas.

Lílian sorriu ao se lembrar de como conheceu Márcia. Mas antes de recordar cada segundo, sua atenção voltou para a outra foto.

Tinha umas dez pessoas, todas trajadas com o mesmo estilo: camisa branca, colete cinza, casaco preto com um brasão, gravata vermelha e amarela, calça cinza para os meninos e saia também cinza para as meninas. Aqueles eram seus colegas de classe. E a menininha que era ela estava escondida na foto, juntamente com Catalina, em um canto. Já Márcia por sua vez, estava a frente, bem ao centro, junto com alguns garotos, mostrando o que sua aparência já sugeria: eram bastante popular.

Vendo Márcia ali, foi impossível controlar a mente de Lílian, então ela pôs-se a relembrar detalhadamente como conheceu a amiga...







“Era a primeira vez que ela viajava para a escola, por isto estava muito nervosa. Primeiramente porque ela não tinha nascido bruxa e não sabia quantas besteiras faria. E segundamente porque nem a plataforma conseguia encontrar. Se não fosse por uma família que parecia ser latina – que depois ela descobriu que era mesmo latinos, e de sobrenome Dias – que tinha uma filha que iria para a escola que parecia ter a mesma idade dela – que mais tarde ela descobriu que se chamava Catalina e que era mesmo da idade exata dela, já que o aniversário de ambas era no mesmo dia - ela não encontraria nada. Além de mostrarem o caminho, sua filha resolveu ficar na mesma cabine que Lílian, alegando que não conhecia ninguém, já que havia se mudado para a Grã Bretanha a apenas dois meses, os meses de férias.

Lílian descobriu que Catalina apesar de ser um pouco tímida – antes a garota pensava que era porque ainda não dominava o inglês, o que era verdade, mas depois percebeu que essa timidez era natural de seu ser – era uma ótima pessoa, e com apenas alguns minutos de conversa já sabia que seriam amigas inseparáveis. Eram muito parecidas: tinham a mesma opinião sobre muitos assuntos, foram criadas da mesma maneira muito conservadora e ainda por algum motivo, sentiam confiança uma na outra.

Depois de ficaram mais ou menos uma hora conversando sem parar – e cada uma confessou no mínimo dois segredos – uma mulher que carregava doces bateu na porta. Quando elas iriam escolher o que iriam querer, uma garoto apareceu.

- Você ainda tem daqueles bolos de caldeirão? O Pedro já conseguiu acabar com todos.

A mulher disse que sim, que estava em algum lugar e que iria procurar. Foi quando ele olhou para Catalina, desinteressado, e olhou para Lílian. E continuou a olhar para Lílian. E não parava de olhar para Lílian.

Ela sentou-se incomodada. Começou a achar que tinha alguma coisa muito estranha na sua aparência ou que aquele garoto nunca tinha visto além que não fosse bruxo na vida. Pensou que seria mais coerente a primeira possibilidade e pensou ainda em ir ao banheiro. Então finalmente o observou.

Ele era bem bonitinho. Era magro, um pouco baixo era verdade. Mas tinha um face morena, o nariz arrebitado tal como o seu, olhos cor de avelã, boca fina e corada, formando um conjunto harmonioso. Possuía ainda cabelos rebeldes, que o dava-lhe um ar de rebeldia, de ser uma garoto levado, o que era um charme a mais.

Agora era a vez dela fiar olhando para ele. Ele pagou o bolo, comprou algumas outras coisas e Catalina fez seu pedido e pagou. O menino continuava parado. A mulher saiu com seu carinho repleto de comidas e o menino continuava parado. E ele entrou na cabine das garotas, em vez da dele.

- Oi. – disse ele, assentando-se – Acho que ainda não me apresentei. Meu nome é Tiago. Tiago Potter – o menino olhava diretamente para Lílian. Parecia encantado.

- Sou Lílian Evans.

- Catalina Dias.

- Catarina? – perguntou ele, sem entender.

- Não, Catalina. Eu sou espanhola.

- Legal, tenho alguns conhecidos lá na Espanha, e também já fui umas vezes para Madri. É o primeiro ano de vocês aqui? Pelo menos para mim é. Mas digamos que já conheço um bocado de gente que está aqui.

E ele começou uma conversa completamente sem nexo. Parecia muito disposto em se exibir, falava muito de si mesmo, queria impressiona-las. Não parava de olhar para Lílian, dava a impressão que estava interessado nela. Se fosse basear naqueles filmes que vivia assistindo junto a sua mãe, poderia jurar que era amor a primeira vista, mas ela não acreditava nesta bobagem. Ele só poderia estar achando ela levemente bonita.

Até que em um depreciando ponto da conversa, Tiago muito vermelho, dá um doce para Lílian, que também fica vermelha. Ela olha de relance para Catalina, que dá um risinho.

Finalmente parecendo ter percebido o que fizera, o menino diz que já ficou longe demais da sua cabine, que em Hogwarts eles conversavam mais. Quando ele finalmente sai, Lílian vai até a porta e lhe dá um aceno com a mão, com Catalina em seu encosto. Mas a mão que ela acenava era a mesma que segurava o doce, e Lílian tinha a mãe leve demais. O doce voou longe, e só parou quando acertou na cabeça de uma menina, que estava sozinha no corredor. Parecia que iria ao banheiro, que era logo em frente.

- Ai, meu Deus! – exclamou Lílian, não muito alto, mas alto o suficiente para Tiago ouvir. Ele se virou para ver o que aconteceu, e se aproximou dela. Pôs a mão no ombro dela, num gesto que lembrava namorados. Por um momento, ela congelou, se esquecendo por que convocara Deus.

A menina que recebeu uma “doçada” na cabeça começou a rir, disse que não tinha nenhum problema, que Lílian só teria problema se estivesse aberto o doce, que certamente grudaria em suas madeixas douradas.

E como Tiago, disse que não se apresentou, que seu nome era Márcia Fielding.”








BEM! BEM! BEM!

O som dos sinos da igreja fizeram Lílian despertar de suas lembranças. Eram seis da tarde, a hora de fazer o jantar. Afinal conseguira encontrar alguma coisa para passar o tempo.

Colocou o álbum na mala que estavam todos os seus livros e foi em direção da cozinha, inspirada para fazer um deliciosa jantar.




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