Uma loira no Rio
Uma loira no Rio
- Já são sete e meia –disse Lílian, consultando o relógio na forma de um gato negro que ficava na parede da cozinha – ele já deviam ter voltado. O que será que houve?
- Sei lá! – respondeu Tiago, parecendo um pouco emburrado, um pouco de má vontade – de certo elas ainda estão fazendo suas tão preciosas compras, e Sirius ainda não se decidiu entre a blusa se tricô e a cor de rosinha. Ainda quer saber qual está mais na moda.
Desde que a santa abelhinha resolveu fazer do decote de Lílian a sua moradia, Tiago estava muito irritado. Afinal, a quantos anos ele rezava para ficar sozinho com Lílian, em um lugar bonito e romântico, ela não querendo matá-lo, e sim com a face serena, querendo ouvir o que ele queria dizer. Resumindo, ele rezava para que um dia tivesse o dia perfeito...
... e a dona Abelinha aparece e estraga tudo.
E não só isto. Esta dona transforma este dia de sonho perfeito em um dia com muito estresse de estudo. Depois do episódio, Lílian enfiou a cara novamente nos livros, mostrando mais do que nunca que é uma ratinha de biblioteca profissional. Decidiu que virar a cara e conversar com alguém é uma coisa que nunca em sua vida faria. E por fim, vendo que Lílian nunca iria desperdiçar seu precioso tempo de novo com ele, Tiago resolve tomar um bocado de sol.
Entretanto, o que deveria ser um passatempo, vira um problema graças ao fato de não passar um filtro solar antes de se torrar. Sua pele ardia e estava muito avermelhada. Lílian entregou a ele uma poção pastosa para queimaduras, que ela mesmo tinha feito, para aliviar um pouco o sofrimento de seu amigo. Mas se recusou a passar nele, afirmando que ele já estava muito moço para precisar de ajuda. No fundo Tiago prometeu a si mesmo que no próximo dia terminaria de se queimar, já que estava muito ridículo sua parte frontal vermelha, e as costas brancas. E deste jeito Lílian não poderia recusar passar o bendito creme nele.
E só isto fez Lílian parar um pouco de estudar para dar uma olhada no relógio e ficar preocupada com a demora.
A partir deste momento, o casalzinho ficava na cozinha, ela fazendo algo comestível, ele com uma blusa bem folgada (a poção demorava doze horas para curar totalmente a queimadura, por isto qualquer coisa que encostasse nele o machucava), fazendo absolutamente nada. A cada cinco minutos, Lílian olha para o relógio e falava:
- O que houve com eles?
- Eles já não deveriam estar aqui?
- Onde foi que eles se meteram?
- Se eles pensam que podem chegar tarde e pegar uma comida pronta, estão muito enganados. Vão ter que comer uma carne com molho azul da Mandy.
E Tiago respondia sei lá ou não falava nada, já que no próximo segundo, ela sempre se preocupava mais com mexer o arroz que com o estado de saúde dos próprios amigos.
Quando o jantar estava pronto, não tinha mais que se preocupar em cortar rodelas de tomate no milímetro correto: podia se preocupar único e exclusivamente com os três que sumiram de repente.
- Mas a estas horas da noite, as lojas já estão fechadas! - falava ela, meio que aflita – O que eles podem estar fazendo.
- Sei lá, podem estar em um restaurante.
- Minha comida e tão ruim assim.
- Não, Lilly. Sua comida é maravilhosa, juro que nunca comi coisa melhor nem em restaurantes franceses. Ninguém ganha de você em matéria de culinária. Sua mãe deve ser uma ótima cozinheira, para ensinar a filha a fazer comidas tão deliciosas.
Talvez, se a mimasse, teriam de volta o clima tão bom entre eles, o mesmo que havia na praia... até a abelha vir e estragar tudo.
- Não, eu aprendi tudo sozinha, em livros de culinária que lia. Minha mãe talvez faz coisas piores que Mandy.
- Então você é uma moça muito aplicada. E... – estava na hora de começar a botar s azinhas para fora, mostrar realmente o que o interessava – seria muito sortudo o cara que se casar com você. Irá engordar bons quilos.
- Eu não me importo com a aparência das pessoas – disse Lílian, sem preocupar-se com o que dizia – Nunca julguei as pessoas pela cara. Não é de meu feitio.
- Eu bem que adoraria ter uma dia uma esposa que cozinhe igual a você – correção, eu adoraria ter uma esposa que seja você. Mas não direi isto.
Ela deu um risinho nervoso, inocento demais para perceber o sentido duplo da frase, mas encabulada com o comentário.
- Não sei se você passaria a vida inteira a...
- Chegamos!
- Eu mato o Sirius - disse Tiago bem baixo, para ninguém ouvir, e em seguida chamando os amigos de uns cinco palavrões de significados distintos um do outro. Ao menos Lílian não foi pega em uma situação complicada de se explicar, já que o moço gritou do lado de fora. Mas ele adoraria viver com ela uma situação difícil de se explicar.
- Que bom que vocês chegaram – exclamou Lílian, toda alegrinha – Mas que cara é esta?
Quando todos entraram na cozinhas, apresentaram a mesma cara: um misto de nojo, aversão e medo.
- Vocês não viram ele lá, o... o... não, não é? – todos sabiam de quem a moça estava falando. A versão brasileira dos seus pesadelos.
- Não, talvez seja pior.
- Quem?
Os três garotos que estavam fora gelaram, sentindo-se desconfortáveis nas cadeiras que acabavam de assentar-se. Pareciam não querer falar o que havia acontecido, não se sabia se era por constrangimento ou algo derivado. Por fim, Sirius mostrou mais corajoso, revelando (porem em uma voz muito baixinha):
- Nós vimos ela. Nós temos certeza que é ela.
- Ela quem? – perguntou Tiago impaciente. Se não bastasse o lindo dia que teve, ainda tinha que aturar os amigos medrosos?
- A loirinha...
Tiago e Lílian finalmente congelaram, entendendo o tamanho medo dos amigos.
- Mas como...
- Bem... quando nós chegamos lá, inteiros sãos e salvos, sem nenhum arranhado, corte ou fratura ou quaisquer coisas do gênero. E fomos fazer as nossas compras. Lá é um lugar legal, bonitinho. Só que é meio estranho o jeito de entrar. No nosso Beco Diagonal nós temos que tocar alguns tijolos na parede, mas lá nós temos que pisar em algumas pedras. Tem uns caras que até dançam quando vão fazer isto. E como eu tinha dito, lá é bonito, os bruxos tinham feito o lugar virar um reflexo da praia de Copacabana, tem o mar, o Calçadão, só as lojas que mudam...
- Remo, seria muito incômodo você ir direto ao ponto? – falou Tiago, com sua comunal irritação.
- Certo...
- Deixa que eu continuo – disse Sirius, atropelando a fala de Remo, sem o menos pingo de educação. – Não me lembro bem o nome da loja, acho que era uma filial da Trapo Belo no Rio de Janeiro. Foi quando vimos ela...
- Certo, e só porque viram uma mulher loira vocês acham que é a loira malvada? – perguntou Lílian, começando a ficar entediada com a história, começando a achar que tudo o que eles diziam era pura besteira de gente que está morrendo de medo. O que por sinal, era perfeitamente normal.
Os três que foram para as compras se olharam, silenciosamente decidindo quem contaria a história. Por fim, os dois rapazes olharam para Mandy, mostrando que lá não teria escapatória, ela então afundou na cadeira.
- Nós fomos lá para a Trapo belo para comprar nossas vestimentas. Mas... – parecia que procurava as palavras corretas, para talvez para tornar sua narração trágica – mas... hum... não éramos as únicas pessoas lá. Tinham três pessoas, além das vendedoras é claro, no recinto. Nossa, mas por que tivemos que encontrar com eles?
- Eles quem? – perguntaram Tiago e Lílian ao mesmo tempo.
Tiago, esquecendo da gravidade – ou da suposta gravidade – da situação, lembrou-se de uma cena que havia se passado a algum tempo. Quando viram Dumbledore pela primeira – ou segunda, mas com certeza foi uma dessas vezes – Remo e Lílian tinham dito uma frase igualzinha, com as mesmas pausas, harmoniosamente sincronizadas. E ele ficou morrendo de ciúmes, querendo que fosse ele. Agora era ele, e o fato que a antiga frase era enorme, não importava em nada na alegria que sentia. Até o casamento certamente falariam textos ao mesmo tempo, como se compartilhassem o pensamento. E entre o namoro e o casamento era apenas um paço. E ele sorriu.
Lílian viu a cara boba de Tiago, com o sorriso igualmente bobo e se espantou.
- Tiago, por Deus! Do que é que você está rindo?
- Nada – mentiu ele, mantendo uma pose séria. Só estava pensando em alguma coisa que no fundo você gostaria de que acontecesse, mas não posso dizer isto – Mas vocês encontraram quem lá?
- Vocês se lembraram de uns surfistas que encontramos lá em Honolulu?
- Quem, aqueles instrutores de surfe, que deram aquelas aulas para nós? – perguntou, não entendendo nada. Aqueles caras não eram definitivamente garotas.
- Não, Scott, Bob e Cee Cee – respondeu Remo.
Lílian entendeu a mensagem subentendida na hora. Tiago não.
- Cee Cee é loira – explicou ela, com a voz de assombro.
Loiros da mesma cor, lembrou ela na memória. A moça tinha os cabelos além de muito longos, loiros e mal pintados, malcuidados que se encaixam de modo perfeito na definição de Sirius da Comensal. Não era de espantar: depois de horas e horas, diariamente na água salgada, seria milagre ter cabelos maravilhosos.
- Mas o que eles estavam fazendo lá – perguntou ela.
- Eles também são bruxos. Não tínhamos percebido isto. – explicou Remo, todo paciente – Eles também pareceram surpresos com nós lá. Disseram que também estavam lá para comprar os materiais, e que tinham chegado no dia anterior para participar de uma competição de surfe. Eles grudaram em nós o tempo todo!
- Não o tempo todo. Teve uma hora que ele tinham dito que iriam fazer uma coisa, e nós fomos para a avenida Atlântica. Pensando bem, ele foram avisar para o chefinho deles que a caça deles está aqui.
- Alguém ficou observando vocês lá na avenida?
- Muitas pessoas. – respondeu Mandy, por algum motivo ficando emburrada – Tudo porque eu queria me livrar de uma abelha que ficava me perseguindo. Eu tinha que me livrar dela, não tinha?
Lílian imaginou o pequeno show que sua amiga faria ao ver uma abelha, e começou a rir junto com Sirius e Remo. Sua amiga provavelmente não pensaria duas vezes antes de arrancar a blusa se entrasse um bicho. Tiago mantinha a mesma expressão de Mandy, já que a partir daquele dia odiava abelhas.
- Mas tinha alguém suspeito – perguntou ele.
- Não, se não considerar um senhor vestido muito elegante, que olhos para nós normalmente, depois ficou abismado. E tentou disfarçar um expressão. Parecia que ele ficou intrigado. Ele deve ser uma daquelas pessoas conservadoras demais.
Mandy e Sirius olharam para ele.
- Eu não vi isto – disse Sirius.
- Claro que não! – retrucou Remo – Você estava preocupado demais em rir da Mandy, e você, Mandy, estava muito preocupada em se livrar da abelha. Ninguém tinha percebido que eles poderia ter ido disfarçadamente mandar reforços para matarem a gente?
Os dois balançaram a cabeça.
- Mas fora esta hora ele não nos deixava em paz! Ficavam o tempo inteiro no nosso pé! Deus, como aquele Bob é burro e insuportável – suspirou Mandy. – Mas nós tratamos de cair fora o mais rápido que podíamos. Eles insistiam em jantar conosco, mas certamente teria algum tipo de veneno na comida.
- Nós temos que alertar Dumbledore – disse Lílian rapidamente. – Alertar ele que já descobrimos quem é a loirinha e seus comparsas. Eu não acredito que existam confidências neste mundo... e essa já e pedir demais para minha paciência, que na verdade acho que nunca existiu.
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