O Ponto em que Não Há Mais Vol

O Ponto em que Não Há Mais Vol



Snape adentrou sua sala com seu habitual mau humor. Sua capa farfalhou às suas costas e ele evitou olhar na direção da jovem grifinória que vinha ocupando seus pensamentos havia tempos.
- Os ingredientes da poção do Morto Vivo estão na lousa e acho melhor vocês começarem a fazê-la logo, porque dois tempos é muito pouco para uma poção complicada como essa. Se alguém tiver alguma dificuldade imensa em seguir instruções, basta erguer a mão.
Ele se sentou à sua imponente mesa. Olhou para os alunos. Seu olhar, no entanto, era teimoso, e insistiu em cair sobre Hermione. A jovem estava pálida e com olheiras, o que demonstrava que ela havia chorado a noite inteira. Mas mesmo assim ela se concentrava em sua poção. Cortava os ingredientes, pesava tudo. Não parecia estar transtornada.
Ele esperou quinze minutos antes de começar a rondar a sala, olhando poções. Até a poção de Potter estava mais ou menos aceitável. Claro que o futuro dela era lixo, mas ele estava quase no caminho certo.
Snape ainda andou mais, parou ao lado de uma sonserina que era a mais inteligente de sua casa – e que havia odiado não ter sido escolhida estagiária – e ficou observando-a trabalhar.
- Não, Lancaster, não por aí – disse ele cuidadosamente. – Você sabe que não é assim. Mexa três vezes no sentido horário antes de baixar o fogo. Isso.
A jovem Elisabeth Lancaster sorriu e depois olhou de esguelha para Hermione, que parecia não prestar atenção a nada que não fosse sua poção. Snape viu esse olhar. Ele sabia que Elisabeth queria ser sua estagiária, mas ela, apesar de boa aluna, jamais seria tão inteligente quanto Hermione era.
Severo Snape voltou a circular pela sala, ajudando alguns sonserinos e, às vezes, fazendo algum comentário irônico a respeito da poção de algum grifinório.
Por fim, o temível mestre de Poções parou ao lado de Hermione, estudando as ações dela. A jovem parecia concentrada, mas estando perto, ele observou melhor. Ela não estava nada calma; tremia. Deixou a balança cair quando pesava um dos ingredientes e, transtornada, disse:
- Ah, me desculpe, professor, eu...
Snape abaixou-se e pegou a balança para ela, depois fez os resíduos do ingrediente desaparecerem.
- Você está bem, srta. Granger?
Ela olhava para baixo e enxugou uma lágrima.
- Ahn... estou sim, professor.
- É melhor você se concentrar mais, se não vai acabar provocando um acidente – disse Snape sério, sentindo uma vontade imensa de abraçá-la e de protegê-la, de fazê-la esquecer o que havia acontecido na noite anterior.
Depois de dois tempos naquela mesma situação, Snape finalmente dispensou-os, e pediu para Hermione permanecer. Harry não gostou muito daquilo, mas não tinha o que fazer.
Uma vez todos fora da sala, Snape fez sinal para Hermione sentar-se e ela obedeceu.
- Olhe para mim, Hermione – disse ele, muito sério.
O uso de seu primeiro nome a fez olhá-lo com atenção. Snape disse:
- Você não pode ficar rememorando o que aconteceu o tempo inteiro. Não adianta nada você ficar assim, não vai mudar o que aconteceu. Você tem aula de que agora?
- Não tenho, professor – murmurou ela em resposta.
- Ah, ótimo – disse ele. – Eu também não tenho aula nenhuma e estava pensando em subir para o meu laboratório. Será que você aceitaria vir?
Hermione assentiu e levantou-se para acompanhá-lo até os aposentos particulares dele. Snape encaminhou-se para o fundo da sala e disse:
- Eu acho que tenho uma poção que pode resolver o seu problema...
A jovem olhou-o, curiosa, mas nada disse.
Ele trancou a porta de seus aposentos e fez sinal para Hermione segui-lo. Ela obedeceu, muda. Ele pegou um frasco e estendeu a ela.
- Apesar do que aconteceu, eu não acredito que você gostaria de ter sua memória apagada. Essa poção aqui não vai fazer você esquecer, mas vai lhe dar a sensação de passado muito distante, quase como um sonho.
Hermione ensaiou um sorriso e agradeceu. Bebeu a poção de um só gole.
- Quando tempo demora para fazer efeito? – perguntou ela, devolvendo o frasco a ele.
- Meia hora – disse ele. – Sente-se. Vamos conversar. Já decidiu qual dos convites vai aceitar?
Hermione sorriu, começando a se esquecer que o que sofrera fora ainda ontem.
- Ai, estou meio indecisa. Vou querer que o senhor me fale sobre as instituições... Pode me dar uns conselhos, não pode?
- Não quero influenciar você.
- Mas não é pra me influenciar, sr. Professor Snape – disse Hermione. – É só... ah, tem tantos pra escolher, eu queria saber como são as instituições pra ver se acho uma melhor que a outra...
Snape arqueou a sobrancelha direita e disse:
- Tenho um livro que vai poder ajudá-la.
Enquanto ia até sua estante, Hermione apenas observou-o, tentando imaginar o que ele achava da atitude dela na noite anterior, de ir atrás dele, sendo que acabara de sofrer um estupro. Não queria que ele achasse que ela era uma vadia. Pela primeira vez em sua vida, se importava com o que alguém pensava dela.
- Já está melhor, Hermione? – perguntou ele, voltando com um livro na mão.
Ela fez que sim com a cabeça.
- Parece... que faz muito tempo... Sei lá, foi ontem, mas parece tão... tão distante!
- Ah, bom, já começou a fazer efeito – disse ele, sentando-se no lugar à frente dela à bancada. – Aqui está o livro. Fala um pouco das instituições de ensino e de pesquisa de todo o mundo.
Hermione abriu um sorriso radiante.
- Obrigada, professor.
Snape apenas acenou com a cabeça em resposta. Ela abriu o livro para folheá-lo, como sempre fazia quando um livro ia parar em suas mãos, e Snape apenas ficou observando-a. Ainda se perguntava de onde tirara tanta força de vontade para mandá-la embora de seu quarto na noite anterior. Não sabia que seu autocontrole estava tão bom assim, para conseguir se afastar dela segundos antes de entrar nela.
- Professor? – perguntou ela, olhando para ele. – Pensando na vida?
Snape voltou ao mundo e olhou para ela.
- Ahn... de certa forma.
- Ah, bom... Então... Posso levar o livro? Devolvo logo. Prometo.
- Pode, pode. Devolva quando terminar de ler.
Ela sentira seu olhar nela. Claro. Aquele olhar que tantas vezes a assustara e que agora a varria com os olhos era difícil de não ser notado.
Hermione também parecia pensar em alguma coisa.
- Que foi? – perguntou ele, movendo suas mãos para as dela tão espontaneamente que ele nem percebeu o que estava fazendo. – A poção não está fazendo o efeito desejado?
Hermione olhou para as mãos dele em cima das suas, e foi quando ele percebeu o que tinha feito. Afastou suas mãos das dela e murmurou:
- Me desculpe. Mas responda.
- Não, não é isso...
Ela suspirou e olhou para o chão. Queria perguntar para ele, mas não sabia se queria ouvir a resposta.
- O que você está com medo de me dizer? – perguntou ele, estranhamente gentil, com um meio sorrisinho no canto da boca. – Quando você faz essa cara é porque você quer dizer alguma coisa.
Hermione relaxou e sorriu para ele. Fez uma careta e abriu a boca para perguntar, mas desviou o olhar e desistiu.
- Fale – disse ele, pacientemente.
Ela respirou fundo, decidida, e perguntou:
- Professor, o senhor tá me achando uma vadia?
Snape fez cara de quem não entendeu.
- E por que eu acharia isso de você?
Hermione desviou o olhar e murmurou, em tom choroso:
- Por causa de ontem...
Snape entendeu o que ela quisera dizer.
- Acalme-se. Entendo que você quisesse se esquecer dele... – ele suspirou antes de dizer a frase seguinte, mas disse mesmo assim. – Só que eu não sou a pessoa mais indicada para você...
Ao ouvir aquilo, Hermione ergueu o olhar para ele, esperando que ele dissesse mais alguma coisa, mas ele não disse.
- Por quê? – perguntou ela.
- Não seria delicado da minha parte esclarecer isso para você – retrucou Snape, levantando-se.
Ele abriu seu armário e pegou dois caldeirões e colocou-os em cima da bancada.
- Ah, vai desviar o assunto – disse ela. – Entendo. Mas por que não seria delicado o senhor me explicar?
Snape olhou-a de esguelha, enquanto ia a seu armário de ingredientes e pegava alguns vidros com os ingredientes mais estranhos.
- Apenas não seria. Esqueça isso. Encerre o assunto.
- Tá, mas eu quero saber por que o senhor acha que não é a pessoa mais indicada para mim – disse ela, levantando-se também, pondo os caldeirões alinhados e organizando os ingredientes instintivamente.
Snape parou de pegar ingredientes e olhou-a, enquanto ela organizava seus instrumentos de trabalho.
- Você quer tentar os velhos clichês? – perguntou Snape, levemente irritado. – Eu tenho vinte anos a mais que você. Eu sou seu professor. Sou um ex-comensal da morte.
- Hum... isso não são motivos indelicados – considerou Hermione. – São furados, cheios de defeitos, mas indelicados não são não.
Snape suspirou. Ela estava testando a paciência dele e ia acabar recebendo uma resposta de que não ia gostar.
- Hermione, esqueça isso.
- O senhor ainda não disse um motivo decente; estou esperando – disse ela, cruzando os braços.
- Estou interessado apenas em sexo, o que não é ideal para uma menininha que ainda tem a vida inteira pela frente – respondeu Snape de seu modo grosseiro. E virou-se para ela com aquela postura que o deixava ainda mais alto.
Hermione arregalou os olhos, um pouco desconcertada. Snape sabia que deveria se desculpar, mas não o fez. Ignorou-a e voltou a pegar seus ingredientes.
Ele começou a cortar ingredientes, mas Hermione imóvel ali, sem dizer nada, fez com que ele olhasse para ela.
- Ora, não foi você que ficou me enchendo a paciência para ouvir uma razão decente? – perguntou ele, em seu melhor tom “professor de Poções”. – Aí está a resposta. Mas veja, estou sendo até um bom homem: estou protegendo você de mim.
Ela sentou-se no lugar à frente dele.
- O senhor temia perder o controle ontem e me machucar, é isso? – perguntou ela, estranhamente compreensiva.
Snape suspirou irritado, já perdendo a paciência.
- Será que você pode desistir desse assunto em vez de me dar idéias?
- Quanto tempo de abstinência? – insistiu ela.
- Você não vai sair desse assunto infernal? – perguntou ele, já sem paciência nenhuma. – Continue e arrasto você para fora daqui sem nenhum cuidado.
- Responde.
- Não, isso não é da sua canta, sabe-tudo grifinória – disse ele, levantando-se bruscamente.
Ela levantou-se mais rápido ainda e recuou, assustada. Ele segurou-a com grosseria no braço e arrastou-a pelo laboratório para a porta.
- Você tem essa mania irritante de se meter onde não é chamada! – exclamou ele, completamente irritado. – Não volte aqui até você tirar essas perguntas irritantes dessa sua cabecinha oca.
Ele a arrastou pela sala de estar sem obter resistência da parte dela, mas parou antes de abrir a porta do lugar e fazê-la descer as escadas.
- Você não quer me ver mais irritado do que já estou – disse ele, reduzindo drasticamente o tom de sua voz, para aquele tom levemente sussurrado e perigoso. – Será que você consegue entender o que eu disse?
Hermione tinha uma expressão assustada. Antes, quando ele ficava irritado, mal humorado, ele tirava pontos da Grifinória. Ela nunca o tinha visto partir para cima de um aluno antes, e nunca se imaginara naquela situação.
- O senhor está me machucando.
Snape suspirou irritado e soltou-a bruscamente, meio que a jogando para longe. Foi sentar-se no sofá.
- Ah, inferno... – ele suspirou e disse: – Me desculpe, Granger, eu não pretendia machucar você.
Ela, em vez de fugir, como ele imaginou que ela faria, caminhou até ele e sentou-se ao lado dele no sofá.
- Bom, eu nunca pensei que o senhor pretendia me machucar – disse ela. – Eu não queria deixá-lo tão irritado, é que não pensei que o assunto o incomodasse tanto.
- Ah, discutir a minha vida sexual com uma aluna não é exatamente a coisa mais alegre que já fiz – disse ele, acidamente sarcástico.
Ela riu, o que fez Snape olhá-la. A gargalhada dela era tão espontânea, tão divertida, que ele esqueceu que estava bravo.
- É, olhando por esse ângulo... Acho que eu ficaria irritada se estivesse no seu lugar – disse ela, ainda rindo.
- Ah, você é compreensiva. Que bom – ele levantou-se. – Agora, preciso fazer as poções que Papoula me pediu. Você tem NIEMs para estudar, não é?
- Posso ficar por aqui mesmo? – perguntou ela. – Eu vou estudar, mas pode ser aqui? Não estou com ânimo pra emprestar as minhas lições pra ninguém...
Snape sacudiu os ombros.
- Acho que você deixou sua mochila lá em baixo.
- É, acho que deixei. Vou lá pegar.
Ela desceu correndo as escadas. Snape voltara às suas poções, mas não as via. Nem sabia o que estava fazendo. Estava tentando imaginar o que Hermione sentia por ele. Ela ficara assustada com a atitude dele; ele pudera enxergar dentro dos olhos dela o medo. Mas ela não fora embora; permanecera ali, ao lado dele. Esperando que ele mudasse de atitude. Ele fora um comensal da morte, poderia fazer toda a sorte de coisas ruins a ela, mas ela não parecia preocupada com isso. Apenas permanecera com ele. Isso se parecia muito com um certo sentimento, de que ele apenas ouvira falar, mas nunca sentira. Não até aquele momento. Mas ele não sabia o que fazer. Agora ele sabia o que era essa coisa que tanto incomodava seu coração, mas não sabia o que fazer. Ela lhe demonstrara amor, mas será que o amava mesmo? Ou será que aquilo não passava de um amor platônico de uma aluna por um professor brilhante e misterioso?
A incerteza era seu grande problema. Se soubesse que ela não o amava e nunca o amaria, ao menos ele saberia. Mas a incerteza mata. Ele queria usar legilimência, mas teve medo do que veria.
Suas divagações foram quebradas quando ela voltou à sala. Ela lhe sorria.
- Juro que vou ficar quietinha, não vou incomodar o senhor...
- Ahn, Hermione... – ele hesitou um pouco, algo que o deixou assustado com o que sentia por ela.
- Sim? – perguntou ela, prontamente, dando atenção a ele.
- Pensei que... Bom, tendo em vista tudo o que aconteceu de ontem para hoje... Acho que você pode me chamar de Severo e me tratar por você quando estivermos a sós. Mas só quando estivermos a sós, entendeu?
O sorriso que ela abriu foi indescritível. Ele não soube o que dizer, por isso não disse nada.
- Obrigada... Severo – ela testou o nome dele em sua voz, e sorriu.
Snape sorriu de volta, um de seus sorrisos contidos. Seu nome saía tão mais sonoro sendo dito por ela! De repente um pequeno pensamento veio à sua cabeça. Um pensamento nada ortodoxo: como seria o som de seu nome vindo dos lábios dela em meio a gemidos e respirações entrecortadas?
Um outro pensamento parecia ter a solução simples para essa questão: pergunte a ela. Ele deu um sorriso no canto da boca ao imaginar que ela realmente iria gostar de responder à pergunta.
Hermione sentara-se e já se ajeitara em seu sofá, abrindo vários livros à sua volta. Ele olhou-a de esguelha e voltou ao seu trabalho, desta vez conseguindo concentração.
Quando Snape terminou o que estava fazendo, consultou o relógio da parede: duas da tarde.
- Céus, como o tempo passou rápido! – exclamou ele, impressionando.
Hermione ergueu a cabeça e olhou-o, e depois para o relógio e arregalou os olhos.
- Ah, é por isso que meu estômago está roncando! – exclamou ela com um sorriso suave.
- Bom, o horário de almoço já passou – disse ele. – Posso pedir alguma coisa para o almoço. Você me acompanha?
Ela assentiu com um sorriso e começou a fechar os livros, enquanto Snape pedia o almoço via lareira.
Ela levantou-se e foi olhar para fora pela janela, observando o ar do mês de maio. A primavera. Não estava mais frio. Aquele frio maluco que aparecera. Agora estava uma temperatura agradável e o sol brilhava fraquinho. Ela ouviu a capa de Snape ondulando e olhou para trás. Ele viera observar os jardins do colégio ao seu lado.
- Bela vista – comentou Hermione.
- É; eu gosto – disse ele, olhando o horizonte.
- O senh... Digo, você não está mais bravo comigo, está? – perguntou ela apreensiva.
Ele não olhou para ela quando respondeu:
- Não, não. Você não está mais impertinente; não estou mais irritado.
- Ah, então tá bom – ela disse, voltando a olhar para fora.
Snape olhou-a de esguelha, mas não disse nada. E ficaram em silêncio por um tempo, até que ouviram um sininho e se viraram para ver o almoço aparecendo na mesa posta da sala.
- Ah, já não era sem tempo – disse ele, caminhando para perto da cadeira dela, para puxá-la para ela sentar, como sempre fazia.
Hermione sorriu e sentou-se, agradecendo a gentileza. Almoçaram calmamente, conversando, trocando comentários ácidos, rindo às vezes, mas a atmosfera entre eles ainda estava pesada. A sensação de assunto mal resolvido que havia se formado parecia rodeá-los.
Snape suspirou irritado, depois de beber seu último gole de suco, o que fez Hermione olhá-lo sobressaltada.
- Que foi? – perguntou ela. – Fiz algo de errado?
Snape fez que não com a cabeça.
- Você tem essa mania irritante de achar que as minhas variações de humor são culpa sua – comentou ele, ácido. – Na verdade, são culpa minha mesmo; tendo a ver com você ou não.
Hermione baixou os olhos, sem retrucar, o que o fez suspirar.
- Pare de agir assim! – exclamou ele, sobressaltando-se. – Me faz parecer um monstro pior do que eu já sou! Onde está a maldita srta. Granger que infernizava a minha vida durante as aulas?
Ela olhou-o, assustada.
- Eu... eu... eu esperava que voc... que o senhor pudesse... pudesse... ao menos...
Ela enxugou os olhos. Snape fez que não com a cabeça e olhou para seu prato. A contragosto, disse:
- Eu estava imaginado um esconderijo que Malfoy poderia escolher... Pensando onde ele poderia estar.
Hermione, enxugando mais uma lágrima olhou para ele, séria.
- Por quê? O senhor está me tratando feito lixo, como... como antes de nos tornarmos... amigos? Por que a preocupação com Malfoy? Ele pode fazer o que fez a mim a uma outra aluna?
Ela se levantou e foi reunir suas coisas. Snape queria se desculpar, mas ignorou-a. Tinha medo do que poderia fazer a ela se perdesse o controle. Ela ia sair, mas, antes, disse:
- Fique com essa sua falsa moral e morra sozinho, Severo Snape – disse ela, entre dentes.
E saiu da sala, descendo pelas escadas para a sala de aula.
Pense, pense rápido, seu idiota. Não deixe que ela vá embora assim... Faça alguma coisa...
- Hermione – ele chamou, levantando-se.
Mas não obteve resposta. Nem precisou de sua varinha para trancar a porta da sala de aula. Cruzou os braços e esperou. Sabia que Hermione era geniosa. Ela viria nem que fosse aos berros para mandá-lo abrir a porta.
E ela veio, mas não pronta para xingar. Estava parecendo calma. Olhou para ele e disse:
- Eu sabia. Você não quer me deixar ir embora assim, com ódio de você. Mas você também não quer se aproximar demais. Você quer que eu me afaste, mas não tem coragem de me mandar embora.
Ela suspirou e deixou sua mochila cair no chão.
- Puxa vida, será que eu não tenho o direito de decidir o que eu quero? Será que você não pode decidir de uma vez o que quer?
- Eu sei bem o que eu quero – retrucou ele, aproximando-se lentamente. – O problema é que eu não posso.
- E não pode porque é mais velho, ex-comensal da morte e meu professor – murmurou ela. – Está bem. Eu não concordo com isso, mas eu entendo. Só não me trate como lixo para eu me afastar de você. Podemos passar uma borracha na noite de ontem em que nós quase... Bem, nós quase estivemos juntos. Podemos voltar a ser só amigos... ou só professor e aluna...
- Você sabe que não podemos – tornou ele, de braços cruzados. – Passou o ponto em que não há mais volta.
- É; estamos em cima de uma linha e não podemos regressar – concordou ela. – Só que incomoda ficar em cima da linha. Por que não cruzá-la de uma vez?
(Fazia tempo que eu não punha uma musiquinha numa fic... E lá vai, só pra aquecer... The Point of No Return, da trilha do Fantasma da Ópera)

Past the point of no return
Passou o ponto em que não há mais volta

No backward glances
Sem olhar para trás

Our games of make-believe are at an end
Nós jogos de faz de conta terminaram

Past the point of “if” or “when”
Passou o ponto do “se” ou do “quando”

No use resisting
Não resista

Abandon thought and let the dream descend
Abandone o pensamento e deixe o sonho descer

What raging fire shall flood the soul?
Que fogo violento inundará a alma?

What rich desire unlocks its door?
Que rico desejo destrancará a porta?

What sweet seduction lies before us?
Que doce sedução está antes de nós?

- Minerva... seus amigos... meus colegas... o Ministério... Há muitos motivos para um professor não se envolver com uma aluna – respondeu Snape, dando mais um passo em direção a ela.
- Severo – murmurou ela. – Eu sempre segui as regras. Posso dizer que sempre as segui. E hoje vejo que elas só servem para manter a ordem. Mas a ordem plena tornaria o mundo tedioso. Transpor algumas barreiras não faz mal... de vez em quando.
Ele sacudiu negativamente a cabeça.
- Já transpus barreiras demais na minha vida, Hermione, e ainda estou aqui. Fui perdoado vezes demais, e eu não merecia. Saia, por favor. Podemos tentar ser só amigos. Só professor e aluna. Mas sempre haverá entre nós aquele velho questionamento de “como poderia ter sido se...?” Isso vai ser desconfortável, mas eu posso suportar. Mas será que você pode?
Hermione suspirou.
- Desisto de entender você – murmurou ela. – Severo, eu vejo em seus olhos que você me deseja. E você está me mandando embora. Quer me proteger. Não sei do que ainda, porque você parece ter se esquecido de que ontem à noite meu primeiro homem foi Malfoy. Mas tudo bem. Vou sair como você me pede. Da próxima vez em que eu voltar, será para falar de estágios e poções e coisas assim. Como aluna. Quem sabe, às vezes, quando eu estiver triste, quem sabe eu o procure como amiga, e peça algum conselho, ou só o seu ombro, porque Harry já não é mais o mesmo. E então, se você achar que pode esquecer essa moral furada e mentirosa, você me avise. Se eu estiver disponível na prateleira, você leva.
Ela suspirou outra vez e abaixou-se para pegar a mochila. Para sua surpresa, ao olhar para frente, viu os pés de Snape à sua frente. Olhou para cima.
- Mudou de idéia ou é só para me provocar um pouco? Ou só para se provocar um pouco? – perguntou ela. Ela pegou a mochila e levantou-se, encarando-o. – Olha, Severo, eu realmente admiro muito você, pelo que você é e pelo que você foi. O jeito que você está me tratando... Olha, eu entendo que você esteja confuso com isso, com pensamentos de sim e não. Acho que é meio infantil da minha parte esse meu egoísmo de exigir de você algo que você não pode me dar. Desculpe.
Snape assentiu em silêncio.
- Hermione, eu... Eu não quero que você saia daqui perturbada, ou confusa. Eu é que estou com a cabeça a mil, em pensamentos de sim e não, como você definiu muito bem. Não é egoísmo da sua parte. Apenas... Eu apenas quero me desculpar pelo modo que tratei você há pouco. Tem razão; estou tentando afastar você, embora eu não queira isso. O que me assusta é que, quanto mais a vejo, mais tenho certeza de que a quero sempre ao meu lado, e você não pode perder seu tempo com alguém como eu.
- Entendo – murmurou ela olhando para baixo. – Bom, quando eu sair por essa porta, eu vou esquecer de qualquer envolvimento maior entre nós dois. Nada que envolva sexo. Apenas a amizade de antes, certo?
- Certo – disse ele.
- Tá, mas eu preciso fazer uma coisa antes – ela disse, soltando a mochila de novo no chão.
Ela aproximou-se mais, ficando com rosto a centímetros do dele. As mãos dele involuntariamente envolveram a cintura dela e a mão direita dela subiu para o rosto dele e arrumou uma mecha de cabelo dele que estava desalinhada. Essa mesma mão passou pelo rosto dele suavemente e ela sorriu levemente ao ver os olhos dele se fecharem. Ela passou os dedos carinhosamente pelos lábios dele e o viu pegar a sua mão entre as suas e beijar essa mesma mão com carinho.
- Hermione, eu não...
- Shh – ela pôs a mão nos lábios dele para fazê-lo calar. – Não diga nada. Você estragaria tudo com seu humor negro.
Os dois sorriram, e ela, fechando os olhos, beijou-o. Surpreendeu-se com a resposta dele. Era carinhosa, mas apaixonada. Os braços dele a apertaram mais e os dela o envolveram. Quando se desvencilharam, houve um silêncio em que se olharam nos olhos.
- Severo... – sussurrou ela. – Já fiz o que eu queria. Agora, eu vou sair como você me mandou. Quando eu tiver alguma idéia para sua nova pesquisa, virei correndo. E, se você tiver alguma idéia, por favor, me chame.
Atônito, Snape não disse nada, nem quando a viu passar pela porta. Chegou a destrancar a porta de sua sala de aula para que ela saísse e sentou-se em seu sofá, pensando no passo seguinte. Seus pensamentos tomaram um rumo surpreendente, mas ele se achou satisfeito com a solução que conseguiu.

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