Do Outro Lado
CAPÍTULO 14
DO OUTRO LADO
Assim que passou pelo portal luminoso, Janine achou que algo estava meio diferente, não correspondendo ao que ela imaginava. Ela julgava que as paisagens que encontraria do outro lado seriam algo de solene e celestial ou que fossem como um parque aprazível e calmo, com pessoas dedicando-se à meditação e às doutrinas de evolução espiritual. Sendo adepta e praticante da Doutrina Espiritualista, seriam essas as imagens que ela esperaria encontrar.
Em lugar daquilo, o que ela via era uma praia paradisíaca bastante parecida com uma da Nova Zelândia, que já visitara quando seu pai fora Adido Militar na Austrália. Areia fina e branca, céu azul, um sol maravilhoso, várias pessoas bronzeando-se e outras no mar que parecia um cristal, a praticarem esportes aquáticos ou simplesmente banhando-se. Quiosques pertencentes a um Resort completavam o quadro.
As pessoas que ela via cumprimentavam-na, parecendo felizes e completas, como se gratas pela paisagem ou mesmo apenas por estarem ali (“Será que isso é o outro lado? Não se parece com o que Sirius descreveu. Há um grupo ali perto do Resort. Vou me aproximar e perguntar onde estou... ei, esperem! Acho que reconheço alguém. Mas não podem ser eles”, pensou a bruxa).
O casal estava de costas para ela, em trajes de banho. Ele usava uma sunga vermelha de laterais largas e ela um biquini rosa. Os cabelos dele eram negros e arrepiados, enquanto que os dela desciam como uma cascata cor de cobre pelos seus ombros.
_Harry! Gina! _ ela chamou e o casal virou-se. Para seu espanto, viu quem eram. O homem era extraordinariamente parecido com Harry, porém com o nariz um pouco mais comprido e olhos castanho-esverdeados. A mulher tinha lindos cabelos acaju, mas o rosto não era o de Gina. Seus traços eram delicados, sua boca bem-feita abria-se em um sorriso e seus olhos eram de um cintilante verde-esmeralda.
_Janine! _ disse a mulher _ Mas o que faz aqui?
_Lílian? Tiago? _ perguntou Janine e os dois acenaram em concordância _ Então aqui é o outro lado?
_Uma parte dele, querida. _ respondeu Lílian _ Apenas uma parte.
Outras pessoas aproximaram-se e Janine reconheceu algumas.
_Narcisa?! Também por aqui?
_Janine! Mas como você está linda! Vejo que tem cuidado muito bem de Draco. Ele precisa de você e, agora, mais do que nunca. Sim, estamos aqui, que é uma, como posso dizer, estação intermediária. Aqui aguardamos o momento certo de reencarnar.
_Todos nós já vivemos outras vidas, minha querida. _ disse Lílian.
_Nossa encarnação mais recente não foi a primeira. Aqui nós recordamos de tudo. _ disse Tiago.
_Mas, por que eu não me lembro?
_Porque você não está morta, Janine. Seu Cordão de Prata ainda a liga ao seu corpo físico. _ disse uma mulher de cabelos escuros, em um biquini azul.
_Embora ele esteja bastante tênue. _ disse um homem de cabelos negros e de calção verde.
_Vocês são Renata e Hiram Mason! São os pais de Derek, que é casado com minha mãe!
_Sim, Janine. _ disse Hiram _ E tomamos conhecimento de tudo o que se passou. Velamos pelo bem-estar dos nossos chegados que estão encarnados, ajudando-os naquilo que é permitido.
_Vimos o nosso menino transformar-se em um homem de grande valor e encontrar a felicidade ao lado de Marilise. _ disse Renata.
_Todos vocês já se conheciam em outras vidas? _ perguntou Janine.
_Sim, já. Sempre reencarnamos como pessoas que vão ser próximas, a fim de evoluirmos juntos.
_Mas, se vocês estão aqui, então é bastante provável que eu venha a reencontrar... _ e não terminou a frase.
Um homem alto, de porte atlético, pele bronzeada, cabelos castanhos e olhos azuis, que vestia um Long John de neoprene azul e vermelho aproximou-se, acompanhado por outro mais jovem, de cabelos negros que vestia um neoprene verde, bastante parecido com Sirius, ambos carregando pranchas de Surf. O mais velho largou a prancha na areia e abriu os braços, enquanto Janine corria em sua direção e aninhava-se neles, emocionada.
_Papai! Que saudades!
O Coronel Adriano Sandoval nada disse. Só abraçou carinhosamente sua única filha. Ao seu lado, Regulus Black apenas sorria.
_Então este lugar faz parte dos sítios de passagem, papai?
_Sim, minha filha. Lembre-se do que diz a Bíblia: “Na casa de meu Pai existem muitas moradas”. Esta é uma delas.
_Como já lhe dissemos, aqui aguardamos o momento de reencarnar e continuar a cumprir nosso papel no Grande Plano Divino. _ disse Hiram.
_Que visa a evolução espiritual de toda a raça humana, Janine. Toda ela, sem exceção. _ disse Regulus _ Mesmo eu, que fiz coisas horríveis em minha última encarnação, estou experimentando a iluminação. Ainda que, para isso, tenha precisado passar algum tempo no Umbral, até que estivesse suficientemente evoluído e purificado para prosseguir.
_O Umbral, onde ficam os espíritos ainda apegados às coisas materiais e os que praticaram o mal durante suas vidas, até que aceitem sua condição, reconheçam seus erros e então possam prosseguir e evoluir? _ perguntou Janine.
_Sim, querida. _ respondeu Narcisa – Eu mesma passei algum tempo no Umbral e procurei ajudar outros a evoluírem. Acho que meu sacrifício de amor, salvando você e Draco, deve ter ajudado a abreviar minha passagem por lá.
_Então eu acho que Voldemort, Bellatrix, Lucius e Valérie ainda devem estar no Umbral. _ comentou Janine.
_Voldemort e Bellatrix estão, eu os vi. _ disse Tiago _ E estão evoluindo, embora deva passar um bom tempo até que possam sair de lá e prosseguirem para outros lugares. Lucius e Valérie devem estar em outra parte. O Umbral é imenso e nós não temos livre trânsito por todo aquele lugar. Apenas uma que outra vez visitamos os irmãos que estão no Umbral, para aliviar seu sofrimento e auxiliar em sua evolução.
_Embora alguns não tenham jeito, infelizmente. _ disse Renata, com uma expressão triste e um suspiro _ Aí eles acabam voltando como espíritos obsessores.
_Ou pior, como dementadores. _ comentou Lílian.
_Mas, se não estou morta, o que faço aqui?
_Você terá de decidir, minha filha. _ disse Adriano.
_???
_Sua vida terrena nessa sua encarnação atual dependerá de você. Por isso está aqui. _ disse Ryusaku Komori, que havia se aproximado _ É o SEU momento de decisão.
_Sr. Komori! Finalmente o conheço. Só sabia do senhor pelas descrições do Prof. Mason.
_Sim, sou eu. E antes que você pergunte, bela jovem, sim. Aqui reunimos todas as crenças, pois Deus é um só. Nós é que damos a Ele vários nomes diferentes. Eu sou budista, outros aqui são cristãos, Mohammed e Samira são muçulmanos... _ enquanto isso, Mohammed e Samira Zaidan aproximaram-se deles.
_Lembro-me de vocês. São os pais de Ayesha e estavam presentes ao casamento dela e Sirius.
_Sim, querida. Você continua linda, por fora e por dentro. _ disse Samira.
_E também aprendemos que todos somos um só. _ disse Regulus, sorrindo de um modo bem semelhante a Sirius _ por isso eu não tenho mais aqueles sentimentos de raiva e ódio que nutria por meu irmão. Gostaria muito de pedir o seu perdão.
_Você poderá dizer isso a Sirius, minha filha. _ disse Adriano.
_Como, papai? Há como retornar?
_Claro que há. _ disse Tiago _ Renata disse que seu Cordão de Prata não se rompeu.
_Embora ele esteja bastante tênue, Janine. _ disse Renata.
_A decisão é sua, querida, mas eu acho que não seria bom ficar por aqui, seria melhor para você retornar. _ disse Narcisa. _ Sua hora ainda não chegou, este ciclo ainda não se completou para você e não seria bom desistir dele.
_Por que? _ perguntou Janine.
_Decidir romper seu Cordão de Prata e desligar-se da vida antes da hora seria interpretado como um suicídio, Janine. _ disse Lílian.
_E isso prejudicaria sua evolução espiritual, fazendo-a passar muito tempo no Umbral, sem necessidade. _ comentou Ryusaku.
_Além disso, seria uma demonstração de fraqueza, o que também prejudicaria sua evolução. _ disse Hiram.
_Não combina com você, filha. _ disse Adriano _ Lembre-se de que você possui força interior por todos os lados.
Vendo seus avós, Janine abraçou-os e viu quem estava junto a eles.
_O senhor! Vovó e vovô me falaram muito do senhor e agora eu o estou conhecendo pessoalmente. _ disse Janine.
_Somos parentes meio distantes, como tu já sabes, guria. Podes me chamar de “Tio Gê”, minha querida. Tu és uma Vargas, Janine! E isso significa muita coisa, esse sobrenome que carregas tem uma grande tradição de força e coragem há várias gerações. _ disse um baixinho de óculos, vestindo bermudas e com uma cuia de chimarrão na mão _ E saiba que isso foi o que abreviou minha passagem pelo Umbral, depois de 25 de agosto de 1954, pois tirei minha vida por uma questão de honra. Se eu não tivesse feito aquilo, teria sido exposto à execração pública por coisas horríveis que outros que estavam à minha volta fizeram pelas minhas costas e usando meu nome. O governo seria desacreditado e o país entraria em uma espiral de caos. Foi a saída mais digna que encontrei, querida. Sair da vida para entrar para a História. Mas não é o teu caso. Tu ainda tens muito o que fazer, antes que tua hora chegue, minha cara.
"Este é o 'Tio Gê'. Alguém o reconhece?"
_Você é uma Sandoval. _ disse Adriano _ E, como minha filha, tem de lembrar-se das lições que recebeu por todo o tempo em que estivemos juntos, mesmo as que não tenha percebido na hora. Além disso, há a última frase que eu lhes disse em vida.
_ “Eu amo vocês. Jamais se entreguem”. _ Janine repetiu as palavras que o pai havia dito antes de morrer, após o acidente de pára-quedismo.
_E você é, por casamento, uma Malfoy. _ disse Narcisa _ Draco não iria apaixonar-se por você e coroar seu rompimento com as Trevas se não houvesse uma razão especial, sua personalidade a um tempo meiga e forte, sua força interior, seu Ki elevado e suas características paranormais, que serviram para despertar seus dons de magia latentes. E eu descobri isso, nos meus últimos instantes de vida. Foi o que fez com que eu me atirasse na frente da Avada Kedavra de Lucius. No final eu descobri que amava você como uma filha, que você era o que havia de melhor para o meu filho e que vocês dois mereciam ser felizes juntos. Agora vocês têm dois filhos lindos e uma carreira brilhante pela frente. Sem contar que Draco precisa de você mais do que nunca nesse momento difícil pelo qual estão passando. Nós não podemos dizer nada sobre quem está armando para ele, mas vocês todos têm a força necessária para vencerem mais esse desafio.
_Vocês são pessoas das quais nos orgulhamos muito. _ disse Nigel Lovegood, que acabara de chegar _ Tenho orgulho em conhecê-la e saber que é amiga de Luna.
_Harry é afortunado por ter amigos como vocês. _ disse Tiago e Lílian concordou.
_Sua missão ainda não terminou, querida. _ disse Rita Skeeter.
_Pode dizer a mon cher Jean-Marc que logo chegará o dia de nos reunirmos, ma belle. _ disse Valentine D’Alembert.
_Diga a Neville que eu acompanho sua trajetória e estou muito feliz com o seu sucesso em Pesquisas Farmacológicas. _ disse Fabiola, avó materna de Neville Longbottom.
_A Cadeira de Feitiços não pode ficar sem sua professora titular. Você é a melhor sucessora que eu poderia querer. _ o baixinho Filius Flitwick disse, sorrindo.
_Então tenho de voltar. _ disse Janine, resolutamente _ Minha hora ainda não chegou e eu tenho muito o que fazer. _ seu Cordão de Prata começou a brilhar com mais intensidade e parecia querer tracioná-la.
_Não poderá lembrar-se de tudo o que se passou aqui, Janine, mas algumas coisas ficarão em sua mente. _ disse Ryusaku.
_Diga a Harry que nós o amamos e nos orgulhamos dele. _ Tiago e Lílian disseram, enquanto abraçavam Janine _ Sempre velaremos por ele, Gina e nossos netos.
_Peça a Sirius que ore por mim e que me perdoe. Diga que eu estou muito bem. _ disse Regulus Black.
_Peça a Luna para nunca deixar de ser como é. _ pediu Nigel.
_Arianne está muito bem. Diga a ela que eu a amo e que desejo tudo de bom para ela, Dennis e Lenore. _ disse Rita.
_Derek e Marilise são felizes e têm uma filha linda. Diga a eles que nós os amamos e sempre velaremos por eles. _ disseram Renata e Hiram.
_Janine, minha querida, você é a luz, o farol da vida de Draco. Sem você ele talvez tivessse tornado-se um Death Eater e estaria perdido para sempre. Lembre-se do que eu disse, agora e antes, lá em Azkaban. Faça-o feliz. Sejam felizes, vocês dois, com a minha bênção. _ Narcisa abraçou e beijou Janine _ E diga a meus netos que eu os amo.
_Ayesha e Sirius são felizes. Jemail está muito bem e Soraya é uma brilhante aluna de Hogwarts. Transmita a eles o nosso amor. _ disseram Samira e Mohammed.
_Minha filha, você ainda tem um longo caminho a seguir nesse seu ciclo. Sua hora ainda não chegou e, quando ela chegar, estou certo de que prosseguirá rapidamente. Marilise está muito feliz e não posso pensar em alguém melhor para ela reconstruir sua vida do que Derek Mason. Quando eles se conheceram em Hogwarts, eu vi o quanto foi forte a ligação que formou-se entre os dois. Ela merece toda a felicidade junto a ele e à bela filha que eles têm. Sua meio-irmã, Sabrina, é alguém especial, Janine e será uma excelente aluna de Hogwarts, quando chegar o momento. _ e o Coronel Adriano Sandoval abraçou amorosamente sua filha, em uma doce despedida _ Agora vá, minha querida filha. Eles precisam de você. Lembre-se de quem você é e jamais se entregue frente às dificuldades.
_Tem razão, papai. _ disse Janine _ Eu sou Janine Vargas Sandoval Malfoy. Se a minha hora ainda não chegou, lutarei com todas as minhas forças para não sucumbir. Jamais me entregarei, continuarei sendo digna de carregar meu nome e de cumprir minha missão, até que a minha hora chegue de verdade.
Abraçou o pai e beijou seu rosto, preparando-se para retornar. Despediu-se de todos e retrocedeu por onde havia chegado à praia, O caminho tornava-se mais frio e escuro, exceto por uma pequena abertura, não tão luminosa quanto o portal que atravessara. Pelo caminho, podia ouvir distantes lamentos, que supôs pertencerem a espíritos errantes do Umbral. Continuou seu trajeto, sentindo que seu Cordão de Prata era tracionado cada vez com mais força, até que sentiu-se passando pela abertura, como se fosse uma espécie de parto, sendo que a última coisa que viu ao atravessar foi o apartamento, em um ponto de vista como se estivesse descendo do teto para a cama, à volta da qual estavam Draco, seus parentes e amigos, já quase sem esperanças.
Então, com um solavanco, abriu os olhos e disse, com voz fraca:
_Eu sou Janine Vargas Sandoval Malfoy e nunca, jamais me entregarei! Tenho um marido, filhos, uma família e amigos para voltar e ainda não é o final deste ciclo, para mim. Enquanto minha hora não chegar, jamais me darei por vencida!
_JAN! _ Draco gritou e abraçou a esposa, lágrimas de felicidade rolando pelo seu rosto.
_Minha filha! _ Marilise exclamou, com Narcisa, Adriano e Sabrina ao seu lado.
_Mas que fome! Quanto tempo fiquei inconsciente?
_Quase três dias, Jan. _ disse Harry _ Você esteve ardendo em febre, quase morta, mesmo que suas queimaduras já tivessem desaparecido, sem que tivessem deixado marcas. Então, como que por encanto, sua temperatura começou a normalizar e agora você despertou, com um solavanco.
A enfermeira trouxe um prato de sopa e Janine começou a tomá-la, com excelente apetite.
_E você ainda teve duas paradas cardíacas e três convulsões, que nos assustaram bastante. _ disse Derek _ Quando seu corpo sacudiu, pensamos que estivesse tendo uma quarta.
_Na verdade, Prof. Mason, eu estava retornando. Meu Cordão de Prata estava me tracionando de volta para o corpo físico. _ e Janine, após terminar sua sopa, contou tudo aquilo de que ainda conseguia lembrar-se da sua aventura do outro lado.
_Então eles disseram tudo isso? _ perguntou Dumbledore.
_É o que me foi permitido lembrar, professor. Sabem, se antes eu já não tinha medo da morte, agora menos ainda.
_Você também esteve do outro lado e voltou, Janine. Assim como aconteceu comigo. _ disse Sirius.
_Foi um pouco diferente, Sirius, porque eu não estava realmente morta. Meu espírito ainda estava ligado ao corpo. Já você, atravessou para o outro lado com seu corpo físico, depois que Bellatrix o estuporou. Acho que nunca compreenderemos totalmente o que há do outro lado, até que nossa hora chegue de verdade.
_Tem razão, Jan. _ disse Draco, que estava sentado na poltrona, segurando a mão da esposa _ Está acima de nossa compreensão.
_E quanto às investigações?
_Harry e Pieterzoon estão procedendo a uma investigação sobre quem poderia estar usando nossos aviões para tráfico e parece que estão tendo sucesso. Roger Davies e Michael Corner estão preparando minha defesa. Eu acho que vai dar tudo certo e a verdade vai aparecer.
_Assim espero. _ disse Janine _ Agora, alguém sabe quando é que terei alta? Tenho um marido, filhos e alunos que precisam de mim.
_Essa é a minha garota! _ disse Draco, beijando a esposa enquanto todos riam.
Três dias depois, Janine teve alta do St. Mungus e retornou para Hogwarts, retomando as aulas de Feitiços. Todos os nossos amigos retornaram às suas atividades e a vida continuava. Draco pedira um afastamento temporário da Presidência das Empresas Malfoy, por uma questão de princípios e aguardava o progresso das investigações de Harry e Pieterzoon, além de acompanhar o trabalho de Davies e Corner.
A Praça Vermelha era um dos pontos turísticos de Moscou e o local onde realizava-se o tradicional Desfile de Primeiro de Maio. É lá que encontramos Lênin e Gorbatchov, caminhando lado a lado. Na verdade, Gorbatchov era Harry e Lênin era “π”.
_Que bom que Janine Malfoy sobreviveu, Harry. Eu não tive tempo de avisá-los sobre o atentado. Quando eu soube que ela seria o alvo, já era tarde demais.
_Janine esteve do outro lado e voltou para contar a história. Ela é muito especial.
_Mas o perigo permanece, Harry. Por mais que eu tente, não consigo descobrir nada sobre a identidade de “Mantis”. Parece que “Escuridão” guarda esse segredo a sete chaves, não o revelando nem mesmo a “Sombra”.
_Não se preocupe, “π”. _ disse Harry _ Eu já tenho minhas suspeitas e estou prestes a colocar meu plano em prática. Será algo muito arriscado, mas acho que poderei contar até mesmo com você.
_Como assim, Harry? _ perguntou “π”.
_Na hora você saberá, “π”. O sucesso do plano depende de mantermos o sigilo, por isso não posso lhe dizer nada antes.
Continuaram passeando pela Praça Vermelha e seguiram em direção ao Mausoléu de Lênin, onde o corpo do verdadeiro líder soviético encontrava-se em sua urna, espantosamente preservado após tantas décadas. Vários turistas pediram autógrafos aos “sósias” dos importantes políticos do país: Vladimir Ilich Ulianov, o “Lênin”, antigo Secretário-Geral do Partido Comunista e Mikhail Gorbatchov, o articulador da “Perestroika” e da “Glasnost”, o homem que decretou o fim do Comunismo e a abertura da Rússia para o Capitalismo.
_Acredito que já chamamos o suficiente de atenção, por enquanto. É melhor mudarmos de aparência. _ disse “π”.
_De acordo. _ disse Harry.
Mudaram de aparência e, como dois turistas comuns, degustavam uma dose de Vodka em um bar.
_Muito forte. _ disse Harry _ Não é minha bebida preferida. Ainda sou mais a cerveja amanteigada ou um vinho de boa safra.
_Álcool quase que puro. _ concordou “π”.
_Mas era preciso ser assim, para que a bebida não congelasse durante o transporte, no inverno. Você já experimentou tomá-la a -5°C, que é a temperatura com a qual ela é servida na Polônia?
_Ela fica como um xarope.
_Esquenta e esfria a garganta ao mesmo tempo. _ disse Harry. Bem, está na hora de ir. “Na Sdrovya”. _ Harry terminou sua Vodka, seguido por “π”.
_ “Dosvidanya”, Harry.
_ “Dosvidanya”, “π”. _ despediram-se e seguiram para lugares discretos, a fim de desaparatarem.
De volta a Londres, Pieterzoon mostrou a Harry um dado novo:
_Veja, Potter. Parece que o Círculo está abastecendo a Conexão Amsterdam com ópio da Turquia, além do de Myanmar.
_Eu imaginava que algo assim iria acontecer, Pieterzoon. A Conexão Amsterdam abastece o mercado europeu e americano. Uma só fonte não seria suficiente. Vamos ver, campos de papoulas nos planaltos da Anatólia, uma rede de distribuição coordenada a partir de Istambul... é, acredito que deveremos fazer uma visitinha à velha Bizâncio.
_Istambul é uma cidade com uma história muito rica. _ comentou Pieterzoon.
_Sem dúvida. Basta lembrar da expansão do Império Otomano e, além disso, a cidade possui uma outra característica muito interessante. É a única cidade do mundo a cavaleiro sobre dois continentes.
_É mesmo. Há uma parte européia e uma asiática, separadas pelo estreito do Bósforo. E o estreito era guarnecido por duas fortalezas.
_Rumeli Hisar e Anadolu Hisar. Você está bem em Geografia, Pieterzoon.
_Obrigado. Faço o possível para melhorar, a fim de não cometer mais aqueles erros de antes.
_Você está menos precipitado. Isso é o principal para não tirar conclusões apressadas.
_Quando iremos a Istambul?
_Irei sozinho. Há uma coisa que eu gostaria que você investigasse e que parece ser muito importante, lá em Amsterdam. Elementos ligados ao Círculo têm sido vistos entrando e saindo de um centro empresarial e seria bom ver se ali não é a base de operações deles. Parece que Anya estava chegando perto, quando eles a descobriram.
_OK, Potter. Vou à Holanda e você à Turquia.
_Tome cuidado para não ser capturado. Aqueles caras do Círculo são muito cruéis.
_Não se preocupe, Potter. Saberei me cuidar. Aliás, você é alguém que sempre cuidou-se muito bem, mesmo tendo enfrentado tantos perigos desde criança.
_Não foram só os poderes, Pieterzoon. Também tive muita sorte e muita ajuda. Rony e Hermione sempre estiveram comigo. Depois, vieram Gina, Luna e Neville e, por fim, Janine e Draco.
_Mas o seu último combate com Voldemort, em Avalon, foi bem feroz.
_Andou lendo “Hogwarts, uma História”?
_Sim. Depois que passei a ter acesso a essa literatura, comecei a me interessar e li o volume sobre a Batalha de Avalon. Só não entendi o que foi a sua mudança de aparência enquanto lutava contra Voldemort.
_Nem eu mesmo entendi o que foi aquilo e acho que vai demorar para eu entender. _ disse Harry, servindo-se de um copo de café e revisando a correspondência, encontrando um bilhete que ele logo identificou como sendo de “π”. No papel, haviam os caracteres Hebraicos “אַרְבֶּה” e uma seta, ligando-os a uma serpente que possuía uma característica especial: um nariz adunco e ganchoso (“ ‘π’ possui um senso de humor bastante peculiar, lembrando os Inseparáveis e mesmo os Marotos. Bem, agora tenho de avisá-lo de que ele será o próximo alvo do “Eser Ha-Makot”, pensou o bruxo).
Antes de partir para Istambul, Harry tomou algumas providências: bloqueou seu elo telepático com Gina, revisou seu equipamento, deixou a bússola mágica com Rony e marcou um novo encontro com “π”. Vamos encontrar os dois na cidade de Jerusalém, em frente ao Muro das Lamentações. Transfigurados como dois Judeus Ortodoxos, os dois conversavam fingindo orar, protegidos por um Feitiço de Privacidade.
_Então, “π”, você entendeu o que deverá fazer? Sua ajuda será fundamental.
_Mas como você sabe que as coisas vão se desenrolar dessa maneira?
_Miep teve uma premonição e nós poderemos dar uma “ajudinha” nos acontecimentos. Você deverá entrar em contato com Miep, no momento certo.
_Você vai estar fazendo algo muito arriscado. E se não der certo?
_Tenho meios para anular as conseqüências, caso algo dê errado. Mas é só cada um fazer direito a sua parte, mesmo os meliantes do Círculo, embora eles não tenham idéia de que tudo será um grande jogo de Xadrez de Bruxo.
_Ou de Go. Você vai fazer um Uttegae, para depois desfechar seu Shicho.
_Semelhante ao que fizemos em Azkaban. Voldemort e Lucius pensavam que tinham o controle da situação, mas seu excesso de confiança foi uma das caisas de sua derrota. Aliás, muito obrigado por ter descoberto sobre quem será a vítima de “Arbeh” e me proporcionar a oportunidade de avisá-lo. Ele já sabe e está se preparando para não ser pego desprevenido.
_De nada, Harry.Por sorte, “Escuridão” deixou escapar, durante uma reunião e vários membros do Círculo tomaram conhecimento.
Terminaram suas preces e Harry deixou um bilhete em uma das fendas do Muro. “π” fez a mesma coisa e ambos saíram da área, passando por uma patrulha das Forças de Defesa e por ambulâncias, que estavam indo socorrer as vítimas de mais um atentado terrorista.
_Será que isso não vai terminar nunca? _ perguntou “π”.
_Infelizmente nem os Judeus e nem os Palestinos abrem mão de terem Jerusalém como sua capital. _ comentou Harry _ Isso já acontecia antes de nascermos e parece que ainda continuará por muito mais tempo.
_Parece que a Al-Qaeda continua envolvida.
_Sim. Mesmo depois do desaparecimento de Osama Bin Laden, há uns seis anos atrás, a rede terrorista continua ativa. É uma das maiores dores de cabeça para a Divisão de Combate ao Terrorismo da InterSec, da qual faço parte.
_Mas você já conheceu Osama, não é, Harry?
_Sim, eu o conheci nos dias da Batalha de Avalon. Ele também estava lá.
_Ele havia feito uma aliança com Lord Voldemort, não foi?
_Isso mesmo. Voldemort precisava dele por causa de Ayesha. Em troca, ofereceu uma informação importante, que ele confirmou lá em Avalon.
_O Segredo da Linhagem?
_Sim. Mas como é que você sabe? Ninguém mais sabia sobre isso.
_Pesquiso muito a história da Linhagem, Harry. É uma mania minha e tenho um interesse pessoal no assunto, pois conheço pessoas que, supostamente, pertencem a ela.
_Interessante. Bem, está na hora de dar andamento à minha parte dos planos.
Passaram perto do local do atentado. Um carro-bomba explodira em frente a um restaurante, em uma rua bastante movimentada. Trinta e cinco pessoas haviam sido mortas e cerca de duzentas estavam feridas, em variados graus de gravidade. Harry e “π” trocaram um olhar e, aproveitando-se da confusão, transfiguraram-se em Paramédicos, chegando ao local onde os primeiros socorros estavam sendo prestados às vítimas. Fingindo executar procedimentos trouxas, os dois moviam as varinhas e executavam Feitiços Medicinais de maneira disfarçada, cauterizando e reparando órgãos e vasos, evitando assim que muitas das vítimas entrassem em choque pela perda de sangue. Embora a maioria fosse de trouxas, haviam muitos bruxos e esses sabiam que estavam a receber cuidados mágicos, agradecendo em voz baixa aos bruxos socorristas. Inclusive, Harry notou que mais um dos socorristas estava fazendo a mesma coisa. Quando viram que os feridos estavam fora de perigo, julgaram que sua ajuda havia sido satisfatória e, aproveitando-se de um período de descanso dos socorristas, afastaram-se e transfiguraram-se em um casal de turistas.
_Acho que ajudamos bastante, Harry.
_Realmente. Eu não poderia ficar sem fazer nada ao ver que precisavam de ajuda.
_Eu também. E isso me deixou gratificada. Me lembrei dos tempos de...
_... Sim?
_Deixa para lá. Quase que eu lhe disse algo que não deveria. Me desculpe, Harry. Às vezes é meio difícil manter segredos. Tenho de tomar cuidado para não revelar nada de comprometedor para a minha posição.
_OK, “π”. Vou direto para Istambul. E você, para onde vai?
_Vou para Jeffrey’s Bay. “Sombra & Escuridão” me deram uma folga e as ondas estão bastante boas nesta semana.
_África do Sul? Não sabia que você surfava.
_Gosto de pegar onda e de mergulhar. Acho que me inspirei com... oops, já estou falando demais, de novo. Boa sorte em Istambul. Harry.
_Boas ondas, “π”.
Apertaram as mãos em despedida e desaparataram.
No mesmo dia, Harry já estava em Istambul, sem disfarce e hospedado em um hotel três estrelas. A verba da InterSec era boa, não o bastante para um hotel de luxo, mas ele estava ali a trabalho. Ao sair para dar uma volta, executou um Feitiço de Proteção para o apartamento (“Quem tentar entrar sequer saberá o que o atingiu”, pensou o bruxo, com um sorriso). Entrou em um banheiro e transfigurou-se em uma das faxineiras e passou pelo corredor, a tempo de ver um homem tentar forçar a fechadura e levar um tremendo choque. Satisfeito com a eficiência do feitiço, voltou à sua aparência e saiu à rua, tomando um táxi em direção ao centro comercial. Confirmando que estava sendo seguido, executou um Feitiço de Memória leve no motorista e desaparatou de dentro do táxi, aparatando em um beco próximo e vendo o Mercedes prata seguir o Renault amarelo (“Vão passar horas nessa brincadeira”, pensou). O motorista havia sido instruído para rodar pela cidade por algumas horas e seus bolsos haviam sido recheados com uma boa quantidade de liras. Ele não iria lembrar-se do seu passageiro de cabelos arrepiados e óculos de sol Puma.
A sede da InterSec em Istambul trabalhava a pleno vapor e, curiosamente, era operada somente por agentes bruxos, pertencentes a uma mesma família. O superintendente local achava que assim o serviço rendia mais e os agentes gozavam de maior confiabilidade, pois ele os conhecia a todos. Ele era um turco de uns cinqüenta anos, chamado Ali Karin Bey. Assim que Harry chegou, ele já lhe ofereceu um café.
_Obrigado, Ali. Não o via há anos. Como vai sua esposa? _ perguntou Harry, tomando o café sem mexer muito na xícara. O café turco não era coado e sim decantado. Se a pessoa mexesse demais na xícara, a borra levantava-se e o pó acabava por ser bebido junto.
_A terceira ou a quarta? _ Ali Karin Bey havia sido casado várias vezes. Era um bruxo, oriundo de uma escola de magia turca e que fizera um intercâmbio em Hogwarts, tendo conhecido e ficado amigo dos Marotos. Entrara para a InterSec e tornara-se superintendente do escritório de Istambul.
_Casou-se de novo? O que houve com a terceira esposa? Separaram-se?
_Não, Harry. Nashra morreu há uns dois anos, devido a um câncer de mama. Depois me casei novamente, com Shakirah.
_E a filha de vocês, Haradja? Como está?
_Veja por si mesmo, Harry Potter. _ o bruxo ouviu uma voz atrás dele e voltou-se.
Haradja era filha de Ali Karin Bey com sua falecida terceira esposa e, assim como seus meio-irmãos, trabalhava com o pai, tendo o “vírus” da espionagem no sangue. Tinha vinte anos e era a mais nova agente do setor. Uma jovem bruxa bastante talentosa e bonita, de cabelos negros e brilhantes olhos verdes. Quando ela era mais jovem Harry brincava, dizendo que ela era sua “irmã caçula desaparecida”. Ela havia feito um estágio na Seção de Aurores na Inglaterra, para que Harry lhe ensinasse o Ninjutsu-Bruxo, no qual ela era perita.
_Estou vendo. Você está cada vez mais linda, Haradja. Quando é que Omar vai criar coragem para lhe propor casamento?
_Na verdade ele o fez na semana passada, Harry. _ disse Haradja, corando. Omar era um jovem bruxo, assistente do Chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia do Ministério turco. Ele e Haradja eram noivos há cerca de dois anos e, finalmente, ele a pedira em casamento ao pai.
_Que bom. Omar é um excelente rapaz. Bem, o que temos para investigar?
_Soubemos que o Círculo movimenta-se bastante em um bairro meio afastado onde, provavelmente, deve localizar-se um laboratório de refino. Um dos elementos trouxas do Círculo, um tal de Hakim Murat, tem um fraco por duas coisas: boas bebidas e dólares. Acho que dá para espremer alguma informação mais concreta daquele cara, aproveitando-nos de suas fraquezas. _ disse Haradja, mostrando a foto do bandido para Harry.
_Ele se arrisca bastante. _ comentou Harry _ Se o Círculo descobrir que ele tem a língua solta, pode considerar-se morto. Onde poderemos encontrá-lo?
_Nosso amigo costuma freqüentar um determinado restaurante no Kapalicarsi. Está quase na hora do almoço. Vamos conferir?
_Boa idéia, Haradja. Aproveitaremos para almoçar e eu ainda preciso fazer uma outra coisa. Há alguma agência de corujas-postais por lá?
_Sim. Pretende mandar uma carta para Gina?
_Pretendo. Acho que estou passando muito tempo fora de casa nessas missões e sinto que preciso dar um pouco mais de atenção à minha família. Quase que eu não consegui comemorar nosso aniversário de casamento. E não é fácil acompanhar o crescimento e desenvolvimento dos meus “Anjinhos Gêmeos”. Se bem que eles estão cada vez melhores.
_Tiago e Lílian devem estar lindos.
_Estão. Veja só esta foto. Tirei na semana passada. _ e Harry mostrou a mais recente foto de seus filhos, na tela principal de seu celular enfeitiçado.
_Devem ser motivo de orgulho.
_E são. Mas também de muita dor de cabeça. São os dignos sucessores dos Marotos e Inseparáveis, além de serem sobrinhos de Fred e Jorge Weasley.
_Um currículo respeitável. _ brincou Haradja.
_É isso aí. Vamos?
_Vamos. _ e desaparataram para o Kapalicarsi.
No Grande Bazar, com suas 5.000 lojas, Harry olhava para tudo, maravilhado. Jamais estivera na bela cidade antes e o colorido dos estabelecimentos comerciais lembrava a ele o seu primeiro contato com o mundo bruxo, quando Hagrid o levara ao Beco Diagonal, aos onze anos de idade. Haradja mostrou a ele a entrada da Agência de Corujas-Postais, escondida entre as cortinas de duas lojas de bolsas e tapetes. Entraram e Harry começou a escrever uma carta para Gina:
“Minha querida, sinto por estar passando tanto tempo fora de casa e por haver bloqueado nosso canal de comunicação. É imperativo que eu não tenha contato com ninguém, para que essa missão tenha êxito. Depois que eu retornar, precisaremos conversar e encontrar um modo de eu passar mais tempo com vocês. Há algo em vista, mas não quero dizer nada antes da hora. Haradja manda um beijo para você e as crianças. Te amo, tanto ou mais do que quando provocamos aquela chuva de estrelas. Não se preocupe, pois eu voltarei.
Sempre apaixonado por você
Harry”
Ele lacrou magicamente o pergaminho, escolheu uma coruja para entregas em longas distâncias e mandou-a, pela abertura do Corujal da agência.
_Para Londres, sem demora, ave corajosa.
Depois daquilo, saíram da agência postal e foram para o restaurante, a fim de terem o encontro com Hakim Murat, o elemento do Círculo Sombrio cuja língua ficava meio solta com as doses de bebida e a visão de um bom punhado de dólares.
No caminho para o restaurante, passaram por um mendigo que estava sentado no chão, com seu pratinho de esmolas ao seu lado. Ao vê-los, fez seu pedido:
_Uma lira para um pobre esquecido pela sorte, por favor!
Haradja deu a ele uma lira e Harry fez o mesmo, reparando que o mendigo tinha a cara do falecido ator Ray Milland.
_Obrigado, homem da cicatriz na testa. Não há serpente neste mundo capaz de vencê-lo. Em agradecimento pela sua generosidade, direi o que o futuro reserva para o senhor (e baixinho para o bruxo), ... Sr. Potter.
_Tinha de ser você, não é, “π”? Um mendigo com a cara de Ray Milland.
_Lembrei-me de um filme onde o personagem dele desce ao fundo do poço do alcoolismo. Se não me engano, era “The Lost Weekend”, que teve, no Brasil,o título de “Farrapo Humano”._ nesse meio tempo, “π” moveu sua varinha e executou um Feitiço de Privacidade. Qualquer um que passasse, ouviria somente um mendigo lendo a sorte de um turista _ Eu tinha de vir, Harry. Sequer cheguei a ir para a África do Sul, quando eu soube do que iria rolar.
_Para você vir a Istambul à minha procura, “π”, a coisa deve ser importante.
_Sim, Harry. Parece que eles já sabem que você está aqui.
_Isso significa que meu plano está seguindo como eu esperava, “π”. Tudo indica que, em breve, eles irão se mexer.
_Vão tentar capturar você, Harry. _ disse “π”.
_Eu sei disso, “π”. E , inclusive, é com isso que eu estou contando.
_???
_Aí eles terão a mim bem onde eu os quero.
_Vai, deliberadamente, deixar-se capturar?
_Lembra-se de que você mencionou um Uttegae? Pois é exatamente isso.
_E pensar que eu estava preocupada com o que pudesse lhe acontecer...
_Eu já imaginava que eles iriam pensar nisso, “π”. E a melhor coisa a fazer será colocar-me na boca do lobo.
_Já deve imaginar que Hakim Murat deve ser apenas uma isca, não é?
_Já me passou pela cabeça que poderia ser. E eu pretendo, aparentemente, abocanhá-la.
_Eu consegui saber como pretendem pegá-lo, Harry. Se eu fosse você, tomaria muito cuidado com o que me servissem para beber.
_Primário, porém eficiente, se eu não tivesse meus meios para neutralizar esse tipo de estratagema. Como eles não sabem, dançarei conforme a música.
_Torno a dizer que você está se arriscando muito, Harry.
_Tem de ser assim, “π”. Preciso lançar-me às feras para desmascarar “Mantis”. Tenho de estar lá dentro para isso.
_Eu irei ajudá-lo no que eu puder, Harry. Sei que “Escuridão” quer humilhá-lo e degradá-lo, antes de matá-lo. Ele comentou isso com “Sombra” e com outros membros de alto escalão do Círculo e, por sorte, eu consegui ouvir. Ele pretende (e “π” sussurrou ao ouvido de Harry o que “Escuridão” pretendia).
_Bem o que eu pensava, “π”. Mas tenho como neutralizar isso, também.
_Sério? Nunca imaginei que alguém pudesse.
_Sim. E se isso é o que estão pretendendo, você deverá ficar atenta para agir, entrando em contato com... (e Harry disse quem “π” deveria contactar e como). Muito obrigado, “π”, mas agora devo dar andamento aos planos. Até.
_Até, Harry (“Que coragem. Colocar-se assim, à mercê dos inimigos. Vou ajudá-lo no que eu puder”, pensou a informante).
Nesse meio tempo, Harry e Haradja dirigiram-se ao restaurante para encontrarem-se com Hakim Murat.
Entraram e sentaram-se a uma mesa, ao lado de uma outra, na qual Murat estava sentado, costas com costas com eles.
_Srta. Haradja? _ sussurrou o bandido.
_Sim. Sou eu mesma, Hakim.
_Então esse deve ser Harry Potter. Tenho muitas coisas para dizer, mas não dá para ser aqui e nem agora. Não é seguro.
_E onde você quer encontrar-se conosco, Murat? _ perguntou Harry.
_Conhecem o bairro de Ortakoy?
_Eu conheço. _ respondeu Haradja.
_Encontrem-me na Pasa Disco, hoje à noite. Trajes descolados. Não se preocupem com os convites. Serão por minha conta e haverá um camarote para nós. Lá teremos mais privacidade. Ele é totalmente à prova de Feitiços de Escuta ou Cristais de Armazenagem.
_OK, Murat. Estaremos lá. Até.
_Até, Sr. Potter, Srta. Haradja. _ e Hakim Murat saiu do restaurante.
_O que você achou, Harry?
_Bastante estranho. Não senti nenhum Ki hostil aqui no restaurante, mas o medo de Murat era legítimo. Acho que “Sombra & Escuridão” já devem estar querendo “dar um jeito” nele. Bem, vou conferir hoje à noite.
_Você não quer dizer “Vamos”?
_Não, Haradja. Eu disse “Vou”. Você fica em casa.
Haradja murmurou um palavrão em turco.
_Não se esqueça de que eu conheço o idioma, garota. E o que você disse foi muito feio. _ disse Harry, olhando para Haradja e fingindo um ar de censura.
_Você não pode simplesmente me descartar dessa missão, Harry Potter. Sou uma agente capaz de me cuidar e você sabe muito bem disso.
_Acho que você não entendeu, Haradja. Não quero que um cara legal como Omar arrisque-se a ficar viúvo antes mesmo de se casar.
_Vamos ver o que papai acha disso.
_Por mim, tudo bem. _ disse Harry, antes que os dois desaparatassem para a sede da InterSec.
_Eu não abro mão de ajudar Harry nessa missão, papai! _ disse Haradja, indignada _ Vocês não podem me deixar de lado!
_Haradja, será melhor que eu execute essa missão sozinho. Não quero expô-la a esse perigo. _ disse Harry.
_Harry está certo, minha filha. _ disse Ali Karin Bey _ Além disso, a missão terá maiores chances de sucesso se ele estiver só.
_Só não me obriguem a gostar disso. Não estou acostumada a ficar de fora das missões. Sou perfeitamente capaz de me cuidar.
_Mas, para o que eu vou fazer, outra pessoa só iria atrapalhar, Haradja. Não, eu não posso levá-la nessa missão, sinto muito. _ disse Harry, aproximando-se de Haradja e levando a mão direita até seu pescoço. Ela afastou-se dele.
_Nem pense em tentar me nocautear pressionando um centro nervoso do meu pescoço, Harry... AI!!
_Na verdade, Haradja, eu só estava tentando distrair você do que eu REALMENTE estava fazendo. Olhe para sua mão esquerda.
Na mão esquerda de Haradja, era visível um pequeno arranhão. Quando ela prestou atenção na mão esquerda de Harry, viu um dardo Boo-Shuriken, que ele havia utilizado para arranhá-la.
_Você... não... presta, ... Harry... Potter! _ foram as últimas palavras que Haradja disse, antes de cair adormecida nos braços de Harry.
_Obrigado, Harry. _ disse Ali Karin Bey _ Haradja é um amor de pessoa, mas tem a cabeça dura da mãe. Nashra também dedicava-se tanto às missões da Agência que esquecia-se da própria saúde. Passou anos sem fazer uma Mamografia nem uma Ultra-sonografia de mamas e, quando o câncer foi diagnosticado, já era tarde demais e não havia mais o que fazer. Só pudemos acompanhá-la nos seus últimos dois anos de vida e ficarmos ao seu lado, quando o fim chegou.
_Bem, pelo menos isso a manterá adormecida por algumas horas e evitará que ela corra algum perigo. Bem, agora é só esperar pela hora de ir para a Pasa Disco.
_Eu te levo e finjo ser seu motorista, Harry. _ disse Mustafá, outro dos filhos de Ali Karin Bey e irmão mais velho de Haradja.
_Obrigado, Mustafá. _ disse Harry _ Ainda bem que você conhece bem a cidade.
_O bairro de Ortakoy é conhecido pela vida noturna agitada, Harry. Além disso, é um excelente lugar para se conseguir informações.
_Entendo. Gente bonita e descolada, turistas, etc. Um prato cheio para o Círculo.
_É isso aí, Harry. Bem, já está chegando a hora de ir. Vamos nessa?
_Vamos, Mustafá. Só preciso tomar um banho e dar um jeito no visual para a noite. _ Harry foi tomar um banho e, ao voltar, tratou de providenciar roupas adequadas. Executou um Feitiço de Mudança de Roupas _ “Indumentaria Cambio”!
Em um instante, Harry Potter estava com outras roupas, mais adequadas às atividades: Uma T-Shirt preta Ecko Unltd., jeans índigo Tommy Hilfiger e mocassins pretos Hugo Boss, mesma marca do cinto. Seu cabelo continuava arrepiado, mas de forma planejada, com um bom gel. A varinha de liga de Mirtheil estava acondicionada na bainha mágica do antebraço esquerdo e a Glock .380 em um coldre de tornozelo, imune a detectores de metais e que Harry esperava não ter de utilizar. Alguns dardos Boo-Shuriken estrategicamente ocultos completavam seu arsenal. Entraram em uma Aston-Martin Vanquish e dirigiram-se para o bairro de Ortakoy, rumo à Pasa Disco.
No interior da Pasa Disco, vários casais e grupos divertiam-se, dançando ou observando o movimento, instalados em seus camarotes. E foi para um deles que Harry dirigiu-se, escoltado pelos seguranças da danceteria, que acompanharam o bruxo como se ele fosse um cliente VIP (“Parece meio estranho, esse tratamento cinco estrelas, mas não posso negar que é legal sentir-se importante”, pensou Harry). No camarote, Hakim Murat esperava por ele, uma dose de uísque de fogo na mesa à sua frente.
_Sou trouxa, mas confesso que as bebidas bruxas têm um paladar bastante agradável, Sr. Potter. _ disse Murat, já sem vestígio algum de medo _ E o teor alcoólico é mais baixo, embora o uísque de fogo seja bastante forte.
_Que tipo de informações o senhor tem, Sr. Murat? _ perguntou Harry, querendo resolver aquilo o mais rápido possível.
_Calma, Sr. Potter. Tenho a informação que o senhor mais deseja atualmente: a identidade do espião do Círculo Sombrio junto aos serviços de segurança trouxas, mais precisamente na InterSec. A identidade de “Mantis”. Além disso, também tenho informações sobre a rede de tráfico de drogas do Círculo na Europa. Nomes, rotas de distribuição, etc. Tudo o que você precisará para infligir um duro golpe em suas operações.
_Mas por que está fazendo isso, Sr. Murat? O Círculo irá pegá-lo por traí-los e dará fim à sua vida.
_Eu já estou morto, Harry Potter. Sofro de uma doença degenerativa que não tem cura. Já tentaram todos os meios bruxos e trouxas. Tornei-me um estorvo para o Círculo e eles querem me descartar, me matar. Só que, antes disso acontecer, eles vão sentir uma grande dor. Quer tomar alguma coisa?
_Sim. Uma dose de Raki (bebida típica turca, à base de anis). Nada mais forte do que isso. _ Harry lembrou-se do que “π” havia dito sobre tomar cuidado com o que lhe oferecessem, principalmente bebidas. Por isso ele já havia tomado suas precauções e, antes do encontro com Murat, havia ingerido uma dose de Poção Obnubilata, uma cápsula de Antídoto Universal Granger/Snape, uma dose de Poção Anti-Alcoólica e uma de Poção de “Centelha Arco-Íris”.
Quando o garçom chegou com a dose de Raki que Harry havia pedido, ele tocou-a disfarçadamente com seu Identificador de Substâncias (“Como eu imaginava. Carregada de sedativo. Com essa concentração, faria efeito em cerca de dez minutos. Bem, é hora de fazer o meu teatrinho”, pensou ele). E tomou um bom gole do Raki.
Passados cerca de dez minutos, Harry começou a menear a cabeça, como se estivesse meio tonto. Hakim Murat percebeu aquilo.
_Algo errado, Sr. Potter?
_Estou me sentindo meio estranho. Onde é o banheiro?
_Terceira porta à esquerda, saindo do camarote.
_Obrigado. Volto já. _ e saiu, fingindo cambalear. Em seguida, entrou no banheiro.
Lá dentro, ainda fingindo-se estonteado, abriu a torneira da pia e lavou o rosto. Percebeu quatro Ki, pertencentes a bruxos do Círculo, escondidos nos boxes. Terminou de lavar o rosto e fingiu-se ainda mais tonto. Então, segurando o riso, simulou uma falha de equilíbrio, revirou os olhos e caiu no chão do banheiro, ficando lá estendido.
Os quatro bruxos saíram dos boxes e aproximaram-se.
_Não acredito! Nós o pegamos!
_O legendário Auror Harry Potter, em nossas mãos!
_Aquele que venceu o Lorde das Trevas, indefeso em nossas mãos!
_Temos de nos certificar de que é ele mesmo. Revistem-no.
Os bruxos revistaram Harry.
_Carteira... bem recheada. Identidade bruxa... Harry Tiago Potter.
_Bainha mágica invisível no antebraço esquerdo, com varinha de liga de Mirtheil, exclusiva de Aurores.
_Armas Ninja escondidas, pistola Glock .380 em coldre de tornozelo... é, gente. É mesmo Harry Potter. Ganhamos pontos com o chefe, gente.
Hakim Murat chegou naquela hora.
_Pegaram-no?
_Sim. Ele está inconsciente. O sedativo é mesmo bem forte.
_Ótimo. Deverá ficar assim por umas quatro horas. Vamos tirá-lo daqui e levá-lo para o chefe. “Mobilicorpus”! _ Harry, aparentemente sedado, foi erguido no ar e levado para a saída dos fundos da danceteria, onde uma Mercedes ML-300 preta esperava por eles. Assim que entraram, a imponente utilitária de luxo saiu, em direção ao Aeroporto Internacional Ataturk, onde um Learjet esperava por eles, com os motores aquecidos.
O jatinho levantou vôo e, ao sair do espaço aéreo turco, sobrevoou o Mar de Mármara, rumo sul, a fim de despistar quem pudesse estar tentando segui-los. Então, com um estalido, o avião desaparatou, reaparecendo próximo à Holanda e solicitando permissão para aterrissar no Aeroporto Schiphol.
O avião entrou em um hangar e de lá os passageiros entraram em uma Nissan Pathfinder, rumo à base de operações do Círculo Sombrio.
_Não me acostumo com essas Aparatações. _ disse Murat.
_Para nós as primeiras vezes também são meio difíceis, Hakim. Mas depois você se habitua, mesmo sendo trouxa. Bem, estamos chegando.
A Pathfinder entrou na garagem subterrânea de um edifício em Amsterdam, o mesmo que Harry orientara Pieterzoon para que vigiasse. Estacionaram e ele sentiu-se ser carregado, continuando a fingir-se de inconsciente, com o Ki rebaixado. Entraram em um elevador privativo e dirigiram-se à cobertura.
Lá chegando, Harry foi levado para um quarto e colocado em uma cama (“pelo menos está mais confortável do que assentos de avião e de carro”, pensou o bruxo). Lá ele foi deixado, enquanto ouviam-se vozes no quarto.
_Ele está inconsciente? _ perguntou uma voz que Harry logo reconheceu como sendo de “Escuridão” _ O sedativo o derrubou mesmo?
_Sim, chefe. Pouco mais de dez minutos e ele caiu.
_É, está dopado, sim. Eu sinto o seu Ki bem rebaixado. Ainda bem que vocês não colocaram sedativo demais ou ele poderia acabar morrendo antes da hora. E isso eu não quero, pois o prazer e a honra de fazer isso pessoalmente me pertencem. Quanto mais até ele acordar?
_Mais uma hora e meia, chefe. Se meus cálculos estão certos, o efeito do sedativo deverá passar nesse tempo.
_Muito bem. Depois disso, voltaremos aqui. Tenho muitas coisas reservadas para Harry Potter e elas deverão ocorrer devagar. _ e saiu do quarto, acompanhado pelos capangas.
Assim que eles saíram, Harry liberou seu corpo astral e explorou o quarto, vendo que não haviam câmeras ou cristais de armazenagem, nem quaisquer escutas bruxas ou trouxas. Satisfeito, retornou para seu corpo físico. Permitiu-se ficar ali, deitado, à espera dos acontecimentos.
Passada cerca de uma hora e meia, Harry escutou passos no corredor. Ao ouvir o barulho da chave na fechadura da porta de seu quarto, começou a mover-se na cama, como se estivesse despertando dos efeitos do sedativo. Olhou na direção da porta e viu três silhuetas delineadas de encontro à luz, uma delas mais alta do que as outras e encapuzada. Este acendeu a luz e olhou para Harry, que protegia os olhos da claridade com as mãos.
Harry sentou-se na cama e pegou seus óculos, que um dos bruxos havia colocado na mesa de cabeceira. Olhou para os três bandidos à sua frente e perguntou:
_Quem são vocês?
_Saiam! _ disse o bruxo alto, dispensando a presença dos outros dois. Após a saída deles, voltou-se para Harry.
_Ora, ora, Harry Potter. Pensei que não tivesse me esquecido. Se bem que nosso último encontro, lá em Angola, foi meio breve.
_Você é... _ Harry deixou a frase pela metade.
_Exatamente, Harry Potter. Eu sou aquele por quem você tanto procura, o co-líder do Círculo Sombrio. _ e o bruxo tirou o capuz, permitindo que Harry visse seu rosto e aqueles olhos verdes cruéis e magnéticos que ele vira, da última vez, quando ele e Rony Weasley estavam algemados a postes em uma aldeia nas florestas de Angola, prontos para serem mortos por uma patrulha da UNITA, liderada por esse mesmo bruxo maligno.
_Então, afinal eu estou conhecendo a sua atual aparência.
_Sim, Harry Potter. Esta é a aparência que uso agora, desde que fiz uma Reformatação Facial Mágica. _ e, depois de uma pequena pausa, olhou para Harry e deu um sorriso.
_Maldito assassino! _ disse Harry.
_Exato, Harry Potter. Eu sou “Escuridão”.
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