A galinha



CAPÍTULO 2 – A galinha


Terça-feira, dois de setembro, Salão Comunal


Existem as pessoas matinais...E, depois, existe o resto de nós. O último grupo é onde eu me colocaria. Eu e as manhãs não combinamos exatamente. Nós simplesmente não nos damos bem. Nós nunca nos demos bem e provavelmente nunca nos daremos. Não é culpa de ninguém. Sério. É simplesmente o jeito que são as coisas.


De qualquer forma, eu realmente queria que alguém avisasse Emma sobre isso, porque – grande amiga que ela é – ela obviamente não sabe dessa aversão mútua compartilhada entre mim e as horas antes das 10 da manhã. Por outro lado, talvez ela até saiba, mas ela simplesmente não parece se importar com os meus sentimentos e/ou com as minhas preferências. Ela só continuou tagarelando essa manhã sobre ‘acordar com uma cara feliz’ e puxando meus cobertores do meu corpo muito gelado em uma hora completamente inadequada, quando eu realmente ainda deveria estar dormindo. Aparentemente, acordar em uma hora tão vergonhosa, de alguma maneira, leva a acordar com um sorriso e não com um bocejo, como eu pensava anteriormente. Mas, de qualquer forma, eu tenho quase certeza que, acordar uma pessoa não-matinal como eu às 7 da manhã, é um grave crime capital, não importando o quão boas eram suas intenções.


Então, enquanto eu estou sentada aqui, brincando com meus waffles e vagarosamente tomando um gole do meu suco de abóbora, informando Emma sobre seu crime.


“Pare com isso, Lily”, ela diz. “Não é tão cedo assim”.


Certo. Fácil para ela dizer. Ela gosta desse tipo de coisa.


“Nós precisamos pegar nossos livros juntas mesmo”, Grace acabou de me informar, apesar de EU SABER que ela está tão cansada quanto eu, porque suas pálpebras se fecham quando Emma não está olhando. Além disso, ela acabou de bocejar.


Todas elas vão se arrepender quando eu dormir em cima dos meus waffles e, então, tiverem que me carregar até as masmorras, com cheiro de doce e toda pegajosa. Contei a elas.


Emma acabou de deixar sair um daqueles grandes, longos e inacabáveis suspiros. “Francamente, Lily! Se você tem energia suficiente para escrever no seu diário, eu acho que você tem energia suficiente para ficar acordada!”.


Merda.




Mais tarde, na aula de Poções.


Por que alguém ia, se quer, precisar de uma poção do TREMOR?


Sério. Quem iria querer tremer? Isso, por acaso, tem algum propósito? Quando eu vou precisar usar uma Poção do Tremor durante minha vida inteira? Quando é que alguém vai precisar? Professora Abbott precisar rever suas prioridades. Ela, por acaso, se IMPORTA se eu estou acordada desde as sete da manhã? Eu não tenho tempo para lidar com essas besteiras!


Poção do Tremor-


Ocasiona choques de friagem pelo corpo do bebedor da poção. 2) Ocasiona no bebedor...blá, blá, blá.


LEMBRETE: Copiar as anotações da Emma sobre a Poção do Tremor




Mais tarde, na aula de Adivinhação


Por que nós ainda nos incomodamos com essa aula? – LE


Eu não sei – EV


Ela é muito engraçada, vocês não acham? – GR


Engraçada? Eu estava pensando mais ou menos em louca.


Apesar disso, eu gosto da saia dela.


Lá vamos nós de novo. Rápido! Distraia ela! O que vocês acham da gente começar uma lista?


Boa idéia.


Lista dos garotos mais bonitos e solteiros de Hogwarts (com comentários adicionais) por Emmeline Vance, Grace Reynolds e Lily Evans.


1) Amos Diggory – um sexy setimanista lufa-lufa que não só é incrivelmente bonito – com aquele sexy cabelo castanho claro e aquelas adoráveis covinhas no rosto – mas também é um ótimo jogador de quadribol, com um corpo para comprovar. Preciso dizer mais? EV: Essa opinião é totalmente injusta, Lily! Ele não é tão perfeito como você o faz ser. GR: Incrivelmente sexy, apesar de ter seus pontos negativos. LE: Vocês estão loucas. Ele é perfeito.


2) Thomas Dunn E daí que ele é do terceiro ano? Esse garoto tem GRANDES pontos no departamento de beleza. Já viram os olhos dele? Uma imagem perfeita entre os homens (ou garotos). LE: Ele é fofo e nem um pouco vaidoso! Um par perfeito para o afeto de qualquer garota do TERCEIRO ANO. GR: Esqueça os terceiranistas! Eu adoraria procurar um armário de vassouras com ele. EV: Ignorando as táticas de moléstia de crianças da Grace, eu devo dizer que Thomas não é desprovido nem no departamento de beleza, nem no de personalidade.


3)Remus Lupin – Apesar dele pertencer ao notório clã dos marotos, Remus é um garoto incrivelmente fácil de se gostar. Seu hábito de estudo e seu casual jeito travesso o faz uma perfeita mistura de tudo. Um bom partido para qualquer garota digna. EV: Remus é a minha maravilhosa escolha já que ele é uma mistura de tudo o que uma garota poderia querer. Exceto por seus hábitos doentios e sua escolha de amigos um tanto mal feita, eu acho que você encontraria o Sr. Maravilhoso no Sr. Lupin. GR: Ah, vejo que alguém tem uma grande atração pelo nosso amigo Sr. Lupin, hã? Colocando isso de lado, boa escolha. Remus é muito legal. LE: Isso é tão fofo, Em! Remus não é uma má escolha. Por que vocês dois não se reúnem para “estudar” um pouquinho, hum?


AVISO DA ACUSADA INJUSTAMENTE (EV): EU NÃO GOSTO DO REMUS LUPIN.


4) Sirius Black – Outro membro dos travessos marotos, você não consegue evitar notar a boa aparência de Sirius. Nós todas sabemos que ele é imaturo e maluco, mas definitivamente não é desprovido no departamento da aparência. EV: Concordo. Sirius é louco, mas não é feio. GR: Eu não acho que eu possa responder a isso já que familiares (não importa quão distantes e remotos) não deveriam dizer coisas desse tipo sobre outros membros da família. LE: Essa lista é estritamente para as aparências e foi por isso que eu coloquei o Sirius. Você não pode negar sua beleza (ou sua insanidade, na verdade).


5) James Potter – James também pertence ao clã dos marotos (que homens bonitos eles são!) e é um homem incrivelmente bonito. Sem mencionar suas ótimas habilidades no quadribol e sua anormal inteligência (que rivaliza com a da nossa Senhorita Evans), esse garoto é tudo. EV: Verdade. Apesar de ser um idiota às vezes, não se pode enfrentar os lindos atributos de James e seu grosseiro senso de humor. Positivo! GR: Eu adoro o James. Na verdade, se ele não fosse TÃO meu amigo, ele seria meu namorado. LE: Por favor! POTTER? Ele é um idiota! Além disso, todo mundo sabe que ele é praticamente casado com Saunders. Eles têm namorado e terminado desde o terceiro ano. Vocês me deixam enjoada.


AVISO PARA A GAROTA EM NEGAÇÃO: Essa é uma lista restrita para BONITOS e solteiros, e você não pode excluir James Potter de uma lista dessas. Além disso, James e Elisabeth terminaram faz tempo. Todo mundo sabe disso.


AVISO PARA A MENTALMENTE INSANA: Me deixe em paz.


Mais tarde, jantar no Salão Principal


Eu adoro jantar em Hogwarts. Sério, eu adoro.


Quero dizer, quando você teve um dia difícil e tudo parece estar dando errado (basicamente todos os dias para mim), você sempre tem a ótima expectativa do jantar na sua frente. Você pode simplesmente se sentar, relaxar, e deixar tudo pra lá.


Claro que meu amor pelo jantar de Hogwarts pode ter alguma a coisa a ver com a minha enorme e anormal paixão por arroz.


Sim. Arroz.


Eu não me lembro exatamente quando minha obsessão por arroz começou, mas desde que eu era pequena, é tudo que eu mais tenho comido. Eu lembro que minha avó costumava fazer o mais delicioso arroz que já existiu. Ela colocava todos aqueles condimentos diferentes e temperos especiais, os quais eu sempre conseguia citar separadamente, mas nunca pensaria em colocá-los todos juntos. Eu costumava observá-la misturar tudo e ver o arroz fritar e borbulhar, mas eu nunca conseguia fazê-lo sozinha. Depois que ela morreu, mamãe e eu tentamos fazer o arroz dela várias vezes, mas sempre ficava com um gosto horrível. Talvez, o arroz da minha avó tenha começado tudo isso, mas eu não tenho certeza.


E vocês sabem o que mais? Hogwarts deve ter, pelo menos, uns três tipos de arroz toda noite. É. Três! Como eu poderia não gostar disso?


E enquanto você está sentada na mesa da Grifinória, comendo os seus vários tipos de arroz e conversando com as suas amigas, você tem uma visão perfeita da mesa da Lufa-Lufa. Isso significa que você também tem uma visão perfeita de um certo monitor setimanista da Lufa-Lufa (e não, eu não estou falando da Julie Little).


Então, enquanto eu estou sentada aqui, comendo meu arroz e olhando para a mesa da Lufa-Lufa, eu não tenho que me preocupar com monitores-chefes mentirosos econfusascolegas de quarto, ou com o fato de eu não ter anotações sobre a Poção do Tremor porque eu esqueci de pedir as da Emma. Não. Eu posso apenas ficar sentada, relaxar e fazer as minhas duas coisas favoritas.


Comer e me deliciar com a visão de Amos Diggory.


Pode a vida FICAR melhor?




Quarta-feira, três de setembro, na aula de Feitiços


Eu odeio minha vida.


Eu odeio minha vida e eu odeio a minha boca estúpida que tem autocontrole.


Se eu pudesse ir à loja de bocas e trocar a minha boca por uma diferente, eu iria. E eu teria esperanças de que a minha nova boca fosse tão independente quanto a velha, porque, se não, eu estaria mais encrencada ainda (além disso, teria que voltar na loja de bocas e a imagem de um lugar como aquele não é muito atrativa para mim).


Eu simplesmente não entendo. O que eu fiz pra minha boca estúpida para que ela tenha ficado tão revoltada? EU NÃO MEREÇO ESSE ABUSO! EU REALMENTE NÃO MEREÇO!


Quero dizer, pessoas perfeitas como a Elisabeth Saunders merecem bocas como a minha. Não pessoas já-fracassadas-na-vida como eu.


Se Elisabeth Saunders se fizesse de boba, e quase tivesse sido expulsa de uma aula muito importante, e DEPOIS começasse a chorar em frente do seu (antigo?) inimigo/parceiro de monitoria/recém-feito-professor-particular-de-transfiguração, eu provavelmente nem teria rido dela! Eu provavelmente teria me sentido muito mal pela garota, mesmo ela sendo uma completa idiota. Mas, não. Coisas como essa não ACONTECEM com Elisabeth Saunders. Elas acontecem com pessoas como eu. Sempre com a Lily.


Essa manhã começou perfeitamente bem. Na verdade, começou mais do que bem. Eu, pela primeira vez, realmente entendi uma poção. Uma poção que eu tinha esquecido de copiar as instruções no dia anterior. Você sabe que aumento de auto-estima isso foi? Eu, na verdade, recebi uma NOTA ALTA pelo meu trabalho prático! Isso é muito emocionante levando em consideração que eu sei que a Professora Abbot me odeia e só se forçaria a me dar uma nota alta se a minha poção estivesse muito, muito boa. Quem não estaria de bom humor depois disso?


Então, eu fui para a aula de Transfiguração com um resplandecente e animado humor(coisa que não acontece muito freqüentemente), nem me preocupando com o fato de que eu sou completamente TERRÍVEL em Transfiguação e nem com o fato de que o mentiroso e idiota monitor-chefe – com quem, por sinal, eu não deveria conversar de novo – estava sentado atrás de mim, conversando com as minhas amigas.


“Acalmem-se todos vocês! Sentem-se!”, Professora McGonagall disse no início da aula. A conversa de todo mundo parou imediatamente, já que seus olhos se fixaram na professora na frente da sala.”Obrigada”, McGonagall disse, enquanto se virava para o quadro negro atrás dela e começava a escrever.


TRANSFIGURAÇÃO ANIMAL


Ugh. Até escrevendo isso agora, me dá vontade de morrer de vergonha. Mas, sendo justa, eu nunca tive nenhum talento em Transfiguração. Eu sou excelente em Feitiços e faço bem mais do que a média em DCAT, mas Transfiguração? Nunca. Eu nem deveria estar na aula. McGonagall nunca aceita ninguém que tenha tirado abaixo de Excede as Expectativas nos N.O.M.s nas suas aulas de N.I.E.M.s, e eu definitivamente nem estou perto disso. No entanto, por algum milagre, eu convenci McGonagall a me aceitar na aula com a promessa de que estudaria que nem louca no verão e com a garantia de que eu melhoraria. Eu acho que ela só me aceitou porque ela tem uma preferência por mim (o porquê dela gostar tanto de mim, eu não tenho a mínima idéia. Quero dizer, se você for dar preferência a alguém, vá em frente e escolha uma criança extraordinária com talentos infinitos. O porquê da McGonagall ter escolhido uma medíocre e chata parcela de ser humano como eu para dar preferência está além da minha compreensão). Eu deveria estudar todo o verão (o que eu fiz... às vezes) e McGonagall iria julgar a minha melhora e me dizer se eu poderia continuar na aula, mas as coisas na minha vida parecem sempre achar um jeito de estragar tudo. Eu sei que aurores precisam saber Transfiguração e tudo o mais, mas, francamente, se você não consegue entender, você simplesmente não entende. Eles não podem abrir uma exceção pra mim? Eu tenho certeza que UM auror sem talentos para Transfiguração estaria tudo bem. Eu posso me prender a Feitiços. Isso eu posso fazer.


“Tudo bem”, McGonagall disse ao se virar para encarar a turma mais uma vez, olhando para cada um de nós com um olhar crítico. Eu odeio quando ela faz isso. “Ontem, todos vocês refrescaram suas memórias de verão sobre a teoria da Transfiguração Animal e agora vão treinar o feitiço oralmente. Lembrem-se de gesticular suas varinhas no movimento circular correto e de pensar claramente sobre a mudança das lagartixas manchadas na frente de vocês em galinhas. Todo mundo entendeu?”.


Pequenos murmúrios de consentimento percorreram toda a sala. Internamente, eu comecei a entrar em pânico.


“Excelente”, McGonagall acenou com a cabeça rapidamente. Seus olhos se moveram para o fundo da sala. “Eu não quero nenhuma brincadeira – Black, Potter, vocês me entenderam?”.


Muitas garotas deram risadinhas enquanto Potter e Black acenavam com a cabeça inocentemente. Como eles são idiotas.


“Bom”, McGonagall disse de novo, ainda olhando os dois garotos de modo suspeito. “Vocês podem começar”.


Certo.


Começar.


Claro.


Se ao menos eu pudesse.


Eu fiquei lá sentada por algum tempo, observando Emma transformar sua lagartixa em uma galinha e depois em lagartixa de novo. Depois, procurando por um pouquinho de solidariedade, me virei para Grace, esperando que ela pudesse estar tendo um pouco da dificuldade que eu estava tendo, mas minha busca acabou em desapontamento, porque Grace também tinha facilmente transformado sua lagartixa em galinha. Uma rápida olhada atrás de nós me mostrou que os dois marotos também tinham obtido sucesso na transformação e estavam agora procurando outras formas de diversão. Sirius estava tentando convencer sua galinha a atacar a galinha do Potter que, por sua vez, a estava empurrando na direção oposta. Eu me virei cautelosamente para minha própria lagartixa e a observei criticamente. Não PARECIA tão difícil. Todo mundo conseguiu fazer isso, por que eu não conseguiria? Eu conseguiria. É claro que eu conseguiria.


Merlim, por que eu sou tão estúpida?


Eu peguei minha varinha de cima da mesa, decidida a transformar aquela maldita lagartixa em uma galinha de qualquer jeito. Eu dei uma olhada nas minhas anotações uma última vez antes de tentar o impossível.


Animus Nero”, eu disse calmamente, movendo minha varinha segundo o modelo indicado. Mas, aparentemente, não era o movimento exato porque, ao invés de uma galinha, de pé na minha frente estava algo mais parecido com uma cabeça de galinha, um corpo mole de lagartixa e um rabo nojento. Uma Lagartixa-Galinha.


Claro que essa transfiguração mal-feita não teria sido tão ruim se, naturalmente, eu não tivesse criado uma lagartixa-galinha possuída que tivesse decidido que parecia apropriado criar uma enorme confusão.


“CCCUUUUUUUUUCCCCCCKKKKKKKKKK!”, a metade-lagartixa/metade-galinha gritou (em um volume espantosamente alto para um animal tão pequeno, a propósito). Todas as cabeças viraram para mim imediatamente, enquanto a galinha saltava da minha mesa e começava a trilhar seu desejado caminho de guerra.


O caos começou quando o animal maluco se chocou contra a cadeira de Jervis Rennet’s, provocando a pobre Jervis a cair em cima da Penny O’Jene, que gritou muito alto na orelha da Jervis. Então, a galinha foi na direção da carteira da Tammy Turner, espalhando todos os pergaminhos e todas as penas em várias direções, provocando Tammy a começar a gritar obscenidades em alguma outra língua, que eu acho que soava um pouco como serêiaco (a língua dos sereianos). Isso feito, ela decidiu, então, secar seu pé manchado de tinta nos delicados ombros de Carrie Lloyd.


“TIREM ISSO DE CIMA DE MIM! ECAAA! TIREM ISSO DE CIMA DE MIM!”, ela gritou para o seu parceiro, Timmy Ricks, que parecia achar a situação muito engraçada, e que estava impossibilitado de ajudar porque ele estava rindo demais.


Naquele momento, a sala inteira estava um completo caos já que minha criação saltava de uma carteira para outra, pulando nas pessoas, estragando tarefas e causando destruição por qualquer lugar que ela passasse. O único que realmente parecia estar gostando desse completo fiasco era Sirius, que estava proclamando bem alto para sua própria galinha que ela deveria seguir o exemplo da minha criação. Eu verdadeiramente desejei que o chão abrisse e me engolisse por inteiro. Eu só poderia imaginar o quão meu rosto estava vermelho até aquele momento. O tempo inteiro eu segui o animal maluco com os meus olhos, desejando de todo o coração que eu não começasse a chorar ali e naquela hora.


A loucura finalmente chegou ao fim quando McGonagall jogou uma edição bem pesada de As fendas e os esconderijos da Transfiguração em cima da besta caótica. Houve, então, um suspiro coletivo que se espalhou por toda a sala antes que a tensão surgisse de novo e eu sentisse os olhos de todo mundo se moverem do então inconsciente animal para a sua criadora.


Eu.


“Senhorita Evans”, McGonagall disse calmamente, lentamente erguendo seus olhos da criatura e olhando para mim. “Fale comigo depois da aula, por favor”.


Apenas a expressão em seus olhos – de desapontamento e arrependimento – foi suficiente para que eu ficasse nervosa. Todo o meu corpo começou a tremer de medo e nervosismo. Eu acenei com a cabeça, mas só um pouco. Eu estava tremendo demais para fazer muito mais que isso. Foi, talvez, o pior momento de toda a minha vida.


A turma se acalmou depois disso. Carrie Lloyd foi mandada para o banheiro depois que ela parou de gritar e McGonagall consertou a cadeira da Jervis Rennet e a carteira da Kiki Molter. Todo mundo começou a recolher os seus pertences que haviam sido jogados em vários lugares diferentes por toda a sala, como conseqüência da agitação da minha galinha.


Eu apenas fiquei sentada lá, congelada pela minha vergonha e preocupação, olhando todo mundo me olhar. Muitos sorrisos piedosos e olhares preocupados foram lançados na minha direção, mas eu os ignorei. Eu estava muito ocupada me dedicando à minha auto-piedade. Eu SABIA que eu deveria ter estudado mais! Eu SABIA! Mas não, eu tinha que simplesmente assistir aquele programa na televisão, ou eu tinha que ir ver aquele filme, ou tinha que tirar um cochilo. Vê o que acontece quando você se descuida? EU SOU, SEM DÚVIDA, UMA FRACASSSADA NA VIDA!


A aula estava quase terminando e eu estava muito aliviada pelo fato de que outros problemas não haviam surgido.


“Potter”, McGonagall disse alguns minutos antes da aula terminar. “Fale comigo depois da aula”.


Potter ergueu os olhos, surpreso.


“Mas eu ainda não fiz nada, Professora!”, ele respondeu, olhando para McGonagall e esperando alguma resposta. O idiota realmente pensou que ele tivesse feito algo.


“O fato de que você falou ‘ainda’ não pode significar algo bom, pode Senhor Potter?” Ela o observou com suspeita, seu olhar mostrando seu desgosto pelo ‘ainda’. Potter deu de ombros, mas obviamente ainda estava confuso.


Eu imediatamente comecei a entrar em pânico com essa pequena interação. Ela tinha me esquecido? Ela iria me expulsar da aula com o Potter BEM ALI? Poderia ela ser tão cruel assim? McGonagall é rígida, mas eu nunca a considerei cruel. E o que o Potter fez afinal? Ela não poderia falar sobre isso em uma outra hora? Dizer alguma coisa quando, sei lá, eu NÃO estivesse lá? Ela tinha alguma idéia do que ela estava fazendo comigo?


A aula terminou alguns minutos depois para o alívio de todos na sala. Silenciosamente, minhas entranhas entrando em pânico, eu observei todos, exceto eu e o Potter, começarem a caminhar lentamente para fora da sala, murmurando e comentando sobre a aula movimentada. A fofoca iria correr de um lado para o outro por um tempo.


“Nós esperaremos por você, se você quiser”, Emma disse com um sorriso confortante, apontando para fora da sala, onde ela e a Grace estavam dispostas a esperar. Eu sacudi minha cabeça, ainda sem o completo controle das minhas cordas vocais.


“Não se preocupe, Lily”, Grace disse gentilmente, obviamente tentando me consolar também. “Todos cometem erros”.


É. Mas não erros como uma galinha-maluca.


“Tem certeza que você não quer que a gente espere?” Emma ofereceu de novo. “Nós apenas temos o almoço. Não tem problema se a gente se atrasar um pouquinho”.


Novamente, eu sacudi minha cabeça.


“Tudo bem”, Emma suspirou levemente, colocando uma mão confortadora em cima do meu ombro. “Nos vemos no almoço, eu acho”.


Então, ela e Grace saíram, deixando Potter, McGonagall e eu na sala anteriormente cheia. Eu tentei ignorar o Potter e olhei para McGonagall com expectativa. Ela estava sentada em sua escrivaninha, escrevendo alguma coisa.


“Espere lá fora, Potter”, ela ordenou calmamente, sem se incomodar em tirar os olhos do que ela estava escrevendo. Eu soltei um rápido suspiro de alívio quando eu percebi que McGonagall não era cruel suficiente para me expulsar da aula na frente dele. Eu observei silenciosamente, enquanto Potter recolhia todos os seus pertences de uma maneira também silenciosa. Seus olhos se revezaram entre McGonagall e eu, enquanto ele pegava seus últimos livros. Eu evitei seu olhar, não querendo ver a zombaria que eu, sem dúvida, encontraria em seus olhos. Ele saiu da sala alguns segundos depois. Ele fechou a porta atrás dele.


“Venha cá, Senhorita Evans”.


Minha cabeça voltou sua atenção para McGonagall, meu estômago instantaneamente dando voltas. Com alguma dificuldade, eu andei lentamente até sua mesa, rezando para tudo e todos que eu conhecia.


“Professora – “, eu comecei.


“Nós tínhamos um acordo, Senhorita Evans”, ela me interrompeu calmamente, tirando seus olhos do que ela estava escrevendo pela primeira vez. Eu me encolhi, piscando meus olhos para evitar as lágrimas. Ela parecia tão decepcionada que eu queria morrer.


“Eu sei, Professora”, eu murmurei tristemente, olhando para os meus sapatos. Eu não podia suportar olhar para seu rosto por mais tempo.


“Eu disse que eu te aceitaria na minha aula de novo esse ano e você me prometeu que melhoraria. Eu não vejo nenhuma melhora, Lily”. No instante em que ela me chamou de ‘Lily’, eu sabia que estava tudo acabado. Seu tom era calmo, mas severo. Eu fechei meus olhos, tentando me focar no que ela estava falando e ao mesmo tempo tentando desesperadamente manter meus olhos secos. Eu nunca fiquei tão envergonhada como eu estava naquele momento.


“E-eu sei”. Eu engoli em seco, tentando me livrar da bola de emoção que tinha entalado na minha garganta. “E eu realmente estudei, Professora! Honestamente, eu estudei!”


“Eu não estou dizendo que você não estudou, Senhorita Evans, mas eu não sei como manter você nessa aula se você não consegue melhorar”.


“Mas esse foi apenas o segundo dia de aula, Professora! Eu só estou um pouquinho sem prática”. Minha voz estava falhando em cada palavra. Ela iria me expulsar, eu sabia que ela iria. Não tinha nada que eu podia fazer a respeito. Por que eu ainda estava tentando lutar contra isso?


“Ainda vai ficar ainda mais difícil daqui pra frente, Lily”, ela me disse suavemente. “Isso tudo foi só uma revisão básica. Você, sinceramente, quer passar por outra demonstração como essa de novo?”.


Eu sacudi minha cabeça, esperando pelo pior.


“Eu sinto muito, Professora, eu realmente sinto, mas eu juro que tentarei mais! Eu vou estudar todo o tempo! Só, por favor, me deixe continuar na aula! Eu preciso continuar nessa aula!”. Eu sabia que era um caso perdido, mas eu estava desesperada. McGonagall suspirou profundamente e minhas entranhas começaram a se desintegrar. “Por favor”, eu implorei, tentando, pela última vez, suplicar pelo meu caso perdido. Eu fiquei parada lá silenciosamente, apenas esperando pelas palavras...Pelas palavras horríveis...


“Eu não vou te expulsar da aula, Senhorita Evans”.


Eu congelei, as palavras histéricas de um argumento recém preparado nos meus lábios, enquanto meu coração começava a bater loucamente no meu peito. Ela disse o que eu pensava que ela tinha dito? “E-eu – o quê?”.


O olhar calmo da McGonagall me atingiu. “Eu não vou te expulsar da minha aula”, ela repetiu.


Ela não...Ela não...


EBA!!


“Ah, obrigada, Professora!”, eu gritei feliz, perdendo a razão no calor do momento e quase jogando meus braços em volta dos ombros da mulher. “Muito obrigada! Eu vou melhorar, eu realmente vou! Eu vou estudar constantemente e eu vou melhorar e eu vou...ah, obrigada!”. Eu estava tão aliviada, que eu mal conseguia tomar ar. Eu fiz um voto lá naquele momento de que eu iria estudar mais de qualquer forma. Afinal de contas, ninguém iria querer um auror que fracasse em Transfiguração, certo? Mas, apesar disso, eu ainda estava com um buraco no estômago. E se eu não conseguisse? E se, não importando o quanto eu estudasse, eu não entendesse? O que eu faria, então? Eu tentei expulsar esses pensamentos preocupantes da minha cabeça. Eu ainda estava na aula e era isso o que importava.


“Eu vou assegurar isso, Senhorita Evans.”, McGonaggal me disse com severidade, me tirando dos meus pensamentos.


Eu a olhei confusa. “O que você quer dizer com isso?”, eu perguntei.


McGonagall começou a mexer nas coisas que estavam em sua mesa enquanto me explicava calmamente, “Eu estou lhe designando um professor particular, Senhorita Evans. Você se encontrará com esse professor uma vez por semana por pelo menos uma hora. Estude sozinha o tempo que você achar necessário, mas se eu não ver nenhuma melhora, eu vou ter que te expulsar da minha aula. Está claro?”.


Eu acenei com a cabeça.


Um professor particular.


Hum.


Eu nunca tive um professor particular antes. Quem seria? Como ele seria? Ele realmente conseguiria me ajudar?


“Potter!”


O grito da McGonagall me tirou dos meus pensamentos. Meus olhos voaram para a porta atrás de mim. Potter reentrou na sala, ainda confuso.


Eu olhei na direção de McGonagall em dúvida. Ela tinha terminado comigo? Eu deveria ir embora agora? Mas quem seria meu professor particular? Quando eu me encontraria com ele? Ela não parecia estar me dando nenhuma resposta. Eu me virei para James, que tinha se aproximado da mesa de McGonagall e agora estava em pé perto de mim.


“Não importa o que tenha acontecido, não fui eu”, James insistiu imediatamente, olhando seriamente para McGonagall. “Não fui, eu juro”.


Eu tive que segurar uma risada enquanto McGonagall o olhava. Ele parecia tão inocente. De qualquer modo, o que ele tinha feito? Que eu saiba, nada tinha sido explodido recentemente e o cabelo de ninguém tinha mudado de cor.


“Não é nada desse tipo, Potter” – ela o olhou severamente – “pela primeira vez”. Ela começou a mexer em seus papéis de novo. “Você se lembra do que conversamos ontem?”, ela voltou a olhar para o que ela estava escrevendo antes. Novamente, eu me perguntei se a minha presença era ou não necessária. Se Potter não levaria bronca, não tinha mais nenhuma diversão para mim. De qualquer maneira, o que ele estava fazendo? Sobre o que eles tinham conversado ontem?


“As aulas particulares?”


Ah, as aulas particulares.


Espera aí, AULAS PARTICULARES?


Foi aí que caiu a ficha.


“Sim, as aulas particulares”, McGonagall disse com um aceno. Ela se virou para mim. “Conheça a sua nova aluna, Potter”.


Conheça a sua nova aluna, Potter.


Eu queria gritar.


Eu queria chorar.


Eu queria pegar essas palavras e empurrá-las de volta. Eu queria fazer qualquer coisa, menos olhar para James Potter. Mas, claro, sendo a desequilibrada que eu sou, naquele momento eu não fiz nada a não ser olhar como uma idiota.


Por que ele? Poderia ter sido qualquer um! POR QUE ELA TINHA QUE ESCOLHÊ-LO?


“Lily?”, ele perguntou, apesar de eu não saber se ele estava falando comigo ou com a McGonagall. Ele disse meu primeiro nome de novo. Por que ele continua fazendo isso?


“É”, McGonagall respondeu, sem levantar seu olhar do que ela estava escrevendo. “Você dará aulas particulares para a Senhorita Evans a partir de agora”.


Meu olhar bobo voltou-se para Potter, que estava parecendo um pouco satisfeito demais pro meu gosto. Eu nunca escutaria o final disso. Eu poderia apenas imaginar o tipo de coisas que ele falaria...Os tipos de coisas que ele contaria para as pessoas.


Que diabos. Eu odeio ele.


“Mas, Professora”, eu argumentei, me pronunciando pela primeira vez desde que Potter entrou na sala. “Potter não vai estar muito ocupado para me dar aulas particulares? Quero dizer, ele tem o Quadribol e suas tarefas como monitor-chefe. Eu tenho certeza que outra pessoa poderia fazer isso...”.


Desesperada, você diz?


Definitivamente.


“As aulas particulares fazem parte das tarefas de monitor-chefe, Senhorita Evans, assim como também fazem parte das suas”. Meu coração parou quando ela disse isso. “Se não fosse você, seria outra pessoa. Mas eu agradeço pela sua preocupação”.


Plano A frustrado. Droga.


“Eu acho que eu vou deixar vocês dois sozinhos para conversarem sobre a hora das aulas”. McGonagall se levantou, mandando um olhar significativo para nós, enquanto ficava em pé. O pergaminho que ela estava anteriormente escrevendo estava firme em sua mão. “Eu tenho um bilhete para entregar para o diretor. Bom dia para vocês dois”. Depois, sem mais nenhuma palavra, ela nos deixou.


Sozinhos.


Eu acho que foi aí que meu cérebro realmente começou a entender toda a situação.


Potter.


James Potter era meu professor particular.


Professor particular é aquele que ajuda seus estudantes.


Potter, me ajudando? Não era provável.


Mas eu TINHA que passar nessa aula. Eu não tinha escolha. Se eu não melhorasse, McGonagall me expulsaria da aula e, então, eu nunca me tornaria auror. Mas como eu vou melhorar se meu professor é o maior idiota que eu conheço? Como eu vou melhorar se eu fiz uma promessa de que eu nunca mais falaria com o meu então ‘professor’? Como eu vou melhorar se o meu professor me despreza completamente?


McGonagall sabe o que ela fez? Ela sabe que toda a minha vida acabou de ir para o esgoto porque ela me designou um professor inútil? Ela sabe que você não pode ser um auror sem ter N.I.E.M. em Transfiguração? ELA SABE?


Eu não acredito. Eu vou reprovar. Potter provavelmente vai me dar informações erradas, vai me falar que eu estou indo bem quando, na verdade, vai estar rindo de mim e da minha incapacidade em Trasnfiguração. MERLIN, ele é um idiota!


Enquanto eu estava delirando, eu acho que Potter estava tentando falar comigo, porque ele ficou bastante assustado quando eu caí subitamente no chão e comecei a chorar que nem louca (ei, eu sou uma desequilibrada, lembram? Eu não tinha nenhum controle sob minhas reações súbitas e impulsivas).


“Lily!”, ele imediatamente se jogou do meu lado. “Você está bem? O que está doendo?”.


Ai, meu Deus. Aquele estúpido ser desprezível pensou que eu estava machucada ou algo assim.


“Eu estou bem!”, eu gemi irritada. “Me deixe em paz!”, eu escondi meu rosto nos meus joelhos, enquanto eu chorava mais.


Eu acho que foi aí que Potter percebeu que eu não estava agoniada por causa de alguma dor. Eu posso dizer que ele estava, obviamente, confuso com as minhas lágrimas e um pouco sem saber o que fazer comigo, já que o senti se afastar levemente da minha forma tremida. Eu sabia que ele estava confuso, sem saber o que fazer com a boba garota chorona sentada perto dele – diabos, eu também estaria confusa – mas aquela confusão pareceu sumir lentamente já que, alguns segundos depois, eu o senti me abraçar de forma hesitante.


Talvez ele estivesse tentando me consolar (há!), mas isso só me fez me sentir mais triste. Ele não poderia esquecer aquela brincadeira idiota ou qualquer coisa assim e voltar a ser mau comigo? Ele já estava arruinando a minha vida, por que deixá-la pior?


“Vá embora!”, eu chorei em sua camisa, lutando para me livrar do seu abraço. Pelo menos, era uma camisa boa de se sentir. Já que eu tinha que chorar na camisa de alguém, era bom saber que era uma camisa confortável.


“Qual é o problema?”, ele me perguntou calmamente, sem afrouxar seu abraço apertado. Ele, claramente, não estava mais sem saber o que fazer comigo. Ele também não parecia achar que abraçar sua antiga inimiga de forma bem íntima era estranho. Eu, claro, estava tão confusa que nem sabia o que pensar.


“Eu disse para ir embora!”, eu gritei ainda mais alto, enquanto eu continuava tentando me soltar dele.


“Não vou até você me contar qual é o problema!”, ele gritou em resposta.


Ah, claro. Eu, definitivamente, não estava mais nervosa.


Mas se ele estava pensando que eu contaria a ele todos os meus problemas, ele estava muito enganado. E daí que ele está sendo legal? E daí que a camisa dele é confortável? ELE É UM MENTIROSO HORRÍVEL E ESTÚPIDO!


Tudo!”, eu gritei, tentando me afastar dele ainda mais. Parecia uma resposta boa e suficiente. Ele apertou ainda mais o abraço. Doía, então eu parei de lutar. Burro idiota.


“Tudo?”, ele me perguntou suavemente, afrouxando o seu abraço assassino.


“É! Está satisfeito agora?”.


Ele sacudiu sua cabeça. “Não”.


Eu fiquei boquiaberta, sem acreditar. “Não?”.


“Não”, ele repetiu. Eu queria gritar de frustração, ou bater bem forte em seu rostinho bonito. Ao invés disso, eu chorei ainda mais.


“Ugh! Apenas vá embora!”.


“Não vou até você me dizer qual é o seu problema”, ele ainda insistiu. Eu senti seu dedo debaixo do meu queixo, enquanto ele levantava meu rosto molhado de lágrimas. “Me diga qual é o seu problema”, ele disse de novo.


Minha mente gritou que aquilo não era normal – que alguma coisa definitivamente estava acontecendo. Por que ele ainda estava sendo tão legal comigo sendo que eu não só estava sendo incrivelmente grossa (o que ele mereceu totalmente), mas também estava praticamente tentando me livrar do seu abraço? Ao invés de cuspir na sua cara como eu originalmente pretendia, eu rapidamente observei o seu rosto em busca de alguma pista do que estava acontecendo, mas ele não me revelou nada. Enquanto ele estava esperando calmamente eu responder, sua expressão não dizia nada, e seus olhos estavam cheios de um estranho sentimento que eu simplesmente não pude decifrar. Mas eu devo dizer, que eles são muito agradáveis. Os olhos dele, quero dizer. Apesar de ele não os merecer, já que ele é uma pessoa não-legal (ou geralmente não-legal, de qualquer modo). Eu espero que ele os doe para a Casa da Esperança ou algo assim.


“Por que você se importa?”, eu perguntei o mais friamente que eu pude por trás das minhas lágrimas. “Você me despreza”.


Eu tinha dito essa última parte com bastante convicção, como se fosse um conhecimento geral, o que eu tinha pensado que era, mas Potter parecia confuso.


“Eu não te desprezo”, ele disse. “Você sabe disso, não sabe, Lily?”.


Uh, não, eu não sabia.


“Do que você está falando?”, eu perguntei, chateada de que ele estivesse sugerindo outra coisa. Isso tudo é parte de seu plano genial, eu sei. Consolar a garota chorona, falar para ela que você não a odeia, continuar sendo o Sr. Legal e Nobre, e depois aprontar alguma com a garota até ela ficar louca. “Você me odeia desde o primeiro ano. Você deixou suas intenções bem claras”.


Ele suspirou bem alto, sacudindo sua cabeça pesarosamente. “Eu nunca te odiei, Lily”.


Que mentiroso aquele garoto é!


“Não minta!”, eu gritei, o olhando irritada. “O que você é? Algum tipo de mentiroso patológico ou algo assim?”.


“Eu sou o quê?”, ele perguntou inexpressivamente.


“Você já mentiu antes e está mentindo agora!”, eu expliquei de forma prática, sem me importar em manter a raiva em minha voz. “Você gosta de mentir, ou você é apenas doente e não consegue evitar?”.


Potter suspirou de novo, tirando uma de suas mãos de mim para passar a mão em seu cabelo. “Eu não tive a intenção de mentir antes”, ele disse, “Me desculpe”.


Eu tive que segurar meu pigarreio de descrença. Do que ele estava falando? Como você pode NÃO querer mentir? Quando você mente, você SABE que está mentindo. É claro que ele sabia! Quero dizer, ele sorriu! Ele não apenas sabia o que ele estava fazendo, mas também sentiu satisfação em fazer isso!


“Você não pode não ter a intenção de mentir”, eu o repreendi irritada, “Você fez de propósito”.


Potter sofreu para achar suas palavras por um momento. “Eu sei”, ele disse, “mas...era...eu nunca quis...ah, deixa pra lá! Você não entenderia”.


“Tente”, eu respondi, agora realmente curiosa para saber como ele ‘não teve a intenção de mentir’, ao contrário de antes, quando eu estava apenas tentando desviar a conversa para um outro assunto sem ser o meu choro. Se ele podia ser persistente, eu também.


“Não vou contar até você me dizer porque você estava chorando”, ele respondeu com um olhar de interesse.


Droga.


Eu devia ter visto isso vindo.


Eu nunca pretendi contar a ele o porquê de eu estar histérica, claro. Mesmo que ele estivesse sendo legal e tudo. Eu tinha a intenção de gritar e berrar e fazer a maior cena por causa da intromissão dele nos meus assuntos particulares. Mas, naturalmente, minha notória boca escolheu aquele exato momento para atacar de novo. Eu acho que deve ter sido aqueles seus olhos idiotas que, de alguma forma, fizeram a minha boca idiota funcionar (!), mas, de qualquer forma, eu rapidamente comecei a contar toda a história sobre Transfiguração – meus horríveis N.O.M.s, meu acordo com a McGonagall, o problema de me tornar auror, até mesmo as minhas dúvidas sobre ele ser meu professor particular – para James Potter, logo ali, no chão da sala de Transfiguração.


É. Eu sei. Eu sou uma idiota.


Ele ouviu com atenção, como se ele realmente se importasse com o que eu estava dizendo, e é por isso que eu acho que a minha boca continuou falando, mesmo depois de eu ter pensado que não tinha mais nada pra contar. E então, depois que minha boca traidora finalmente terminou sua longa fala, eu finalmente terminei minha história com um agradável “Minha vida é um verdadeiro inferno”, e depois rapidamente fechei minha boca, mentalmente me repreendendo por um tempo. Antes de dizer ou fazer qualquer coisa, Potter parecia esperar pra ver se eu tinha terminado. Na verdade, ele parecia um pouco impressionado por eu ter cedido tão facilmente. Alguns segundos de silêncio passaram, antes dele começar a rir.


“Isso é tudo?”, ele me perguntou com um sorriso. Eu o olhei irritada. “Sinceramente, eu pensei que fosse algo importante”.


É importante!”, eu respondi.


Ele riu de novo, sem prestar atenção na minha expressão de raiva. “Escute”, ele começou, me dando um pequeno sorriso. “Antes de mais nada, todos temos problemas. Todos acham suas vidas um verdadeiro inferno uma hora ou outra – quero dizer, droga! Eu também odeio minha vida! Segundo, você não vai falhar em Transfiguração. É pra isso que eu estou aqui”.


Ele pareceu tão sincero quando ele disse essa última parte que eu quase acreditei nele. Quase. Quero dizer, eu queria acreditar nele, eu realmente queria, mas é de James Potter que estamos falando aqui. O mesmo James Potter que mentiu pra mim. O mesmo James Potter que me odeia desde o primeiro ano (mesmo ele insistindo que ele não me odeia. Isso é mentira também). Quero dizer, depois de tudo isso, por que eu deveria acreditar nele agora?


Você vai me ajudar?”, eu perguntei, não me importando em esconder o sarcasmo grosseiro da minha voz. “Aham. Com certeza”.


“Eu vou!”, ele insistiu ainda parecendo muito sincero, apesar de eu saber que ele não estava sendo.


Eu revirei meus olhos.“Você vai?”, eu perguntei sem rodeios.


“É claro que eu vou!”, ele respondeu. Eu o lancei um olhar desconfiado. Ele retirou seus braços de mim e os colocou em uma posição de juramento. “Promessa sagrada de maroto”.


Eu revirei meus olhos de novo. “Como se eu fosse acreditar em qualquer promessa que vocês quatro fizessem!”, eu ri. Bem, pelo menos, foi uma tentativa de risada. Eu meio que comecei a tossir no meio, então foi mais uma tosse repentina do que uma risada despreocupada.


“Você está bem?”, Potter me perguntou depois que minha tosse parou um pouquinho. Eu pude perceber que ele estava segurando uma risada despreocupada.


“Eu estou bem”, eu respondi.


“Bom”, ele sorriu e concordou com a cabeça. Eu o observei, enquanto ele se levantava do chão. Ele, então, me ofereceu sua mão, me ajudando a me levantar também.


“Obrigada”, eu resmunguei, ainda não completamente recuperada da minha tosse repentina.


“Sem problema”, ele respondeu com um novo sorriso. Eu evitei olhá-lo e me ocupei em retirar a sujeira invisível da minha blusa. Eu descobri que, se eu não o olhasse, talvez eu pudesse esquecer que tudo isso tinha acontecido.


“Então”, Potter olhou para mim com expectativa, claramente sem saber o que dizer naquele momento. Se ele estava olhando pra mim pra recomeçar a conversa, ele estava louco. Eu acho que eu já conversei demais por um dia, muito obrigada.


Eu não sabia quanto tempo tinha passado, mas eu sabia que já tinha um bom tempo que eu tinha falado toda a minha vida para o pobre sujeito. Parecia maluquice o fato de eu ter falado com o James Potter por todo aquele tempo. Isso é possível? Eu nunca pensei que fosse.


“É... melhor eu ir”, Potter finalmente disse, quebrando o silêncio. “Almoço e tudo mais”.


“É”, eu acenei com a cabeça e sequei meus olhos, esperando que eu não parecesse muito desarrumada. “Almoço. Certo”.


Houve mais uma pausa silenciosa, antes de Potter dizer, “Mas, sobre as aulas particulares... Eu tenho treino de quadribol na segunda e na sexta, então, que tal amanhã? Pode ser umas 8 horas?”.


Eu confirmei com a cabeça mais uma vez, apesar de eu ainda não ter certeza se as aulas particulares valeriam a pena. E se o idiota realmente me PASSASSE informações falsas? E se ele não PUDER me ajudar? O que, por Deus, eu farei?


“Excelente”. Ele parecia aliviado por eu ter realmente aceitado. “Eu me encontrarei com você no salão comunal, então?”.


Estupidamente, eu confirmei com a cabeça mais uma vez. Ele sorriu para mim e depois se mexeu para pegar suas coisas em uma das carteiras. Eu o observei, enquanto ele começava a ir para a porta, mas, por alguma razão, sentia que a nossa conversa não poderia terminar naquele momento.


Eu deveria saber, claro, que a minha boca traidora poderia facilmente resolver essa situação.


“Potter!”.


Ele se virou para me encarar, parecendo já esperar por um ataque daqueles. Pelo menos um de nós esperava.


“Uh... bem... er... obrigada. Por, er... me deixar gritar com você”.


Oh, Merlin.


Aquilo realmente saiu da minha boca?


Eu sou tão idiota.


O que ele deve ter pensado de mim naquele momento, eu posso apenas tentar adivinhar. Foi, provavelmente, alguma coisa como ‘maldita idiota’.


“De nada”, ele riu.


Sim, Lily, a idiota-mor.


Ele me deu um último sorriso antes de começar a sair de novo. Eu tentei retribuir o sorriso o melhor que eu pude, mas eu estava tão vermelha naquela hora, que eu realmente acho que isso não teve a menor importância.


Eu me virei rapidamente para os meus livros que estavam espalhados em volta da minha mesa, tentando não pensar na nossa conversa. Havia apenas uma maneira de saber se Potter realmente era o mentiroso que eu previa que ele era: encarar essas aulas particulares. Quem sabe, talvez, ele estivesse falando a verdade. Talvez ele pudesse me ajudar.


“Lily!”.


Minha cabeça se levantou ao som do meu nome. Potter estava se apoiando na porta, olhando ansiosamente para mim. O que ele queria agora?


“Hum?”.


Eu tentei soar o mais casual possível. Claro, não havia nenhuma razão para que eu não devesse soar natural. Quero dizer, é apenas o Potter. Mesmo que eu tivesse acabado de revelar minha vida inteira para ele.


“James”, ele disse simplesmente.


Eu o olhei confusa, pensando que ele falaria de novo. “O quê?”, eu perguntei.


“Meu nome”, ele disse no mesmo tom simples, “é James”.


Eu o lancei um olhar estranho. “Eu sei que é”, eu disse com uma risadinha meio nervosa. Por que eu deveria saber do que ele estava falando?


“Eu acho que é como você deveria me chamar então, certo?”.


Meu corpo congelou. Eu o olhei com completa e total descrença.


Ele falou o que eu acho que ele acabou de falar? Ele realmente acabou de me dizer para chamá-lo de James? Depois de seis anos o chamando pelo sobrenome, ele me diz isso agora?


“Er-é”, eu gaguejei. “E-eu acho que sim”.


Ele sorriu. “Tudo bem”. Então, ele desapareceu completamente.


Agora, eu pergunto a vocês, o que foi aquilo? O que ele estava fazendo? O que ele deve pensar de mim?


Espera. Por que eu estou me importando com o que ele pensa? A opinião de Potter nunca teve importância antes! O que? Dois dias de gentilezas anormais e, de repente, ele é meu maldito ídolo ou coisa assim? Eu realmente deveria parar com isso. Afinal de contas, ele é só o Potter. O idiota, cabeçudo, filha-da-mãe que eu odeio desde o primeiro ano, certo?


CERTO?




Mais tarde, no dormitório feminino do sétimo ano.


Vocês pensariam que as pessoas têm outras coisas para comentar.


Sério. É como se a maioria delas não tivesse tido nenhuma fofoca decente há tempos.


Quero dizer, eu sei que foi uma aula muito movimentada, mas vocês esperariam que as pessoas pudessem achar entretenimento em outra coisa, ao invés de fazer a monitora-chefe se sentir como uma idiota.


O fato de que eu nem pude terminar o jantar (que incluía QUATRO tipos diferentes de arroz, a propósito) por causa de todos os olhares e pessoas apontando, realmente tem que dizer algo sobre os membros do corpo estudantil. Eu tinha esperanças de que eles entenderiam que ninguém é perfeito, principalmente eu, e me deixariam em paz, mas esse simplesmente não era o caso. Isso realmente não é apropriado. Eu sei que eu sou péssima em Transfiguração, mas eles não precisavam ficar me lembrando disso.


Eu contei para Grace e Emma sobre o meu incidente com o “Potter/James” quando nós voltamos para o dormitório. Elas pareciam achar perfeitamente normal. Aparentemente, eu estou “analisando demais” a situação. Que boba eu sou.


“Legal que ele esteja tentando promover a paz”, Grace disse. “Suas brigas idiotas têm acontecido já por muito tempo”.


.Isso, provavelmente, é verdade. As brigas realmente são meio estúpidas. Mas era sempre ele que começava a brigar comigo. Eu nunca o ataquei sem ser provocada.


“James é muito bom em Transfiguração”, Emma disse em relação às aulas particulares. “Ele será um bom professor. Você só tem que estudar mais. Deixe James fazer a parte dele, mas faça a sua também”.


Eu também contei a elas sobre aquele dia lá na estação King Cross e sobre eu achar que tudo isso era brincadeira. Grace achou isso tudo um absurdo.


“Ele está sendo legal e automaticamente você acha que é uma brincadeira?”, ela me perguntou com uma expressão estranha em seu rosto.


“Foi isso o que ele disse”, eu resmunguei baixinho, me sentindo um pouco culpada agora. Parecia ser uma explicação lógica antes. O que mais poderia ser?


“Bem, talvez não seja o que você está pensando”, ela disse. “Talvez exista alguma outra razão, mas você simplesmente não percebe”.


Foi aí que eu percebi que ela sabia algo que eu não sabia. Eu odeio quando ela faz toda essa atuação ‘misteriosa’. Você nunca consegue extrair nada dela quando ela está assim. Ela sempre espera que você saiba exatamente do que ela está falando. Eu nunca consigo entender o que ela está tentando me dizer mesmo, então, por que ela se incomoda em dizer alguma coisa?


“Ou talvez seja exatamente o que eu estou pensando”, eu respondi teimosamente. Não podia ser outra coisa. Não TINHA nenhuma outra razão.


Grace apenas sacudiu sua cabeça e a conversa terminou.


Eu realmente odeio quando ela faz isso.

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