Entre um segredo e outro...
- Poções?
- Poções.
- Sério?
- Sério. Nossa, preciso “te” mostrar uma coisa, um projeto especial que estou tentando concluir. – Berenice se levantou, indo direto para um armário, de onde tirou um pequeno frasco contendo algo de um brilho perolado, desconhecido para Sarah, mas que fez os olhos de Sirius cintilarem no reconhecimento.
- Aqui, eu terminei ontem, mas meu professor está em um “workshop” com um especialista estrangeiro, só poderei enviar para ele após a Páscoa, quando voltarmos de viagem. A escola de magia entra em recesso na segunda-feira. Estou tentando ampliar os efeitos da poção. Adivinhe o que é?
Sarah pegou o frasco com cuidado, incapaz de identificar o conteúdo só pela aparência, e Berenice resolveu brincar um pouco mais com sua irmã, enquanto ficava atenta às reações do homem sentado ao seu lado, que mal disfarçava sua ansiedade.
- Pode abrir e cheirar, se isso ajudar. É inofensiva.
Sarah tinha suas dúvidas, a primeira coisa que aprendera sobre poções com seu irmão fora de nunca, nunca, tentar provar ou cheirar uma poção desconhecida, mas Berenice não a poria em perigo, poria? Olhando para seu sorriso confiante, ela se decidiu: abriu o frasco e inalou cuidadosamente, mantendo-o a uma distância que julgou segura o suficiente.
- Bom… - ela pensava, em dúvida sobre a sensação que sentira. – É estranho, isso é para ser algum tipo de perfume?
- Por que? – Berenice perguntou, olhos faiscando de curiosidade.
- Ah, pareceu que era dama-da-noite, você sabe como adoro essa flor. Mas, depois, veio uma coisa a mais, como terra molhada na mata depois da chuva e…
- Sim?
Sarah olhou para sua irmã, por um momento, confusa. Era mais que um cheiro, agradável, mas estranho. Era uma sensação também. E uma imagem, pulando em sua mente de algum lugar muito remoto. Ela olhou para a própria mão, apenas como se ela tivesse de executar algum gesto estranho ao seu controle.
- Sarah, você está bem? – Sirius perguntou, interferindo na conversa das irmãs pela primeira vez.
Ouvira calado o relato de Berenice de como descobrira sua magia tardiamente, culpa de algum sangue ameríndio pelo visto, e de seu casamento com um bruxo, coisa que surpreendera muitíssimo a Sarah, saber que o cunhado era bruxo e ela nem desconfiara.
Reconhecera imediatamente a poção “amortência” e queria mais do que tudo ver a reação de Sarah, mas começava a achar que a brincadeira fora longe demais…
Sarah olhou para ele, mais confusa ainda…
- Você… estava lá.
- Onde? – ele se inquietou um pouco mais. Ela lembrara de algo, ele tinha certeza.
Mas Sarah balançou a cabeça vivamente, sorrindo para a irmã.
- Acho melhor você revisar sua fórmula. Por um momento, tive a sensação de estar… coçando as orelhas de um grande cão.
- Verdade? – Berenice deu um pulinho e um grito animado – Você sentiu “mesmo” isso?
- Claro, até senti o cheiro de seu pelo! Acredite, ninguém vai querer um perfume que cheira como cachorro… A menos que você esteja se especializando em poções veterinárias.
A risada de Sirius (aquela que lembrava ligeiramente um latido) assustou a ambas, que agora o fitavam perplexas.
- Seu amigo é louco? – Berenice perguntou, após alguns segundos.
- Já disseram algo parecido, afinal, ele fugiu de Azkaban, não foi mesmo?
- Azkaban? – Berenice se sobressaltou. Sabia muito bem o que era Azkaban: a pior prisão bruxa do mundo inteiro, que já fora inexpugnável, guardada por horríveis criaturas – Você fugiu de Azkaban? Quando? E por que?
- Calma, Berê. Ele era inocente, foi preso injustamente e só conseguiu fugir depois de… doze anos? – ela olhou para Sirius, à espera de sua confirmação, mas ele estava surpreso demais que ela se lembrasse de tanta coisa sobre ele e ainda assim não se lembrasse do “mais importante”…
- Mas ainda estou curiosa. Como você fugiu? – Berenice estava mais tranqüila, mas não menos curiosa. Afinal, era casada com um Auror! Tinha que saber essas coisas!
- Eu… tenho uma habilidade especial, que me permitiu resistir à ação dos dementadores e, finalmente, fugir. – Sirius ainda estava incerto sobre o que dizer. Por mais que desejasse que Sarah se lembrasse de tudo, a advertência de Snape ainda soava forte em sua mente: “vá com calma!”
- Habilidade especial? Algo como animagia? – Berenice sorriu do espanto de ambos – O Hamilton é um animago, por isso estou perguntando. Ajuda muito no seu trabalho, quando tem que entrar na mata.
- Em que ele trabalha? – Sirius perguntou, tentando desviar o assunto de si mesmo.
- Quando o conheci, pensei que ele era apenas um Bombeiro, como meu pai. Ele era Major, comandante de uma Unidade. Mas, depois que eu soube de tudo, quer dizer, que era um bruxo, ele me contou que é um Auror, especializado em criaturas mágicas. Chique, né? Um posto duplo, trouxa e mágico ao mesmo tempo. Por isso que ele chefia a Brigada do Lobo.
- Brigada do Lobo? Ele se transforma em um lobo, devo supor? – Sirius perguntou, ainda mais curioso. Essa família ficava cada vez mais interessante.
- “Accio” camiseta da Brigada! – Berenice exclamou, apontando a varinha para a área de serviço. De lá, logo veio uma camiseta vermelha, flutuando suavemente até chegar a suas mãos. Ela abriu a camiseta em frente ao corpo, mostrando o nome em grandes letras e uma foto no centro, de um pequeno animal que a Sirius pareceu muito pequeno para ser um lobo.
- Um lobo guará! – Sarah gritou, rindo enquanto pegava a camiseta em suas próprias mãos, acariciando a foto – Que fofo!
- Muito fofo mesmo, o meu maridão, não é?
- É… ele? – Sarah não conseguia acreditar – A forma animaga do seu marido é um lobo guará?
- Sim? Qual o problema? – Berenice fez cara de ofendida, mas seus olhos brilhavam de diversão.
- É que… - desta vez, Sarah parecia se divertir com algo desconhecido para os demais.
Ela fechou os olhos, um sorriso no rosto, tentando se lembrar de algo imensamente feliz. Imagens de seus filhos finalmente com ela, de seu Natal em família, e de alguém abraçando-a com imenso carinho, inundaram sua mente, enquanto ela erguia a própria varinha, exclamando:
- Expectro patronus!
Imediatamente, uma névoa prateada surgiu de sua varinha, adensando-se até corporificar um animal muito semelhante ao da foto, que correu pela cozinha como se explorasse seu território.
Depois de alguns minutos, ele se desfez, e Sarah olhava orgulhosa de uma cara espantada para outra.
- Logo um lobo guará? Não era você que tinha medo de lobos? – Berenice indagou, confusa.
- Eu sempre gostei deles, você sabe disso. Adorava procurar por eles quando íamos ao Caraça.(1) E não têm nada a ver com os lobos que eu… - ela se interrompeu, olhar perdido por um momento, e Berenice aproximou-se, tomando suas mãos.
- Desculpe, Sarah, não imaginava que você ainda pudesse ter aqueles pesadelos.
- Eu não tenho mais, é só… uma imagem confusa que veio. Mas tudo bem, deve ser porque me lembrei de Remus.
- Remus? Quem é Remus?
- Meu professor de feitiços. Ele é uma gracinha.
- Tonks sabe que você acha o marido dela uma gracinha? – Sirius perguntou, divertido.
- Ah, ela tem esse mau hábito. Quero ver quando acharem o marido dela uma gracinha…
- Hahaha… - Sarah retrucou rolando os olhos. – Mas eu já perdi meu medo por lobos, maninha. Bem, pelo menos o medo irracional. Sei que são perigosos, principalmente os lobisomens, por mais que eu ame Remus, não ficaria perto dele numa lua cheia…
- Este Remus é um lobisomem? – Berenice arregalou os olhos – E você diz isso nessa calma? Minha-nossa-senhora-da-abadia!
- Não é por ser um lobisomem que ele deixa de ser uma pessoa incrível, e além do mais, há anos que ele nem se transforma totalmente, já que tem sua poção garantida…
- Poção? Você quer dizer, a poção “mata-cão”? Como ele a consegue? É muito raro achar um mestre de poções que a faça, por isso que… - Berenice dizia, mas Sarah a interrompeu.
- Meu irmão que a faz. Desde que ele voltou para casa, Remus não fica mais sem a poção. Remus me contou que foi realmente difícil consegui-la, enquanto Severus esteve longe e…
- Severus? Quem é Severus? – Berenice interrompeu a irmã por sua vez.
- Meu irmão, “uai”. Esqueceu dele? Estava conosco no sábado, mas viajou com os garotos para o…
- “Peraí”! Você está falando do John? – Berenice estava novamente de pé.
- Sim, claro. O John, mas o nome dele é Severus. Severus Snape.
- “Cê tá” brincando…
- Claro que não. Meu irmão é Severus Snape, Mestre em Poções. É professor em Hogwarts, inclusive.
- Ah, não! Não acredito! Esse tempo todo eu aquí louca para conseguir falar com esse homem, e você, você… é irmã dele?
- Não entendi. Qual o problema?
- Onde esse seu irmão está agora, pode me dizer?
- Claro. Agora que sei que você é bruxa, não há porque não dizer a verdade. Ele está no Centro Rio Negro, participando de um workshop… - Sarah arregalou os olhos - Era desse workshop que você estava falando?
- Era sim. – Berenice confirmou com um sorriso. – Eu quase fui, mas foi preciso mandar alguém da Brigada já mais familiarizado com a poção. Ele fará um treinamento específico e está prevista a fabricação de um bom lote da poção, porque vamos precisar muito dela na próxima lua cheia.
- Por que? – Sirius e Sarah perguntaram ao mesmo tempo.
- Como se não bastasse o trabalho que temos nessa época, com a quaresma… Há um acúmulo desordenado de energias mágicas que afeta aos lobisomens e outras criaturas nessa época. Eles ficam mais violentos, por isso a Brigada trabalha intensamente em torno deles. Mas nunca conseguiram poção suficiente ou de boa qualidade. Por isso o Professor Paulo se empenhou tanto neste workshop, o Professor Snape é um dos, se não o maior especialista nesta poção. E com a lua do equinócio, este ano, vai ser muito mais difícil.
- Lua do equinócio?
- Sim. A próxima lua cheia será exatamente na noite do equinócio de outono. Já seria normalmente a mais forte do ano, mas, caindo na noite exata… imagine só!
- Eu não sabia desse problema sobre a… quaresma? – Sirius inquiriu, curioso.
- O período de 40 dias entre o carnaval e a semana santa… Desculpe, você não veio de um país católico… Acho que esse fator não ocorre lá. Há algumas práticas… de alguns séculos, que complicaram o “meio de campo” por aqui, e hoje, acredite, esse período é um verdadeiro sufoco! Só depois da Páscoa que os Aurores descansam.
- Interessante… Mas então, os meninos vão gostar mais ainda de ter ido com Severus. Vai ser uma experiência e tanto.
- Meninos? Ah, seu sobrinho e os outros dois, né? Aquelas gracinahs que eu vi outro dia. Tenho certeza de que vão gostar do Centro. E vão fazer novos amigos por lá, com certeza. Aliás… acho que você ficará surpresa com os amigos que eles farão…
Berenice não disse mais nada, deixando Sarah no ar com aquela declaração. Foi logo tratar do lanche, que Leo já tinha vindo de novo para a cozinha dizendo que estava com fome.
***
Os dias seguintes foram muito mais divertidos que os anteriores. Agora que Berenice revelara aos irmãos adotivos que era uma bruxa, e ficara sabendo que Susan também o era, foi mais fácil passearem pela cidade, só que agora visitando os locais bruxos, que Sarah não conhecera ainda e por isso não lhes mostrara.
A primeira surpresa fora a resposta que ela dera, quando Sirius perguntou pela forte emanação de magia vinda da montanha do outro lado da rua.(2)
- Ah, é porque do outro lado tem uma reserva mágica. Apesar das mineradoras estarem acabando com a montanha… ainda conseguimos salvar a parte mágica.
Sarah olhara para o majestoso paredão de minério de ferro à sua frente, que sempre a impressionara, agora com um outro olhar e um sentimento estranho. Será que sempre sentira essa aura mágica, por isso se sentia tão pequena diante daquela serra?
Para espanto de Sarah, Berenice os levou para conhecer a parte mágica do Mercado Central. (3)
- Lembra daquela porta que só você via, quando éramos criança? Assim que o Hamilton me trouxe aqui, lembrei de você apontando para onde todo mundo via apenas uma pintura, dizendo que era uma porta sim, e que você tinha visto uma coruja espiando de lá.
Maravilhada pela descoberta, Sarah atravessara pela primeira vez o que sempre povoara sua imaginação infantil: a passagem para um mundo mágico, bem ali à vista de todos, mas invisível mesmo assim. Claro, o velhinho sentado em um banquinho bem ao lado, que aprecia apenas concentrado em esculpir um pedaço de madeira, era na verdade um guardião da porta mágica. Assim como Tom no Caldeirão Furado. E ao passar pela porta, Sarah se deparara com uma profusão de novas cores, ainda mais incrível que o Mercado “normal”… bancas de ingredientes para poções, lojas de animais mágicos de estimação, livros mágicos, varinhas, objetos curiosos que enchiam o lugar de zumbidos, e piados e cheiros… As crianças pulavam de lá para cá, tão maravilhadas quanto a mãe.
Sarah apaixonou-se por um lindo gavião que a espiava com seus olhinhos astutos. Ele tinha quase setenta centímetros e uma coloração cinzenta quase uniforme, as pontas das asas mais escuras e o peito mais claro, e um pequeno topete no alto da nuca. Seu rabo curto e curvo possuía uma faixa branca transversal e o bico tinha base alaranjada. Seus dedos curtos possuíam grandes garras, o que lhe dava uma aparência mais ameaçadora.(4)
- Gostou de nossa “águia-de-topete”, Senhora? – um homem perguntava, gentil. – Apesar da aparência, é muito bem treinada e uma excelente mensageira.
- Ela suporta vôos a grande distãncia? E poderia se ambientar na Inglaterra ou Escócia?
- Creio que sim, já que veio do sul do país, onde o clima é mais frio. Vem de um criadouro autorizado pelo Ministério e controlado pelas “entidades sanitárias e ambientalistas”, mas creio que só teremos um pouco mais de papelada para preencher e, claro, a certificação de que não se trata de comércio de espécimes raros para o exterior. Eles são muito cuidadosos a este respeito, pelo menos nós bruxos não contribuímos para o contrabando de reservas biológicas.
Berenice balançava a cabeça, concordando com a argumentação do vendedor, e continuou a lhe fazer perguntas sobre as questões jurídicas, enquanto Sarah acariciava a cabeça do animal.
Parecia paixão a primeira vista. E Sarah continuava cada vez mais tentada a comprá-la. Já imaginava o grande gavião sobrevoando as mesas de Hogwarts e chegando até Severus…
- Ela convive bem com corujas? Não teria conflitos por território ou comida?
- Ah, com certeza. Os animais mágicos se reconhecem e convivem bem quando exercendo funções semelhantes. Ela não teria problema algum… Mas como a Senhora sabe que é uma fêmea?
- Intuição, talvez. Ela é muito bonita. Uma bela ave.
- Bella. – Berenice sussurrou e Sirius, ao seu lado, pulou involuntariamente.
- O que você disse?
- Ah, seria o nome ideal, não é, Sarah? – Berenice sorria para irmã, sem entender a reação do homem ao seu lado.
Sarah tocou no braço de Sirius, sorrindo-lhe de forma tranqüilizadora, e perguntou:
- Você teria problemas com isso? O nome combina, mas sei que traria más lembranças a você.
- Somente a mim? – Sirius a fitava com a cabeça ligeiramente inclinada – Imagine Snape, recebendo mensagens através de um animal com o nome de uma de suas… “colegas”…
- É, tem razão. Mas pode ser engraçado. Mas a Mel não tem um gavião chamado “Dumbledore”? – ela se lembrava de Ana contando sobre a harpia que seus primos haviam comprado. – Porque o meu não pode se chamar “Bella”? A menos que você tenha outra sugestão…
- Na verdade, eu tenho… - e ele sussurrou um nome em sua orelha, fazendo-a rir, em parte para disfarçar a sensação de formigamento na espinha…
- Minha nossa, esse também faria um estrago… - ela comentou, sorrindo e balançando a cabeça.
Daí a pouco, eles deixavam o lugar com a grande gaiola do animal – que acabou por receber mesmo o nome sugestivo de “Bella” - e mais uma porção de outras compras. Sarah se preocupou em sair do Mercado com um animal tão incomum como aquele, mas Berenice a tranqüilizou: poderiam sair pela lanchonete bruxa, e de lá pegar uma lareira para casa, sem que ninguém do lado trouxa do mercado percebesse o que estava acontecendo.
- Os bruxos daqui se misturam bem com o ambiente, você só nota coisas muito estranhas no inverno. Claro, todo mundo acaba colocando para fora algum casaco estranho, alguma veste bruxa mais extravagante, mas fora isso, e o rigoroso controle sobre para quem você pode dizer que é bruxo, a convivência é tranqüila e desapercebida. – Berenice explicava, mais tarde, enquanto lanchavam em casa. Ela então fitou seus dois irmãos adotivos com um gesto de quem pede desculpas – Por isso que eu não lhes disse nada, estamos proibidos de revelar que somos bruxos, a não ser para parentes “de sangue”. Ridículo, eu sei, mas eles são muito paranóicos. Parece que alguns conflitos pela Independência e pela Abolição também tiveram interferência bruxa e muitos de seus participantes foram perseguidos, deixando-os temerosos de se revelarem. Como vocês estão agora vivendo na Inglaterra, e nosso Ministério não reconheceu seu estatuto de “Laurents adotados”, não tivemos alternativa.
Sarah reparou que ela falava no plural, mas não se preocupou. Afinal, ela falava do marido também, que era um bruxo. Só não entendia como o Ministério podia ser tão rigoroso, se os bruxos conviviam de forma direta com os não-bruxos…
- Ah, mas você esqueceu de que temos sempre os puros-sangues cheios de arrogância e ares de grandeza? Pensa que só na Inglaterra tem essas figuras? Pode acreditar, eles são todos uns frescos de nariz empinado, vivendo em seus condomínios fechados cheios de feitiços de desilusão e medidas de afastamento!
André e Susan se envolveram na discussão das questões de política com Berenice e seu marido, um homem negro e forte de sorriso largo que chegara esta tarde de uma excursão no interior e que lembrara a Sarah seu pai adotivo.
Sarah se afastou do grupo para colocar seus filhos adormecidos na cama, e depois foi direto para a varanda, de onde ficou contemplando as estrelas, acima da faixa escura que era a montanha.
- Posso lhe fazer companhia? – Sirius Black perguntou suavemente, com medo de assustá-la, mas Sarah apenas sorriu. Já tinha percebido sua aproximação, não se assustou, pelo contrário. Esperava por ele.
Ele sentou-se na cadeira de grandes braços de palha trançada, ao seu lado, e ficou em silêncio, apenas aproveitando o fato de estar perto dela. Até que ela falou:
- Outro dia, na cozinha, quando cheirei aquela poção…
- Sim? – seu coração faltou uma batida. Será que ela percebera que poção era, afinal?
- Eu tive um vislumbre de uma casa, uma família… a família de Daniel Thompson. Lembro de tê-lo visitado, mas não me lembrava de ter um acompanhante. Você foi até lá comigo, não foi?
- Nós nos encontramos no caminho e sim, eu a acompanhei.
- Por quê?
Sirius pensou um pouco, e decidiu-se pela verdade.
- Porque eu queria… estar perto de você.
A frase fez alguma coisa clicar na mente de Sarah. E ela viu-o mais uma vez, à sua frente no escritório:
“- Bom dia, Sra Black. Pelo menos por hoje”
- Você… nós… - ela parecia incerta – Nós saímos juntos outra vez, não foi? Uma missão com Remus.
- Você se lembra? – Sirius não conseguiu esconder a expectativa.
- Sim… Um pouco. – Sarah observava-o pelo canto do olho, com medo de fitá-lo, ao fazer a próxima pergunta, que estava queimando sua mente. – Por que você veio para o Brasil? Quero a verdade, não essa mentira esfarrapada de intercâmbio de português que você e o André inventaram.
Sirius sorriu. Às favas com os conselhos de Snape, ele ia jogar tudo agora.
- Vim porque… não conseguia mais ficar longe de você. Eu arrisquei tudo, mesmo sabendo que você não se lembraria…
- De que estávamos juntos? É isso? Somos… éramos namorados ou alguma coisa assim?
- Alguma coisa assim… - Ele sorriu, sedutor, divertido com sua vacilante escolha de palavras.
O silêncio que se seguiu foi estranho, a tensão quase tão visível e palpável como a montanha lá fora.
- Ana me disse que eu precisava voltar, para me recuperar do acidente, que nem mesmo sei direito o que foi. Mas eu não senti nenhuma mudança, até o dia em que você chegou. Então me lembrei dela falando sobre eu ser protegida pelo 13º Gigante…É você, não é?
- Creio que sim – Sirius lembrou-se das conversas a respeito, na sede da Ordem, e das suposições de Ana sobre os Gêmeos Snape e sobre ele próprio.
- Eu tenho sentido que… eu e você… temos alguma cosia muito forte, mas não sei explicar. Isso me deixa confusa, e ao mesmo tempo… forte. Esquisito, não é? Eu senti algo semelhante quando encontrei Severus, e isso quase me confundiu na época, essa sensação de encontrar o que faltava. Era engraçado, mas… era diferente. Quer dizer, é diferente, agora, com você. Eu e ele estamos ligados pelo sangue e pela mente, isso é muito forte, a ponto de eu conseguir ouvi-lo agora, se quiser. A nossa “luz roxa”. – ela sorriu.
- E quanto a mim? – Sirius perguntou, temendo e desejando a resposta ao mesmo tempo.
- Eu sinto que… sem você, eu só estou pela metade. Que é impossível respirar, se você não estiver perto. Mas isso assusta um pouco, porque não me lembro direito do que vivemos antes. Só esses… flashes…
- Eles serão o bastante se… - Sirius chegou perto dela, agachando-se à sua frente e tomando as suas mãos, sorrindo ao notar o leve tremor.
- Se o que? – Ela perguntou.
- Se você me der uma chance de mostrar que pode dar certo. Que podemos ser felizes juntos. Porque eu também só me sinto inteiro quando estou perto de você.
- Isso é um pedido de namoro, Sr. Sirius Black? – ela sorria, um ar brincalhão em seu olhar.
- Bem… não sei se tenho a idade certa para isso, mas… sim. – Sirius tentou imaginar que era novamente um aluno em Hogwarts e Sarah estava lá, com ele, num passeio de sábado a Hogsmeade. - Sarah, quer namorar comigo?
- Claro que sim. Você acha que sou boba de deixar escapar o garoto mais bonito da escola? – ela parecia ter captado seu pensamento e resolvido entrar na brincadeira.
Ambos riram, por alguns minutos, divertindo-se com sua brincadeira de “volta no tempo”, mas seus olhares se encontraram e o tempo pareceu parar, até que…
***
- Hei, vocês dois não… - A voz de Berenice morreu e ela levou a mão à boca para evitar qualquer outro som. A cena à sua frente era tão doce! E ela tinha esperado tanto para ver algo assim! Sua irmã, nos braços de alguém que a beijava como se a vida dependesse disso. E dependia, com certeza.
Sem fazer um único barulhinho, ela voltou para a sala. Ante o ar interrogativo de seu marido, ela sorriu para seu irmão mais novo, fazendo um sinal com o polegar.
André pulou, quase gritando, mas ela o parou, com um gesto.
- Vamos deixar o casal sozinho. Acho que eles têm esperado por isso há mais tempo do que podem admitir.
- Você nem imagina o quanto está certa, maninha! – André retrucou.
- Que tal você me contar essa história… lá na cozinha, enquanto tomamos um café quentinho?
Os dois casais deixaram a sala sorridentes, enquanto Sirius e Sarah permaneciam na varanda, completamente desatentos a isso.
Claro, eles tinham algo mais importante para fazer, não é mesmo?
Então… vamos sair de fininho…
========
(1) – Parque do Caraça. Gente, lá é lindo. E os lobos vêm comer na mão da gente, à noite, tão familiarizados com o homem que não sentem o perigo… não é à toa que estejam sob risco de extinção.
(2) – Serra do Curral, a divisa ao sul de Belo Horizonte, cujo contorno já foi irremediavelmente destruído pela ação das mineradoras de ferro. Mesmo tão dilapidada, ainda é imponente e linda, como se nos desafiasse a derrubá-la de vez. Há um boato de que o lago artificial formado pela água residual das escavações um dia vai romper a montanha e inundar a cidade…
(3) – Quem mora em BH já conhece o Mercado (o “Velho”) e sabe a aura mágica que ele tem. Parece uma Medina em miniatura e tem de tudo mesmo. A porta que eu imaginei fica exatamente entre uma loja de artigos para animais e uma de artesanato, logo na subida da rampa à esquerda, pela entrada da Padre Belchior com Santa Catarina.
(4) - Águia cinzenta, águia coroada ou águia-de-topete. (Harpyhaliaetus coronatus). Família: Accipitridae. É uma das maiores espécie de falconídeos do Brasil, medindo até 70 cm de comprimento e envergadura de cerca de 1,50cm. É o novo bicho de estimação da família Snape. E se vocês ficaram curiosos sobre o nome que o Sirius sugeriu… vão ter que esperar um pouquinho mais para descobrir, talvez… até a próxima reunião da Ordem.
(em tempo 1) quem leu os capítulos anteriores e está acompanhando o Segredo de Corvinalda Belzinha, sabe o que é o 13º Gigante, né?
(em tempo 2) esqueci de sinalizar e, relendo para conferir, vi que faltava uma informação importante: o Equinócio de Outono, o dia em que o sol se alinha com o Equador, tornando dia e noite divididos em doze horas exatas. No hemisfério Norte, equinócio de primavera, claro, razão pela qual é o marco para a definição da Páscoa, que deve ser no primeiro domingo após a primeira lua cheia depois do equinócio. É assim que temos nossos dois mais longos feriados demarcados: Carnaval e Semana Santa. Este ano, 2008, a Lua Cheia ocoreu na noite exata do equinócio, perfeitamente alinhada com o Sol e a Terra no espaço... e eu adorei usar isso. (descobri isso vendo um programa francês: "Espaçonave Terra", na TV Escola...)
===========
Bem, que tal esse começo de "namoro"? só pra vocês não reclamarem que eu sou muito malvada, fazendo Almofadinhas sofrer...
Mas ainda tem coisa pela frente: mais segredos e revelações, uma praia, um sarongue e um cão...
Aguardem! Talvez menos do que esperam, porque novas circunstâncias estão agindo para me forçar a escrever mais depressa... hihi (notícias boas, claro)
A todos que comentaram: eu li tudo, gente, e agradeço o carinho e o fato de continuarem lendo. como meu tempo no momento tá escasso, não vou responder a cada um, ok? beijos.
P.S. dos p.s.: Alterei o nome do marido da Berenice, de "Sérgio" para "Hamilton". Desculpem pela mudança depois de postar, mas no próximo capítulo eu explico a razão, ok?
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!