O rapaz;



O Cervo e Sua Menina – Segunda parte


Ao chegar em casa, a menina deixou os chinelos na sala e correu para seu quarto, fechando a porta com barulho. Ligou o ventilador, procurando sentir a brisa leve que sentira na clareira...

Depositou a flor lentamente sobre a escrivaninha de madeira de seu quarto, na casa onde passava as férias; a casa que ficava praticamente ao lado da clareira mágica. Olhou para a flor por um momento, encarando sua perfeição natural, longe de qualquer toque humano.

Segurando a maçã que rapidamente tirara da cozinha ao ignorar o chamado para o almoço, a menina sentou-se na cama, o corpo encostado na parede e as pernas esticadas.

Mordeu a maçã, que era tirada da clareira; imediatamente a mesma sensação de magia que a clareira proporcionava percorreu seu corpo, fazendo outro sorriso brotar no canto dos lábios da ruiva. E essa sensação continuou até que terminara de comer a maçã...

Jogou-a no lixo de seu quarto e deitou-se na cama, cansada. Fechou os olhos, esticou o corpo sobre o lençol gelado pelo vento e cochilou, sonhando com a mesma clareira e o misterioso cervo.




Acordou apenas duas horas depois, ao sentir um arrepio percorrer seu corpo. Levantou-se, esfregando os olhos, e olhou para a escrivaninha – a flor não estava mais lá.

Olhou espantada para a superfície de madeira. Procurou pelo chão, na cama, atrás da escrivaninha... Não, a flor não estava lá. E a moça queria tê-la de volta ou pelo menos ter outra, uma lembrança da maravilhosa clareira...

Saiu correndo de seu quarto, parando apenas para calçar os chinelos. Correu rapidamente até a trilha, por onde passou sem notar onde seus pés pisavam, de modo que ela ficou cheia de arranhões... Mas ela seguiu corajosamente, parando apenas ao ver que o lago não estava mais vazio.

Um rapaz – de cabelos negros e despenteados – cantarolava levemente, um som que era tão puro quanto o cantar dos pássaros. A menina se aproximou, inebriada novamente pelo som, pelo cheiro das flores, pela brisa...

A distância era pequena. Enquanto ela olhava o rapaz sentado á margem, com os pés mergulhados na água, notou que era uma voz tão bela quanto a dos pássaros. E ficou parada, em silêncio, escutando a canção.

Mas ele parou de cantar. Lentamente, virou a cabeça e olhou profundamente para a ruiva que tinha seus cabelos balançados pela brisa.

Um choque estranho perpassou o corpo dela quando encarou os olhos do rapaz, os mesmos olhos do cervo... Castanho, mais intenso que avelã, com uma pigmentação cinza tão forte que parecia de mentira. Meneou a cabeça num cumprimento mudo e encarou o rapaz na mesma intensidade que ele, os lábios entreabertos numa muda tentativa de fala.

Ela viu então que a flor – a sua flor - brincava por entre os dedos do rapaz, enquanto ele encarava a moça. Sua pele era tão clara quanto a dela, e suas bochechas já estavam completamente rosadas – uma prova, talvez, de que ele estivera ali por muito tempo.

Não foi precisa palavra alguma. Ela sentou-se ao lado dele, não rompendo o contato visual, sentido o vento bater em sua delicada face. Tirou os chinelos e mergulhou os pés ao lado dos dele, abaixando a cabeça.

Novamente a sensação de que as flores invadiam-lhe o pulmão tomou conta da moça, que agora encarava os pés, corada. O tilintar da água parecia mais forte, mais intenso – mas ainda assim a água tinha um brilho anormal sob a luz do sol quente da tarde.

Depois do que pareceram vários minutos, ela voltou a olhar para o rapaz. Ele tinha um tênue sorriso no canto dos lábios vermelhos e cheios, e uma expressão bondosa brincava em seu rosto. A flor passeava por entre seus dedos enquanto ele mexia nela, encarando a menina.

E ficaram assim por longos segundos. Ela encarando os olhos magníficos do menino, e ele apenas retribuindo o olhar numa expressão calma e paciente. Ele sorria, de leve por fora, e abertamente por dentro.

Nenhum dos dois soube dizer quanto tempo eles ficaram ali, apenas se olhando. O vento misturado ao perfume das flores trazia uma calma e uma paz inenarráveis...

Ela desviou o olhar e mirou a flor. Percebendo o olhar, o rapaz desfez o sorriso e a encarou com a mesma expressão que o cervo usara. Estranho? Um pouco, talvez, mas naquela clareira nada era estranho. Não havia mistério, e eles sabiam disso.

A moça olhou então para a grama, que dançava ao som do vento batendo em árvores e folhas. Mas, num gesto repentino, ele tocou seu rosto, e a menina teve a mesma sensação de quando tocou o cervo – a sensação de que era algo macio e duro ao mesmo tempo em que tocava seu rosto e o virava delicadamente, fazendo o contato visual voltar.

Com a outra mão, ele levantou a flor e, como se o gesto estivesse em câmera lenta, depositou-a lentamente sobre uma coxa da menina, olhando para seus incríveis olhos verdes.

Ela segurou a mão dele, e teve certeza de que era a mesma sensação de tocar o cervo. Mas não disse nada. Enquanto ele tocava seu rosto com as pontas dos dedos, ela segurava a mão dele com sua pequena mão.

Aproximou-se, involuntariamente, quando uma brisa mais forte desequilibrou-a. O rapaz ficou parado, apenas observando lentamente o rosto branco e corado da bela moça. Então, de repente, levantou-se.

A menina não teve reação. Por mais que soubesse – e tinha certeza – que aquele era um momento mágico, sabia que uma hora chegaria ao fim. Não o fim de tudo, talvez, mas o fim daquele momento. O rapaz, ainda segurando sua mão, depositou um beijo na pele branca e saiu andando pela trilha, desaparecendo quando estava distante demais.

Ela levou a mão ao rosto, sem saber o motivo. Olhou para o local onde o rapaz tinha encostado seus lábios – não pôde deixar de sorrir ao lembrar a expressão daqueles maravilhosos olhos.

A rosa, depositada em sua coxa, logo foi recolhida pela pequena mão da moça. Brincou entre seus dedos, como o rapaz fizera, e seu sorriso se alargou pela segunda ou terceira vez naquela manhã – estava tão feliz que perdera a conta dos sorrisos verdadeiros que dera. O toque macio das pétalas acariciava sua mão delicada como algodão, a mesma mão que o rapaz beijara. E este gesto iria se repetir diversas vezes... Bom, isto fica para depois.

Levantou-se, espreguiçando-se novamente. Fechou os olhos, quando um leve vento balançou seus cabelos acaju e levou-lhes ao rosto, fazendo a moça dar uma leve risada de alegria e virar-se em direção a trilha.

Abriu os olhos, feliz, e caminhou de volta para casa, com a rosa entre os dedos e um sorriso nos lábios.




Era a noite, e a menina dormia, apenas com o barulho de ventilador em seu quarto. Tinha um misterioso sorriso nos lábios e uma expressão de felicidade...

A rosa vermelha estava colocada cuidadosamente sobre a escrivaninha, com suas pétalas dançando levemente pelo vento. O doce perfume que emanava dela estava impregnado no quarto, no ambiente, na moça – suas roupas nunca lhe pareceram tão leves, macias e perfumadas, desde que a rosa ficou no quarto.

Então, de sobressalto, ela se sentou na cama, mexendo nos curtos cabelos. Olhou sorridente para a rosa e quase imediatamente levou a mão a seu rosto, acariciando de leve o local onde o rapaz tocara com sua mão que tinha o mesmo toque do cervo.

A luz da lua enchia o quarto, deixando-o praticamente claro, como se alguma luz estivesse ligada. A grande janela, aberta, mostrava a madrugada imponente que era aquela... Ah, se era. A lua brilhava em conjunto com as estrelas, imponente e bela no meio do vasto céu anil.

Debruçou-se então no parapeito da janela, com um sorriso, apreciando a brisa natural que tocava seu rosto.

Então, por um momento, ela viu o contorno de um majestoso cervo no meio das árvores. Era meio incerto dizer se era verdade ou não, pois a floresta estava escura, mas ao mirar os dois olhos mais lindos que ela já vira, de um castanho acinzentado impecável, ela teve certeza de que voltaria a encontrar o dono daquele par de olhos. E não era só um dono.

...Está na simplicidade das coisas.

Fim.


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OBRIGADA aos comentários, eu amo vocês! ;*

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