Problemas



Capítulo 3. Problemas

Eram seis horas da manhã quando Bellatrix foi despertada pelo barulho ensurdecedor da locomotiva passando bem debaixo da janela de seu quarto.

Ela levantou murmurando xingamentos e esfregou os olhos sonolenta. Ouviu os passos dos moradores que ocupavam os andares de baixo e o barulho dos sinos de uma igreja distante e desistiu de voltar a dormir.

Para quem tinha passado a vida inteira num confortável solar na Escócia, aquele sótão minúsculo que ocupava há pouco mais de um mês estava muito longe de merecer o nome de apartamento. Alguns passos com suas longas pernas eram o suficiente para fazê-la trombar contra móveis e paredes. Havia apenas uma pequena sala, um banheiro, um quarto nada arejado e uma cozinha escura. Os móveis se resumiam a uma cama, um armário, um par de cadeiras na cozinha, uma grande mesa circular que ocupava completamente a sala e algumas prateleiras espalhadas por todos os lugares, todas atulhadas de livros e papéis.

Mas o fato realmente desconcertante era que Rodolfo Lestrange, em contrapartida, fora acomodado numa ampla casa no centro da capital romena, usando a identidade de Lucas Berghner, professor bruxo especialista em orientação vocacional. Ao saber disso, ela entendeu muito bem o sorriso de Snape ao lhe entregar aquela chave.

Bellatrix escovou os dentes, lavou o rosto e penteou os cabelos, agora transfigurados em loiros muito curtos. Seu rosto também estava diferente - mais gordo - e sua pele um pouco menos lustrosa para lhe dar uma aparência mais velha. Mas os olhos negros continuavam os mesmos de quando tinha dezesseis anos e começara a abraçar a causa Comensal.

Ela lembrava vivamente das modificações que aquilo trouxera para sua vida. Quanto mais estudava os clássicos da teoria purificadora e se integrava ao grupo dos comensais mais antigos, mais firme se tornava sua decisão de recusar o casamento combinado com um primo e deixar a família. A escória que era admitida ano após ano em Hogwarts, as discussões com os pais e a própria convivência familiar começavam a ficar insuportáveis.

Então, na metade final de julho de 1977, ela resolveu tomar uma atitude. Há meses vinha insistindo com seus superiores e escrevendo ao próprio Lord Voldemort para que lhe fosse dada uma função ativa no movimento. Foi na festa de formatura que Lestrange a puxara para um canto e anunciara que ela fora designada para trabalhar no aliciamento de jovens militantes dali em diante. Ele próprio não parecia muito certo do que dizia, perguntando várias vezes se os pais dela permitiriam que ela viajasse pelo país pregando a teoria purificadora. Bellatrix se lembrava de ter se enfurecido com o rapaz e dito com firmeza:

— Estarei pronta para agir assim que mandarem!

Só depois de ter em mãos o bilhete do trem que a levaria à casa alugada para ela em Hogsmeade e arrumado suas roupas na valise de fundo extensível é que a jovem informou aos pais que estava saindo de casa naquela noite. Foi um jantar silencioso, do qual seu pai não quis participar. Era a única filha que continuava em casa - suas irmãs mais velhas, Andrômeda e Narcisa, já estavam casadas.

Bellatrix se esforçou para partir sem brigar com Edwina Black. O beijo de despedida que a mãe lhe deu à porta da casa antes da partida lhe dizia que, no fundo, ela teria feito a mesma coisa.

Bellatrix se tornou responsável pela propaganda Comensal para a juventude inglesa. Passava o dia em reuniões, passeatas e missões a escolas de magia. À noite, intermináveis assembléias nos subterrâneos da mansão dos Malfoy.

Ela começou também a organizar reuniões de jovens nos fundos de um bar na Travessa do Tranco. O mesmo bar que, durante o dia, servia de ponto de encontro para Comensais experientes e bruxos das trevas de toda laia, à noite virava sede para o que Bellatrix gostava de chamar de Juventude Comensal. Como a maioria dos jovens que comparecia às reuniões mal tinha idade para beber, o dono do bar, Edghar Munch, apenas indicava com o dedão o caminho para a pequena sala nos fundos.

A mesma sala também era transformada, duas vezes por semana, à tarde, em sala de aula onde Bellatrix e outros Comensais experientes ensinavam rudimentos da teoria purificadora aos aspirantes a Comensais da Morte. Naquela sala abafada e sem uma única janela, se conseguia o prodígio de realizar até cinco reuniões simultâneas tratando de temas diferentes, e Bellatrix não contava as vezes em que havia sido ríspida ao pedir que alguém fosse conversar amenidades em outro lugar para não atrapalhar o bom andamento dos trabalhos.

Trabalhos que, por sinal, pareciam não ter fim: eram panfletagens, passeatas em pequenas cidades majoritariamente bruxas e protestos em órgãos do Ministério contra as discussões que agora se arquitetavam em torno de um Instituto de Proteção aos Trouxas. Era preciso estar sempre inventando meios de burlar os aurores e evitar que a repressão fosse muito dura. A atividade dos jovens que se manifestavam a favor da purificação crescia exponencialmente.

O tempo exigido para uma vida tão ativa tinha que ser tirado de alguma coisa. E, às vezes, mesmo tendo um Vira-Tempo ilegal à sua disposição para usar quando necessário, Bellatrix aparecia para as reuniões de cúpula aparentando não dormir há dias. A atividade política, somada à paixão pela militância, reduzia a poucas horas seu tempo de folga que, geralmente, acabava sendo gasto em trabalho ou relendo aquelas longas cartas que Voldemort lhe escrevia desde que entrara para o Movimento Comensal.

Em maio de 1977, o Movimento reconheceu formalmente o sucesso do trabalho de Bellatrix e resolveu promovê-la para o que chamavam de "serviço secreto". Como agente júnior, ela se juntou a um grupo que trabalhava com contra-espionagem. Foi assim que descobriu que alguns bruxos estavam organizando uma entidade de oposição aos Comensais. Dumbledore os chamava de Ordem da Fênix. Pouco mais se sabia sobre eles além disso. Seus membros eram desconhecidos, bem como seus métodos de atividade.

Bellatrix foi mandada, junto com Lestrange e Lúcio Malfoy, para procurar um certo professor de feitiços que estava interferindo na comunicação entre os Comensais através da tatuagem da Marca Negra.

Foi assim que descobriram as atividades de Ernest Brown. Tarde demais, entretanto. Ele fora preso quando aparecera no Ministério alegando ter importantes informações sobre os Comensais.

Mas a burocracia estava ao lado deles. Passaram-se quase dois meses antes que alguém se interessasse realmente em ouvir o que Brown tinha a dizer, ao invés de apenas acusá-lo de envolvimento com adeptos da purificação. Assim, Bellatrix tivera tempo suficiente para arquitetar sua primeira missão.

Tudo o que vivera depois de sair de casa, desde a militância com a Juventude Comensal até a invasão do Ministério, a levara a fugas intermináveis que só tinham acabado naquele fim de mundo atrasado da Europa. Só há pouco Bellatrix entendera o verdadeiro motivo de sua vinda à Romênia: tinha a ver com antigos objetos mágicos que Voldemort queria localizar.

Ficou longos minutos observando a cidade que aos poucos despertava pela janela acima da cama.

Foi quando ouviu uma batida na porta. Imaginando que era provavelmente Snape apressando-a para a reunião que teriam naquela manhã com Comensais romenos, ela não se apressou em vestir um robe sobre a camisola de cetim verde-claro, pensando em deixá-lo esperando por alguns minutos.

Entretanto, ao abrir a porta, Bellatrix concluiu que não poderia estar mais longe da verdade. Não era Snape quem estava lá, mas sim dois sujeitos enfiados em surradas vestes de viagem com o logo do Ministério da Magia romemo (um dragão vermelho de olhos dourados).

O mais alto exibiu-lhe um documento timbrado de aspecto oficial e perguntou:

— A senhora é Janice Weser?

— Sou sim — respondeu ela, atônita.

— Por ordem do chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia do Ministério romeno, a senhora está presa por tempo indeterminado enquanto sua deportação para o Reino Unido está em estudo. Queira nos acompanhar.

Na sala de depoimento para o qual a Chave de Portal (uma pasta de aspecto executivo) os transportou, Bellatrix teve a chance de ler o mandado de prisão preventiva. Prendiam-na por suspeita de "preparação de empreendimento altamente ameaçador à ordem pública", "tentativa de alteração pela violência de resoluções da Assembléia Internacional dos Bruxos" e "participação em associação clandestina e hostil aos princípios humanitários". Nada sobre uso de identidade falsa ou sobre a invasão ao Ministério da Magia inglês, ou mesmo sobre o assassinato de Ernest Brown.

Mas ela logo percebeu, pelas perguntas que os investigadores bruxos lhe fizeram, que o interesse deles estava na verdade em uma outra prisão efetuada naquela madrugada: Rodolfo Lestrange.

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