No que ela acredita
6. No que ela acredita
Draco tinha tantas páginas de texto para decorar em um espaço tão curto de tempo que adoraria ter se encontrado com Luna todos os dias, mas ele não podia. O tempo que lhe fora concedido de seu "trabalho voluntário" para estudar em casa seu papel era reduzido e, se isso significava ver menos a cara feia de Filch por semana, queria dizer, também, que haviam dias em que ele simplesmente não podia se ausentar de suas obrigações.
Contou à Luna no dia seguinte, quando ela lhe perguntou quando iriam se encontrar novamente ("já que, todos podem notar, é óbvio que você tem muitas lacunas a preencher em todos os atos, especialmente o último", dissera ela). Muito provavelmente, somente no final da semana. Ou na próxima. O escasso tempo de preparação era aos poucos devorado, mas não havia nada que ele pudesse fazer. Aparentemente, a vida da mãe de Filch dependia de que ele, Draco, arrumasse os arquivos em ordem alfabética e por data. Não que ele não preferisse que a mãe do zelador morresse, se fosse o caso...
Luna olhou para ele de uma maneira muito particular.
- Você quer ajuda, Draco?
- Claro! Quem sabe possamos me clonar, de modo que o Draco falso trabalhe por mim. Ou podemos apagar a memória de todo mundo e matar o idiota do Ewan Lacrimossa, e assim todos viveriam felizes. Ou, ainda, eu poderia ser atropelado por algum animal estranho que o Gigante cria em seu lar, assim, não poderia trabalhar. Seria de imensa ajuda, Lovegood, se pudesse fazer alguma destas coisas. Não a terceira, se puder evitar. - disse ele, sarcástico.
Luna deu um sorrisinho.
- Não, Draco. Eu quis dizer, ajuda com o serviço. Minha ajuda. Você sabe, eu poderia... ir lá com você, e te dar uma mão. Assim, acabaríamos mais depressa... e teríamos tempo de repassar o texto.
- É minha penitência, Lovegood, acho que não posso receber ajuda, sabe. - disse Draco. Ela o irritava quando não percebia o óbvio.
- Ah, mas ninguém precisa saber. Seria ilegal, mas... mas seria uma boa ação, de toda forma, não é? E até que seria bom para mim ficar mais algum tempo longe da sala comunal, especialmente agora que espalharam aqueles cartazes.
- Que cartazes? "Di-Lua, achamos seu parafuso"? - disse Draco, rindo.
- Não. Os anunciando a peça de teatro e o elenco. Mandaram convidar as famílias dos alunos, a festa de Hogwarts será ampliada desta vez. Pelo visto, vai encher de gente vendo nosso espetáculo - os olhos de Luna brilharam, sonhadores -, ainda bem que sairá perfeito, sei que sim.
Draco perdeu um pouco do ar.
- Espere aí, Lovegood, está me dizendo que tem cartazes espalhados por toda a escola sobre a peça, e mandaram convites para todos os pais?
- Bem, devem estar fazendo isso nas outras casas agora. Tia Nev afixou primeiro na Corvinal, ontem de noite. Vai ser bom para atrair as pessoas, mas os meus colegas, bem... eles leram que vou ser o anjo e parecem ter achado divertido espalhar penas por toda parte e entoar uma melodia de Igreja toda vez que eu passo. Talvez seja legal eu ficar um pouco mais de tempo fora da torre...
Mas Draco não estava mais prestando atenção. Que maravilha, cartazes. Cartazes anunciando que ele era o Aram. Se tinha alguém que não sabia que ele andava metido com o teatro, agora saberia. Ele podia apostar que a platéia estaria cheia. Malfoy bancando o trouxa, em dois sentidos ainda por cima. E de graça. O Natal teria de ser espetacular aquele ano.
- ... e, além disso, bem, eu gosto de ajudar. De toda forma, o mais perto que tenho de amigos são uns alunos da Grifinória... mas eles se divertem na própria sala comunal. Sabe, Draco, ficar com você seria o mais perto que eu poderia chegar de ter companhia. Me deixe ajudá-lo, sim? - pedia Luna, que aparentemente não percebera que ele a ignorara por algum tempo.
- Terá que entrar escondida e não poderá usar magia, para não sermos pegos. É tudo na mão, do jeito trouxa e ineficiente. A sorte é que, depois de tanto tempo, Filch não vê mais muita graça em me vigiar e rir o tempo todo, sobretudo sem sabão envolvido (aquele aborto filho da mãe). Se você aparecer uns vinte minutos depois, ele já deverá ter ido embora. Só não pense que lhe deverei algo, lembre-se que não lhe pedi nada.
- Não precisa pedir um favor, Draco! - disse ela, contente - estarei lá para ajudar você. Sem varinha. Ninguém me verá, garanto. Vai ser divertido não ir deitar tão cedo desta vez. - completou Luna, indo para o dormitório.
Draco estava quase contente... afinal, conseguira trabalhar menos e se entediar menos. Ele tinha que terminar pelo menos duas caixas por dia, o que levava pelo menos três horas e meia sozinho. Três horas e meia ouvindo a própria respiração e lendo a caligrafia de Filch... de novo, de novo, nãão!
E ele preferia debater com Di-Lua sobre Vampiros terem fundado Hogwarts enquanto trabalhava. Ao menos, riria um pouco. Qualquer coisa serviria para matar aquele tédio. Até mesmo Ewan xingando a Lufa-Lufa. "Meu Deus, estou realmente desesperado", pensou Draco, quando imaginou a cena.
Luna realmente apareceu para ajudá-lo, e pareceu ficar muito feliz de estar ali. Estavam dando algum tipo de festa na Corvinal, com comida contrabandeada, e esse era o tipo de evento em que ela se sentia profundamente deslocada. Draco percebeu que ela jamais reclamava de nada que lhe acontecia, e sempre continuava buscando justificar todo mundo e pensar coisas boas a respeito de todos eles. Ele já teria estuporado meia dúzia de pessoas... mas bem, Luna era realmente estranha. Ninguém normal andaria com bulbos enrolando totalmente os cabelos, como ela estava naquela noite. Sempre que ele pensava que já vira de tudo, Luna superava os limites.
Acabaram o minimo em duas horas e meia, e Draco tinha certeza de que teriam rendido mais se Luna não ficasse o tempo todo rindo e comentando as detenções mais imbecis que caíam em suas mãos. Ele ficara morrendo de medo que alguém aparecesse por ali, mas aparentemente ninguém gostava do arquivo, nem mesmo os fantasmas.
Acabaram decidindo que havia tão pouco tempo para repassar as falas que seria melhor trabalharem um pouco mais e usarem o tempo acumulado para ler o script de uma vez só. Terminaram quando já era um pouco tarde, o que queria dizer que a probabilidade de encontrarem alguém nos corredores era praticamente nula.
- Não se incomode comigo, Draco, se alguém vier, direi que tinha ido ver a Nev.
Draco não havia realmente se preocupado com ela, mas ficou feliz dela ter um álibi que livrasse a sua cara. Estavam quase no refeitório quando Luna lhe fez um convite:
- Draco, quer ver uma coisa? Por aqui - disse ela, e foi andando.
"Bem, por que não?" pensou Draco. Não estava realmente com sono. E poderia ser algo útil... bem, não. Era a Lovegood. Mas talvez fosse algo divertido. Quem sabe, ela encontrara um casulo de madretônia da pomerânia no telhado de Hogwarts. Foi atrás dela.
Ele não gostou nada da direção que estavam tomando: era o caminho da estufa da professora Sprout, aonde Draco teria que ir no final de semana cuidar de mais alguma planta imbecil. Bem, pelo menos suas notas de Herbologia estavam uma beleza...
Mas Luna não entrou na estufa, contornou-a, foi para trás, pulou algumas sebes e logo Draco percebeu... estavam em uma espécie de círculo de runas. Um portal de almas. Luna sorria.
- Sabe, aqui é meu refúgio. Neste lugar, podemos entrar em contato com outro mundo...
- O dos mortos? - disse Draco, sem tentar conter o riso. Luna era completamente maluca, mas isso pelo menos o divertia. Será que ela ia tentar falar com alguém com velas e incenso?
- Oh, pode ser - disse Luna, com uma voz misteriosa. Nunca dava pra saber quando ela estava falando sério. - Sabe... minha mãe foi sepultada em um lugar parecido com este. Não este, claro, este aqui é para a turma de runas antigas, mas... parecido, entende? De qualquer forma, não era isso que queria mostrar - disse ela, abrindo retirando uma porção de objetos metálicos de sua bolsa.
- O que diabos é isto? - perguntou Draco.
- Meu telescópio. Um artefato trouxa para olhar o céu. Meu pai simpatiza bastante com coisas... diferentes. Como a cultura trouxa. Mas eu enfeiticei este daqui, e ele realmente ficou divertido, venha ver...
Draco se aproximou, hesitante, e olhou através do aparelho. Conseguia ver planetas bem próximos de si, descrevendo movimentos... registrando órbitas... Luna lhe indicava aonde apertar ou girar, e a visão que tinha do planeta mudava sempre. Era incrível. Ela realmente era da Corvinal, afinal de contas, para conseguir fazer aquilo.
- Saturno dá uma bela visão - disse ele.
- É meu favorito também - disse Luna - com seus treze anéis... que são, na verdade, pedaços de gelo flutuante.
- Ou parte de sua lua, Debris. Ou partes de um mundo que jamais chegou a se formar - completou Draco.
Luna estava silenciosa, olhando para ele.
- O que foi, Lovegood, impressionada que eu saiba alguma coisa sobre o cosmos? Tenho sangue de Galileu nas veias. Seria ridículo eu não entender nada sobre o espaço. Conheço o Universo desde que tenho seis anos.
- Estou mesmo! - disse ela. - Você é inteligente, Draco. Era isso que eu estava pensando. Eu não sabia de todas essas coisas sobre os anéis. Não mesmo.
O ego de Malfoy agradeceu o afago, e ele ficou mais algum tempo falando sobre os planetas, suas órbitas e suas luas. Ele sabia o quanto era especial, mas era sempre divertido quando confirmavam. Mesmo que fosse Luna.
- Sabe, às vezes eu venho aqui e... fico sem fazer nada. Sabe, só olhando o céu.
- Vai se meter em uma encrenca imensa se alguém te pegar.
- Vale o risco, eu acho. - disse ela.
- O que faz aqui? Fica em busca de vida inteligente? - disse Draco. - porque eu não tenho muita certeza se acharia isso perto da estufa da professora Sprout. Ou quem sabe você procura uma nova espécie de fada mordente que aparece quando vênus se alinha com Urano?
- Não, eu só fico procurando... alguma coisa. Alguém.
Draco não sabia o que dizer, então nada disse. Normalmente, riria da teoria absurda que Luna soltaria a seguir, mas a falta de complemento tocou-o no peito. Não era uma história doida do Pasquim. Era o que ela acreditava, de verdade. E, pela primeira vez, isso não era acompanhado de nada exótico.
- Você acredita que vai ver sua mãe de novo? - perguntou ele, afinal.
- Espero que sim - disse Luna. - Sinto falta dela. Sabe, eu fico pensando... às vezes... se ela pode me ver também... e eu queria muito conseguir umas lentes maiores, de vidro tratado, para aguentar um feitiço mais forte, entende. - Luna sempre interrompia suas próprias linhas de pensamento. - Para ver o cometa Haley, quando ele passar. Porque acho que não vou mais estar aqui quando ele vier de novo, e queria ver bem de perto...
- Uma gigantesca bola de gelo e sujeita cósmica, que passa a cada 76 anos. Tem seu charme, especialmente para quem gosta de colares de rolhas de cerveja. - disse Draco, cujo conhecimento em astronomia não lhe permitia ver muita beleza nos cometas. Ele os descreveria, mas não os apreciava. Eram coisas tão sem graça, tão inconstantes... e eram gélidos, por mais que parecessem bolas de fogo a olho nu. Ridículo.
- Draco... você acredita em Deus? -perguntou Luna, de repente.
- Você crê?
- Em dez palavras ou menos? - perguntou ela, com uma risadinha.
- Como quiser.
- Minha relação com... poderes superiores... é única. Você crê?
- Sinceramente, não. Não acredito que haja um grande bruxo barbudo olhando tudo que faço.
- Você nunca se perguntou... porque as coisas estão acontecendo de determinada maneira, com você?
- Não. Isso é estúpido.
- Eu acredito, sabe... acredito que exista um plano para cada um. Um sentido para tudo.
- Parece a baboseira ensinada pela Trelawney - disse Draco, com uma careta. Mas seria típico dela, maluca como era, acreditar naquela porcaria toda.
- Não, não é isso que quis dizer. Não se trata de adivinhar o futuro. Isso é balela. Apenas... eu só acredito que existem coisas que acontecem conosco que simplesmente não podemos evitar. Elas têm alguma mensagem consigo. Mas nem sempre... consigo entender qual é. Por que acontecem. Qual é o significado.
- Não tem significado - disse Draco. - Você nasce. Você vive. Você morre. Acabou.
- Eu acho - disse Luna - que podemos não entender, mas tem alguma coisa que nos rege. Tanta coisa que não entendemos nesse mundo...
- E que não podem ser provadas, de modo que seu pai publica no "Pasquim" como se fossem verdades.
- Bem, poderiam ser. Ninguém consegue provar que é falso. Só odeiam acreditar na alternativa que ele propõe.
- Claro Lovegood, claro. O "Pasquim" deveria ser nosso guia.
- Não quis dizer isso. Mas nem sempre acontece só o que podemos ver, ou só o que entendemos.
Após algum silêncio, Luna voltou a falar.
- Sabe, desculpe meu pai. Entenda, ele...
- Ele não gosta muito de mim. Há. - disse Draco, com uma voz que não lamentava em nada aquilo.
- Ele não confia em você. É diferente.
- Não me importa da mesma maneira. - disse Draco. Mas, lá no seu íntimo, lá aonde não admitiria para ninguém, talvez nem para si mesmo, ele pensou: "às vezes, também não acredito muito em mim".
- Eu acredito em você. Não tenho medo. - disse Luna.
- Deveria ter, Lovegood. - disse ele, com um olhar sombrio. Mas Luna simplesmente continuou encarando-o por mais algum tempo.
Afinal, marcaram estudar o texto na tarde seguinte, na mesma árvore, e foram para seus dormitórios.
Antes de dormir, passou pela mente de Draco que talvez ele devesse ter agradecido Luna pela ajuda, mas o pensamento durou dez segundos e ele adormeceu logo a seguir.
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OMG! Estou me superando em matéria de tamanho de textos!
Draco parece tão insensível às vezes... mas oras, ele é assim mesmo, não é?
E eu tive que dar uma radicalizada na Luna, mas não acho que não pareça com ela. Talvez na parte falando de Deus, mas é uma coisa importante pro enredo. E ela não deixa de acreditar nas teorias mais birutas por isso!
A fic vai ficar longa, mas não me importo.
Os sentimentos nascem devagarinho... e, para ser sincera, não sei se eles já se gostam a essa altura. Acho que ainda não. Mas como saber, não é?
Perguntem à Luna! ^-^
... e, de toda forma... é tão meigo escrever estas ceninhas... só é meio complicado pôr o Draco nelas, mas sempre gosto, quando acaba.
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