Introdução
É horrível agora
olhar para o redor,
uma nuvem vermelha de sangue
Escurece o céu.
O firmamento está manchado
com o sangue dos homens,
e as valkyrjor
cantam sua canção.
O ar cheirava a sangue. Encarcerada em um gélido véu de morte, em impenetrável escuridão de meus outrora amparos aposentos, sentia-me afogar-me, tragada pelo mundo dos mortos, ao qual já havia mandado tantas almas.
Um choro de criança encheu-me os ouvidos, trazendo-me de súbito à consciência. Um choro desesperado, um choro de pavor. Senti o vômito subir até minha garganta; tremi violentamente, arrepiada por tal prenúncio sombrio. Meu cerne e sangue, minha redenção das não raras ocasiões em que tomei champanhe ao lado de corpos, de faces estranhas perversamente arrancadas de suas vidinhas medíocres, em minha responsabilidade.
From the eyes of a child
Slowly those feelings
Were clouded by what I know now
O vento brincava em suas douradas madeixas. Já perfeita, em sua nórdica beleza e delicados modos. Em seu solitário casulo de obediência em tão tenra idade, não lhe ocorria que as gargalhadas pueris das crianças trouxas em seus jogos histéricos pudessem ser outra coisa que não sujo deboche à sua raça.
Era pura como as rosas brancas de sua mãe Druella, entre as quais se encontrava escondida, um amarelado pergaminho preenchido por teses puristas entre os pequenos dedos como exemplar criança Black que era.
Ainda ébria pelos inconcebíveis acontecimentos da noite, tentei libertar-me da teia de horror que me envolvia em perigoso torpor. Forcei-me a levantar, mas um espasmo explodiu em minhas costas, tomando-me de susto e jogando-me de volta a cadeira. Segurei minha cabeça, que parecia estar a ser penetrada por milhões de pedacinhos de vidro, com força entre minhas maculadas mãos.
Em meu braço esquerdo, uma longínqua incandescência. A marca. Em meu braço direito, sangue escorria de minha testa. Tonta e fraca, tombei para frente, batendo meus cotovelos na mesa de carvalho. Minha cabeça foi de encontro a uma desarrumada pilha de papéis. Gemi baixinho.
Estendi meus braços em cego desespero e afastei desajeitadamente as pesadas cortinas de veludo, revelando um vasto complexo de janelas imediatamente a minha frente e permitindo que o fraco feixe de luz da lua que conseguia transpor a névoa e a densa chuva banhasse meu quarto. Apenas para deparar-me com as marcas do desespero alheio. Ameaças vis, bilhetes de suicídio, pedidos de ajuda. Eu era um alvo fácil, um nome proeminente, um endereço famoso aos ouvidos bruxos.
Eu já deveria saber. Quando a luz desce sobre as trevas, ela revela as imundícies encobertas pela hipocrisia humana.
Intermediárias entre a realeza, o sobrenatural odínico e o destino do guerreiro no mundo dos mortais, surgem as donzelas-cisnes, filhas de reis tomadas por guerreiros valorosos. Domesticadas, são diminuídas a uma figura de frivolidade, mas tornam-se protetoras de seus heróis: é sua estrutura e porto-seguro, para que o mesmo possa completar sua jornada; assiste-o nas batalhas; o salva dos momentos de perigo; torna-se esposa e concebe filhos para ele; realiza os ritos funerários; renasce como companheira e amante.
A sombria melodia dos violinos reverberava nas paredes de pedra, assobiando ao pé do ouvido dos ocupantes da mansão, sussurrando ansiosa em antecipação à celebração daquela noite.
A pequena mirou-se no espelho. A luz das velas dava ao aposento um ar fantasmagórico, mas ela não era afetada. Em contraste com a palidez doentia de suas irmãs mais velhas, exibia uma face bem corada, talvez por efeito dos recentes acontecimentos.
Sentada frente à velha penteadeira de ouro, escovava os louros cachos em movimento hipnótico. Envaidecida pelo presente dos deuses, seu primeiro passo em direção a vida adulta. Sua transição prestes a ser completa.
Repousando a escova de prata no móvel, abriu, pelo que seria a vigésima vez naquele dia, a pesada caixa de madeira que havia ganhado dos pais. Sua respiração falhou por um momento. Fechou os olhos dramaticamente e mergulhou a mão no macio tecido, apertando os trêmulos dedos em volta da pequena circunferência de madeira.
Tomada de um encanto ainda infantil, a admirou. Pêlo de unicórnio, ébano, 22 cm. Seu primeiro tesouro.
Always warm on my back
Somehow it seems colder now
Minha impotência ante a perda de minha varinha era irrisória. Desejava futilmente livrar-me daquelas vidas decadentes marcadas a pena e tinta em minha pesada consciência, mas não conseguia imaginar como os trouxas faziam fogo sem magia.
Nauseou-me o fato de que eu havia contribuído significativamente para com um império de medo que havia deslanchado o caos sobre a aristocracia bruxa. Havia querido ficar ao lado das pessoas que amava e tinha terminado sozinha.
Aterrorizada, encolhi-me, pressionando minhas pernas contra meu rosto, como uma criança indefesa. A dor excruciante que me abatia era insignificante em comparação aos temores que ardiam em meu coração.
Meu querido Lúcio. Meu amado marido. Não conseguia acreditar em sua morte, embora não houvesse quaisquer evidências de que ainda estivesse vivo. Em dois meses, sequer houveram rumores de seu paradeiro.
Teria minha família tornado-se vítima da perversidade alheia? Perversidade que clamávamos não existir, que clamávamos ser força e determinação. Custava-me admitir, mas sim. Eu sabia que sim. Devido aos acontecimentos do último ano, sua presença em nosso lar passou a ser imperativa. Condoia-me vê-lo afogar-se em culpa, agarrado a nosso bebê, tentando consertar nossa família. Deixar-nos sem dar notícias simplesmente era incoerente, e Lúcio era acima de tudo um homem racional.
Ferida, humilhada, assustada e sozinha. As lágrimas desciam vertiginosamente de meus olhos. Chorei copiosamente pela primeira vez em muitos anos. Eu havia parado de sentir. Fui morta de dentro pra fora, da maneira mais cruel. Sentimentos e lágrimas se tornaram uma utopia vergonhosa, que eu guardei na gaveta mais escura da minha mente para os momentos de desespero. Mas não a visitei. Não quando ele estava por perto e queria sangue. Não quando não podia proteger-me de nenhuma outra maneira no mundo de solidão e gelo na qual fui trancada por aqueles em que confiei. Eu me tornei tão fria quanto o mundo que me cercava. Amaldiçoada a catar os cacos de amor espalhados por todos os cantos. Amor por meu marido; amor por meu filho; amor-próprio.
Estava tão fraca. Tudo se tornara um borrão de dor e medo, muito medo. Comecei a desfalecer novamente. Instintivamente, agarrei minha mão esquerda com força e a trouxe para o meu peito. Acariciei minha aliança, minha preciosidade de platina e pequenos diamantes e um ostensivo diamante negro, como se tirasse energia diretamente de Lúcio. Sempre fora meu pequeno segredo, como aquele anel havia se tornado minha fonte de força em meus momentos de extrema solidão, meu pequeno conforto. Meu segundo tesouro.
Tecelãs dos destinos dos homens, um destino terrível, sangrento, eram aquelas mulheres de fatídica sensualidade. As Valquírias. Verdadeiras agentes da morte, escolhendo quais guerreiros tombarão no campo de batalha, trazendo muito sangue e dor.
Estavam em cinco apenas àquela noite. Estando suas irmãs em Hogwarts, restavam apenas ela e os pais, Druella e Cygnus. Seu pai sempre fora um homem sóbrio, e preferia os modos selvagens de sua primogênita à demasiadamente feminina personalidade da caçula. Ela era insegura, e ele a intimidava com sua figura constantemente sombria.
Mas sua mãe havia sido sua mentora e havia lhe ensinado tudo quanto deveria saber antes de ir à escola. Etiqueta, artes e pequenas magias domésticas. Apenas pequenas coisas que uma bruxa da sociedade deveria saber. Druella entendia que suas duas primeiras filhas haviam nascido com um espírito ingovernável, mas a última era seu pequeno espelho, ela sabia.
Seus tios Órion e Walburga chegaram por volta das oito, para o jantar. Aos 11 anos, ela já sabia muito bem o quanto deveria temê-los e respeita-los, embora eles não lhe agradassem. Depois de comerem, reuniram-se na sala de estar à luz da lareira.
- Narcisa querida, aproxime-se. – Cygnus ordenou. –
A menina sentou-se no colo do pai, espalhando a saia rodada do jovial vestido azul em seus joelhos. Ela já sabia o que viria a seguir. Já havia sido devidamente preparada. Seu tio Órion veio da cozinha com uma deformidade mole, enrolada em trapos, balançando em sua mão direita. Jogou-o no chão, com desprezo e limpou a negra luva de caro couro de dragão com um lenço cortesmente oferecido por sua cunhada.
- Agora, Cissa, delicadamente. Ele já está quase morto, então seja moderada em seus poderes.
- Sim, papai. – ela respondeu ofegante. –
Ajoelhando-se ao lado do velho elfo doméstico que havia servido a ela e suas irmãs desde que eram bebês, Narcisa tentou privar-se de toda piedade. Encostando a ponta de sua varinha no elfo, ela sussurrou.
- Avada Kedrava.
Uma fraca luz verde atingiu o peito da criatura, mas foi o suficiente.
- Muito bem, Narcisa. Agora a segunda parte. – instruiu Cygnus. –
- Dècapite.
Dessa vez, um fino fio de luz branca saiu da varinha, enrolando-se no pescoço do elfo. Cygnus ajoelhou-se ao lado da filha. Pegando as pontas do fio, ele as entrecruzou e ofereceu-as a menina, que as segurou debilmente.
- Agora puxe delicadamente, ou espirrará sangue por toda a sala. – Narcisa puxou delicadamente. – Isso, está vendo quanta pouca força é necessária para acabar com um ser tão desprezível?
- É proporcional.
Cygnus surpreendeu-se que a filha sequer soubesse o que aquela palavra significava.
- Exatamente, Narcisa, é proporcional. Muito bem. – um pouco de sangue escorria pelo tapete enquanto o fio aprofundava-se, e então, a cabeça separou-se do corpo. – Excelente, minha menina.
Ele beijou a testa da filha em um gesto quase amoroso.
- Quem diria Cygnus, a menina tem um talento nato. – comentou Walburga. –
Todos os adultos sorriram e cumprimentaram e elogiaram, enquanto ela esforçava-se para não correr para os braços da mãe. Sentia algo desagradável misturado a um descomunal orgulho de si mesma. Ela sabia que Andrômeda tinha falhado e vomitado e deixado todos descontentes, e Bellatrix havia sido um sucesso. Pela primeira vez na vida, ela havia chegado aos pés da irmã que tanto admirava.
An uneven trade for the real world
I want to go back to
Believing in everything and knowing nothing at all
Estava já ao batente da porta de meu quarto quando um barulho ensurdecedor retumbou pela mansão, seguido por um clarão, ambos vindos da parte externa da propriedade. Pressionei as mãos contra os ouvidos e fechei os olhos. Perdi o equilíbrio e caí de joelhos.
E então parou. Mas era só o começo, eu soube imediatamente o que estava se passando, e soube que a partir daquele segundo eu deveria temer por min e por Draco.
Corri até a janela. Queria saber exatamente contra quem estaria lutando. Foi com assombro que constatei que eram aurores. Tendo nossa família realizado generosas contribuições ao Ministério, eles não iriam a Whitshire tomar chá e fazer algumas perguntas inconvenientes, não em grupos de vinte de qualquer maneira.
O Ministro da Magia, que havia estado em minha residência há apenas alguns meses em um jantar, preferiria sondar ele mesmo discretamente, e mesmo que esbarrasse em uma extensa coleção de artefatos das Trevas, o que era improvável já que Lúcio realizava um trabalho eficiente aterrorizando nossos elfos domésticos para que eles os escondessem com magistral rapidez em visitas surpresas, Lúcio e eu certamente o deixaríamos bem feliz em sair daqui negando que houvesse qualquer coisa suspeita sobre nosso fabulosamente nobre clã.
Mas vinte aurores significavam provas irrefutáveis. Vinte aurores significavam prisão. Vinte aurores significavam perder Draco. E uma emboscada no meio da noite significava que eles sabiam como burlar meu complexo sistema de segurança, que o próprio Voldemort havia projetado e que meu marido e eu havíamos reforçado com mais magia negra, a fim de proteger-nos de outros comensais.
Mas algum comensal ou alguns comensais haviam nos denunciado, e eu temia que houvesse sido alguém por quem eu mantinha profunda afeição. Alguém frio o suficiente para não importar-se se meu filho de apenas um ano de idade cresceria sem nunca conhecer os pais, alguém tão vil quanto nós.
Tomada por uma injeção de adrenalina, corri ao quarto escuro de meu filho. Ele estava assustado. Em pé, no berço, chorando. Partia meu coração ver meu filho sofrer, eu preferia morrer a deixá-lo ferir-se, mas se eu morresse, ele estaria sozinho, e nada poderia causar-lhe mais dor do que crescer como um órfão. Ele notou minha presença.
- Mama. – ele chorou, estendendo a mãozinha. –
Eu aproximei-me e o transferi do berço para meus braços, esquecendo-me completamente que estava coberta em sangue e hematomas, que era apenas uma sombra da mãe bonita por quem Draco estava acostumado a ser acalentado, mas ele não me estranhou, apenas deitou sua cabecinha em meu peito, acalmando-se.
- A mamãe está aqui. Está tudo bem, agora. Vai ficar tudo bem.
Minha mente tentava processar todas as informações, todas as possibilidades. Eu não podia aparatar, apesar de que assim que o complexo de segurança caísse o feitiço anti-aparatação estaria desfeito, eu estava tão evidentemente debilitada que poria a vida de Draco em risco.
Eu podia usar pó de flu, mas não conseguia pensar em nenhum lugar específico para ir. Pensei em minha irmã Andrômeda e sua profunda bondade. Ela não me recusaria, ou ao menos não se recusaria a proteger Draco. Com Bella e Sirius presos e Régulo morto, Andrômeda era a única Black que restara além de min, em negra ironia. Ela que havia sido desprezada e cortada da família por causa da filha que teve com um sangue-ruim. No final, ela poderia abraçar sua menininha todas as noites de sua vida. Eu não sabia se teria a mesma sorte.
Tentei me controlar para não assustar Draco com meu choro, então apenas permiti que lágrimas silenciosas escorressem por minha face. Andei a esmo pelos corredores tentando encontrar minha varinha. Não podia fugir sem ela.
Fui apressada por ruídos vindos da minha cozinha. Voei pelas escadas, tentando não cair. Esbarrei em vasos e estátuas, tropeçando e tentando manter o equilíbrio. Draco voltou a chorar.
- Por favor, Draco, fique quietinho ou eles ouvirão. Por favor, meu amor, fique quietinho pela mamãe. – eu implorava enquanto diminuía a velocidade em meu trajeto para o escritório de Lúcio, onde guardávamos o flu. –
- Pare. – uma voz masculina ordenou atrás de min. Eu não a reconheci. Estava escuro e eu não podia ver quem era. –
Fiquei paralisada. Minha mente parou e eu não conseguia raciocinar. Estava tão frio, tentei proteger Draco do frio. Tentei proteger Draco daquelas pessoas.
- Entregue a criança.
Ergui minha cabeça em absoluto horror.
- Não. – disse no tom mais autoritário e seguro que consegui proferir. –
- Narcisa, ele não está brincando. Pare com isso antes que alguém se machuque. – era aquele homenzinho desprezível, Olho-Tonto-Moody. Por nada desse mundo eu entregaria meu filho àquele homem.
- Eu não estou fazendo nada. – rebati com deboche. -
- Por favor, venha conosco.
- Nem pensar. – não o deixe perceber que você está com medo, eu dizia a min mesma.
- Ta bom. – ele respondeu simplesmente, antes de virar-se para o homem que primeiro me havia abordado. - Pegue o bebê.
Agarrei-me a meu filho com todas as forças. Mas eles eram maiores, eles estavam em maior número e eu estava desarmada.
- Por favor, deixe-me ficar com meu filho. Por favor, não o tire de min. Eu lhe imploro, não separe o meu filho de min.
O auror deveria ser novo. Ele hesitou frente às minhas suplicas. Mas Moody sabia que era muito provavelmente uma armadilha, para pega-los de guarda baixa. Infelizmente pra min, não era. Eu estava indefesa e desesperada.
Moody arrancou Draco dos meus braços, enquanto dois outros aurores seguraram os meus braços e me puxaram pra trás. Lutei futilmente, consciente do mal que estava fazendo à min mesma. Aquele era exatamente o tipo de coisa os médicos tinham me mandado evitar se eu não desejasse uma nova hemorragia interna.
Senti uma varinha ser pressionada contra minhas costas. Olhei para o meu filho pelo que pensei ser a última vez que o veria. Talvez o visse posteriormente, mas era certo que os dementadores me enlouqueceriam o suficiente para que eu não o reconhecesse, ou ao menos temesse sentir-me feliz com sua presença. Fechei meus olhos para jamais esquecer os dele.
- Estupefaça.
Trapped in the eyes of a stranger
I want to go back to
Believing in everything
* As letras de música pertencem a música Field of Innocence, do Evanescence.
Tradução –
Eu ainda me lembro do mundo
Pelos olhos de uma criança
Vagarosamente esses sentimentos
Foram encobertos pelo o que eu sei agora
Eu ainda me lembro do Sol
Ainda quente em minhas costas
De alguma maneira parece mais frio agora
Onde foi meu coração
Uma troca injusta pelo mundo real
Eu quero voltar a
Acreditar em tudo e não saber nada
Onde foi meu coração
Preso nos olhos de um estranho
Eu quero voltar a
Acreditar em tudo.
N/A: Bom, em primeiro lugar eu gostaria de desculpar-me pela demora. Vou tentar postar o próximo o mais rápido possível, mas saibam que estou trabalhando com total empenho para trazer o ápice de qualidade a vocês. Muito obrigada pelos comentários. Eu espero que vocês comentem essa introdução também, para que eu possa saber o que agradou e o que deixou a desejar e possa mudar.
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