O retorno de Hedwigs
-- Não precisa varrer o chão, Harry! Nós vamos sujá-lo de novo daqui à pouco. Prefiro limpar tudo de uma vez depois.
-- Mas eu me sinto um idiota por não fazer nada enquanto você desempacota essa caixa...
-- O que eu posso fazer? Não precisamos de duas pessoas para abrir o conteúdo de uma caixa... – Pâmela riu da indignação do rapaz e suspirou. Olhando em volta completou: - Está bem! Pegue aquelas caixas perto da janela e leve até o outro quarto. Não quero que o pó de serragem estrague seu conteúdo.
Harry mais do que depressa fez o que ela pediu e quando estava carregando a terceira e última caixa para fora, esta cedeu o fundo e Harry se viu no meio de dezenas de livros agora estirados no chão. O rapaz agachou e começou a recolhê-los. Eram clássicos em inglês, francês e algo que Harry julgou ser espanhol.
-- É português! – Harry ouviu Pâmela dizer às suas costas. O rapaz estava segurandoum livro velho, mas bem cuidado. Parecia um livro de aventura, pesado, embora ele não soubesse bem o que queria dizer “Xangô”.
-- O livro é de Portugal?
-- Não! É do Brasil! Estou vindo de lá! – Pâmela disse, novamente de maneira displicente, enquanto se virava e voltava para o cômodo onde estava.
Harry a seguiu. – Achei que você fosse inglesa. Você não tem sotaque estrangeiro.
-- Eu sou inglesa! Meus pais adotivos eram brasileiros.
Harry parou estático na porta. Não esperava por aquilo. Ela era órfã? Como ele? Por quê ela não tinha dito nada? O rapaz ficou sem graça com a revelação e tentou mudar de assunto.
-- Quantos anos você tem? – foi a única coisa que lhe veio na mente
-- 20 e você? – A garota respondeu já em cima da escada e terminando de parafusar um dos lados da prateleira.
-- Quase 17! – Harry respondeu segurando a taboa da estante à tempo de impedir a colisão da mesma com a testa de Pâmela.
-- Obrigada! Não sou muito cuidadosa, não é? Por falar nisso, faz tempo que eu não berro com você! – ela disse sorrindo. A garota pigarreou para limpar a garganta e continuou, berrando – QUE FAZ PARADO AÍ, MOLEQUE? NÃO TE DISSE PARA TIRAR ESSE ENTULHO DAÍ? FRANCAMENTE! VOCÊ NÃO FAZ NADA DIREITO?!!
Logo depois Pâmela arrumou o lenço que protegia seus cabelos contra a poeira e começou a limpar a serragem que sobrara da montagem da estante.
-- Por que você não vai para o escritório estudar? – ela disse depois de um tempo – Você já ajudou bastante hoje, eu te chamo para o almoço.
Harry aceitou a oferta, mas hesitou com um pensamento um tanto imprudente. A garota não fez nada, mas Harry se sentiu obrigado à perguntar.
-- Por quê nunca me pergunta o que eu estudo?
Pâmela o encarou, mas não pareceu espantada com a pergunta. Depois de um longo tempo esquadrinhando o rosto de Harry, ela respondeu!
-- Na realidade, não sei! Uma vez entrei no escritório sem bater e você rapidamente escondeu um livro e uma pena na gaveta. Fiquei curiosa, claro, mas você não parecia estar fazendo nada errado, seus olhos não o denunciaram, embora eles indicassem medo. Eu te garanti que teria privacidade e preferi confiar no que seus olhos me diziam à dar uma de intrometida.
-- Não acho você intrometida! – Harry disse em um impulso e a louca idéia de contar-lhe a verdade passou por sua cabeça, mas não disse mais nada.
-- Obrigada! – Pâmela sorriu – Quando quiser conversar, estarei sempre onde puder me achar.
A garota voltou ao seus afazeres e Harry foi conversar com um forte comichão no peito. Uma trouxa na qual podia confiar seu segredo? Não! Impossível!
Meia hora se passou até Harry ouvir Pâmea gritar o seu nome. Quando o garoto chegou à sala de estar viu Pâmela parada de costas para a lareira, olhando admirada para frente. Harry mal conseguiu ver o que a atordoava antes de uma nuvem de penas brancas sobrevoarem sua cabeça e pousar-lhe no ombro.
A cena tão familiar para Harry tornou-se incômoda quando acrescida do olhar espantado de Pâmela. Muitos minutos de silêncio se passaram antes da garota se manifestar, com uma voz bem mais dura do que Harry estava acostumado.
-- Vou deixar a delicadeza de lado dessa vez e pedir uma explicação!
-- Bom! Ela é minha... O nome dela é Hedwigs!
-- Ela bica? – Pâmela disse se aproximando com o olhar admirado.
-- Só se ela não gosta da pessoa... – Harry deu um sorriso matreiro. – Pode passar a mão se quiser... Não deixarei que ela lhe machuque.
Pâmela fechou o punho e ergueu levemente o indicador, fazendo uma concha. Desse modo ela acariciou o papo da coruja e a viu revirar os olhos de prazer.
-- Ela parece simpatizar com você! – Harry disse mais relaxado
-- É permitido ter uma coruja doméstica aqui na Inglaterra? Eu sei que no Brasil é proibido...
-- Bem, é difícil explicar... – Harry quase gaguejou.
-- Harry, dessa vez não poderei te dar privacidade. Não posso ter uma coruja ilegalmente dentro da minha casa. Seus tios vão achar estranho se eu deixar e eu posso a ser presa!
-- Não se preocupe! Eu prendo ela na gaiola.
-- Essa não é a questão, Harry! Sei que você deve ter uma boa explicação, caso contrário acredito que seus tios não permitiriam que a tivesse. Mas eu preciso dessa explicação! Eu preciso que confie em mim!
Harry olhou nos olhos de Pâmela e viu determinação e súplica. Ela realmente queria ajudar, mas mantê-la no escuro em relação a isso seria demais para ela... Harry respirou fundo.
-- Me dê um dia a mais e um telefonema que prometo que lhe contarei tudo. Mas eu preciso que mantenha segredo quanto à tudo que eu disser.
Pâmela o olhou intrigada. Pensou e disse:
-- Está bem! Você tem até amanhã ou depois. Vou sair para que dê seu telefonema. Estarei na cozinho preparando o almoço. Sua coruja come carne crua?
-- Sim! Obrigada!
Harry esperou Pâmela sair e respirou fundo. Tinha passado os melhores dias da suas férias naquele ano junto com a vizinha, era difícil pensar que poderia perder isso em dois dias... O peito pareceu sufocar e uma tristeza inecomparável se apossou dele quando pegou o telefone e discou o número que sabia de cor, apesar de raramente o usar.
-- Alô? – uma voz feminina atendeu
-- Mione? – Harry respondeu como se não restassem mais forças para falar algo mais.
-- Harry?! Seus tios deixaram você me ligar?!
-- Não... – Harry suspirou
-- O que foi? Por que sua voz esta tão triste?
-- Estou com problemas! Preciso que contate Rony. Tem como você e ele virem para a Rua dos Alfeneiros, nº 5 amanhã perto das 10h da manhã?
-- Rua dos Alfeneiros, nº 5?! Mas essa não é sua casa? Harry, o que houve?! – Mione ficou apreensiva.
-- É importante! Preciso que venha e não deixe que meus tios vejam. Você vem?
-- Vou! – a amiga respondeu sem hesitar – Vou mandar uma coruja para o Rony agora mesmo!
-- Obrigada, Mione!
-- Sem problema, Harry! Não precisa nem agradecer...
Harry desligou e se sentiu mais reconfortado. Ouvir a voz de Hermione o acalmou. Era bom saber que ela existia. Harry sorriu com o pensamento! Continuava com medo da reação de Pâmela, mas seria mais corajoso se seus amigos estivessem com ele...
-- Harry! O almoço está pronto! – Pâmela o chamou da cozinha com a voz descontraída de sempre.
Harry soube que ela não estava decepcionada com ele e isso o deixou extremamente feliz, mas ela não sabia o que ele lhe revelaria e, por mais que ela confiasse nele como dizia, não era a mesma coisa saber quem ele realmente era e como seus pais foram assassinados.
Harry entrou na cozinha e foi recebido com um sorriso amigável. Isso acalentou seu coração, mas não deletou seu medo.
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