O Fim



Era noite alta, ele se encontrava sentado na cozinha subterrânea da mansão Black. Há mais de um ano que evitava voltar lá, mas foi o lugar que achou menos provável encontrar alguém e também tinha esperanças de que ninguém o procuraria ali.

Ainda estava fraco e abatido, há apenas duas noites havia sido lua cheia e ele havia sofrido uma transformação muito desgastante. Essas lembranças fizeram com que grossas lágrimas rolassem pela face marcada pelo tempo de Remo Lupin. Naquela noite ele estivera preso no quarto que ela havia encantado. Ela o havia deixado protegido, mas ele não pode protegê-la.
Ele tomou mais um gole do Whisky de fogo, que desceu queimando sua garganta. Nunca foi de se embriagar, mas hoje ele queria ficar bêbado, só assim teria coragem para fazer o que precisava.

Deu um sorriso triste, precisava de coragem! Ele era um Grifinório, mas nunca teve coragem para fazer o que deveria. Era um covarde, sabia desde sempre que não deveria existir naquele mundo, ele era amaldiçoado, era perigoso, mas nunca teve coragem para por fim em tudo.

Lembranças o invadiram. Ao sair de Hogwarts percebeu que o mundo não era o conto de fadas que havia vivido durante aqueles sete anos, protegido pelos muros mágicos da escola, pelo apoio de Dumbledore e pela amizade dos marotos. Sabia que não seria aceito. No mundo eram poucos os que tinham a sabedoria e o coração do Diretor ou a irresponsabilidade de seus amigos. Tomou sua decisão, mas para um amaldiçoado até isto era difícil. Pesquisou e descobriu como realizar aquele desejo fúnebre. Agora tinha um objetivo.

Trabalhou muito, ele era inteligente e esforçado, empregos conseguia com facilidade, porém também os perdia com a mesma rapidez. Demorou mais de um ano, e finalmente conseguiu juntar todo o ouro que necessitava. Alguns contatos com o submundo e adquiriu seu primeiro tesouro. Uma arma trouxa. Mais alguns meses e o segundo tesouro foi conquistado a bela bala de prata.

Sabia o que deveria fazer e como, mas havia perdido o porque. Nesse período Dumbledore fundou a Ordem da Fênix para lutar contra Voldemort e ele podia ajudar muito, era meio “suicida”, não recusava nenhuma missão mesmo as mais perigosas. Seus tesouros foram guardados. Poderia esperar; por enquanto ele era útil.

Souberam que havia um traidor entre eles, muitos suspeitaram dele. Ele era um Lobisomem, um paria, porque não se juntar às trevas? Então Voldemort matou os Potter e logo em seguida Sírius foi preso por entregar o segredo de seu maior amigo, por matar um outro maroto e mais doze trouxas. Remo concluiu ser chegada a hora de usar seus tesouros, mas a coragem o abandonou naqueles dias e ele prosseguiu existindo.

Passaram pouco mais de 12 anos e Remo ainda existia. Vivia no limite da marginalidade, mas não pensava em seu tesouro, este continuava guardado no mesmo local. Dumbledore o chamou para lecionar em Hogwarts. Ele conheceu o filho de seu grande amigo. Descobriu a verdade sobre a “traição” de Sírius e ajudou o amigo a manter a liberdade.

Depois daquela noite em que quase atacou Harry, seus amigos e Sírius, pensou por apenas um segundo no que deveria ter feito há muito tempo. Mas agora Sírius estava novamente ao seu lado e quase tão a margem quanto ele. Sua coragem se dissipou, ele ainda poderia ser útil. Voltou a ter objetivos.

A alegria de ter de volta um de seus maiores amigos durou apenas dois anos. Naquela noite no Departamento de Mistérios do Ministério da Magia, Sírius foi lançado para além do véu da morte. Remo, porém não teve nem um segundo para pensar em sua tristeza, precisava proteger Harry e em seu mundo já existia ela, Ninfadora Tonks. Remo já sabia de seu grande amor por ela, mas não quis aceitar o amor que ela lhe ofereceu. Não era justo, alguém jovem como ela, cheio de vida! Ela merecia alguém inteiro.

Mesmo sem querer Dumbledore lhe deu a desculpa perfeita para afastá-la. Ele deveria viver entre amaldiçoados como ele. Remo tentou convencer Ninfadora que isto seria melhor para ambos, ela nunca aceitou.

Naquela noite pouco menos de dois meses atrás quando o Diretor foi assassinado e Tonks o confrontou ele cedeu. Via o quanto ela estava sofrendo, ele também sofria. Decidiu deixar de ser racional, a havia afastado durante um ano e ela estava firme em sua decisão. Ela não queria outro mais jovem, menos pobre ou mais inteiro, ela queria ele, Remo Lupin.

Na tarde seguinte ao enterro de Dumbledore mudou-se para a casa dela. Chegaram a fazer planos para o futuro. Remo escondeu seu rosto entre as mãos, seu desespero era gritante “Como ele era tolo, ele não tinha um futuro, era um amaldiçoado, não tinha esse direito”.

Naquela noite ele não pode protegê-la, ele era um lobo feroz, poderia ser um assassino inconsciente e por isso estava trancado em uma “jaula”. Ela não queria deixá-lo, mas o chamado foi urgente.

Remo tomou mais um gole, diretamente da garrafa, de seu Whisky, chorou ainda mais. Os que viram o combate e sobreviveram para contar disseram que os aurores estavam em desvantagem de 3 para 1. Ninfadora lutou como uma verdadeira Grifinória, mas morreu após receber um golpe covarde de sua tia Bellatriz Lestrange.

No dia seguinte a batalha, quando Remo recobrou a consciência e foi avisado do que havia acontecido ele não pode acreditar, não queria acreditar. Sentou em sua sala e esperou que ela retornasse. Preparou-se para vê-la entrar pela porta, suja, com suas roupas rasgadas, alguns arranhões, mas sorrindo. Ele esperou, mas Ninfadora nunca voltou.

A realidade o atingiu como um aríete, ele se desesperou, nunca mais veria sua Nyn. Naquele instante teve certeza do que deveria fazer. Pegou seu tesouro e se escondeu na cozinha do Largo Grimmauld nº 12. Resolveu embriagar-se para não perder a coragem de fazer o que sabia que deveria.
Naquele instante percebeu que a garrafa em suas mãos continha pouco mais de um quarto de Whisky. Sorriu ao pensar que estava chegando o momento. Ele sabia que não a reencontraria, ela era um anjo e ele amaldiçoado. Se realmente existia algum lugar para ir depois da morte o lugar dele não seria o mesmo de Ninfadora.

Estava novamente levando a garrafa à boca quando ouviu a porta da cozinha se abrindo. Naquele momento percebeu o quanto estava bêbado, demorou mais de um minuto para reconhecer quem entrava.

Era Hermione Granger. “Claro” pensou “quem mais seria capaz de deduzir onde eu me esconderia”. Ela falou com ele, e Remo teve que se esforçar para entender e ainda mais para conseguir dizer algo coerente.

-- Professor Lupin! Ah, que bom que o encontrei... – parou assustada. Remo percebeu que os olhos dela recaíram sobre o revolver largado sobre a mesa.
Ele tentou alcançá-lo, mas seus reflexos estavam lentificados pelo excesso de álcool. Hermione sacou a varinha e com um gesto rápido o revolver estava em suas mãos. Antes que ele pudesse protestar ela já abria a arma e retirava a única bala de seu interior, examinou-a e retornou com ela ao lugar.

Em um minuto de delirante esperança, Remo achou que ela lhe devolveria o revolver e iria embora, mas ela apenas bateu com a varinha na arma e esta desapareceu. Ele se concentrou para protestar.

-- Hermione, você não tem este direito! Me devolva, agora! – Usou sua voz mais dura, até mesmo grosseira. Queria que ela sentisse medo dele, mas a ação do álcool não permitiu esse efeito. Ela entrou, sentou-se ao lado dele. Remo percebeu que os olhos dela estavam inchados e vermelhos, mas sua expressão era séria.

-- Não vou dizer que sei o que está sentindo. Não sei, o senhor a amava. Mas Tonks era minha amiga e todos estamos sofrendo. Esta não é a solução. – Ele viu que lágrimas corriam pelo rosto dela, Remo não conteve as dele. Ficaram calados por um tempo, ela quebrou o silêncio.

-- Remo – Ele a olhou diretamente, ela sorriu, um sorriso triste, apenas para lhe transmitir um pouco de segurança – Ela não iria querer que você fizesse nenhuma besteira. Tonks amava a vida e amava você, não iria querer ver você desistir de tudo. Ela iria querer que você reconstruísse sua vida.

Ele sabia disto, sabia que Ninfadora não iria querer que ele morresse, mas ele estava sofrendo tanto, achava que morreria de tanta dor. Da dor que a falta dela lhe causava. Hermione o abraçou e ele chorou em seu ombro até adormecer.
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No dia seguinte quando acordou a primeira coisa que Remo Lupin pensou foi que nunca mais tomaria uma gota sequer de Whisky de fogo. A dor de cabeça era algo de insuportável. A segunda coisa foi que estava em seu quarto na sede da Ordem da Fênix, vestido com as roupas de sair, sem sapatos e não tinha a menor idéia de como havia parado lá.

Em um segundo as lembranças o atropelaram e ele sentiu aquele aperto no coração, seus olhos encheram-se de lágrimas, algumas rolaram por sua face. Mas ele precisava se controlar, precisava sobreviver, respirou profundamente tentando ser racional. Após um banho rápido desceu para tentar comer algo e pensar no que faria. Não queria voltar para o apartamento de Ninfadora, sabia que não suportaria viver lá apenas com as lembranças dela. Mas também não tinha para onde ir.

Ao abrir a porta da cozinha foi surpreendido pelo delicioso cheiro de café fresco e ovos mexidos. Olhou para próximo do fogão e Hermione o cumprimentou:

-- Bom dia, Professor – tentou sorrir um pouco, mas seu cansaço era visível. Ele tentou lhe devolver o sorriso apesar de achar que nunca mais conseguiria sorrir novamente.

-- Bom dia. Você parece que não dormiu muito esta noite.

-- É verdade, devo estar com uma cara horrível – Riu. Ele sentou-se e ela trouxe o café, os ovos e umas torradas. – Não tínhamos muitas opções, mas acho que dá para não morrer de fome. – ficaram em silencio, ele o quebrou.

-- Como fui parar no quarto?

Ela corou levemente.

-- Oh! O senhor dormiu enquanto estávamos aqui na cozinha, achei que deixá-lo dormir aqui seria uma crueldade, então o levei para seu quarto – deu de ombros, como se cuidar de ex-professores bêbados fosse algo que fazia toda semana. Ele corou, ela continuou a título de explicação – retirei seus sapatos por que não consigo imaginar alguém descansando de sapatos.

Remo estava envergonhado de ter dado tanto trabalho. Descansou a xícara e falou ainda sem encará-la.

-- Me desculpe, Hermione. Não queria que tivesse me visto daquele jeito e também não queria lhe dar trabalho.

-- O que é isso, Professor! – ele olhou e ela sorria sinceramente – Trabalho nenhum. Amigos são para todas as horas. O senhor precisava de um ombro amigo e aqui estava ele – falou apontando os ombros dela, onde ele havia adormecido na véspera. Tentou sorrir um pouco.

-- Bom, se fui elevado ao status de amigo, que tal acabarmos com o “Professor” e o “senhor”? – Hermione corou novamente e concordou. – Mais uma coisa, sobre, bem, sobre a arma – ela ficou séria a referência dele, mas aguardou o que ele queria dizer. – Obrigado por não me deixar.... – ela sorriu.

-- Sem problemas. Ela está bem guardada – ele a olhou um pouco confuso – não vou devolvê-la, mas também não farei nada com ela, ficará guardada comigo até que você decida se desfazer dela – Ele concordou. Seria melhor assim.

Logo após o café, McGonagal apareceu na lareira e convidou Remo para voltar a lecionar DCAT em Hogwarts. Ele aceitou, seria bom voltar à escola e poderia tomar conta de Harry.

Voltou ao apartamento de Ninfadora pela última vez, precisava pegar suas coisas. Hermione o acompanhou. Não ficaram mais do que o tempo necessário para arrumar as malas.

Remo passou na casa dos Tonks e assustou-se ao ver o estado de Andrômeda, ela era um espectro da mulher que fora um dia. Remo sabia que a dor dela era ainda maior que a dele, mas também sabia que só o tempo para ajudá-la a se conformar e superar tal dor. Esquecer nunca.

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