"Problemas a vista"
Havia tanto barulho na mesa que aquilo estava deixando Harry atordoado. De um lado, os gêmeos falavam quase ao mesmo tempo sobre a incrível descoberta do truque trouxa da moeda cortada ao meio. Artur comentava do outro lado da mesa, animado, sobre a máquina de fazer algodão-doce, sempre pedindo para que Gina confirmasse como a máquina era realmente incrível. Molly tentava dar atenção a todos, e ao mesmo tempo controlar o jantar. Rony conversava com Hermione como se Harry não existisse, já que ele estava ali, no meio dos dois, sentado a mesa do jantar.
Na verdade, Harry parecia estar a muitos quilômetros dali. Estava confuso. As cenas do parque não lhe saiam da cabeça. A carta se movendo no baralho, o enorme homem careca que mais se parecia com um trasgo, a sala dos espelhos, e em como ele podia sentir um pouco de magia naquele lugar. E naquela garota, na garota que olhou para a cicatriz dele como se soubesse o que ela significava, a garota que lhe chamou pelo nome sem que ele precisasse lhe dizer qual era.
Não podia ser. Ele não podia acreditar que aquelas não fossem provas suficientes. Aquilo era tão claro na cabeça dele, mas ao mesmo tempo tão confuso.
Aquilo tudo o deixava tão atordoado que sua cabeça doía. Harry levou as mãos na cabeça.
_Sua cicatriz está doendo? _Hermione perguntou, no mesmo instante, interrompendo a conversa com Rony e olhando para Harry.
_Não, não _Harry murmurou, e percebeu então que todos tinham se calado e agora estavam olhando para ele. Disfarçadamente, ele pode ver Molly dando uma olhada no relógio mágico que apontava a situação da família. Os ponteiros ainda apontavam para “situação moderada”. _Desculpe, eu só estou com dor de cabeça mesmo. Não tem nada a ver com a cicatriz. Acho melhor...acho melhor eu subir, não estou com fome.
Harry então se levantou em silencio, sobre o olhar de todos, e caminhou para as escadas do quarto que dividia com Rony.
Se sentiu tranqüilizado ao sair do meio daquela bagunça que estava a mesa do jantar dos Weasley. Todos queriam contar sobre o passeio ao parque ao mesmo tempo, e todos, até Rony, pareciam ter esquecido do que tinha acontecido naquele lugar.
Harry puxou suas cobertas, tirou a roupa e se enfiou dentro do pijama velho que Rony tinha o emprestado. Queria apenas pensar um pouco, colocar as idéias no lugar.
Ainda estava acordado quando Rony entrou no quarto de mansinho.
_Você ainda está acordado? _O amigo perguntou, vendo que Harry ainda usava seus óculos e estava com os olhos abertos, mesmo já estando deitado em baixo dos lençóis.
_Estou.
_Está melhor?
_Rony... o que você acha que realmente aconteceu naquele Parque? _Harry perguntou, sem ligar para a pergunta anterior do amigo.
Rony fez uma careta, enquanto ia para sua cama e tirava a camisa, a jogando num canto.
_Olha, acho que foi apenas um acidente. Nos metemos onde não fomos chamados e um cara ficou bravo com a gente...
_Rony, ele não era apenas um cara! Ele parecia um trasgo!
_Eu sei, mas existem trouxas gigantes também não é mesmo?
_Qual é? Vai negar igual a Hermione?
_Não é isso. É que eu só acho que meu pai está certo. Não há como usar mágica no mundo dos trouxas sem que o Ministério tenha controle sobre isso.
_Rony, você sabe quantas coisas o Ministério encobre. Eles podem ter algum interesse em manter aquele Parque.
_Interesse? Que tipo de interesse eles poderiam ter? _Rony se enfiou debaixo das cobertas.
_Não sei. Eu ainda não sei, mas tenho que descobrir.
_Eu só acho que devíamos esquecer disso _Rony respondeu com a voz sonolenta, já fechando os olhos.
Harry não respondeu nada. Ele apenas sabia que não ia esquecer daquilo tão cedo. Não sabia por que, mas precisava descobrir a verdade daquele lugar.
Na manhã seguinte, o Sr Weasley se preparou cedo para ir ao Ministério, como sempre fazia. Molly já tinha acordado e devia estar na cozinha fazendo café.
Quando ele desceu as escadas em direção a cozinha, encontrou Harry sentado a mesa.
_Olá querido. Veja só, Harry acordou cedo, ele quer falar com você. _Molly sorriu, e o Sr Weasley apenas olhou para o menino, sentado ali na mesa como se estivesse apenas esperando por ele. E realmente estava.
_Bom dia Harry. Que devo a honra de você acordar tão cedo? _Ele disse sorrindo, se sentando á mesa.
Harry engoliu a seco. Olhou para Molly, ainda parada logo a suas costas.
_Sra Wealey, você se importaria se eu falasse com o Sr Weasley a sós?
A Sra Weasley deu os ombros e voltou para perto do fogão, para vigiar as torradas e o bacon que a panela-auto-fritante estava fazendo.
_E então? _O Sr Weasley começou, colocando o guardanapo sobre seu colo, e sorvendo o primeiro gole de seu chá quente.
_Senhor Weasley _Harry disse, tomando coragem _Eu... eu preciso voltar para a cidade _Ele disse, tão rápido que o Sr Weasley quase não entendeu.
_Como?
_Preciso ir até a cidade Sr Weasley. E preciso de sua autorização.
Nesse momento, Molly já tinha escutado a conversa e parado de olhar para a torradeira, virando-se e trocando um olhar com Artur que ele já bem conhecia.
Ele também olhou para a esposa e entendeu.
_Harry...
_Sr Wealey. Eu não queria fazer isso sem que vocês soubessem. Mas eu preciso voltar ao Parque.
O Sr Wealey não disse nada, apenas ficou olhando para Harry e esperando ele continuar a falar.
_Eu realmente preciso saber o que acontece naquele lugar.
_Escute Harry _E Sr Wealey disse, recuperando o fôlego, e tentando manter a calma. _Eu compreendo que você tenha ficado impressionado com as coisas. Todos nós ficamos não é mesmo? _Ele deu uma risadinha nervosa, enquanto a Sr Weasley deixava as torradas a sua frente e observava Harry também.
_Sr Weasley. Havia algo naquele lugar. Há algo, e eu quero descobrir o que é.
_Me diga Harry. O que te faz pensar que há algo naquele parque?
Harry parou por um momento. Por alguma razão, achava que não devia contar para o Sr Weasley sobre a sala de espelhos, nem sobre o homem careca que perseguiu ele e Ron, mas ao mesmo tempo, precisava contar.
Suspirou naquele momento, por que pensou que gostaria de ainda ter o padrinho por perto. Se Sirius estivesse vivo ainda, provavelmente entenderia Harry. Ele o apoiaria.
_Eu...apenas acho que devo voltar lá _Harry engoliu as palavras.
O Sr e a Senhora Weasley trocaram um olhar novamente, e ele se virou para Harry, colocando sua mão sobre a dele.
_Escute filho, vou pedir para que alguém do Ministério dê uma olhada naquele parque tudo bem? Mas não podemos permitir que você vá para a cidade.
_Agora volte a dormir Harry. É muito cedo _A Sra Weasley emendou, dando um jeito então de encerrar de vez o assunto.
Harry suspirou. No fim, sabia que aquela seria a resposta. Sabia que o Sr e a Sra Weasley nunca o deixariam sair para a cidade, mas precisava tentar. Ele sabia que o Sr Weasley já tinha o ajudado em outras oportunidades. Provavelmente o Sr Weasley realmente faria algo, cumpriria sua palavra, mas Harry sabia que não seria o suficiente.
Só restava mesmo esperar e pensar em outra maneira de descobrir mais sobre aquele Parque. De contra gosto então, voltou para o quarto e se enfiou por entre as cobertas. Achou que não poderia dormir direito, mas seus olhos foram ficando tão pesados, que logo seus pensamentos estavam todos se misturando e se distanciando...
Tudo estava quente e silencioso. Harry conhecia aquele lugar, apenas não sabia como havia parado ali. Estava apenas deitado no chão de terra batida, como se tivesse dormido ali. Cobriu o rosto com as mãos, protegendo a vista dos raios de sol, que batia morno em seu rosto.
_Olá, tem alguém aí? _Ele gritou enquanto se levantava, mas tudo estava deserto.
Observou a primeira barraca, do seu lado direito.
_Olá! _Voltou a gritar, e como não teve respostas, afastou devagar o pano que servia como porta. Ninguém, apenas estava vazia.
_Não posso acreditar nisso. Onde ela está? _Alguém de repente surgiu, gritando ao longe. Harry sentiu uma tremenda pontada em sua cicatriz, que fez com que ele imediatamente levasse a mão até a testa e soltasse um gemido.
Com a dor, Harry se desequilibrou e caiu no chão de terra novamente. Teve tempo de olhar para trás, por sobre o ombro, e ver uma mulher muito magra, usando um vestido roxo que cobria até os pés, com o cabelo preso em um coque apertado, no alto da cabeça, vindo em sua direção.
Depressa, Harry foi de gatinhas até atrás de uma cabana, e ficou ali, sentado, esperando que ela não o visse. Sua cicatriz continuava a formigar terrivelmente e Harry teve que engolir o grito de dor.
_Onde ela está? Onde essa garota se meteu?
_Não sei minha senhora.
Atrás dela, vinha um homem com um terno colorido, de listras verticais azuis e verdes, usando uma calça de veludo azul marinho e sapatos dourados. Apesar de tudo, suas roupas pareciam velhas e gastas, e a ponta do paletó estava queimada e comida de traças.
_Pois a procure. Se eles estiverem mesmo pretendendo vir para cá, não queremos que nada de ruim aconteça. Quero ela perto de mim quando eles chegarem.
_Sim senhora, sim senhora.
_Então ande depressa seu inútil! Depressa!
_Sim senhora! Perdão senhora.
Dizendo isso, o homenzinho se virou e andou em disparada para a direção da tenda onde Harry estava escondido. Mais que depressa, Harry engatinhou até a entrada da tenda e se enfiou lá dentro, prendendo a respiração.
Quando tudo parecia mais tranqüilo, ele arriscou sair, antes olhando para ver se a mulher havia mesmo sumido, e se seu capataz estava longe o bastante.
Olhando para seu redor, Harry pode ver a roda-gigante, que naquela hora do dia parecia mais um grande fantasma parado. Sentiu uma sensação de mau agouro vendo o Parque, que de noite era tão colorido e cheio de vida jazendo daquela maneira, morto e silencioso, produzindo apenas alguns rangidos de suas maquinas paradas.
_Como vim parar aqui? _Harry disse baixinho. Não podia ser verdade. Mas se ele estava ali, ele tinha que procurar aquela garota. Tinha que fazer as perguntas a ela, tinha que obter alguma resposta sobre o que estava acontecendo.
Pensando isso, Harry correu em direção ao parque vazio, cruzando as barracas de diversão, solitárias e moribundas, fechadas, com os brinquedos pendendo no ar, como se estivessem olhando para Harry. Aquilo dava um tremendo frio na espinha.
Como ele poderia achar ela, sem cruzar com ninguém mais no caminho? Onde ela podia estar, se é que ela morava mesmo ali no Parque?
_Quieto! Quieto!
Harry parou no mesmo instante, ao escutar a movimentação vinda de um dos lados de uma grande lona colorida.
_Ele não quer parar!
_Não é possível Dóris. Os testrálios estão muito arredios hoje. Não sei por que eles estão tão agitados!
_Eles pressentem as coisas Moot, eles apenas sabem das coisas.
_Nós já escapamos tantas vezes com eles.
Ao escutar essa conversa, Harry sentiu seu coração bater muito rápido.
_Não posso te ajudar por que não consigo vê-los _A voz de mulher continuou.
Harry então, com muito cuidado, encostou o corpo na parede de lona e devagar foi dando a volta, até conseguir se esconder num melhor lugar, e ver as duas pessoas.
Havia uma grande gaiola de circo, e dentro dela três testrálios, com seus enormes olhos brancos, dando pinotes e guinchando alto. Eles pareciam estar bem desconfortáveis com algo.
Ao ver aquilo, o coração de Harry só bateu mais depressa. Testrálios! Eles possuíam testrálios ali! Animais mágicos!
Ele sentia seu coração bater pela boca. Batia tão depressa que ele tinha medo que os outros o escutassem e o descobrissem ali.
Foi então que Harry escutou aquele barulho do seu lado, um barulho de alguém correndo enquanto respirava muito forte, por entre as tendas. Depressa, Harry olhou ao redor tentando descobrir de onde aquele barulho vinha. Alguém estava correndo em sua direção, e isso não era nada bom.
Harry começou a correr pela direção oposta, e sem perceber, deu a volta nas tendas e cruzou o gramado, sempre sentindo aquela estranha sensação que havia alguém correndo atrás dele, e aquilo fazia com que ele apertasse ainda mais o passo.
Correu por entre as lonas, até chegar num trailer. Conhecia aquele lugar, aquelas escadas de metal. Não teve dúvidas. Correu pelas escadinhas e abriu a porta de metal, a batendo atrás de si.
_Ela deve estar aqui! _Alguém gritou, abrindo a porta atrás de Harry. Ele teve tempo apenas de se esconder entre os espelhos daquela sala. _Aquela pirralha sempre se mete nesse lugar! Quero ela aqui agora Sunny! Já!
_Estamos procurando! _Uma voz muito grossa disse, mas Harry não sabia se era de um homem ou de uma mulher. Sabia apenas que era grossa de dar medo.
_Ela não está nessa sala. Não é possível. Quando a acharem, quero que a tranquem na cabana. Vocês já sabem.
_Sim senhora.
Ele escutou a porta de metal se fechar com um ruído seco, e logo veio o silêncio novamente. Harry esperou alguns minutos e então se levantou, olhando a sua volta. Da outra vez ela estava ali, entre os espelhos, naquele labirinto estranho. Seria possível que ela também estivesse escondida como ele?
Procurando em silêncio, Harry deu a volta por entre os espelhos, observando seu reflexo se alternar em cada um deles. Foi então que ao olhar para um deles, viu a garota bem atrás de si.
Se virou depressa para trás, mas não havia ninguém ali. Quando olhou novamente para o espelho, a imagem da garota continuava ali, parada, olhando para ele. Harry estendeu os dedos e tocou a fria superfície do espelho. Era apenas uma miragem.
A garota então se aproximou, sem dizer nada, e Harry percebeu então que na verdade ela não estava do seu lado, mas sim era como se ela estivesse dentro do espelho.
Ela se aproximou e seu reflexo se misturou com o de Harry, enquanto ela mexia no bolso e tirava algo que lembrava um giz laranja. Em seguida, ela começou a escrever no espelho.
Harry franziu a testa tentando ler o que ela escrevia, mas as letras estavam todas trocadas, embaralhadas, pareciam escritas ao contrário.
_Não consigo ler! _Harry disse baixinho, olhando para ela, e então ela lhe apontou para trás. Quando Harry se virou, observou que havia um grande espelho as suas costas, e através dele a mensagem ficava bem clara, escrita com as letras em sua posição normal.
“Estou presa neste lugar. Por favor, me salve”
Nesse instante, no instante em que Harry terminou de ler, sentiu sua cicatriz puxar. Fechou os olhos de dor, e sentiu lágrimas rolarem pelo seu rosto.
E então abriu os olhos.
Percebeu que estava no quarto de Rony, exatamente como tinha dormido, depois de descer para falar com o Sr Weasley. Estava ali, estendido na cama, com o pijama empapado de suor e a cicatriz formigando. O que tinha sido aquilo? Um pesadelo? Apenas um pesadelo ou mais um aviso?
Harry tinha tido aqueles sonhos tão reais no ano passado, quando podia ver pelos olhos de Voldemort, mas não. Não podia ser igual daquela vez. “Bloquear sua mente. Esvazie a mente, esvazie a mente” Harry começou a pensar em voz alta, fazendo força com o corpo, como se aquilo fosse algo físico.
Rony ainda dormia ali, próximo, a boca aberta, com um filete de baba escorrendo pelo canto e molhando o travesseiro.
Depressa, sem ter tempo para pensar, Harry pulou da cama e arrancou o pijama. Vestiu uma velha camiseta do amigo, um blusão, a calça jeans e depois se sentou na beirada da cama para por os sapatos.
Não sabia como ia fazer aquilo, só sabia que precisava fazer.
Precisava ir naquele parque, precisava voltar na sala de espelhos, rever aquela garota. Precisava descobrir por que o Parque todo possuía pequenos resquícios de magia. Mas como? Como iria chegar lá?
Olhando ao seu redor, Harry viu os passes de metrô, jogados sobre a cabeceira, perto de suas moedas do mundo trouxa. Sem pestanejar, Harry as apanhou e as enfiou no bolso, colocando os óculos em seguida e descendo pelas escadas.
A Sr Weasley estava no quintal, colhendo alguns rabanetes-cor-de-nabo, ótimos para tosse e para pústulas. Nem viu Harry passar pela porta e correr pelo caminho de terra. Apenas recolheu alguns rabanetes, e quando voltou para dentro, deu uma pequena observada no relógio da família.
O ponteiro de Artur agora apontava para “Problemas a vista”. Mas ela pensou que devia ser apenas um dos muitos problemas rotineiros que Artur enfrentava no Ministério.
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