Heloísa



Spoilers: Marauders, gente. Tem no Prisioneiro, no Ordem, no Príncipe
Agradecimentos: À minha betinha maravilhosa, Bia Correa da Silva, que dedicou seu precioso tempo pra me ajudar, cheia de carinho e atenção! Obrigada à minha família, cheia de paciência, me esperando!...
Disclaimer: esses personagens são de J.K.Rowling, menos um. Não vou ganhar dinheiro com eles. Gostaria de ganhar reviews!
Essa fic faz parte do SnapeFest 2006, uma iniciativa do grupo SnapeFest.

Capítulo 1: Heloísa

O trem vermelho cortava veloz a paisagem, soltando nuvens fofas e volumosas de fumaça, serpenteando entre as montanhas, rumo ao norte.

Em meio ao burburinho incessante, dentro do trem, a menina de longos cabelos rebeldes e cacheados olhava à sua volta, ora atenta a tudo, ora com o olhar vazio, como se absorta em lembranças passadas.

”A situação já estava assustadora de verdade. Depois das cobranças, a seu ver absurdas e injustas, calou-se consentindo, sem opor mais resistência à vontade do avô. Ela iria e pronto. Ele já tinha decidido.”

A viagem dentro da cabina foi feita quase em total silêncio, quebrado vez ou outra por perguntas e comentários esparsos entre as crianças, já que estavam todas muito excitadas e ansiosas com o grande passo que dariam em suas jovens vidas.

Ela lembrava de sua mãe. “Trouxa”, dizia seu avô. Lembrava de como ela lhe ensinara a sentir as coisas, falando da energia mágica em tudo que existia, não só no mundo bruxo.

- A maioria deles ignora o resto da humanidade, filha, e nos considera inferiores. Mesmo os que são bons e nos amam, acham que precisamos ser protegidos porque não temos capacidade de nos defender dos problemas entre os mundos, você me entende?

- E nós temos? – perguntou.

- Eu acho que sim... pelo menos se a gente não tivesse que esquecer as coisas, todas as vezes que as percebemos...

Ela lhe ensinara, também, a tolerância, a indulgência, mas nos três anos seguintes, longe do calor e do amor da mãe, a menina aprendeu a temer e respeitar o mundo dos bruxos.

Seu pai, John Varth, não era um bruxo rico, ou famoso, ou poderoso. Mas era um bruxo, e isso, por si só, já era muita coisa para Norman Varth, seu avô de sangue puro. Ele orgulhava-se da descendência antiga, de uma linhagem que compartilhou feitos e algum privilégio na bruxandade. Quando John conheceu Lúcia e se apaixonou, Norman Varth não imaginara que ele fosse capaz de abandonar tudo para seguir com ela numa nova vida. Afinal, ela era uma trouxa de nada, sem importância nem valor nenhum, vinda de uma região do planeta infestada de trouxas pobres, e que só estava na Europa como criada de família inglesa. Não adiantaram ameaças, pedidos, insultos. Seu único filho, perdido naquele mundo escaldante e ignorante dos trópicos. Anos depois, soube da existência da menina, mas nem assim conseguiu fazê-lo voltar, com promessas de um bom estudo bruxo para ela. Ele estava perdido naquelas idéias da mulher trouxa, sobre a classificação dos humanos. Mas há três anos, foi surpreendido com a notícia da morte dos dois e com a responsabilidade de ir buscar a neta e trazê-la para o velho mundo. Agora sim, poderia lhe dar uma educação correta e, quem sabe, ela seria uma bruxa de valor; mestiça sim, mas que honrasse o nome Varth. A menina tinha oito anos e já estava bastante contaminada com aquelas idéias de irmandade, vindas da ignorância dos trouxas. Mas ele daria um jeito nisso, decidiu consigo mesmo.

Em pé, na porta aberta da cabina, Heloísa observava as outras crianças que transitavam pelo corredor. Havia crianças e jovens de todos os tamanhos. Uns alegres, falantes, outros calados, assustados, introspectivos.

”Sinceramente, ela não sabia o que esperar daquilo tudo. Seu avô lhe garantira que ela seria uma boa bruxa. Tinha que ser. E ele não aceitaria menos dela. Cobrava interesse e comportamento, dedicação e obediência a tudo que ele julgava ser só o que importava a despeito dos ensinamentos de sua mãe e da influência de oito anos no mundo trouxa.”

De todas as crianças que compartilhavam o local - seis ao todo -, ela era a única que não tinha animal de estimação. Havia corujas em gaiolas e sapos perambulando soltos. Um solavanco mais forte sacudiu o trem e o que havia dentro dele. Algumas crianças e bichos caíram, embolando-se no chão da cabina. Heloísa foi jogada no corredor, de encontro a um grupo de jovens que passava e, por um momento, não conseguiu se equilibrar, derrubando junto, três outras crianças que resmungavam e tentavam se desvencilhar umas das outras. Duas meninas gordinhas com bochechas rosadas levantaram-se apressadas, rindo. Um menino magricela de cabelos pretos escorridos, com os olhos mais escuros que ela já tinha visto empurrou-a de lado, saindo desengonçado de baixo dela, xingando, extremamente aborrecido com o incidente. Mas Heloísa não deixou de perceber a sensação de solidão e de assombro que sentiu ao olhar seu rosto. Voltou correndo para a cabina, sentando-se assustada. Lembrou-se da mãe. “Dá pra sentir, mãe! Eu sei sentir!”

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