Verão



Capítulo 3 – Verão


[i]Os dias lentamente se tornavam cada vez mais longos, e a lua, que naquela época encontrava-se cheia em todo seu esplendor, cedia cada vez mais espaço ao sol, agora vibrante e quente. A pequenina casa dos Gaunt começava a se tornar abafada; aquela primavera quente dava mostras de ser apenas um prenúncio de um tórrido verão.

Merope roia os tocos de unha que lhe restavam em suas mãos finas e pálidas. Verificava e tornava a verificar a presença do minúsculo frasquinho de poção perolada no bolso, como se dele dependesse o sucesso da missão que estava prestes a realizar.

Era cedo. Tão cedo que a maioria das pessoas sequer havia acordado ainda.

Encarando os próprios pés com crescente aflição, como se eles tivessem o poder de
acelerar a chega Dele, ela esperava, de pé, na parte da estrada mais próxima da cidade.

E então... O tão familiar ruído do galope do cavalo castanho atingiu seus ouvidos.

Ela pôde observar as pequenas pedras e cascalhos da estrada se agitarem com o ar deslocado pelo movimento ligeiro do corpo do animal.

- Mérope? – Tom chamou, passando os olhos ao redor, procurando Merope.

Emocionada que estava, Merope teve de lutar contra as lágrimas e a voz embargada que seu choro produzia. Os segundos que demorou para tentar achar as palavras na mente confusa e leva-las à língua foi o suficiente para que Tom entrasse em pânico.

Merope viu, com um novo arroubo de emoção, as mãos de seu amado tremerem ao segurarem as rédeas. Sua voz tremeu também ao responder:

- Estou aqui!

O cavalo relinchou alegremente à vista da jovem, e se deixou ser acariciado por alguns instantes, enquanto seu dono, já recuperado do ligeiro susto de perder de vista sua amada, olhava de soslaio e cabeça baixa.

- Achei que você não viesse. – ele disse baixinho

Merope respondeu-lhe com um olhar profundo, que continha toda a sua tristeza, emoção e indignação.

Como ele esperava que não fugisse, quando todo o seu mundo de resumia a ele?
Como ele achava que ela não o esperaria, se o amava acima de todas as coisas mundanas?
Como podia ele, o ser mais amado do Universo, esperar não continuar a ser tão amado, se era justamente o que sua mera existência exigia?

Ele ofereceu o próprio corpo como apoio para que ela subisse no cavalo, mas Merope recusou. Subiu na sela com um impulso próprio, surpreendendo-se de ser capaz de subir no animal sem qualquer ajuda.

- Para onde vamos? – perguntou

Ele respondeu com um meneio de ombros e fez com que ela agarrasse em sua cintura.

- Estou levando algum dinheiro, mas acho que podemos nos arranjar por lá.

Chegaram em Londres ao anoitecer daquele mesmo dia.

[/i]

Quando lembrava daquele dia, Merope ainda sentia algumas lágrimas teimosas escorrendo para os cantos de seus olhos cinzentos.

Chegar em Londres fora a parte mais fácil da fuga, com certeza. Tom soltara o cavalo num terreno baldio, resquício de uma fábrica falida, que eram tão abundantes naquela área periférica onde moravam; temia que o localizassem. De sua parte, Merope não temia nada: quem ligava para seu sumiço? As pessoas até se sentiriam grata por não ter mais de aturar sua presença. Mas Tom... Merope estava certa de que o Sr.Riddle poria até a Scotland Yard atrás de seu herdeiro, se fosse possível. Ainda assim, a preocupação, ela sabia, era inútil, porque Londres era tão grande e confusa que era como tentar achar uma agulha num palheiro.

Não. A preocupação maior era com os vizinhos, aquelas pessoas pálidas, magras, sujas e sempre prontas a repreender sua aparência, principalmente se comparada à beleza celestial de seu marido. As pessoas se perguntavam por que raios aquele homem parecia estar tão apaixonado por aquela moça tão feia, esfarrapada e que não parecia ser dona de nenhum atributo intelectual que justificasse aquela paixão desvairada.

Os vizinhos o viam chegar todo dia do trabalho com um lindo buquê de flores, e agarrava a mulher pela cintura e a beijava e abraçava e declarava para quem quisesse ouvir que a amava mais do que tudo. Já ate esmurrara um dos vizinhos que fizera comentários maldosos a respeito de Merope.

E ademais, a paixão estava fazendo muito bem a Merope. Seus olhos, antes opacos e melancólicos, sempre voltados para baixo, agora reluziam de uma felicidade plena e encaravam com audácia qualquer um que a depreciasse. Engordara; seu corpo agora exibia ligeiras curvas aparentes sob as finas vestes de verão que não seriam notadas um ano atrás; seus cabelos, antes escorridos e de um castanho lamacento, tomaram nova vida, e emolduravam-lhe o rosto já não tão pálido e cujos lábios finos agora ostentavam um rubor de maçã madura prestes a ser mordida.

Ao contrário, era Tom quem parecia receber o ônus daquela paixão doentia. Trabalhava numa fábrica qualquer, e suas mãos antes tão macias, que jamais haviam tocado em trabalho qualquer, estavam grossas e calejadas. O pouco tempo que tinha de folga, em casa, era gasto somente na contemplação e na paixão pela mulher. Quando sentavam-se para jantar, mal comia; a presença de Merope parecia o suficiente para alimenta-lo.

Mas quando aquelas reflexões atingiam sua mente, Merope teimava em ignora-las. Estavam tão felizes, não estavam? Tom a amava demais, e isso a tornava a mulher mais feliz de todo o Universo...

Merope passava os dias e tardes aguardando o retorno do marido ao lar; observando as construções perfidamente compactas da vizinhança através da vidraça encardida ou passeando pelas ruelas pobres da periferia da Grande Londres.

Também voltara uma ou duas vezes para o Beco Diagonal para repor o estoque de poção do amor, ainda que evitasse ao máximo passar por lá – embora devesse as felicidade à magia, não gostava de lembrar que era bruxa, porque isso a tornava tão diferente de seu amado; e temia tanto pelo dia em que ele descobriria sua condição, porque ele certamente não a amaria mais...

Naquele dia, em meados de julho e auge do verão, um calor abafado pelas inúmeras construções de concreto amontoadas juntas tomava conta do ambiente. Mais uma vez, Merope observava o ir e vir de vizinhos apressados, escondendo o rosto atrás da cortina esfarrapada. Sua testa brilhava de suor, e podia sentir o mormaço a envolvendo como se estivesse dentro de um forno.

Abriu a porta esperando com isso atrair alguma brisa fresca para dentro de casa, mas, quando lançou um olhar de vaga distração para a casa em frente, assustou-se com o olhar intenso da velha trouxa que morava ali.

- Boa tarde, Sra.Ynes – Merope disse, trêmula, tentando ser o mais simpática possível. O olhar daquela velha parecia ser capaz de radiografar cada pensamento seu.
- Teu marido ainda não voltou? – a Sra.Ynes perguntou, severa
- Não, senhora. Ele só volta à noite

Encararam-se, velha e moça; a primeira analisando a figura patética que era a segunda, como se procurasse algo para realçar-lhe ainda mais a idiotice.

- Não consigo entender o que Tom viu em ti, menina.

Merope não respondeu; era de praxe lhe dizerem isso.

- Vocês são bem felizes juntos, eh? – a velha indagou. Merope continuou calada – Pessoalmente, eu o acho meio apatetado. Cego de paixão,entende?
- Somos bem felizes, senhora, e nos amamos muito – disse Merope baixinho, erguendo a cabeça.
- De que é que vocês fugiram? Um jovem casal sem eira nem beira, chegando assim de mãos abanando, deve ter algum motivo...
- Desculpe, senhora, mas prefiro não falar sobre isso – Merope respondeu com uma audácia nada típica sua.

A velha riu um riso asmático e debochado.

- Acho que você o enfeitiçou, sua bruxa – A Sra.Ynes disse, ainda entre tosses e risos.

Assustada, temerosa pelo seu segredo, Merope afastou-se, engasgada na resposta que preparara tantas vezes para aquele tipo de situação.

- Nós nos amamos muito, e não importa o que achem; não sou bruxa nem o enfeiticei. O amor é tão poderoso que ultrapassa essas... barreiras. – ela diria secamente, se aquilo não fosse tão hipócrita que a fazia ter nojo de si mesma.

Porque Merope sabia que seu amor com Tom era nada mais que uma coincidência absurda do destino, que unira numa só jogada uma ocorrência totalmente desconecta como a prisão de Morfin e Marvolo, com a generosidade de uma alma vingativa e caridosa como a da vendedora que lhe dera a idéia da poção. Se um daqueles eventos tivesse deixado de ocorrer, ou ocorrido de forma diferente, seria ela, e não Cecília, quem estaria, naquele momento, chorando por Tom. Como o bater das asas de uma borboleta, que pode ocasionar um furacão do outro lado do mundo...

Seus pés a levaram através das ruelas sujas do bairro até uma parte mais movimentada da cidade, onde as casas lentamente, conforme se subia a rua, deixavam de ser casebres de tijolos encardidos e se transformavam em respeitáveis casas de subúrbio de classe média.

Merope batia os olhos naqueles gramados impecáveis e casas excessivamente limpas e roia-se de inveja. Ouvia os gritos de pura felicidade das crianças que ali moravam, e imaginava se um dia eles teriam filhos. Sorria para si mesma e prometia-se um filhinho bonito e inteligente, que pareceria com Tom e se chamaria Tom, também. E, sendo filho de um trouxa, ele poderia até não ser bruxo...

Sentou-se no banco de uma pracinha, onde bebês e crianças brincavam assistidos por suas elegantes mães.

Um tremor involuntário sacudiu seu corpo. Bem que gostaria de ter filhos, mas Tom parecia tão alheio a qualquer coisa que mal seria capaz de perceber a presença de uma criança. E ela... Bem, Merope não tinha certeza se teria capacidade de cuidar de um bebê, porque mal podia cuidar de si mesma.

- Você tão jovem já tem filhos, querida? – perguntou uma das loiras mães que observavam as crianças no parque.
- Eu... Não, senhora. – Merope respondeu assustada
- Só os tenha quando tiver certeza de que os quer... – suspirou a mulher – porque você não terá vida própria por um bom tempo. Até seu marido se cansará de você.

Uma onda de ciúmes invadiu Merope ao ouvir aquelas palavras. Amava Tom, e jamais suportaria ter de deixa-lo para cuidar de uma criança.

Ainda assim, havia algo de alentador na visão de rosados pirralhinhos untando-se de areia, então Merope resolveu permanecer ali até que algo quebrasse a inércia em que se encontrava imersa.

E esse algo veio quando, enquanto estava sentada sob um frondoso álamo, uma pequena serpente, obviamente peçonhenta pelas vívidas cores de suas escamas, passou silenciosamente do lado de seu corpo em direção a um garotinho louro de não mais de um ano de idade. A cobra armou seu bote, direcionando as presas diretamente no suculento pescoço da criança, bem a tempo de Mérope ver a iminência da tragédia e gritar:

- Pare!

Como esperado, o que saiu de sua boca foi um sibilado que ela própria havia muito não escutava. A cobra imediatamente obedeceu à ordem, mas ao invés de desarmar o bote e abandonar o plano, voltou-se contra Merope antes que ela tivesse tempo de repetir a ordem.

A criancinha irrompeu no choro e foi imediatamente acudida pela mãe. As outras mulheres e crianças curiosas cercaram Merope, que tremia e apertava a panturrilha mordida pela cobra.

- Não faz mal, eu posso extrair esse veneno num minuto... – Merope murmurou, tentando pôr-se de pé.

Mas no momento em que o fez, recebeu um vigoroso tapa no rosto. Atordoada e meio cega pela dor, ela olhou ao redor, procurando o agressor.

- Como ousa...?! Sua... Maluca. Atiçando a cobra para cima de meu filho, o que acha que estava fazendo? – gritou a mãe da criança.

As outras mulheres concordaram num murmúrio agressivo de concordância que assustou ainda mais a dolorida Merope.

Fugiu antes que fosse linchada, acusada de um crime que jamais cometera, parando apenas para extrair um veneno transparente que fora depositado pela cobra em seu corpo. Às vezes achava que, como ofidioglota e descendente de Slytherin, tinha imunidade àqueles venenos. Ou vai ver já sentira tanta dor na vida que era imune àquelas, físicas.


[...]


Julho se fora, e com ele o calor escaldante. Agosto chegara e já se ia em meados, quando Tom lhe comunicara, falando num tom em staccato e indiferente que lhe era característico, que fora demitido da fábrica porque, segundo seu chefe, “vivia com a cabeça nas nuvens”, mas que ela não se preocupasse, porque ainda tinham bastante dinheiro para viver até que ele achasse um outro emprego. E, de fato, a preocupação de Merope não persistiu ao passar de alguns dias, quando percebeu que, sem ter de trabalhar o dia todo, Tom parecia menos cansado e podia dedicar todo o seu tempo a ela. Aquele tempo de aparente prosperidade, apesar de nenhum dos dois trabalhar e conseqüente déficit nas contas da casa ao final do mês, escondia de ambos que algo não ia bem. Era tal a ilusão do casal, que chagavam a fazer planos para um futuro distante que nenhum dos dois sabia ser inexistente.

- Detesto ter de viver como fugitivo – dizia Tom – um dia, Merope, vamos voltar para Little Hangleton e você vai viver onde e como merece, ao meu lado na Mansão Riddle.

Merope sorria e afagava-lhe os cabelos carinhosamente, também sonhando com o dia em que poderia andar por sua cidade sem ter vergonha de ser quem era.

E foi num dia do já decadente verão, no começo de setembro, que Merope percebeu que havia algo de muito estranho no modo como as pessoas a olhavam. Quer dizer, mais estranho do que o normal.

Estava passando pela fachada da casa da Sra.Ynes, e a gorda senhora a observava mais atentamente do que costumava fazer. Sentindo um comentário depreciativo se aproximando, Merope abaixou a cabeça e apertou o passo. Ainda assim, aquilo não foi o suficiente para impedi-la de baixar os olhos sobre a moça.

- Você está gorda. – disse a senhora tão-somente.

A raiva escaldante tingiu suas bochechas de escarlate, mas como de praxe, Merope não respondeu.

- Se quer saber, ele deve estar chegando pelo inverno.

Dessa vez Merope não foi capaz de conter a curiosidade:

- Ele [i]quem[/i]?

A velha riu seu riso habitual, expectorando anos de nicotina acumulada nos pulmões.

- Você não pode ser [i]tão[/i] burra....

Era demais para a pobre e ingênua Merope, que resolveu não mais aturar os comentários da vizinha, e foi-se embora, pisando duro. A curiosidade não persistiu, porque sabia que não gostaria da resposta.

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Oie o///

Lillith e suas onipresentes notas de autora.

Nem tenho muito a complementar, espero só que estejam gostando. Acho só que a essa altura, é melhor esclarecer um pouco a ordem dos eventos, que podem estar um pouco embaralhados na mente dos (poucos) leitores.

A história começa em Dezembro, no meio do inverno. Em março, no começo da primavera, Morfin e Marvolo foram presos. Em Abril, Tom Jr. aka Lord Voldemort foi concebido, sendo que Merope ainda não havia casado com o pai de seu filho.

No começo de junho, no finalzinho da primavera, eles fogem (o Verão começa no final de junho). Este capítulo, Verão, se passa entre os meses de Junho e Setembro. Segundo a ordem dos eventos nesta fic, Tom Jr. nasce um pouco prematuro (de abril, quando é concebido, para dezembro, quando nasce, são oito meses) e Merope só descobre (ou começa a descobrir) a gravidez aos cinco meses. Isso é necessário tanto para mostrar que ela própria não quer aceitar a gravidez quanto para coincidir com os meses, ou seja, quando ela descobre, já estamos no Outono, e por isso a gravidez é fortemente associada à “queda” nos padrões amorosos da vida de Merope.

Sendo assim, hope you enjoy ^^

Beijos,

Lillith R.

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