O salvador
N/A - Essa fic é universo beeeeeeeem alternativo, mesmo em relação a certas relações entre personagens que aparecem mais à frente. Ah! E terá cenas adultas lá mais adiante, só estou avisando já para depois não reclamarem X) A ideia é inspirada de um daqueles romances de banca cujo título é homónimo ao da fic. Os direitos da história são da pessoa que a inventou primeiro, ok?
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Capítulo 1 - O salvador
-Está enganada, signora! – protestou Ginny. – Eu jamais faria…
-Fora! Fora daqui! – gritou Maria Firenzzi e empurrou-a com tanta força que Ginny raspou com o braço no tronco da oliveira que os Firenzzi tinham no jardim, com propósito decorativo.
As duas criadas sicilianas seguiam-na, levando nos braços os poucos pertences de Ginny e tentando a todo o custo suster o riso com medo que a senhora voltasse a sua fúria contra elas. No entanto, os dois filhos da família, que até há meia hora atrás tinham estado ao cuidado da ruiva, não esconderam a sua alegria, rindo-se abertamente e apontado para ela com os seus dedos gordos. Enviados do Inferno, Ginny costumava pensar após horas e horas aturando as suas birras e artimanhas.
Se não tivesse em conta aquela última humilhação, até ficava muito contente por tal coisa chegar a acontecer. Odiara aquela rua, aquela casa, aquela família, desde o primeiro dia…já teria chegado há duas semanas? Em qualquer dos casos, parecia uma condenação para a sua vida, mesmo não tendo outra solução devido à má situação financeira em que se encontrava: os bolsos pesados de tão vazios.
Mas agora, por fim, livrara-se de tudo. Até valia a pena suportar aquela cena surreal só para se livrar daquelas crianças malcriadas, da sua odiosa mãe (que não passava de uma ordinária com ares de grandeza) e, principalmente, de Antonio Firenzzi. Antes de o conhecer, não tinha noção que aquele tipo de homem realmente existia. Sempre suado, fraco e completamente convencido de que a única razão pela qual um ser como ele fora colocado no cimo do planeta Terra era para humilhar e desfrutar das mulheres. Ela realmente pensava que esse tipo de criatura era única dos filmes e livros de terror.
Ginny tocou no braço arranhado e arrepiou-se ao se lembrar de Antonio quando tentou tocá-la, proferindo frases obscenas. Que alívio era livrar-se daquele homem asqueroso, daqueles miúdos insuportáveis e de uma mulher que devia ter problemas de visão já que acreditava piamente que ela podia achar o seu marido atraente e chegar a querê-lo para si.
Maria empurrou-a até ao portão de ferro do jardim, gritando: - Quer roubar o meu marido, mas ele não gosta de mulheres do seu tipo! Fora! Rua! Não se atreva a voltar! Quer o seu dinheiro, mas eu não pago a uma rameira – gritou para que todos ouvissem. E já havia bastante gente na rua a observar o autêntico espectáculo grátis. Todas as governantas da vizinhança pareciam contemplar a sua expulsão da supostamente muito respeitável casa da família Firenzzi – Quem se porta como uma rameira é para a rua que vai trabalhar.
Aquele último insulto revoltou-a. Desde que chegara à Sicília com o objectivo de encontrar o seu pai, um pai que não conhecia, mas que desejava imensamente conhecer e amar, que não fizera outra coisa senão sofrer pressões e miséria. Aquela viagem era um verdadeiro desastre e, se não fosse tão teimosa, já teria dado meia volta e regressado a Londres, admitindo que aquela ideia não passara de mais um dos seus ingénuos sonhos. Mas Ginny não se dava por vencida assim tão facilmente.
Furiosa, enfrentou a sua ex-patroa, disposta a não suportar mais insultos, mas o que poderia fazer? Torcer aquele pescoço rugoso à frente daquela multidão?
Mas Maria Firenzzi sabia o que fazer, pelo que ameaçou lançar-se sobre a sua vítima e lhe deu uma tremenda bofetada na cara. Ginny não esperava nada daquilo, de modo que recuou, incrédula e horrorizada com os gritos de ânimo das outras mulheres. O medo percorreu a sua espinha. Ela não passava de uma estranha, uma estrangeira que, segundo a senhora Firenzzi, pretendera roubar o seu marido extremoso. Não teria a mínima chance de fugir da ira daquela matilha siciliana. A única coisa que lhe restava era o seu orgulho…oh se era! Um orgulho supostamente herdado do pai que viera procurar.
-Pague aquilo que me deve, signora – advertiu – Ou serei forçada a dizer a toda esta gente o tipo de pessoa que você é.
Com os braços cruzados, a mulher deitou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada fria e algo histérica e, depois de agarrá-la pelos ombros, empurrou Ginny que acabou por ir parar à estrada. Apesar de tentar arduamente equilibrar-se sobre as suas velhíssimas sandálias, Ginny caiu desamparadamente no chão. Mas aparentemente as italianas ainda não tinham terminado com ela. Tomates maduros começaram a chover sobre ela, que teve de colocar os braços sobre a cabeça e encolher-se para evitar que a magoassem seriamente; água, atirada de uma qualquer janela próxima, caiu bem ao seu lado, salpicando cara e cabelo. Depois ouviu um baque da sua mochila aterrando junto dela. Houve um murmúrio de apreciação geral por parte das entusiasmadas espectadoras, que presenciavam aquilo que julgavam ser um castigo exemplar para uma ladra de maridos, e depois o estrondo do portão a fechar-se encerrou a cena da peça mais dramática da sua vida.
Foi um verdadeiro alívio. A tortura e a humilhação tinham terminado. Jamais se sentira tão sozinha, tão renegada e imunda como naquele momento. Ginny respirou fundo e num súbito ataque de humor negro imaginou um realizador de cinema a gritar “CORTEM!”. Porque aquilo não podia passar de uma cena de filme muito sádico.
Começou a abrir os olhos, apercebendo-se de que os sons que a rodeavam tinham mudado e que ela continuava estatelada no meio do chão. Tentou recobrar o fôlego, enquanto ouvia um novo som…o barulho do motor de um carro e o clic de uma porta que se abria. O riso das mulheres que continuavam a rodeá-la cessou e ouviu-se um murmúrio. Que tipo de murmúrio, ela não saberia dizer. As portas das casas fecharam-se à chave e até os pássaros nas suas árvores saltaram uma nota da sua canção.
Lentamente, Ginny ergueu a cabeça e a primeira coisa que viu foi um par de sapatos de pele imaculados e de uma curiosa cor castanha clara. Levantou o olhar, pensando que ia cegar com o sol abrasador, mas felizmente descobriu que o gigante recém-aparecido lhe fazia sombra. As pernas envoltas numas calças de linho branco, de muito bom corte e gosto, davam lugar a mais linho da mesma cor. Um impecável casaco, provavelmente de uma marca cara, deixava entrever uma camisa branca de seda. Uns poderosos braços cruzavam-se sobre o peito e uma cabeça de cabelo revolto e escuro, asa de corvo, estava inclinada até ela, observando-a atentamente.
O silêncio trouxe mais silêncio e o tempo pareceu parar. O jovem gigante, nada disse; limitou-se a ficar ali a olhá-la. Ginny não estava numa posição ideal para conseguir analisar as suas feições com nitidez, mas sentiu-se extremamente aliviada por aquele homem, fosse quem fosse, ter chegado precisamente naquele momento. Também a aliviou verificar que não era um carabinieri (N/A: polícia italiana). Não acharia a menor graça acabar na prisão depois de tudo aquilo por ter trabalhado na casa dos Firenzzi sem documentação legal.
A jovem tentou levantar-se, mas entre o calor e a brutalidade de que fora alvo sentia-se tão forte quanto um passarinho que acabara de se despenhar no chão após a primeira tentativa de voar sem acompanhamento parental. Pelo menos conseguiu ficar direita, pelo que limpou os joelhos, satisfeita por ter uns calções vestidos e não uma saia, o que tornaria a situação ainda mais embaraçosa.
- Está bem? - perguntou o jovem. Tinha uma voz profunda e forte, com pouca pronúncia italiana.
Ginny ergueu a cabeça e fitou-o. Se não estivesse naquela situação ter-se-ia imediatamente apercebido do quão atraente ele era – Já estive melhor. E o meu aspecto também já foi menos mau – adiantou, pescando umas quantas sementes de tomate do braço.
O estranho ofereceu-lhe uma mão forte para ajudá-la a levantar, que ela aceitou hesitantemente – Obrigada – disse, tentando a todo o custo sorrir – É o primeiro cavalheiro que encontro desde que cheguei a este lugar.
E levantou a cabeça para olhá-lo com atenção. Foi então que o seu coração falhou um salto ao encontrar uns olhos maravilhosamente verdes e o rosto de expressão grave, de linhas bem definidas e expressão ardente, como se existisse um grande cometa em fogo no seu interior, a irradiar luz e calor. Contudo, tinha os lábios cerrados e Ginny interrogou-se sobre o que teria ele ouvido e visto daquela lamentável cena. Inconscientemente passou a mão pelos seus longos cabelos ruivos e encontrou mais sementes de tomate. “Meu Deus, devo estar uma bela figura!”, pensou. Então, olhou para o carro dele e o seu queixo caiu com a surpresa. Era mais uma limusina do que um carro normal, branco puro com vidros negros.
-Bom e quem é você? O carteiro? – tentou gracejar, tentando recuperar da impressão que o veículo lhe causara, uma vez que ele, como ela, parecia completamente deslocado daquela pequena rua. Silêncio. Ele não proferiu uma simples palavra. Semicerrou levemente os olhos e o coração de Ginny apertou-se. Que idiotice acabara de dizer a um estranho com um carro daqueles! Apesar de ter chegado apenas há umas semanas, esse tempo havia sido suficiente para se inteirar do tipo de ambiente que se vivia naquela ilha: a palavra mafioso surgiu como um flash na sua cabeça.
- Bem…bom, obrigado por me ter ajudado – disse – Agora é melhor eu ir. Grazie, ciao! – Baixou-se para pegar na mochila; queria sair daquele lugar o mais depressa que conseguisse. Depois de tudo o que passara…tinha sido roubada durante a sua primeira semana em Palermo, procurara trabalho para acabar na terrível casa Firenzzi e, ainda por cima, tinha sido escorraçada sem um único tostão de pagamento. Era impossível que a situação ficasse pior. Ou talvez não.
A sua mochila foi levantada do chão um segundo antes dela lhe tocar. Sem proferir uma palavra, o estranho deu meia volta e colocou a mochila dela no assento da limusina. Depois, debruçou-se e apanhou outros objectos que ela nem notara que haviam caído: um colar de contas azuis, um livro forrado com papel de jornal, alguns pincéis e um tubo de creme hidratante e atirou tudo para o interior do carro. Ela simplesmente observou os seus movimentos de tal forma que qualquer pessoa diria que ela sempre tencionara entrar no carro e partir com ele, quando na verdade ela estava demasiado surpresa para reagir. Contudo, essa parecia ser a intenção do estranho, pois este moveu a cabeça na direcção do interior da viatura. O seu rosto estava sério e, ela diria, impenetrável.
- Não, por favor. – finalmente protestou – Estou bem. O meu…o meu namorado – engoliu em seco – está à minha espera mesmo ali ao lado, na piazzo…piazza – corrigiu-se, corando que nem uma louca com o tamanho da mentira.
Ele não acreditou minimamente. As suas sobrancelhas negras arquearam-se levemente, formando uma expressão de incredulidade estranhamente divertida, mas não se pronunciou. Limitou-se a apontar novamente para o interior do carro com um movimento da sua bela cabeça. O bom senso gritava a Ginny que não devia entrar. No entanto, onde poderia levá-la? Se fosse apenas um homem decente a oferecer a sua ajuda a uma dama em apuros, iria oferecer-se para levá-la a algum sítio, mas onde? A pensão onde se hospedara antes do fiasco com os Firenzzi exigia parte do pagamento adiantado e ela tinha dinheiro que chegasse apenas para a espuma de um cappuccino. O seu desespero devia ter-se espelhado no seu rosto, pois o misterioso homem aproximou-se dela e, com uma suavidade inacreditável, conduziu-a até ao carro por um braço. Era incrível a forma como um gesto tão intimidante parecia delicado e simples num homem como ele. Foi então, junto da porta, que ele falou de forma calmante.
- Não tenha medo. Não pretendo magoá-la, mas você parece estar meio em choque e precisa de um belo banho – os seus olhos varreram a jovem diante de si de alto a baixo, fazendo-a sentir-se trémula de novo – E esta não é uma zona muito adequada para uma jovem inglesa como você, pelo que me permita oferecer a minha ajuda.
Devia estar mesmo com um aspecto horrível para ele a aconselhar tão francamente a tomar um banho. A impressão dele não devia ser nada favorável, principalmente se tivesse ouvido a gritaria da signora Firenzzi. No entanto, uma outra coisa estalou na sua cabeça: - Como…como é que sabe que sou inglesa?
Ele sorriu – um sorriso lindo, ainda que breve, na modesta opinião dela – e apontou com um dedo para a mochila. Ela olhou e viu nitidamente um pequeno símbolo da bandeira de Inglaterra, cosido por ela mesma, na esperança de que ajudasse a conseguir ajuda mais facilmente. Apesar do sorriso, Ginny não abandonou completamente os seus receios. De facto, todos os seus sentidos estavam em alerta máximo. Afinal, alguém que conduzia uma limusina de vidros fumados deveria ter algo a esconder dos olhos do mundo.
- Vai entrar ou prefere ficar com as suas novas amigas? – perguntou ele, os olhos esmeralda brilhando levemente – Segundo aquilo que percebi, não teria sido muito fácil para você sair desta rua sem levar junto todo o mercado vegetal da região.
O coração caiu-lhe aos pés. Ele vira e ouvira tudo e talvez até pensasse que ela era uma rapariga fácil. Ginny ergueu o queixo numa atitude defensiva. Ela sabia a verdade e isso era tudo o que importava, mas ao levantar o rosto para encará-lo de frente viu-se reflectida no retrovisor do carro. Tinha o cabelo completamente coberto de polpa de tomate e a cara vermelha da pancada que levara. Ninguém no mundo a poderia confundir com uma mulher de rua! Aliás, ousava pensar que qualquer homem teria de estar muito desesperado para pensar nela desse jeito. E o estranho não tinha qualquer motivo para estar desesperado. Era de tal forma atraente, com aquele brilho interior invulgar, que devia ter uma legião de mulheres perseguindo-o ou talvez mesmo uma linda esposa à espera em sua casa ou uma namorada perfeita.
-Não vou entrar – disse em tom de desafio, avançando para retirar os seus parcos pertences do banco. Subitamente sentiu que alguém a levantava pela cintura e a sentava no assento da frente com uma facilidade surpreendente. A porta do carro fechou-se e Ginny teve a sensação de estar presa numa câmara vazia. Apesar de se sentir atordoada, passou a acção e lançou-se até ao assento do condutor com a intenção de sair por essa porta. Puro erro, a única coisa que conseguiu foi dar de caras com o belo estranho.
- Mas que diabo pensa que está fazendo? - exclamou, recuando, já vermelha de irritação. E como é que ele conseguira chegar tão rapidamente ao lugar do condutor?
- Estou a comportar-me com muito mais lucidez do que você.
Ginny deixou-se cair contra as costas de couro do banco. A primeira coisa que pensou, por mais absurda que pudesse ser, foi que poderia encostar a cara contra o vidro do carro, bater-lhe com punhos para pedir ajuda, que ninguém a veria. E pela espessura dos mesmos, juraria que também não seria ouvida. Mas nem tudo estava perdido. O misterioso homem arrancou, os olhos focados na estrada à sua frente, mas seguia tão lentamente que ela poderia facilmente abrir a porta e saltar em andamento sem se magoar muito. Tentou abrir a porta, mas o fecho não cedeu de forma alguma. Estava trancado. Ginny sentiu o seu coração encolher-se ao tamanho de um grão de arroz. Pelo canto do olho observou novamente o condutor e viu o músculo da mandíbula tremer quase sem se fazer notar mas, para além disso, nada mais. As forças a abandonaram e atreveu-se apenas a perguntar timidamente:
- Para onde me leva?
- Ora, para a piazza – respondeu naturalmente, como se ela já devesse sabê-lo – Vou deixá-la com o seu namorado e depois seguirei o meu caminho.
Ginny moveu-se inquieta no seu assento, perguntando a si próprio o porquê de se sentir desiludida. O estranho acreditara na sua mentira e estava disposto a agir em conformidade…então, porque é que ela se sentia assim? Quanto muito deveria desconfiar dele, após duas semanas a lutar por não ir parar à cama de Antonio Firenzzi. Mas aquele homem parecia ser tão diferente…não lhe inspirava receio, bem pelo contrário, a sua presença era fortemente sentida mas não lhe desagradava. Tentara recusar a sua oferta de ajuda e agora sentia-se triste por não irem além da piazza. Exasperou-se consigo e com a sua confusão interior.
- Certo – murmurou, permanecendo imóvel e tentando olhar apenas em frente. Contudo a presença a seu lado atraía o seu olhar e foi isso que acabou por fazer. Ele continuava fixado no caminho, sem revelar nenhuma emoção, sem trair nenhum pensamento. Parecia feito de pedra, de uma pedra preciosa e finamente esculpida. Ginny sentiu um aperto no coração que nada tinha a ver com medo ou inquietação. Ele virou-se tão depressa que ela não teve tempo de afastar o olhar, fazendo-a corar de vergonha por estar a fixá-lo tão profundamente. Então, ele tirou um lenço de seda do bolso e ofereceu-lho antes de voltar a concentrar-se na estrada.
-Limpe-se – ordenou sem qualquer emoção. Ginny obedeceu instintivamente, passando o lenço pela cara. Cheirava a limão e era fresco e suave, demasiado bom para usá-lo nas feridas nos cotovelos e joelhos. Deixou-o depois no colo, enrolando as pontas dos dedos com o mesmo. Sabia que a próxima curva desembocava no seu suposto destino. E depois? Sairia dali e esqueceria o seu encontro com aquele estranho? Depois daquele lugar parecia não existir mais nada, não tinha sítio para onde ir.
Umas semanas antes, enfrentara o desafio com ímpeto, mas naquele momento sentia-se fraca e indefesa. Uma pessoa normal não podia enfrentar tanto azar sem esmorecer. Talvez devesse ter ouvido os pedidos de Dean e não se ter aventurado naquela busca.
FLASHBACK
- Você não me entende, Dean –disse – Pediu para me casar com você, mas como é que posso pensar nisso se nem sequer sei quem sou?
- Está usando esse pretexto para não se comprometer comigo, Ginny –exclamou ele – De que tem medo?
- Por favor Dean, não torne tudo mais difícil e doloroso – pediu. Porque é que deixara a relação de ambos chegar tão longe? Sentia muito carinho por ele, mas não estava preparada para se casar e muito menos com ele. Depois de ter encontrado uns documentos entre os papéis do seu pai adoptivo, a vida de Ginny ficara sumida num caos. Como é que podia seguir em frente quando sentia tanta necessidade de conhecer o passado para só depois enfrentar o futuro?
- Você é a minha Ginny e tem uma mãe e um pai que sempre cuidaram de você – argumentou Dean - Como pode fazer algo desse tipo e logo agora que estão fora?
Um sentimento de culpa apoderara-se dela. Sim, os pais haviam tomado conta dela, mas apenas no sentido material da questão. Não se lembrava de uma única vez em que um deles a tivesse beijado durante a infância; nem sequer se lembrava de quaisquer palavras carinhosas. Para eles, Ginny não passara de mais um bem nas suas vidas, algo que toda a gente tinha e que eles também deveriam ter. Quando a julgaram suficientemente crescida para entender a verdade, disseram que era adoptada e muito cedo ela começou a compreender os seus sentimentos…ou a falta deles. Desse modo, fizeram com que se sentisse obrigada a agradecer-lhes, uma vez que eles mesmos lhe falaram de quão má a vida podia ser em orfanatos e casas de acolhimento. A partir dessa altura, um vazio de solidão apoderara-se dela e nada preenchia esse espaço ou conseguia sequer ocultá-lo. Muito menos Dean. A distância entre ela e os seus pais aumentara ainda mais, bem como a desilusão destes, que viam os seus esforços para moldá-la saírem falhados. Ela optara por uma escola de arte em vez de ingressar na universidade, algo que eles consideravam um disparate pegado. Eram ambos muito profissionais, a mãe era médica e o pai matemático e achavam a opção da filha uma perda de tempo e dinheiro. Então, quando eles estavam nos Estados Unidos, Ginny encontrara aqueles papéis.
- O meu pai é siciliano – disse a Dean – e a minha mãe morreu num acidente de automóvel quando eu tinha um ano de idade. Tenho um nome e uma nacionalidade por onde começar a procurar, Dean. Posso encontrar o meu pai verdadeiro. Quero saber quem sou, preciso saber. Não pode entender isso?
- Você vive num mundo de fantasia e sonhos, Ginny…julgo até que está obcecada. Só vai ter problemas se chegar a encontrá-lo.
- Sou eu quem decide isso Dean! - exclamou já fora de si – Não penso cometer nenhuma idiotice. Quero apenas encontrá-lo, vê-lo…posso nem falar com ele, se as condições não forem adequadas, mas preciso vê-lo.
- Você é demasiado romântica. Se eu tivesse sido abandonado não quereria saber quais eram as minhas raízes. Os seus pais não te quiseram, isso é tão evidente Ginny…
- Não, Dean – interrompeu-o e, naquele instante, soube com clareza que ele também não a amava de verdade. Se a amasse compreenderia – Preciso apenas de saber…- continuou – Algures na Sicília vive o meu pai. Tenho o talento artístico nos meus genes, pode ser que o tenha herdado dele, preciso de saber isso, de saber tudo! Tenho que tentar!
Mas Dean não compreendeu e fora isso, bem como o seu desamor, que fez com que Ginny terminasse a relação de ambos com uma discussão azeda, que o deixara mais zangado do que triste.
FIM DO FLASHBACK
Contudo, até ali todas as suas tentativas tinham sido em vão. Tentara consultar a lista telefónica em busca do número de Arthur Weasley – aparentemente o nome do seu pai – mas conseguiu apenas que lhe desligassem o telefone na cara, bem como uma proposta indecente. Foi também a alguns edifícios oficiais onde foi alvo de risota pegada. Talvez se tivesse mesmo deixado levar pelos sentimentos em vez de pelo bom-senso. E para completar o ramo, encontrava-se naquele instante fechada no carro com um homem misterioso!
De repente, o estranho parou o carro e Ginny apercebeu-se que haviam chegado à piazza. O homem virou-se para olhá-la com uma mão pousada sobre o volante e a outra no assento da jovem. A sua expressão facial estava bem diferente: era de um cinismo cáustico.
- Bom…chegámos ao seu destino – disse. A jovem mirou a rua e, então, compreendeu a mudança no seu comportamento. Aquela não era propriamente uma zona turística. Sem dúvida que era o local mais improvável para um inglesa com um fascinante cabelo longo e ruivo, grandes olhos castanhos brilhantes, pernas esbeltas e coração generoso.
Ginny contemplou com nervosismo o grupo de homens de pele morena e braços musculados, que gesticulavam sem cessar, embrenhados em conversas sombrias, soltando gargalhadas desagradáveis. Não havia uma única mulher à vista e nenhum daqueles homens poderia passar por ser namorado.
- Qual desses cavalheiros – o estranho saboreou a palavra com uma voz entre o divertido e o irónico, pois estava bem ciente de que cavalheiros eles não eram certamente – é o seu namorado?
- Parece… que ainda não chegou – arriscou ela em voz baixa. A ideia de ter de deixar a protecção daquele carro horrorizava-a, mas agora não tinha como voltar atrás – Vou esperar por ele – disse, apertando a mochila nos seus braços contra o peito. Dessa vez a porta se abriu – Obrigado…por tudo.
Estava saindo quando viu Antonio Firenzzi sentado a uns escassos metros dali. O que acontecera naquela manhã surgiu na sua cabeça como um filme que preferia não voltar a ver. Antonio Firenzzi a entrar no seu quarto enquanto ela se penteava. Ele arrancando a sua blusa de algodão com enorme brutalidade, fazendo-a gritar. Ela se debatendo para o manter afastado dela. O beijo que ele forçara para a calar. A forma como a lançara sobre a cama e depois…depois…
Ginny voltou a sentar-se no banco do carro, tentando conter a náusea. O mundo começou a girar à sua volta, mas entre a confusão de sons e sensações que a assaltavam, sentiu um braço protector que a obrigava a permanecer sentada, uma mão que se estendia para ela na escuridão em que mergulhara, um corpo quente que se cruzava diante do seu para fechar a porta ainda aberta da viatura. Por fim o carro fez marcha invertida, afastando-a daquela visão de medo e repulsa. Ficou ali, tremendo de olhos fechados durante muito tempo. Quando os abriu viu que se afastavam da cidade e respirou fundo.
- Firenzzi? – perguntou o estranho com voz grave, mas sem vestígio do cinismo anterior. Ginny mordeu o lábio e permaneceu calada, não queria falar sobre isso, não queria ter de pensar – Não tem vontade nenhuma de falar dele, pois não? – não era uma pergunta, era mais uma afirmação.
De repente, Ginny apercebeu-se de um pormenor que a fez virar-se para o estranho com uma chicotada.
- Você o conhece! – gemeu – Conhece Antonio Firenzzi!
Ele limitou-se a acenar em assentimento. Seria amigo pessoal daquele homem repugnante? Talvez não. O tempo que trabalhara para aquela família fora suficiente para compreender que não eram pessoas honestas. O signore era uma espécie de traficante, ganhando dinheiro com negócios ilícitos, daí não terem problemas de dinheiro.
O coração de Ginny acelerou até parecer pronto a rebentar no peito. Se aquele homem o conhecia talvez fosse do mesmo tipo, frequentasse os mesmos lugares, estivesse até envolvido nos mesmos negócios. Onde se teria ido meter? Talvez ainda pudesse sair daquela situação.
- Olha eu…acho que estamos nos afastando muito da capital e seria melhor ficarmos em Palermo…. – respirou fundo, tentando manter a calma - tenho amigos e posso…
- Não tem importância – ele a interrompeu – Não vou fazer-lhe mal. Não tenho nenhum tipo de relação amigável com o Firenzzi, embora o conheça muito bem. Não deve ter medo de mim.
- Não estou com medo – protestou ela fracamente – É que…para onde raio me leva? – concluiu, já quase gritando.
- Para a minha casa – retorquiu com a maior naturalidade possível – Você precisa desesperadamente de um banho.
Para casa dele? Tomar banho? OPA.
- Escute aqui, não pretendo ir a lado algum com um estranho que praticamente me sequestrou da rua. Posso parecer ingénua mas sei tomar conta de mim perfeitamente. E agora, pare o carro e me deixe sair de uma vez!
- Tem assim tantas saudades de uma embrulhada? – o estranho disse com um ar sombrio – Eu diria que o seu bom-senso tem andando em baixa nos últimos tempos – o seu tom parecia ser de acusação e Ginny cerrou os punhos pensando em algo para dizer que o fizesse calar de uma vez, mas então ele posou uma mão na sua perna nua e aquilo foi como uma descarga eléctrica.
- Tenha calma Ginny - disse ele, afastando imediatamente a mão – Você não está em condições de tomar nenhuma decisão, por isso relaxa e desfrute da paisagem maravilhosa porque antes de você dar conta estaremos em casa – a sua voz era suave e ele ligou o rádio fazendo soar uma opereta suave, mas ela não estava com disposição para música alguma.
Ginny! O eco do seu nome proferido pelo estranho soou bem alto na sua cabeça.
- Você sabe o meu nome!
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