Um ofídio na espreita



- Tudo bem – falou Hermione, pressionando a testa com a mão, pensativa. Passava das três da madrugada; eles estavam diante da lareira da sala comunal – se resume a isso: Greyback lançou um feitiço Imperius em Malfoy para que ele tentasse matar... Você.
Harry confirmou, fazendo um gesto para ela continuar.
- E ele deveria, na verdade, tê-lo matado, essas eram as ordens de Voldemort. Mas – ela continuou, gesticulando para si mesma, fugindo de um beijo de Rony – ele não fez; contando com o fato de que ele te mataria e acabaria morrendo também – ela apontou para Harry– e, claro, também queria furar umas gargantas.
- E conseguiu – falou Harry, balançando a cabeça, desanimado.
- Sim, Justino... Mas então; ele viu que Malfoy ainda não chegara à lugar algum no trabalho que ele desempenhara... E explodiu a ponte, num gesto desesperado... Deixou o bilhete como um modo de disfarçar, fazer parecer um ato dos comensais em reunião, ou uma ordem direta de Você-Sabe-Quem...
- Até agora, certo – afirmou Harry.
- E então nós entramos no campo da certeza: o plano de Greyback não foi um sucesso... Nem você nem o Malfoy morreram... Mas uma garganta ele conseguiu né?
- Cara, o Justino foi um verdadeiro azarado – comentou Rony, fazendo uma careta. – será que ele ainda está no St. Mungus?
- Sim... – respondeu Harry, balançando os ombros, sem emoção. – mordidas de lobisomem são ferimentos mágicos extremamente perigosos...
- Vou escrever à Lupin – falou Hermione, se levantando de repente.
- Não! – exclamou Harry, segurando o braço da amiga – ainda é segredo... O professor só me contou por ser um fato importante no nosso ponto de vista da história; da nossa retrospectiva, ou o que for.
- Ah... Bem – Hermione se sentou, com um suspiro conformado. – vamos dormir, então. Amanhã é sexta. Aliás... Hoje, é sexta – corrigiu-se ela, gemendo, e enfiou a cara nas mãos.
- Boa noite – desejou Harry, se levantando. Espreguiçou-se e subiu as escadas para o dormitório da Torre.

Os dias que se seguiram foram alguns dos mais ventosos que Harry já havia visto em Hogwarts. A ventania fez com que as aulas de Herbologia fossem transferidas para a estufa mais próxima da escola, e as aulas de Hagrid foram temporariamente suspensas. Como de costume, as abóboras no canteiro dele estavam crescendo com especial rapidez para o Dia das Bruxas, que seria dali à quinze dias. Na visita que Harry, Rony e Hermione haviam feito para o meio-gigante, no sábado, ele admitiu que apelara para uma Poção de Ingurgitamento.
- Ah, que mal tem, não e mesmo? – disse ele, indiferente, servindo chá na xícara tamanho-balde dos garotos.
- Achei que o vento tinha afugentado vocês – continuou ele, se sentando numa das cadeiras.
- Muitas aulas, Hagrid – falou Hermione, com os olhos cheios de lágrimas.
- Oh, Mione, não precisa ficar assim, eu perdôo... – falou Hagrid, parecendo constrangido, e lançando olhares hesitantes para Harry e Rony.
- Não, Hagrid... O chá está muito quente! – ela falou isso com a língua embolada na boca, e as lágrimas ainda enchendo seus olhos.
- Oh – Hagrid parou, confuso, e agitou a cabeça, tomando um bom gole de seu conhaque.
- Mas e então, Hagrid – falou Harry, afastando a xícara. Decidira deixar o chá esfriar. – como estão as coisas?
- Bem, eu... Olímpia e eu estamos muito felizes, eu a pedi em noivado, e... – ele parou, sem olhar para os rostos surpresos e animados dos garotos. De repente, caiu num choro inconsolável, debulhando-se em lágrimas, encharcando a toalha da mesa. – eu... S-só que... Queria que Dumb-dumb-Dumbledore... Estivesse lá. Na hora do casamento, entendem? Oh, Deus!... – ele deitou sobre os braços, em prantos.
Os garotos trocaram olhares tristes.
- Nós sabemos Hagrid... – falou Rony, dando-lhe tapinhas no ombro. – todos sentem muita falta dele...
- Um grande Bruxo, o Dumbledore foi... Um grande Bruxo. – falou Hagrid, se erguendo e olhando solenemente para o teto. Logo em seguida ele caiu novamente, inconsolável, sobre os braços, balançando a cabeçorra. Ele derrubou o seu canecão sem querer, e Hermione aparou-o com a varinha antes que caísse no chão.
- Sabem – continuou ele – foi como... Como perder mais um pai, oh, se vocês soubessem, se vocês algum dia soubessem...
- Eu já perdi, Hagrid. – falou Harry, severamente, na expectativa de melhorar a moral do amigo – perdi três.
O amigo olhou pra ele, com uma expressão temerosa, e enxugou os olhos negros de besouro.
- Tem razão... Estou sendo bobo... Já faz tanto... Tanto tempo, ele não iria querer...
- Não – falou Mione com firmeza, enxugando as lágrimas silenciosas que haviam corrido pelo seu rosto nos últimos segundos; pela dor da perda e pela dor na língua – ele não iria querer!
- Hagrid... – chamou Harry, hesitando – você não iria se importar se nós tivéssemos que ir agora, não é? O treino de quadribol...
- Ah – exclamou o amigo, se levantando. – bem lembrado!
Ele pegou um cachecol e se levantou com esforço para abrir a porta. Quando ele a escancarou, porém, Harry quase perdeu a vontade de sair, devido à força e temperatura baixa do vento.
- Eu vou com vocês! Nada melhor do que um pouco de quadribol para animar um homem! – ele berrou, tentando abafar o som de uivo da ventania.
- Viu? – falou Rony no olvido de Hermione, que riu contrafeita, balançando a cabeça.
Os dois continuaram a discussão sobre a importância do quadribol até o campo, altura em que o vento já desmanchara completamente o cabelo de Harry, suas vestes se agitando para trás e para os lados. Quando avistou o campo, tratou de correr a distância que faltava, cobrindo o rosto com a gola do casaco. O vento agora vinha acompanhado pela água do lago, que por sua vez estava muito revolto. A lula-gigante nem era visível no turbilhão provocado pelo mau-tempo.
Entrou no vestiário com Rony, depois de se despedir de Hermione e Hagrid. A lona do teto balançava insistentemente, dando a impressão de que o lugar ia se desprender do chão.
- Finalmente! – exclamou Gina, completamente vestida com o uniforme do time, levantando os braços quando viu o irmão e o namorado entrando. – o Dino está aí fora, queria jogar no seu lugar, já ia buscar a vassoura, o idiota...
Depois de lhe dar um beijo, Harry se trocou e chamou o time para fora do vestiário.
- Não está esquecendo de nada? – perguntou Gina, balançando a Firebolt no ar.
Harry sorriu, e pegou a vassoura das mãos da garota.
O time saiu para o campo e deparou com um gramado que até mesmo ondeava, tamanha era a força do vento.
- OI! – falou uma voz das arquibancadas, quase inaudível devido à ventania. Hagrid acenava freneticamente, ao lado de Hermione.
Harry retribuiu e montou na vassoura, junto ao time. Quando abandonou o chão, sentiu seu lábio tremer de frio.
- Gina, lança as bolas! – pediu ele, e a garota abriu o baú com um chute. As quatro bolas voaram para o alto, os balaços saíram em formação pelo estádio; o pomo desapareceu pelo céu nebuloso e a goles foi aparada por Rony, que foi direto para as balizas.
- Vamos começar – gritou ele, sobrepondo-se ao vento que zumbia alto. Passou veloz pelas arquibancadas e ouviu indistintamente o grito de Hermione, assustada. Rony atirou a bola para Gina, que começou a movimentar a artilharia.
Os três artilheiros começaram o jogo muito bem, passando a bola em alta velocidade, e só não marcaram por causa da ótima defesa de Rony. Mas o jogo não durou muito: logo Harry avistou o pomo, e apanhou-o com apenas dez segundos de perseguição.
Cotes e Peakes estavam jogando razoavelmente bem, e, exceto a breve colisão em pleno ar durante uma tentativa de parar o balaço, foi tudo bem.
Duas horas e meia depois o time estava voltando junto à Hermione e Hagrid para o castelo para o jantar. O vento revirava as folhas da Floresta no caminho, fazendo as mais amareladas voarem nos garotos, e alguns minutos depois uns pingos grossos e fortes de chuva começaram a cair sobre eles, lhes apressando o passo. A paisagem era cinzenta da chuva forte, agora.
Mas já à meio caminho das portas de carvalho Harry deu por falta da varinha: devia estar no campo. Avisou isso aos outros, e Rony resolveu ir com ele.
No vestiário, Harry avistou a varinha no cubículo onde ele trocara de roupas. Apanhou-a e voltou correndo ao lado de Rony, os óculos cheios da água.
Mas naquele momento, sentiu uma dor estranha e um formigamento na nuca, seguida por um flash na sua mente que o fez parar caído de joelhos apertando a cabeça e os olhos, que lacrimejavam desagradavelmente.
Rony estava diante dele, falando desesperado, gesticulando... Mas Harry nem entendia nada.
Só viu que era hora de levantar quando a expressão do amigo ficou dura e ele puxou a varinha, dando passos inseguros para trás.
Logo a audição de Harry alcançou o raciocínio, e ele ouviu a voz do amigo:
-Se afaste! – ele berrava. – fique longe! Harry, me ajuda! Fique longe!
Harry se ergueu, puxando também a varinha.
Dois olhos brilhantes e amarelos os encaravam do meio da escuridão dos arbustos entrelaçados e chicoteados pelo vento... Um corpo forte e flexível se esgueirava para fora...
- Nagini! – berrou, alucinado, se afastando também. – Rony, você tem bombinha fedorenta?!
- Que hora para querer artigo de logros, Harry!
- Cala a boca, eu...
Mas de repente a cobra já deslizava para longe, sibilando baixinho... E então desapareceu sob a relva baixa, fazendo uma meia volta com sua cauda serpenteando pelas folhas caídas. Harry sentiu sua varinha cair frouxa do lado do corpo, por causa da sua surpresa.
- Mas... O que? – Rony estava boquiaberto. – o que foi aquilo?
- Ela queria dar um susto... Eu sabia que ela ficaria por aqui... Me rondando... Esperando a oportunidade. Greyback, pelo que eu presumo, deve estar em maus-lençóis.
- O que quer dizer? – Rony o encarou intrigado, branco até as sardas, e muito molhado da chuva.
- Eu tive uma visão... Como aquelas que eu tinha no quinto ano. Acho que agora que a gente está estudando Oclumência, eu estou com... – Harry parou pra refletir. – mais aptidão pra me proteger e penetrar a cabeça de Voldemort nos momentos de defesa baixa dele...
Ele parou pra pensar. Já tinha acontecido antes, naquela aula na floresta. Por um momento ele ficou intrigado: eles ainda não tinham começado Oclumência naquela ocasião... Mas logo se lembrou que eles precisavam sair da chuva, e chamou Rony.
Os dois chegaram no saguão encharcados e enregelados, mas Harry nem pensou em entrar no calor convidativo do salão principal.
Subiu as escadas com Rony no seu encalço, e só parou diante da Mulher-Gorda.
- Cidade das Flores – falou Harry, e o quadro girou pra frente para admiti-los.
A sala Comunal estava completamente vazia. Harry se sentou na poltrona secando a roupa com a varinha. O calor dela junto ao da lareira pareceu atrapalhar seus pensamentos, por isso ele se levantou e andou pela sala, pensativo e agitado, sendo observado por Rony.
No dia na floresta, quando ele teve aquela visão, provavelmente Voldemort estava muito agitado devido à descoberta do seu antigo esconderijo, e isso devia ter baixado a guarda de sua mente... A conexão entre ele e Harry fez o resto. E com certeza esse era o motivo dele ter mandado a cobra logo no dia seguinte.
E desta vez... Harry vira Greyback sendo torturado. Seria isso um artifício para distrair o garoto e possibilitar o bote de Nagini? Ou ele vira algo do passado, que veio à mente de Voldemort por se tratar de Harry, e que acabara sendo presenciado pelo garoto? É... Isso era muito mais plausível, já que a falha de Fenrir Greyback se dera havia muito tempo.
Dez minutos depois chegaram juntos Hermione, Gina e Neville. Os três se deteram olhando para os dois sozinhos na sala, e logo Hermione indagou:
- Hum... Esqueceram o jantar?
- Harry, estivemos esperando por vocês... – Gina parou, hesitando. – Harry?
Todos ficaram em silêncio. Neville balançou os ombros e subiu as escadas, despreocupado. Era isso que Harry estava esperando. Chamou os outros com um aceno apressado, para as poltronas diante da lareira.
Gina sentou-se no seu colo, e Harry contou, com ajuda ocasional de Rony, o que se passara desde que eles haviam se separado.
Depois de Harry expor sua opinião sobre o caso, Hermione ainda o encarava com uma expressão muito hermionesca: parecia estar somando dois mais dois como só ela fazia.
Gina parecia desconcertada. Ela ainda não sabia sobre o ataque da cobra no mês anterior.
Logo depois que Harry explicou tudo rapidamente, ela nem pareceu muito surpresa. Apenas disse que ele havia feito mal em não contar à ela.
- Bem – começou Mione, se levantando. Andou por uma grande extensão, parecendo pensativa, e só voltou a se sentar quando os alunos da Grifinória começaram a chegar. – acho que tudo isso faz muito sentido, Harry. Quero dizer, as suposições que você fez são realmente possíveis, e muito desconcertantes ao mesmo tempo... É difícil de acreditar que Greyback conseguiu errar tanto assim em um mês.
- Pois conseguiu... E tudo isso pra não se arriscar e matar crianças – comentou Rony.
- Como se já não bastasse o Gui – amargurou Gina, olhando para as chamas dançantes da lareira.
- É, como se já não bastasse – repetiu Harry, dando um beijo no ombro de Gina. – bem, vou me deitar... Dia muito cansativo para um sábado, se me entendem.

O domingo foi muito calmo, embora cheio de deveres; Harry terminou uma redação sobre orquídeas gigantes para Sprout, fez um relatório completo sobre o veneno da Larva-Negra e um esquema de Oclumência e Legilimência para Fullham, um diagrama sobre transformação humana em objeto para Smith, e estava terminando uma dissertação de cinqüenta e cinco centímetros sobre antídotos de efeito instantâneo para o Slughorn.
- Bem difícil esse trabalho do Slugue... – comentou Rony, depois de muito tempo riscando uma informação errada no pergaminho. Harry continuou arranhando o pergaminho com a pena até que teve uma súbita lembrança.
- Por falar em Slughorn... – começou Harry intrigado – e aquelas reuniões do Clube?...
- Ah, vai ter uma no Dia das Bruxas. Na sala dele. Ouvi dizer que vai ser bem animada...
- Mas de jeito nenhum eu perco a festa no Grande Salão. – afirmou Harry baixando os olhos para o relatório.
- Tem certeza, Harry? – perguntou Mione, com um ar de superioridade e Harry percebeu que ela olhava para ele insistentemente.
- Como assim? – indagou Harry, fingindo indiferença, tentando parecer interessado no terceiro parágrafo da página 345 do livro de Poções, mas na verdade extremamente interessado.
- O Smith é um grande amigo do Slughorn, você sabia? O Smith, com todo aquele dinheiro... Atraiu o nosso amigo Slugue.
Harry finalmente olhou pra ela, com a sobrancelha erguida.
- O que quer dizer?
- O testamento, Harry, o testamento! Você deve ficar mais próximo dele se quer conseguir chegar perto daquela folha!
- Ah – Harry ficou ligeiramente desconcertado: esquecera completamente o testamento, com o reenlace com Gina, o treino de quadribol, os deveres excessivos, a memória de Malfoy, entre outras coisas, ele acabara deixando de lado uma de suas metas. – bem, eu vou pensar...
Ele não terminou a frase: não ia suportar a expressão de “eu-sabia-que-você-ia-reconsiderar” de Hermione Granger.
- Mione – chamou Rony, irritado – qual é esse acônito?...
- Lapelo – respondeu ela, olhando o desenho incompreensível no livro. – Harry, você tem que!...
- Ah, Mione, não encarna, vai! – pediu Harry com maus modos, se espreguiçando. – estou super atrasado nisso aqui, e, ah, ainda tenho que praticar o feitiço de Ultra Separação pro Flitwick, droga, tinha esquecido...
Assim, Harry deixou a pena de lado por um momento e puxou a varinha. Com um gesto largo, ele pronunciou:
- Separactimus!
A mesa onde Colin Creevey estudava estourou sob o seu nariz, e ele saiu correndo aos berros para seu dormitório.


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