Uma parte da história
Harry estava jogado em sua poltrona, olhando as paredes mofadas do quarto que por quase seis anos lhe pertencia. Faltavam poucas horas para Harry completar dezessete anos. Dezessetes anos! Mal podia acreditar que dentre poucas horas teria sua maioridade. Em fim, poderia ir embora daquela casa que mais lhe sufocava do que lha acolhia. Mas por que não se sentia feliz por isso? Só voltou ali por que Dumbledore havia dito que uma espécie de magia, que o próprio Dumbledore havia realizado, o protegeria enquanto considerasse aquela casa como sua, até que pudesse completar a maioridade dos bruxos, ser considerado um homem, como o próprio Dumbledore falou.
Dumbledore! Como machucava a Harry pensar nele, saber que Voldemort matou e mataria a todos que ele amava. Sentir que mesmo o Lord das Trevas sendo mal, era ele, Harry, que tinha que viver nas escondidas, tomar cuidados, que havia crescido sem o amor do pai, que perdeu seu padrinho quando achou que teria uma família, que perdeu Dumbledore a tão pouco tempo. E tudo por quê? Por uma profecia que nem dizia seu nome. Não era ele exatamente quem tinha que matar Voldemort, mas Voldemort o escolheu. E seus pais pagaram isso com a vida.
Seu padrinho, Sirius. Ah, Sirius, pensava Harry, como estaria gastando o tempo se ele não tivesse morrido naquele incidente que Harry caiu, caiu como um menino ingênuo, mas ele não era mais ingênuo, tinha perdido gente demais na vida e não permitiria que Voldemort matasse mais ninguém, nem mesmo se esse alguém fosse o Duda, seu primo que não se importava com ele. Nem Duda, pensou surpreso.
Em suas mãos a última carta que Gina lhe enviou. Doía em Harry que eles não pudessem ficar juntos. Sentia que no dia do confronto final ele e Voldemort morreriam juntos e não queria que Gina sofresse. O perfume dela invadia seu quarto todas as vezes que ele pensava nela, e ele sentia certa magia nisso, talvez enviada junto com uma das cartas que recebeu. A última, no entanto, tinha enchido Harry de orgulho, mas a resposta de Harry foi fria:
Gina,
Não. Não quero que me escreva mais. Não insista.
Harry
Harry tentava convencer Gina e convencer a ele mesmo que o plano dela era inviável. Ele não permitiria mais erros, não deixaria que Voldemort levasse a melhor mais uma vez. Mas o jeito delicado e ao mesmo tempo o tom imperial de Gina lhe desconcertava. Mais uma vez quis ler o que ela lhe havia escrito.
Harry,
Entendo perfeitamente bem que está tentando me proteger e não sei como consegue admitir que esses dias sem me ver tenham conseguido apagar minha imagem da tua mente. Sei que pensa em mim tanto quanto em Voldemort e me sinto feliz por isso, desculpe.
Acontece que mesmo que você não queira, vou acompanhar você, Rony e Hermione na luta contra Voldemort, me desculpe se a minha presença lhe causa mal, mas não vou deixar que Voldemort mate o homem que eu escolhi.
Aceito esperar por você, quando você achar que chegou a hora, mas não ficarei sentada. Se for isso o que pensa. Estarei a seu lado, queira ou não.
Tenho muita saudade, sua adorada
Gina
P.S. Não adianta pedir ajuda ao Rony, eu já o convenci
Harry ria. Incrível! Ela conseguia lhe desarmar e mesmo com a resposta que mandou pra Gina, ainda hoje pela manhã, não conseguia saber se seria certo ficar longe de alguém como ela. Não restavam dúvidas de que se estivesse lá não cobraria nada, apenas, como ela mesma disse, não deixaria que ele morresse. E era isso que Harry mais temia, por que todos que tentaram lhe proteger, morreram.
Ainda jogado na poltrona, Harry ouviu a campanhinha tocar, mas não se moveu. Duda havia feito um rigoroso regime. Estava quase tão magro quanto Harry e fazia muito sucesso com as meninas do bairro. Agora o tempo toda a casa estava cheia de gente e tia Petúnia e tio Valter estavam muito mais do que orgulhosos do filho. Harry não sabia quem havia convencido Duda de que ele era doente, mas tinha feito um bom trabalho.
De repente a porta do seu quarto se escancarou. Duda entrou. Seu cabelo loiro se contradizendo com o cabelo preto de Harry, mesmo que geneticamente fossem bem parecidos, duas pessoas jamais serão tão diferentes.
- Visita, Harry!
Harry não conseguia entender o que as palavras de Duda queriam dizer. Não esperava ninguém. O senhor Weasley só viria pela manhã, quando Harry já tivesse a maioridade, e também por que o casamento de Gui e Fleur se aproximava.
- Visita? Pra mim?
- Sim. Disse que se chama Minerva não sei das quantas.
Duda riu. Harry sabia que de todos Duda era o mais inocente. Aprendeu que era melhor do que Harry e tentava em todas as coisas o ser. Mas essa dinâmica fez de Duda um cara frágil, meio bundão e Harry tinha compaixão por ele.
Nessas férias, então, Duda já não era mais o mesmo e inúmeras vezes defendeu o pobretão e rejeitado. Ele parecia ter se transformado. Parecia ter se transformado em um homem, um homem justo e digno, um homem bom para quem foi criado como ele.
- Levanta daí, Harry. Ela disse que é a diretora da escola que você estuda. Pode ser importante.
- Queria saber o que houve com você? Harry manifestou sua indagação.
- O que houve comigo? Ora, Harry, achei que era um bom bruxo.
O rosto de Duda tornou-se sereno. Ele esboçou um pequeno sorriso e continuou:
- Se aqui em casa você era o rejeitado, o palhaço, fora dessa casa eu assumia o seu papel. E sabe? Eu não o quis. Não quis que me olhassem e não me vissem ou que quando me vissem, eu fosse fruto de piadas. Meus amigos do bairro, que eram meus amigos mais por medo do que por respeito aos poucos foram se tornando mais fortes do que eu e eu senti, como você o que é ser sozinho...
Harry não sabia o que dizer. A mudança era evidente, as palavras verdadeiras. Duda falava como quem realmente sentia, como quem tinha realmente aprendido e isso, bem, isso não podia ser falso. Foi então que Harry entendeu o que Dumbledore lhe falou no verão passado. Sim, mais uma vez Dumbledore possuía a razão, seus tios, na intenção de magoá-lo, tinham ferido e magoado o próprio filho, o filho que eles tanto defendiam.
- Acho bom que eu tenha aprendido isso, sabe, Harry? Por que agora eu sei como tratar as pessoas. Mas, se quer um conselho, é melhor você descer logo, antes que meu pai se convença a tirar aquela mulher e aquela vassoura a pontapés da nossa casa.
Dizendo isso e tendo quebrado o silêncio que pairou sobre eles por alguns minutos, Duda se virou para sair. Harry sentia que precisa dizer alguma coisa, mas não sabia o que dizer nem como fazê-lo.
- Duda!
- Sim, Harry.
Duda o fitou mais uma vez.
- Sabe? É realmente muito triste que tenhamos que pagar pelos erros dos outros. Espero que você seja muito feliz e mesmo que me levem embora agora, quero que saiba que, mesmo que não me vejam, vou estar por perto, não posso permitir que o meu povo machuque nenhum de vocês.
- Eu sei, Harry. Dumbledore é um grande homem, mas você será maior do que ele. Harry Potter. O famoso Harry Potter.
E dizendo isso saiu.
Harry queria muito descer, mas queria igualmente entender o que Duda quis dizer com “Dumbledore é um grande homem”.
- Harry!
Ouviu tia Petúnia gritar seu nome. Suas pernas se encaminharam para sala. Seus olhos viam sua professora lhe olhando docemente. Em mais um dos seus devaneios, Harry pensou que talvez ela fosse a próxima a morrer. Mas o sorriso de Mcgonall lhe apagou as velhas suspeitas. Incrivelmente, se sentia em casa.
- Meu adorado, Harry.
Mcgonagall tinha o olhar da senhora Weasley e o sorriso de Tonks. Harry nunca a viu tão amável. Em contraste a isso, entretanto, ela trazia na expressão facial a certeza de que estava cumprindo uma missão. E tudo isso Harry queria muito entender, sem ter que para isso perguntar o que ela estava fazendo ali ou invadir a mente da sua professora.
- Professora Minerva! Que surpresa vê-la!
- Preciso lhe ajudar, Harry. Sei que ainda não sabe como começar, mas eu vim lhe ajudar a começar pelo começo.
- O começo?
- Sim, Harry. E primeiro estudaremos...
- Estudaremos? Professora...
Harry ia se contrapor, dizer que não voltaria para a escola, mas o olhar da professora o fez calar.
- Ainda não falaremos de Hogwarts, Harry. Quero que estude o começo de sua vida. Onde sua vida começa?
- Meus tios precisam ficar com a gente?
Harry via que o incômodo deles aumentava a cada segundo e não queria atiçar a fúria dos tios no último dia em que estaria ali.
- Aonde sua vida começa, Harry?
Minerva parecia nem ter ouvido o que Harry lhe perguntava. Ele procurou a poltrona do seu tio e sentou-se. Fez gesto para que todos na sala fizessem o mesmo e todos lhe obedeceram, o que deixou Harry surpreso.
- Minha vida começa no dia em que nasci, professora.
- Não, Harry. Pense.
- No dia em que fui concebido?
- O que foi preciso para isso?
- Que meus pais se apaixonassem?
- Seria suficiente?
- E que quisessem ter um filho?
- Vamos voltar ao ponto em que seus pais se apaixonaram, certo? O que foi preciso para isso?
- Que eles se conhecessem. E eu sei que isso aconteceu na escola.
- Sim, mas foi preciso?
- Sei lá, professora. Que eles existissem?
- Isso mesmo, Harry. E talvez a sua tia queira nos conceder o favor de nos falar um pouco sobre a vida de sua mãe. Petúnia?
Petúnia parecia muito assustada, mas parecia entender o que a professora queria ouvir. Ela se levantou, seus olhos correram pela sala que ela limpava incansavelmente, parecia estar presenciando um filme e então, começou a falar:
- Eu sabia que esse dia chegaria. O dia em que eu, apenas eu, por ser sua irmã mais velha, poderia contar a você Harry o que tua mãe foi, como ela foi e por que durante toda a tua vida eu te tratei assim. De certa forma, devo isso a memória da sua mãe.
Então, mais uma vez a campanhinha da casa tocou. Valter só então despertou, esteve bebendo cada palavra da sua esposa. Harry percebeu que seu tio estava tão surpreso quanto ele, apenas Duda e Minerva pareciam ter boa noção sobre o que estava acontecendo.
Vendo que ninguém se levantava, Harry foi até o hall e abriu a porta. Suas pernas bambearam e ele sentiu o ar faltar junto com a aceleração do seu coração. Ele nem pode sentir o quanto sorriu quando viu em sua frente aqueles cabelos ruivos ao vento, seu rosto rosado lhe mostrando que estava envergonhada, mas convicta do que estava fazendo, seus olhos mareados e sua boca esboçando um sorriso.
- Gina!
E Harry correu aos braços dela e ela aos braços de Harry, cheios de saudade e de carinho, com um amor que preenchia a sala e chegou a emocionar até a tia Petúnia. Harry, olhando para Gina, nem viu que Hermione e Rony estavam bem atrás deles.
- Quando você quiser soltar minha irmã, também adorarei receber um abraço.
E só então Harry os viu. O sorriso foi menor, mais não com menos carinho. Viu com espanto que Hermione estava de mãos dadas com Rony e que parecia muito feliz, muito bonita, muito mais mulher. Rony, tão feliz quanto, parecia ter crescido uns vinte centímetros desde a última vez em que se viram. Minerva, entretanto, interveio:
- Harry, querido, faça-os entrar.
Harry a obedeceu e com um olhar Gina, Rony e Hermione entraram na casa dos tios de Harry. Como havia feito com os outros, mandou que sentassem com o olhar e todos se sentaram.
- Eu os chamei, Harry. Eles serão muito importantes na luta que você travará. Agora, Petúnia, por favor, queira continuar.
Petúnia parecia está imobilizada desde o momento em que vira Gina. Soube de alguma maneira, talvez pelos laços que a prendiam a Harry, que ali estaria uma força extraordinária para a vida de Harry.
- Bem, quando sua mãe nasceu eu já tinha dez anos. Era filha única e tinha tudo o que queria. Minha mãe sempre quis ter um outro filho, um menino. Mas ela não conseguia engravidar. E então, sua mãe foi concebida. Uma menina linda, de olhos verdes, você...
- Tenho seus olhos, sei.
- Isso mesmo. Eu era uma menina comum. Sua mãe tinha uma inteligência anormal. E ela substituía o filho homem do meu pai por que não era cheia de frescuras e dengos como eu, entende? Sua mãe nasceu para ser uma mulher de fibra. Quando ela completou onze anos e eu achei que ela sairia de casa, por que tinha recebido o convite da escola em que papai estudou e a família estava alucinada, chegou o tal convite de Hogwarts. Sua mãe então foi para tal escola e quando ela voltava, cheia de truques e Cada vez melhor, eu era esquecida. Não foi culpa dela, mas ser bruxa a ajudava e me prejudicava. Nunca fui aceita pelos meus pais. Mas, então, ela conheceu seu pai e quando ela o levou em casa, eu já casada com seu tio, ela foi ovacionada e a seu tio mal ofereceram uma xícara de chá.
“Tudo o que era meu tinha que ser pior do que o que ela dela e eu não podia achar isso justo. Bem, meus pais morreram, depois seus pais e aí eu tomaria conta do filho dela. Não podia permitir que você fosse melhor que o meu filho e por isso, inibia qualquer princípio de magia que lhe transpirasse. Acho que conhece bem o resto”
Harry não sabia o que pensar, pois, de uma hora para outra, dedicava a tia sentimentos de piedade, a perdoava, no fundo, por que ela não era exatamente culpada. Sua mãe foi formidável. Sua tia, talvez, se não quisesse se comparar com sua mãe, também fosse tão formidável, mas ele não entendia a importância do tempo perdido para que aquela história fosse contada. O que, afinal, a professora Minerva pretendia com aquilo.
E então, pela terceira vez na noite a campainha tocou, dessa vez junto com um outro som. O relógio batia meia-noite. Harry agora completou dezessete anos.
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