Assombrosa revelação



Mais tarde naquela noite, Richard olhava o bardo que chegara pelo espelho enquanto confiava a seus botões e fivelas as terríveis dúvidas que o assaltavam. Seria capaz de cumprir a tarefa de que era incumbido agora por uma feiticeira que não conhecia? Essa tarefa poderia conflitar com seus deveres de soldado? Em que lugar estranho viera parar, onde magia estava espalhada como inço, num castelo de portas que se abriam comandadas por palavras e escadas que se moviam à própria vontade, espelhos que cuspiam bardos, quadros falantes. Até os móveis Richard olhava com desconfiança pois podiam adquirir vida a qualquer instante. Uma casa de loucos, e assombrada provavelmente, onde as coisas arrumavam-se por si mesmas quando não estavam olhando e pequenos vultos fugidíos desapareciam antes que se pudesse fixar o olhar. Porque ainda estava ali, a ser chamado de lorde por aquela criatura estranha, paparicado por bruxos e observado por todos, que esperavam uma resposta sua ao encargo que lhe era imposto.

- E então, Richard- perguntou Rowena – o que você diz da incumbência? Acha que pode fazer isso? – após um momento acrescentou- é uma grave missão, um fardo até. Assim, teria de ser feito de livre vontade. Proteger uma relíquia não é tarefa para homens comuns.

Richard desviou o olhos e os pousou em Zibby, que estava sentada numa cadeira de espaldar alto, vestida com um manto azul bordado com flores miudas e coloridas, o cabelo brilhante caindo em cascatas sobre os ombros, o olhar perdido nas chamas que ardiam na lareira. Sua atenção voltada para moça não passou despercebida para Rowena, que apertou os olhos e levou a mão ao queixo, como sempre fazia quando analisava uma situação complexa. Richard, percebendo isso, voltou-se para seus anfitriões.

- Sou um soldado, não um mago. Não tenho poderes que não residam em minha vontade e em minha espada. Proteger um tesouro de ladrões, um tesouro de jóias ou terras, isso eu o faria com minhas habilidades de guerreiro e a ajuda de meus companheiros, soldados como eu. Mas que posso fazer contra larápios que usam de magia para usurpar o que não lhes pertence? – Sua fisionomia ficou ainda mais séria enquanto prosseguia. – As relíquias sagradas pertencem ao povo da Bretanha e não devem cair na posse de bárbaros, bruxos ou não, que usarão a magia que porventura contenham e o poder que representam para impor-se no trono da Bretanha. Mas, repito, que pode um soldado fazer diante de uma investida de feiticeiros?

- E se você tivesse um mago com você, sempre, a lhe proteger dos feitiços dos bruxos malignos? - A voz de Zibby chegou suave desde onde estava, sem que tivesse se voltado.

Godric ergueu-se, intrigado com a proposta da filha.

- E quem Milady sugere seja esse mago? – questionou Le Fort.

- Eu. – respondeu a moça, ainda sem se mover.

Helga sobressaltou-se mas nada disse e, após um momento, abriu um sorriso, cheio de compreensão. Rowena não se moveu e nada falou, pois percebera a implicação das palavras da jovem.

Taliesin continuou a dedilhar sua harpa, limtando-se a erguer as sobrancelhas. Apenas Godric inquietou-se com o que ela dissera.

- Não entendo, minha filha, como você poderia acompanhar o jovem Le Fort e ajudá-lo contra magos muito mais poderosos que você.

Finalmente a jovem levantou da cadeira onde estava, trazendo uma chama entre as mãos unidas, que crepitava languidamente entre seus dedos. Erguendo as mãos à frente, as chamas principiaram a mudar de cor, de vermelhas e alaranjadas para azuis e logo verdes. A visão de seu domínio sobre o fogo chocou os presentes e Godric não pode conter o espanto.

- Como você aprendeu isso, Zibby? O fogo de esmeralda pertence à seara das trevas, não lhe ensinamos tal coisa.
- Aprendi as palavras também, meu pai. Estão todos tão ocupados e tenho pouco com que me entreter. Há livros em demasia neste castelo e estão todos lá, pedindo para serem lidos. Eu atendi seus desejos.

Helga, que havia entendido das intenções da moça mas não dimensionara a gravidade de sua posição, esperarando que fosse uma motivação romântica o que lhe fizera propor-se como acompanhante do jovem Fortescue, sufocou um grito. Até onde a linda e doce Zibby havia se aprofundado nos estudos das artes das trevas? Que perigos havia enfrentado, que riscos terríveis e mortais correra sem que pai, mãe e nem ela, qua a amava sobre tudo, tivessem percebido?

Fortescue ergueu-se e dirigiu-se a Zibby.

- Milady, vejo que tens poderes que assombram mesmo aos que a conhecem intimamente e posso crer que se sinta capaz de defender as relíquias melhor ainda do que eu. Mas porque deveria eu, um soldado, ser incubido dessa missão se a tem melhor preparada para isso, pelo que posso ver?

Zibby ergueu a face para ele.

- Porque, senhor, são precisos dois para proteger as relíquias, que se fundamentam em equilíbrio entra as forças da treva e da luz, a noite e o dia, o úmido e o seco, a terra e a água. Por isso, para portá-las e mantê-las seguras é necessário que seja feito por um homem e uma mulher, possuidores das forças obscuras da magia e luminosas da ação sobre o mundo.

Após um momento, envolta numa aura azulada que crescia e palpitava em torno de sua figura esguia e frágil, completou:

- Somos nós dois, meu senhor Fortescue.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.