Nas justas



Capítulo 6
Nas justas

Quando decidiu-se por ir a Londinium, Hephzibah não esperava que tanto sangue fosse derramado. Seu vestido verde estava salpicado de gotas de sangue que espirraram desde a cancha até a bancada em que estava com os pais. Sentiu-se nauseada após os combates com maças e começava a duvidar que ficaria até o final. Ainda deviam acontecer os embates com lanças e, embora a moça tivesse ambicionado assistir especialmente essa modalidade, não sabia se resistiria. Limitou-se a balançar a cabeça a cada vez que o pai ou a mãe perguntava se estava bem, de maneira a não deixar que vissem seus mal-estar e desagrado.

Os cavaleiros já estavam a postos, cada qual de um lado da cerca que dividia as canchas, distantes dezenas de metros entre si. Hepzibah levantou o queixo e respirou fundo; haveria de ser o último que assistiria, mas não deixaria transparecer seus sentimentos de aversão pela violência do evento. Nesse momento, o cavaleiro da direita saiu de onde já estava a postos e conduziu seu cavalo para o palanque onde ela se encontrava. Tirando o elmo, mostrou seu rosto e fez uma mesura curta, a pedir seu favor e benção. Era o rapaz louro que vira logo ao chegar e parecia jovem demais para estar no torneio.Seus olhos azuis sorriam mesmo que fosse em minutos enfrentar a morte. Hepzibah desatou a fita que trazia amarrada aos cabelos e a soltou na ponta da longa lança. A fita escorregou até o punho, o jovem a recolheu e, após levar a faixa vermelha aos lábios, voltou-se e seguiu para a posição de largada.

Hepzibah sentiu-se muito apreensiva. Agora não era um completo estranho a perecer trespassado pela arma. Dera-lhe seu favor e prenda, e sentiu-se estranhamente responsável por aquele jovem que, ainda por saber o que é a vida, estava a jogá-la fora num combate despropositado. Hepzibah arrependeu-se de ter vindo. Não contaria isso a tia Helga.

Cavaleiros vestiram seus elmos, empunharam suas armas e escudos, deu-se a largada. Velozmente percorreram a distância que os separava, mirando no adversário sua arma mortal. As armas trepidavam com o galope dos cavalos e no momento em que as pontas deviam estar tocando o peito do rival, Hephzibah fechou os olhos. Não suportaria ver o sangue daquele menino jorrar em suas saias. Tudo pareceu perder a importância e Hepzibah tomou consciência de que as odes, as histórias e canções que lhe chegavam sobre a coragem e a bravura dos cavaleiros nada mais eram que fantasias. Consistiam em mentiras rebuscadas que escondiam a violência, a barbárie e a morte inútil de jovens cheios de vida. Seu pai fora um guerreiro e percebeu a sorte que tinha de ainda tê-lo ao seu lado.

Nesse momento ouviu vivas e instintivamente abriu os olhos. O jovem de seus favores estava ainda sobre o cavalo branco e trazia seu escudo com bordas douradas e grifo em luta afastado do corpo, enquanto acenava à multidão. A coincidência do brasão, semelhante ao de sua própria casa, passou despercebido, no entanto. A moça suspirou aliviada, até ver o outro cavaleiro caído no meio do campo. Sentiu-se mal outra vez e já ia pedir a seus pais para que saíssem, quando o vencido levantou-se com a ajuda do escudeiro e tirou o elmo. Estava bem ou pelo menos não muito ferido. A moça suspirou profundamente. Fora um dia muito longo.

Combatentes encontraram-se e apertaram as mãos enluvadas e Hepzibah já estava a acreditar que o pior havia passado quando seu pai levantou-se de um salto. A moça ia perguntar-lhe o que sucedera quando viu o rosto da mãe, pálido como se tivesse visto um fantasma – mais ainda, pois fantasmas não eram incomuns no castelo de Hogwarts –, e desistiu. Rowena levantou-se e, apertando com as duas mãos o braço do marido, disse:

– Salazar!

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.