Viagem a Londinium
Capítulo 5
Viagem a Londinium
O dia amanheceu ensolarado, excelente para uma longa viagem, como pode constatar Helga no mesmo instante em que Hephzibah entrou no salão.
– Simplesmente fenomenal, eu diria. – comentou Helga, entusiasmada. – Um dia soberbo para um torneio. – completou, sorrindo. A luz solar que entrava pelas janelas e inundava metade do grande salão brilhava nos dentes de Helga, o que permitia a moça apenas adivinhar sua interlocutora no vulto ofuscante. A alegria era tanta que parecia que ela é que iria viajar.
– Vamos, minha menina, ande logo. Você já está pronta? Tem toda sua bagagem arrumada? E olhando para a pequena bolsa de tecido nas mãos de Hephzibah acrescentou, alvoroçadamente – Não me diga que vai levar só isso!
Hephzibah riu-se, como sempre fazia quando conversava com Helga e tratou de acalmá-la.
– Não se preocupe, tia Helga, não precisarei de muitas roupas. E posso conjurar o que precisar. Você sabe como sou boa nisso.
– Sim, sim, é verdade, você é ótima em invocações, esquecia-me desse pormenor. Mas então está tudo arranjado. Onde está sua mãe? E seu pai? Porque se atrasam?
– Estão a caminho, logo partiremos. Não há atraso. – explicou Hephzibah enquanto Helga se dirigia rapidamente até a porta do salão para certificar-se de que Rowena e Godric já desciam a escadaria.
– Você assistirá o torneio de hoje à tarde? – voltou-se ela. – E me contará tudo? Não se esqueça de me enviar uma coruja todos os dias, não quero perder nenhum detalhe.
A moça controlava o riso diante da agitação da bruxa, mas ela mesma estava muito ansiosa.
– Claro, tia Helga. Prometo enviar várias corujas diárias. O céu estará toldado de tantas corujas com novidades que lhe enviarei.
– E corvos! – acrescentou Helga. – Você sabe que os corvos são mais rápidos. Não me negue nada, mesmo que não pareça importante.
– Prometido, querida tia – completou a moça, quando os pais entravam pela porta.
O dia estava mesmo estupendo para uma competição, não cansava de constatar Hephzibah. Nada poderia deixá-la mais feliz. Nutrira grande ansiedade pela ocasião que agora finalmente tornava-se realidade. Não tinha muitas oportunidades de conhecer pessoas novas. É claro que todo ano chegavam novos alunos na escola mas não era a mesma coisa. A maioria partia assim que chegava à idade dela e, desse modo, embora tivesse muitos correspondentes, não era como estar vivendo realmente.
Mantinha-se atualizada pelas corujas que chegavam ao castelo toda semana, com novidades do norte e de Gales, mas eram poucos seus amigos que viviam perto de Londinium. Aethelred, que sucedera a Arthur, morrera no exílio, o que não causou tristeza a ninguém, odiado que era. Dizia-se até que ele era uma aberração produzida por uma feiticeira, o próprio Mordred que, longe de ter morrido na grande batalha, mudara suas feições com artes mágicas para usurpar o trono do benquisto Arthur. As notícias chegavam sempre um tanto atrasadas mas mantinham-se a par das grandes mudanças no governo, já que Godric pertencia ao Conselho e apoiara Canuto, o dinamarquês, quando este chegara ao mais alto cargo da Bretanha. E agora que a cidade se tornara o centro político e comercial do reino, certamente ali estava a verdadeira ação.
Agora que terminara seus estudos formais não lhe restava muito o que fazer quando não estava em aula. Desde o início do ano estava lecionando Estudo dos Trouxas para duas turmas das séries intermediárias e, apesar de gostar do assunto, não lhe ocupava nem muito tempo nem muito da sua atenção. Apreciava ensinar e gostava de estar com as crianças, que cresciam no castelo como irmãos mais jovens. Mas ainda não descobrira sua vocação. Ou melhor, descobrira mas era impossível. O que Zibby desejava estava além do que lhe seria permitido fazer, sendo uma mulher.
– Pelo menos estou aqui. Poderei assistir torneios e ver os cavaleiros lutarem, em suas armaduras brilhantes, cavalos fortes, todos aqueles de quem ouço falar. É possível que venha a ouvir o bardo Taliesin entoar uma de suas canções.
Enquanto se dirigia para o local onde aconteceriam os desafios de arco e flecha, Hephzibah, observava a tudo e todos, cheia de admiração. Haviam muitas barracas coloridas onde eram oferecidas comidas feitas na hora, broas, sopas, carne assada, entre outras que vendiam pequenos objetos, souvenires, broches e berloques, talismãs e lenços coloridos para as damas ofertarem aos seus preferidos nos jogos. Zibby esqueceu de si na algazarra de todo tipo de pessoas nos mais exóticos costumes. Turbantes, longos mantos, roupas coloridas e, é claro, as damas da corte, com seus vestidos bordados e cabelos especialmente arrumados para a ocasião. Seus longos véus pendiam de toucas pontiagudas, e suas saias eram tantas que se precisavam da ajuda de valetes para que não perdessem o equilíbrio nas escadas. A atmosfera toda cheirava a misturas excêntricas e os rostos eram sorridentes. “O tempo ajudara muito naquele humor condescendente”, pensou Hepzibah.
Rowena e Godric não se mostravam tão entusiasmados quanto Zibby. Paravam ocasionalmente para cumprimentar um conhecido, muitos deles bruxos que viajaram a Londinium pelo mesmo motivo que os Griffindor. Godric era mais requisitado que Rowena, pois lutara com Arthur e não fazia tanto tempo que pudesse ter sido esquecido. Mas não alimentava por muito tempo as conversas, preferindo a companhia da mulher e da filha.
Quando chegaram ao local da justas Hepzibah pode ver, ao fundo da cancha reta, o cavaleiro que daria início ao combate com maças. Estava em pé, ao lado de um grande cavalo cinzento guarnecido com um manto púrpura com franjas. Pássaros estavam desenhados no fundo escuro e o cavaleiro vestia as luvas metálicas com ajuda do seu kipper. A armadura cor de estanho misturava-se ao cavalo, e assim que o montou, cavalo e cavaleiro quase pareciam o mesmo ser, mitológica quimera metálica. Zibby lembrou-se dos centauros que viviam nas florestas em torno do castelo e ponderou se esses torneios não seriam uma imitação de lutas entre aqueles, coisa que devia ter-se iniciado há muito, quando humanos e centauros ainda conviviam.
Logo acomodaram-se em seus lugares e os lures principiaram a soar. O combate se iniciava.
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