O sono da razão
O adormecer da razão desperta os monstros.
***
- Eu preciso da sua ajuda.
Sem uma palavra, Snape bateu a porta firmemente na cara de Sirius.
***
Era tão pegajosamente úmido nos corredores abaixo dA Toca que Ginny sentiu
como se a cada inspiração seus pulmões se enchessem de água. Ela podia ouvir
Ron, Hermione e Charlie atrás dela, andando através das poças que estavam
ficando cada vez mais fundas, Ron murmurando baixinho ao fazê-lo. Eles
estavam conversando, mas ela não entrou na conversa. Estava se concentrando
em seguir a sensação leve e insistente no centro de seu peito, que a
impulsionava para frente.
“Então, o que exatamente aconteceu com Helga Hufflepuff?” Charlie estava
perguntando. Ele estava segurando sua varinha por cima de suas cabeças,
iluminando o caminho à frente. Entre todos, ele era o que estava mais seco,
já que suas calças de couro de dragão o protegiam da água.
“Slytherin a matou,” disse Hermione, que já havia desistido de se manter
seca e estava pulando pelas poças como se estivesse gostando. “Ele matou
Godric, também. E Rowena, mas não foi de propósito. Não,” ela acrescentou
rapidamente, “que isso melhore as coisas. Só estou dizendo”.
“Ele parece ter considerado homicídio não apenas um trabalho, mas também um
passatempo,” disse Ron, ainda procurando por aranhas.
“Bem, ele foi um general,” disse Hermione. “Ele teve seu próprio exército.
Ele matava pessoas o tempo todo. Eu suponho que ele só,” ela tremeu, “começou a gostar disso”.
“Sem mencionar,” adicionou Charlie, “que quando você consegue achatar
cidades inteiras quando quer, uma tendência para reflexão e
ver-as-coisas-do-ponto-de-vista-de-outro-cara é raramente necessária”.
“Isso é verdade”. Hermione concordou.
Ginny parou repentinamente, e o resto parou depois dela. Eles estavam em um
lugar onde o corredor se dividia em três: para a esquerda, para a direita, e
para frente.
“O que foi, Gin?” Ron perguntou.
“Eu não consigo sentir para onde devemos ir” disse Ginny, um pouco
ansiosa. O sentimento que a estava impulsionando pareceu esvair-se por um
momento, e ela se sentiu repentinamente fria e bem molhada.
“Bem, você tem que ter alguma idéia” disse Ron, em um tom um pouco
irritante.
“Ron!” disse Charlie, alertando-o.
Ginny balançou a cabeça.
“Não, eu...”.
“Bem, vamos direto, então,” anunciou Ron, passando na frente dela. Ginny
hesitou por um momento, e estava para seguí-lo quando, tendo andado não mais
que 20 passos pelo corredor, Ron desapareceu.
***
“E você confia nela?”.
Draco revirou os olhos quando Harry sibilou em seu ouvido. Eles estavam um
do lado do outro, encostados na parede do vasto corredor de pedra do lado de
fora de sua antiga cela. Fleur estava no final do corredor, espiando a
esquina ansiosamente.
Harry tremeu. A Mansão Malfoy era velha, e Hogwarts também, mas esse lugar
era antigo; o tempo parecia fluir, como o frio, das próprias pedras. Também
era mal iluminado; tochas queimavam em suportes na parede, mas não eram
muitas e não tão brilhantes. Ele sabia agora, de Fleur, que eles estavam no
castelo na floresta onde Hermione havia estado presa; Draco até dizia que se
lembrava daquele corredor de sua visita anterior, mas então ele havia
parado, piscado, balançado a cabeça, e anunciado:
“É o mesmo castelo, mas parece... diferente”.
Harry havia decidido que era melhor ignorá-lo se ele não fosse dizer nada
útil.
“E você não?” Draco sibilou de volta.
“Eu confio nela tanto quanto eu consigo levantar Hagrid no colo. Vamos lá,
Malfoy. Ela tem uma cabeça de vento e é doida por garotos, o que faz você
pensar que ela poderia formular um plano de resgate perigoso como esse?”.
“Ela foi uma campeã do Tribruxo,” Draco apontou, razoavelmente.
“Eu também fui, e você vive me dizendo que os meus planos não prestam”.
“Todos os seus planos realmente não prestam. Você não acha que ela pode ser
uma benção disfarçada?”.
“Bem, se ela é, é um ótimo disfarce”
“Qualquer disfarce envolvendo um sutiã com enchimento está tudo bem comigo.
A não ser que, é claro, seja o Hagrid disfarçado, e eu acabei de ir para um
lugar mental muito sombrio... Distraia-me Potter. Diga alguma coisa”.
“Fleur está voltando,” disse Harry, desencostando-se da parede.
Fleur sorriu para eles ao se apressar, seu cabelo prateado balançando em
ondas volumosas sobre seus ombros.
“Allons-y,” ela lhes disse, fazendo gestos para que eles a seguissem, “o
corrredor está vazio. Vamos”.
“O que eu não daria pela Capa da Invisibilidade do meu pai...” murmurou
Harry. Eles correram pelo corredor, ficando colados à parede, dobraram a
esquina e seguiram Fleur quando ela abriu uma enorme porta e entrou por ela.
Eles estavam em uma estreita escada cujos degraus de pedra em espiral
desciam na escuridão. Era tão mal-iluminada que Harry só podia ver Draco e
Fleur como silhuetas vagas, ambas coroadas com cabelo prateado que brilhava
como faróis no escuro. Ele enfiou a mão no bolso e procurou por sua
varinha--
“Não,” disse Fleur urgentemente, pegando seu pulso, “nada de magia”.
“Por que não?”.
“Existem proteções por todo o castelo. Não podemos arriscar que uma seja
disparada”.
“Mas está escuro, Fleur. Vamos quebrar os nossos pescoços”.
Fleur disse algo em francês que Harry fortemente suspeitou que significava
que ele era um pessimista com cara de sapo, e marchou escada abaixo.
Hesitando levemente, Draco e Harry a seguiram. Como era de se esperar,
depois de dar três voltas ao redor da escada, eles encontravam uma tocha
suspensa no alto da parede por um suporte. Fleur pegou-a e eles prosseguiram
pela escada, em fila: primeiro Fleur, seguida de Draco, e depois Harry; a
tocha lançando suas sombras horripilantemente alongadas nas paredes de
pedra.
A escada deixava Harry tenso. Não havia, obviamente, nenhum corrimão, e a
pedra dura fora feita para tropeçarem. Ele estava certo que a qualquer
momento ele tropeçaria em seu próprio pé e iria cair de cabeça em Draco.
Eles estavam dando a décima e, ele esperava, última volta na escada quando
ele ouviu Fleur soltar um grito arfante. Ele esticou o pescoço, mas não
conseguia ver acima da cabeça de Draco; Draco exclamou de repente:
“Fleur, saia daí!”.
Ela se afastou rapidamente na mesma hora em que Harry desceu as escadas para
ver o que a tinha assustado.
Eles haviam atingido o fim da escada, que terminava em uma grande porta de
carvalho coberta de entalhes intrincados de folhas, flores e vinhas
torcidas. No centro da porta havia um rosto esculpido: um nariz adunco e uma
expressão melancólica, com uma boca fina curvada para cima. Os olhos do
entalhe estavam vivos, eles iam de um lado para o outro, acesos com um
divertimento venenoso.
Draco desceu um degrau.
“Ahem,” ele disse. A porta olhou para ele. “Você fala?”.
A porta fez um rangido baixo que soava horrivelmente como dobradiças
enferrujadas, e um pouco com um “Talvez”.
“Então você fala inglês?”.
“Sim,” disse a porta, parecendo irritada. “Agora o que vocês querem?”
“Eu quero que você nos deixe sair,” disse Draco, voltando-se para Fleur,
que assentiu.
“Vocês têm certeza que querem ir lá fora?”, a porta perguntou, com suave
malícia, “não é muito agradável lá fora. Muito mais seguro aqui”.
“Nós temos certeza,” disse Harry, que havia atingido o pé da escada agora.
“Vocês realmente sabem no que estão se metendo...” começou a porta, e
então Draco moveu-se, intencionalmente ou não, Harry não podia dizer, então
a luz da tocha iluminou a espada afivelada em sua cintura. A porta quase
pareceu retrair-se. “Eu não sabia que era você,” ele disse para Draco, e
se abriu.
O rosto de Draco havia ficado pálido com a surpresa, mas Harry não prestou
muita atenção. Através da porta aberta, ele podia ver um traço do céu
estrelado e uma vastidão de grama. Do lado de fora, ele pensou, finalmente.
Ele passou pela porta, e Draco e Fleur o seguiram.
***
Bang.
Snape ouviu a porta fechar atrás de si e sentiu uma cruel satisfação.
Enquanto a porta estava se fechando, ele havia visto algo mudar no rosto de
Sirius, choque mudando para incredulidade e para desespero. Ele havia estado
tão certo que Snape o ajudaria com qualquer que fosse seu sórdido
probleminha. Porque Sirius havia sido sempre um daqueles para os quais as
coisas vinham facilmente, sem esforço ou sofrimento: o tipo de pessoa a quem
outros caíam aos seus pés para ajudar. O tipo de pessoa para qual o mundo
havia sido dado, sem perguntas.
Mas obviamente aquilo não era inteiramente verdade.
Não realmente pensando para onde estava indo, Snape entrou em sua cozinha e
encarou um ponto na parede oposta.
Azkaban.
Aquilo havia parado a alegria de Sirius, havia calado sua risada para
sempre. Às vezes, Snape sonhava com Sirius em Azkaban, sua risada para sempre
quebrada em gritos como pedaços brilhantes de vidro. E havia um prazer
naquela imagem, mas também havia um tipo de escuridão corrosiva. Era
estranho: de todos eles, ele teria dito que odiava James mais que todos,
odiava James mais pelo que era do que pelo que fazia, porque enquanto Sirius
gostava de atormentar Snape, gostava de esconder seus livros e distraí-lo
durante provas ao cantarolar músicas rudes, James somente... o ignorava.
Olhava-o como se ele fosse menos que nada, certamente ninguém que
importasse.
E então James havia salvado sua vida, e aquilo havia sido pior. Ele se
lembrava de James arrastando-o para fora da Casa dos Gritos, jogando-o no
chão, xingando Sirius baixinho, e Snape havia agradecido, e não era do
feitio dele agradecer pessoas, mas ele ainda estava tremendo com o medo e a
reação, então ele havia agradecido James por ter salvo sua vida, apesar de
eles não serem amigos, e James o havia olhado com gélidos olhos cinza e
dito:
“Eu teria feito o mesmo por qualquer um”.
E ele havia odiado James naquele momento mais do que ele já havia odiado
qualquer um no mundo e mais do que ele sempre odiaria. Mas James estava
morto; não havia mais porquê continuar odiando James. James estava morto e
Lupin era lamentável; só havia Sirius para odiar. Sirius, que nunca havia olhado para ele de uma maneira que dizia que ele simplesmente não importava;
Sirius, a quem James tinha amado de uma maneira que Snape nunca poderia
imaginar ser amado. Não por um amigo; não daquele jeito.
A Marca Negra em seu braço esquerdo estava queimando como às vezes fazia
quando ele estava agitado, e suas mãos estavam tremendo. Ele se sentou à
mesa da cozinha e ligou o rádio. Os sons agudos do locutor da WWN encheu o
aposento:
“Mais notícias tem chegado do Ministério tratando do desaparecimento de Harry
Potter. Aparentemente, há um garoto que desapareceu com ele, Draco Malfoy,
filho do falecido Lúcio Malfoy da conhecida família bruxa. Ambos garotos
estão agora desaparecidos por um dia, e o Ministério encoraja quem tiver
informações de qualquer um dos garotos a aparecer o mais rápido possível.
Enquanto isso, o mundo mágico encara a horrível possibilidade, “Será que
perdemos o Menino Que Sobreviveu?”. Em outras notícias....”.
Snape ficou de pé, desligando o rádio enquanto o fazia, e quase antes de
saber o que estava fazendo ele havia virado-se e saído da cozinha, havia se
apressado pelo corredor até a porta da frente e aberto-a com força, deixando
entrar o ar frio da noite.
E lá estava Sirius, ainda parado na frente da porta, com a cabeça abaixada,
menos parecido com uma pessoa que estava esperando do que com alguém que não
tinha qualquer outro lugar para ir. Sua cabeça levantou rapidamente quando
Snape abriu a porta, seus olhos iluminados com surpresa, raiva e...
esperança.
Snape apertou a maçaneta da porta fortemente e resmungou:
“Tudo bem, Black. Diga-me o motivo de você estar aqui em exatamente dez
palavras, ou eu ativarei o Feitiço Repulsus que tem nesta entrada e que vai
lhe mandar para o meio do caminho de Hogsmeade”.
Sirius parecia ter contado até dez e ter achado insuficiente.
“Porque eu preciso de ajuda,” ele deixou escapar através de dentes
cerrados.
“Isso são cinco palavras”.
“Porque eu preciso de ajuda, seu completo idiota convencido demais,” ele
respondeu bruscamente, ficando com raiva, “você quer que eu implore? É isso
que você quer?”.
“Eu sei que você preferiria morrer a me implorar por algo,” disse Snape.
“É verdade,” Sirius concordou, “mas não sou eu quem vai morrer”.
Houve um curto silêncio. Então Snape deu um passo para fora da casa, e
cruzou os braços.
“Fale!” ele disse.
Em várias frases curtas, Sirius contou a Snape sobre Lupin, e o que
aconteceu com Harry e Draco.
“Se eu puder ajudar Remus,” ele terminou, “então ele nos dirá mais sobre
Slytherin. Ele foi Chamado para um lugar, ele deve saber onde é. Não fique
cético, eu pesquisei; ninguém voltou do Chamado antes. Pode dar certo. Pode
ser a minha única chance de chegar ao Harry antes que seja tarde demais. E
eu posso dizer pela sua expressão que você não acredita em mim,” a voz de
Sirius ficou vários níveis mais aguda, “e estou lhe dizendo, Snape, que se
você me mandar embora daqui sem mesmo me ouvir, eu juro que lhe caçarei e
farei com que você passe o resto de sua vida sugando todas as suas refeições
por um canudo--".
“Isso não vai ser necessário,” disse Snape.
Sirius parou, e piscou.
“Como?”.
“Eu estava errado sobre você antes,” Snape disse, tendo uma secreta e
surpreendente satisfação ao ver a expressão confusa no rosto de Sirius,
“normalmente eu não erro,” ele abriu a porta atrás de si. “Eu não planejo
errar de novo”.
Sirius olhou de Snape para a porta, e depois de volta para Snape, como se
ele não conseguisse entender que estava acontecendo. Então, com uma convulsão
rápida de seus ombros como se ele estivesse se livrando de uma sombra escura
que se aderira a ele, andou até o solado da porta e entrou na casa de Snape.
***
Harry sentiu um choque penetrante de desapontamento assim que passou pela
porta. Eles estavam fora do castelo em um sentido, mas não totalmente fora.
Ele se achava em um espaço entre duas paredes muito altas que subiam e
subiam, fazendo um corredor que ia de onde eles estavam para uma porta na
parede oposta. O corredor estava cheio de grama longa e espinhosa. Ele
esticou o pescoço para trás e olhou para cima e seus arredores: o castelo
parecia maior do que ele se lembrava, e muito menos destruído; as muralhas
eram bastante ameaçadoras no escuro, e haviam figuras escuras que se
estendiam em sua extensão.
Guardas, ele pensou, e Draco e Fleur seguiram seu olhar para cima, e
assentiram. O rosto de Fleur estava pálido de medo à luz da lua.
“Nós devemos ter muito cuidado com aqueles,” ela sussurrou. “Eles são
metamorfos. Criaturas de Slytherin. Cada uma possui várias formas, e a
pessoa tem que fazê-la se transformar em todas antes de eles poderem ser
mortos”. Então ela apontou para a porta do outro lado do corredor. “Nós
vamos para lá,” ela sussurrou. Ela olhou para Harry. “Você vai primeiro”.
Eles foram em fila indiana: Harry, Fleur, e depois Draco. A grama puxava
suas roupas. Era espinhosa, mole, e estranhamente pegajosa. Harry tremeu,
balançou a cabeça, olhou para cima... e quase gritou.
Três dementadores estavam se aproximando dele, suas capas pretas parecendo
cinza-metálico, na luz da lua, suas mãos sarnentas e apodrecidas estendidas.
Seu grito engasgou-se em uma arfada e ele se arrastou para trás apoiado em
suas mãos, seu coração batendo forte contra suas costelas, sua boca ficando
seca. Ele olhou para os lados, procurando por Fleur e Draco, mas não os
achou em lugar algum.
Os dementadores estavam avançando lentamente sobre ele. Harry conseguiu
ficar de joelhos, pensando desesperadamente: memória feliz, memória feliz.
Ele pensou na noite anterior, deitado no sofá dA Toca com a cabeça no colo
de Hermione, o cabelo dela caindo ao redor dos dois. Ouvindo a respiração
serena dela. Ele fechou os olhos. Hermione... e o nó apertado de frio ao
redor de seu tórax afrouxou um pouco... mas então ele pensou na última vez
que esteve com ela, na cozinha dos Weasley, sua pequena mão na dele, gélida
de terror, e uma onda negra de medo por ela o atravessou como uma maré
estonteante e...
Mãos desceram pesadamente sobre seus ombros, empurrando-o duramente para
trás.
O beijo, ele pensou, eles vão me dar o beijo--.
“Beijar você? Eu mal te conheço,” veio a voz divertida de Draco, cortando
através da fria neblina em seu cérebro como uma faca afiada cortando um
novelo de lã. Harry piscou e abriu os olhos, e viu Draco de pé na sua
frente.
“Levanta,” Draco lhe disse, soando menos divertido agora, e Harry ficou de pé.
Suas mãos ainda estavam tremendo, mas a fria neblina parecia ter diminuindo.
“Vamos,” e Draco o agarrou pelo ombro e o empurrou para frente. Harry deu dois
passos, e grama se enroscou em suas pernas e soltou um líquido contra sua
pele. Ele gritou. O aperto de Draco no ombro dele aumentou. “Pense em outra
coisa”, ele disse a Harry urgentemente, “e continue andando para frente,” e ele
puxou Harry fortemente pelo ombro, na direção da parede, a erva grudando
molemente nos dois.
“O que está acontecendo?,” Harry exigiu, sem ar.
“Erva do Pesadelo,” Draco respondeu em poucas palavras. “Faz você ver o que
você mais teme. O truque é passar direto e ignorar a dor; ela passa depois
de um tempo. Quanto mais lento você andar, mais pesadelos você vai ter”.
“E não te incomoda?,” Harry perguntou desacreditadamente, pensando que isso
parecia injusto.
“A poção que o Snape me deu ajuda. E também, eu sabia o que era. Isso ajuda
também”.
“Não me diga. Seu pai tinha algumas na Mansão”.
“Na mosca,” Draco respondeu rapidamente.
“O seu pai nunca considerou colocar talvez uma quadra de tênis ou um bom
belvedere ao invés disso?”.
“Não reclama, o meu conhecimento das Artes das Trevas acabou de salvar sua
pele, Potter. Mas não se preocupe, eu certamente procurarei a sua
experiência assim que tivermos que lidar com, digamos, uma caixa com
cachorrinhos”.
Harry estava prestes a responder quando ele avistou Fleur, deitada de costas
na grama. Ela parecia estar envolvida em uma batalha contra o próprio
cabelo, gritando e mexendo os braços para o nada. Draco se ajoelhou perto
dela e tocou seu ombro gentilmente. Ela deu um grito e começou a bater nele,
gritando em francês.
Draco pegou um de seus braços enquanto Harry pegou o outro. Não era fácil
segura-la, já que ela estava chutando e gritando e parecendo inclinada a
morder também. Eles a arrastaram rapidamente da grama para a terra no pé de
uma das paredes. Ela ficou instantaneamente quieta, e se largou dos dois,
com os olhos arregalados, e sem ar. Ela olhou para Draco, que estava mais
perto.
“Vocês estão bem?,” ela disse, com uma voz trêmula. “Vocês não morreram?”.
Draco piscou os olhos.
“Não”.
Fleur inspirou, ainda trêmula.
“O que foi aquilo?”.
“Não importa,” disse Harry, e esticou o pescoço para trás, apontando para
as formas escuras nas muralhas prateadas. Eles não estavam mais parados, mas
movendo-se lentamente, a propósito, com as tochas levantadas... os guardas.
Eu acho que eles ouviram os nossos gritos, ele pensou.
Eles ouviram os gritos de vocês. Draco olhou para cima, então estendeu a mão
para Fleur e a ajudou a se levantar. “Você está bem?”.
Ela assentiu.
“Então corra,” ele disse, e começou a correr o mais rápido que podia, com
Fleur e Harry nos seus calcanhares. Eles voaram através da Erva do Pesadelo,
alcançaram a torre mais longe, e passaram pela porta, batendo-a com força
atrás de si.
Eles se descobriram em uma entrada mal-iluminada. Só havia uma janela, e ela
estava praticamente bloqueada por hera. Um longo corredor percorria pela
escuridão à direita. Ainda tremendo com o esforço e a adrenalina, Harry
começou a correr por ele, os outros atrás dele. Ou assim ele pensava. Tendo
dado não mais do que cem passos, ele parou em frente a uma porta alta de
madeira. Ele pegou a maçaneta e tentou abrir; a porta estava trancada.
“Fleur, é esse o caminho...” ele começou, virando-se. E piscou os olhos.
Draco estava atrás dele, parecendo curioso, mas nenhum sinal da Fleur.
“Malfoy? Cadê a Fleur?”.
Surpreso, Draco virou-se.
“Eu pensei que ela estivesse atrás de mim”.
Harry tirou sua mão da porta.
“É melhor a gente voltar”.
Draco abriu sua boca para dizer algo... e um grito ecoou pelo corredor,
originado de onde eles vieram. Era um grito agudo e alto, e a voz era
obviamente a de Fleur.
Os dois garotos voltaram correndo. Eles arrombaram a entrada, e pararam
bruscamente.
Fleur, segurando uma faca de lâmina fina, estava encurralada na parede por
um dos guardas: um homem alto com uma capa pesada, uma pequena espada em sua
mão, com as costas para eles. Sua sombra, na luz da tocha pulsante,
encostava no teto. Os olhos de Fleur se arregalaram quando ela viu seus
companheiros e ela deu um gritinho de alívio.
Um gritinho, mas foi o suficiente. O guarda se virou, levantando a espada e
avançou em Draco e Harry.
***
O estômago de Hermione caiu até seus pés.
“Ron?,” ela gritou, correndo e quase dando uma cotovelada em Ginny. Ela
podia ouvir Charlie atrás dela quando eles se aproximaram do lugar onde
Ron havia desaparecido. “Ron! Cadê você?”.
Uma voz muito irritada disse da escuridão.
“Aqui embaixo!”
Do lado dela, Charlie levantou sua varinha, enchendo o corredor de luz. As
paredes irregulares ficaram repentinamente em alto relevo, o solo lamacento
se esticava à frente deles.. e acabava, meio que de repente, em um buraco de
laterais afiadas e irregulares. Hermione correu até a beira no buraco e
olhou para baixo.
O rosto pálido e irritado de Ron olhou de volta para ela. Ele parecia
completamente ileso. Hermione suspirou em alívio.
“Ron, você está bem?”.
Uma expressão de desgosto passou por seu rosto.
“Lama,” ele disse resumidamente. “E está escuro,” ele olhou ao redor de
si. “Alguém podia jogar uma varinha, aí? Eu acho que derrubei a minha na
lama e gostaria de achá-la”.
Hermione jogou a varinha dela para Ron, que a pegou.
“Lumos,” ele disse.
Uma luz brilhante surgiu da varinha, iluminando o espaço ao redor de Ron.
Hermione viu a expressão dele mudar para uma de divertimento satisfeito. Ao
invés do olhar decepcionado de alguém que havia caído da vassoura no meio de
um jogo importante, Ron agora parecia com alguém que havia caído da
vassoura no meio de um jogo importante, só para aterrisar em uma banheira
aquecida cheia de veelas.
“Vocês têm que descer aqui!,” ele exclamou.
Duvidosa, Hermione olhou sobre a margem do buraco. Mas, antes que ela se
movesse para fazer alguma coisa, Charlie já havia pulado ao lado de Ron
no buraco, aterrisando em pé tão leve como um gato. Então, ele se virou e
esticou os braços para Hermione.
“Sua vez. Eu te pego”.
Respirando fundo, ela pulou. Charlie a pegou facilmente e a desceu
gentilmente até o chão. Ela suprimiu um sorriso; o toque áspero do couro de
dragão em sua pele a fez pensar em Draco.
Ela ouviu o barulho de Ginny quando esta pulou depois dela, mas não se virou:
ela estava muito ocupada olhando ao seu redor. A expressão no rosto de Ron
de repente fez sentido.
Parecia que eles estavam em algum tipo de cofre subterrâneo. O chão estava
coberto de lama, mas estantes de pedra estendiam-se pela parede e suportavam
pilhas e pilhas de objetos que pareciam valiosos: jóias, moedas de ouro,
rolos de tapeçarias, pratos, canecas e tigelas de prata. Na verdade, muitos
deles estavam arruinados com o tempo: o tecido estava furado, a prata
manchada; mas a maioria estava surpreendentemente intacta.
Hermione olhou para Ron, que ainda estava olhando ao redor de si em choque.
Ela podia ler o olhar em seu rosto tão claramente como se ela estivesse
lendo um livro: tudo isso estava aqui por todos esses anos, e nós nunca
soubemos.
Um estouro de compaixão por ele a colocou ao seu lado.
“Ron...”.
Mas ele estava examinando algo em sua mão.
“Olhe para isso,” ele ofereceu a moeda para ela; ela a pegou com pouco
interesse... e então a olhou. O rosto estampado na moeda era... familiar.
“Parece com o Harry,” ela disse, inexpressiva.
“É Godric Gryffindor,” disse Ron. “É um Galeão de Gryffindor. Muito
antigo. Valem bastante”. Ele fitou a moeda com um pouco de desejo. “Queria
que pudéssemos mostrar ao Harry; ele acharia hilário o fato de estar em uma
moeda”.
“Ele vai ver,” disse Hermione firmemente. Ela colocou a moeda no bolso da
camisa de Ron e o fechou com tapinhas. Um brilho no canto de seu olho
chamou sua atenção, e ela se virou e recolheu um pequeno espelho redondo, de
borda prateada. Ele a lembrava fortemente do Espelho de Ojesed, com uma
pequena diferença...
“Eu acho que não devíamos tirar nada daqui,” disse Charlie, de trás
deles. Hermione virou e olhou para ele. Ele tinha uma expressão de cautela e
assombro misturados. Ele tirou uma mecha de cabelos vermelho-escuros de seus
olhos e suspirou. “Eu sei que é tentador, mas você nunca sabe que tipo de
feitiços-- Ginny, o que você está fazendo?”.
Hermione e Ron viraram-se, e viram Ginny. Ela estava em um canto do
aposento, olhando fixamente para a parede. Trocando olhares, Hermione e Ron
postaram-se ao seu lado.
“Ginny, o que foi?”.
Ginny apontou. Ela estava olhando para uma parede de tijolos cinzas e planos
– ou assim parecia de longe. Olhando de perto, era possível notar que um dos
tijolos sobressaíam-se. Ele possuía uma cor prata fraca, metálica. Tudo em
volta do objeto estava coberto de poeira, no entanto, ele estava limpo,
intacto. Gravada ao longo de um dos lados havia uma frase do que parecia ser
um poema em finas e delicadas letras:
Ser ouro é ser bom
Ser pedra é ser nada
Ser vidro é ser frágil
Ser frio é ser cruel.
Ron emitiu um gemido.
“Outro enigma?”.
“Parece que sim,” disse Charlie, a constante voz da razão. “Alguém quer
tentar adivinhar?”.
Eu sei a resposta, Hermione pensou para si. Mas ao invés de falar, ela olhou
para Ginny.
Ginny hesitou. Ela deu um passo para frente. Então levantou sua mão, e com o
seu indicador direito desenhou, na poeira que cobria a parede abaixo do
tijolo prateado como uma grossa camada de farinha, a forma de um coração.
Hermione pensou ter ouvido um barulho fraco, como de música distante – e o
tijolo escorregou para fora da parede e caiu nas mãos estendidas de Ginny.
De onde foi imediatamente removido por Charlie, que começou a examiná-lo.
No final das contas, o objeto não era nenhum tijolo, e sim, uma caixa
prateada e selada, de forma retangular. Na tampa estava entalhado um emblema
em alto relevo: uma criatura mágica com o corpo de leão, a cabeça de um
homem e um rabo de escorpião. O rabo estava curvado na forma de um 8
horizontal. Infinito. Abaixo de seus pés, havia uma linha de palavras em
Latim.
“O que isso significa?” perguntou Ron, olhando a caixa com suspeita.
“Acho que significa algo como “Meu aerobarco está cheio de enguias””
disse Charlie, parecendo sábio.
“Claro que não!” disse Hermione, tomando a caixa das mãos de Charlie.
“Significa “Isto pertence ao tempo e aos lugares sombrios”. Tem também outra
palavra aqui, que parecem, bem, um pouco com a palavra para “morte”... mas
pode não ser”.
“Morte?” disse Ron. “Er... parece que essa é uma tradução que alguém
realmente tem de ter certeza antes que...”.
“Accio,” interrompeu Ginny, firme. A caixa voou das mãos de Hermione e
pousou nos braços de Ginny. Ela olhou para cima, viu todos a olhando em
assombro, e sorriu serenamente. “Isso é meu,” ela disse, com uma convicção
silenciosa, e tocou o lado. A caixa emitiu uma única nota musical aguda, e
abriu como uma flor, a tampa escorregando para trás. Uma luz forte brilhou
do seu interior, iluminando o rosto pálido de Ginny enquanto ela enfiou sua
mão na caixa e retirou algo que balançava e cintilava no final de uma fina
corrente dourada... algo na forma de uma ampulheta, algo delicadamente
forjado e entalhado...
“Oh,” suspirou Hermione, olhando do pingente cintilante para o rosto
sobressaltado de Ginny. “É um Vira-Tempo”.
***
Quando o guarda caminhou até eles, Harry viu, com choque, que ele não era
humano, nem um lobisomem, mas algo totalmente diferente; ele tinha um rosto
enrugado e quase igual ao de um porco, com presas que saíam de cada lado de
sua boca. Ele se movia em sua direção rapidamente, mas antes que Harry
tivesse tempo de fazer mais do que dar um passo para trás, Draco levantou
sua espada e passou a lâmina pelo rosto do guarda. Ele fez um som parecido
com um balde de água sendo derramado em lama, tropeçou para trás e caiu no
chão, com sangue saindo de sua cabeça.
Draco parecia enjoado. Harry, que tinha retirado sua própria espada,
respirou fundo e deu tapinhas em seu braço.
“Bem pensado, Malfoy”.
“Não!” gritou Fleur, desencostando da parede onde estava pressionada.
“Eles são metamorfos, eu disse- -“.
Ela estava certa. Enquanto Draco e Harry olhavam em horror, o guarda
aparentemente morto no chão ondulou e embaçou e tornou-se uma criatura
escamosa e de cócoras, que impulsionou e investiu em Draco novamente.
Parecendo alarmado, ele a cortou pela segunda vez, e a criatura se
transformou em um tipo de cobra com vários braços. Dessa vez, Draco a
decapitou, usando outro movimento de esgrima que Harry teria reconhecido, só
que nesse momento ele já havia parado de assistir, porque um segundo guarda
havia entrado no aposento e ido imediatamente em sua direção.
Ele balançou a espada e conseguiu abrir sua garganta. Isso pouco bom fez, já
que ele rapidamente se transformou em um alto homem carregando uma espada
longa, e avançou nele novamente. Harry parou de pensar e deixou a espada em
sua mão fazer o seu trabalho – ele já havia descoberto que se deixasse sua
mente em branco, a espada parecia tomar vida em sua mão, ou, mais provável,
a sabedoria de Draco daria resultado e direcionaria seu braço. Mas toda vez
que ele tentava analisar o que estava fazendo, ele perdia o equilíbrio ou um
passo, então ele havia parado de planejar e deixou seus instintos tomarem
conta, lembrando dos nomes não-familiares dos movimentos que estava fazendo
enquanto eles passavam pela superfície de sua mente: investida, dupla
investida, defesa circular, ataque.
Ele rapidamente matou o homem com a longa espada, que se tornou um lobo, que
se tornou uma enorme criatura parecida com uma raposa, que se tornou uma
pequena mulher vestindo couro. Essa última encarnação confundiu tanto Harry
eu ele cambaleou para trás e quase perdeu o passo. Ele mal teve tempo de
piscar quando algo prateado passou por sua cabeça e foi parar no peito no
metamorfo. Era a faca de Fleur.
A criatura gritou, embaçou, e se curvou como uma boneca de pano; dessa vez,
quando se contorceu no chão, ele sangrou um sangue verde e gosmento e
permaneceu deitado.
Com o coração martelando, Harry olhou para Fleur, que estava olhando para o
guarda com uma expressão aturdida.
“Obrigado,” ele disse, e olhou para Draco, que estava perto do cadáver do
primeiro guarda, pálido, e parecendo tão abalado quando Harry se sentia.
Sentindo o olhar de Harry em si, ele olhou para cima e rapidamente mudou sua
expressão para uma de divertimento insosso.
“Então...” ele disse. “Algo nisso tudo pareceu meio... anormal... pra mais
alguém?”.
Ele deu o sorriso convencido que Harry sempre teve vontade de esmurrar.
“Cale a boca, Malfoy,” disse Harry, exausto.
Enquanto isso, Fleur estava se abaixando para pegar a faca do peito do
guarda.
“Mais deles virão,” ela disse, se levantando e virado, e então,
repentinamente, ela ficou pálida e caiu de joelhos.
“Fleur...,” Draco cobriu a distância do aposento em algumas passadas e se
ajoelhou ao seu lado. “O que foi?”.
Em resposta, ela segurou seu braço. Normalmente Harry pensaria que isso era
algum tipo de estratagema, mas ela não parecia aflita; ela estava branca
como um papel e ofegando, sua outra mão pressionada no estômago. Lentamente,
sua respiração voltou ao normal e ela olhou para cima, sua testa molhada de
suor... e Harry viu o medo em seus olhos.
Draco tocou-lhe o ombro.
“Você está bem?”.
Ela assentiu, quase sem palavras.
“Sim… me dê um tempo”.
Draco olhou para Harry. “Potter, vá ver se você consegue abrir aquela porta.
Use mágica, se precisar. Nós temos que sair daqui imediatamente”.
Harry concordou com a cabeça e foi para o fim do corredor, ainda pensando
com o estranho olhar de medo nos olhos de Fleur. Bem, eles estavam em uma
situação muito perigosa, era normal ter medo, mas ainda sim… algo sobre isso
o incomodava.
O que ela sabia que eles não sabiam?
***
Sirius estava no laboratório de Snape, cheiros estranhos passando por seu
nariz. Não eram cheiros ruins; na verdade, ele pensava nisso como o cheiro
da mágica trabalhando: piche queimando, pedras reduzidas à carvão, ervas
misteriosas. Uma fumaça grossa e cinza subia do caldeirão em que Snape
trabalhava, cheirando estranhamente a hortelã e repolho. Chamas queimavam ao
longo da mesa, cheia de caldeirões redondos, brilhando vermelho-sangue com o
calor. Isso, combinado com o calor da fumaça crescente, estava fazendo
Sirius suar por baixo de suas roupas.
Snape, ao contrário, estava parecendo quase com frio, curvado em seus robes
e murmurando sobre o seu caldeirão.
“Ajustes terão de ser feitos”.
“Ajustes?”.
Snape olhou para cima e afirmou com a cabeça.
“A poção que estou fazendo é para seres humanos. Um dos ingredientes chave
é acônito lapelo. Obviamente, teremos que achar um substituto para o acônito
nesse caso, pois duvido que iria funcionar para o seu amigo Lupin”.
“Claro,” disse Sirius, sentindo-se perdido. Poções nunca havia sido uma de
suas matérias favoritas. Ele preferia mais Transfiguração, na qual havia
passado com excelência. Lembrou-se carinhosamente de uma tarde de primavera
quando havia transformado o caldeirão de Snape em um gordo hamster laranja
que havia mordido o dedão do pé de Snape. “Não,” ele disse a si mesmo, “não
devo pensar nisso...”.
“No entanto, você sempre foi mais interessado em Transfiguração,” disse
Snape, seus olhos pretos olhando para Sirius, que pulou.
“Eerm,” disse Sirius. “Sim, sim, eu era,” e ele começou a passear pelo
aposento, tentando parecer preocupado. Não era difícil: havia distrações o
suficiente no laboratório de Snape para preocupar qualquer um. Caldeirões de
todos os tamanhos, jarras de sangue de dragão quentes demais para serem
tocados, frascos com lágrimas de carvalho chorão, caixas de mandrágora em
pó, jarras prateadas com chifre de unicórnio em pó. Distraído, Sirius parou
para examinar os livros empilhados, de qualquer maneira, na mesa. Um chamou
sua atenção em particular: um volume pesado cor de vinho com uma lombada
dourada onde se lia Demônios, Demônios, Demônios. Ele o pegou e abriu. Tudo
O Que Você Quer Saber Sobre Os Habitantes do Inferno, e Muitas Coisas Que
Não Sabia, lia a primeira página.
“O que você está olhando, Black?” perguntou Snape.
Sirius movimentou o livro em sua direção.
“Demônios, Demônios, Demônios. Que título”.
“É um livro sobre demônios. Como você o chamaria?”.
“O Livro dos Demônios?” Sirius sugeriu, passando distraidamente as
páginas.
“Um nome repleto de um único entendimento”.
“Foi só uma sugestão...” Sirius pausou, olhando para a página do livro,
com os olhos arregalados. Ele levantou sua cabeça. “Ei, posso pegar esse
livro emprestado?”.
“Você quer meu livro emprestado?”.
“Existe eco aqui dentro?” Sirius disse, depois fechando sua boca
rapidamente. Algo em Snape reduzia-o à idade aproximada de treze, por mais
que resistisse. Não havia como estar no mesmo aposento que um homem sem
fantasiar que podia pendurá-lo pelos calcanhares acima da mesa da
Grifinória, no Salão Principal, com as palavras “Me Beije: Sou Irlandês”
magicamente costuradas no calção. Não que Sirius jamais tivesse feito algo assim.
Certamente que não.
“Digo, sim, eu o quero emprestado...”.
Snape bateu o béquer que estava segurando na mesa, com força.
“Problema com demônios?”.
“Você poderia dizer isso”.
“Típico,” disse Snape brevemente, sem levantar a cabeça. “Leve o livro,
se quiser”.
“Obrigado,” disse Sirius. Ele percebeu que esta era a primeira vez que
agradecia Snape. Parecia de enorme importância, mas aparentemente Snape não
havia nem notado. Ele estava inclinado para trás, seu olhar fixo no
caldeirão fumegante diante dele, um olhar satisfeito em seu rosto.
“Está pronta,” ele anunciou.
Colocando o livro sob seu braço, Sirius caminhou até o caldeirão. O líquido
dentro dele havia parado de borbulhar e havia tornado-se um material macio e
grosso, de cor cinza-prateado, que parecia refletir, como mercúrio ou a luz
da lua. Era quase bonito. Sirius esticou a mão --.
“Não toque,” disse Snape, duramente.
Sirius recolheu sua mão, irritado.
“Bem, perdoe-me por viver!”.
Snape olhou para ele por baixo de suas sobrancelhas escuras, seus olhos
pretos sem qualquer expressão.
“Ninguém é perdoado por viver,” ele disse. “Nem mesmo você”.
Para aquilo, Sirius viu que não tinha nada a dizer. Ele observou Snape
enquanto o Mestre de Poções enchia um frasco de vidro e cobre com um pouco
do líquido cinza-pálido do caldeirão. Ele o estendeu para Sirius, que o
pegou. Enquanto o fazia, a luz do fogo fez brilhar a pedra vermelha em seu
bracelete.
“Feitiço Vivicus?” perguntou Snape, suas sobrancelhas levantadas.
“Harry,” disse Sirius rapidamente, tomando o frasco e guardando-o no bolso
interior de seu casaco.
“É bom que você tenha um,” disse Snape brevemente.
“Bom para mim?,” Sirius se perguntou. “Ou bom para Harry?”.
Ele olhou para Snape. Snape olhou de volta. Sirius percebeu o que eles
tinham acabado de fazer. Ele se sentiu levemente perdido. E agora?
“Olhe,” ele começou, pausadamente, “você quer vir comigo?”.
Snape piscou.
“Como?”.
“Eu pensei,” disse Sirius, perguntado-se se havia enlouquecido, “que você
pudesse querer ver os efeitos da sua poção. Para saber... se funcionou. É
isso”.
“Eu a fiz. Vai funcionar,” disse o professor de Poções, friamente.
“Oh,” Siriu piscou. “Bem, nesse caso, eu deveria agrade--".
“Não agradeça,” interrompeu Snape. “A imagem de você tentando forçar essa
poção garganta abaixo de um lobisomem meio-maluco é realmente todo o
agradecimento que eu preciso”.
Sirius olhou para a poção, e depois para Snape, que não estava exatamente
sorrindo, mas possuía um tipo de olhar meio convencido.
“Essa poção,” ele disse, “não vai fazer Lupin criar orelhas de morcego ou
bolhas ou nenhum outro ti--".
“Ah, saia daqui, Black,” interrompeu Snape em exasperação, e Sirius,
percebendo que ele estava lutando uma batalha perdida, Desaparatou, com o
frasco e o livro nas mãos.
***
Ron, Ginny e Hermione estavam sentados na sala de estar dA Toca. Eles
estavam esperando Charlie voltar da cozinha, onde um dos Aurores que
guardavam a casa estava testando o Vira-Tempo contra feitiços perigosos.
Ginny estava esperando impacientemente por Charlie, Hermione estava lendo
uma cópia de De Basiliscos à Lobisomens: O Bestiário Mágico de Anglin, e
Ron estava ocupado, examinando a coleção de revistas de Fred e Jorge, que
havia aparecido sob uma pedra na adega.
Hermione balançou a cabeça para ele.
“Eu não posso acreditar que você esteja lendo isso”.
Ron sorriu.
“São publicações de qualidade”.
“Ron, nada que você precise ler de lado é considerado uma publicação de
qualidade”.
“Sabe, essas revistas são muito velhas,” ele observou, em tom de conversa.
“Na verdade, eu juro que essa é a professora McGonagall,” ele adicionou,
mostrando a revista para Hermione, que olhou a página indicada sem muito
interesse.
“Parece muito com ela,” Hermione concordou. “Quem saberia que ela possuía
um quimono, ou que gostava estranhamente de marmelada?”.
“Ela alguma vez foi loira?,” comentou Ginny, inclinando-se.
Ron rapidamente afastou a revista.
“Ginny! Você não pode olhar essas coisas!”.
“Por que não?”.
“Porque você é uma garota.... e é muito jovem”.
“Hermione é uma garota”.
“Sim, mas Hermione anda comigo e com Harry por muitos anos. Ela já foi
completamente corrompida”.
“Ron, eu tenho 6 irmãos mais velhos. Eu também estou completamente
corrompida”.
Hermione riu um pouco.
“Ginny, não diga isso, ou Ron vai ter um aneurisma”.
Ron sorriu para ela. Mas, em vez de fazê-la querer sorrir de volta, ela
sentiu uma onda de tristeza. Ron sorrindo, seus olhos azul-escuros
estreitados com diversão - doía um pouco, porque enquanto ela amava a
companhia de Ron, até o som de sua voz a lembrava dolorosamente que Harry
não estava lá. Por grande parte da sua vida, havia sido sempre eles dois,
Ron e Harry, Harry e Ron, ladeando-a, seus companheiros constantes. Quando
queria achar Harry no Salão Principal, ela iria automaticamente procurar por
Ron; sua altura e cabelo cor-de-fogo fazendo-o sobressair-se, e lá estaria
Harry ao seu lado. Olhar para Ron trazia à sua mente vívidas imagens de
Harry: Harry e Ron abrindo seus presentes na manhã de Natal, pedaços de
papel de embrulho voando ao seu redor; Harry e Ron ambos tentando espiar
suas anotações na biblioteca. Ela lembrava de lhes dizer que alguém havia
escrito MANDE UMA CORUJA PARA RON WEASLEY PARA SE DIVERTIR no banheiro das garotas em letras grandes, e de Harry ter rido tanto que Ron teve que
segurá-lo. Separar os dois permanentemente em sua mente era tão impossível
quanto separar Harry de sua cicatriz, ou Draco de seu senso de humor ácido.
Ron acenou uma mão na frente de seu rosto e ela voltou a realidade com um
susto. Ela tentou sorrir para ele, mas pôde sentir que sua boca não estava
cooperando. Ron parecia curioso.
“O que foi, Mione? Pensando nos seus sonhos, de novo?”.
“E se eu estou? Sonhos têm significado,” disse Hermione firmemente.
“Eu que o diga,” disse Ginny do outro lado da mesa. “Há umas noites atrás
eu sonhei que Draco e eu....” - ela pegou o olhar de Ron e se calou.
Ron usou a sua voz de advertência.
“Ginny. Eu não quero saber disso”.
“Aqui está,” anunciou Hermione, interrompendo. Ambos olharam, sem
expressão, para ela, e ela sorriu, virando o livro para que Ginny pudesse ver
a figura à qual ela estava olhando. “O desenho na tampa da caixa... é uma
Mantícora”. Ela leu em voz alta: “A temida mantícora tem o corpo de um
leão, o rosto de um homem e uma cauda pontuda de um escorpião. Suas
mandíbulas enormes, também, são únicas: elas possuem duas fileiras de dentes
afiadíssimos, em cima e em baixo, que se interlocam como os dentes de um
pente quando a besta fecha sua boca. Os dentes podem cortar quase tudo, e a
mantícora é conhecida por adotar uma preferência especial em saborear
humanos. O aspecto mais perigoso, porém, é sua cauda. Não há cura para o
veneno da mantícora, nem ajuda para a vítima que é no mínimo levemente
arranhada pela sua ferroada fatal”. Hermione fechou o livro e olhou para
Ron, que parecia impressionado. “Viu? Existem coisas piores que aranhas
por aí”.
Ginny parecia surpresa.
“Por que aquilo estaria na tampa na minha caixa?” ela perguntou. “Vocês
acham que deve ter algo de ruim lá?”.
“Aparentemente não,” disse Charlie, voltando da cozinha e segurando o
Vira-Tempo. “Limpinho da silva, me disseram,” ele adicionou, apesar de
continuar fitando-o com suspeita.
Ginny esticou uma mão, seus olhos brilhando.
“Então, me dá”.
“Não,” disse Charlie, firmemente. “Só depois que eu falar com a mamãe e
o papai”.
“Mas não há nenhum feitiço nele!” a voz de Ginny saiu como um guincho.
“Eu sei,” disse Charlie, parecendo sentir muito, mas permanecendo firme. “Ginny, eu não posso. Pode não ser seguro. Depois do que aconteceu com aquele
diário, se eu lhe desse isso sem perguntar a eles, eles iriam--".
“Charlie!” Ginny estava chocada. Ela se virou, olhou para Hermione, que estava tocando o Lycanthe ansiosamente. “Hermione, diz pra ele--".
“Ginny,” disse Hermione firmemente, “ele está certo”.
Os olhos escuros de Ginny abriram-se largamente, e sem mais uma palavra, ela
saltou da mesa e subiu as escadas. Hermione ouviu a porta do quarto fechar
com um estrondo.
Charlie mordeu seu lábio, olhando para Ron e Hermione.
“Vocês entendem, eu não posso--" ele começou, e então suspirou, virou-se e
saiu do aposento, fechando a porta atrás de si.
Houve um curto silêncio. Hermione empurrou sua cadeira de baixo da mesa.
“Eu acho que preciso ficar sozinha por um tempo,” ela disse, mordendo o
lábio.
Ron olhou para ela, sua boca puxada para baixo pensativamente.
“Você realmente acha que o Vira-Tempo pode ser perigoso?”.
Ela não o fitou nos olhos.
“Você está disposto a deixar Ginny se arriscar?”.
Ron parecia alerta.
“Quando você diz isso desse jeito… não”.
Hermione passou as costas da mão pela testa.
“Estou cansada. Eu vou me deitar um pouco”
Ela podia sentir o olhar ansioso dele em sua direção enquanto saía do
aposento, mas não se virou.
***
Draco estava sentado contra a parede da entrada, Fleur ao seu lado, inclinada
contra seu braço. Ele havia empurrado os cadáveres dos guardas para um
canto, e estava tentando não olhar para eles. Apesar de nunca ter matado uma
pessoa antes, não era verdade que ele não tinha matado nada – ele havia
caçado com seu pai várias vezes, e havia matado vários tipos de animais,
quer mágicos ou não. Mas ele não havia realmente se divertido, nunca teve o
gosto para isso como seu pai tinha. Ele não gostava de matar coisas. Ele era
bom nisso. Mas não gostava.
Talvez por causa da penumbra e o reconhecimento de morte ao seu redor, ele
foi repentinamente visitado por uma lembrança vívida demais da terra dos
mortos; a luz muito fraca para mostrar qualquer cor, as formas movendo-se,
as ansiosas vozes fantasmagóricas chamando de dentro da névoa. O sentimento
horrível presente no lugar o atingiu com mais força agora do que quando ele
estava lá, e ele sentiu novamente uma culpa remanescente; por que os pais de
Harry, que nunca havia machucado ninguém, foram condenados a um lugar pior
que o Inferno, enquanto ele, através de nenhum esforço ou mérito próprio,
havia voltado e caminhava, agora, entre os vivos?
Fleur interrompeu seus pensamentos ao colocar a cabeça distraidamente em seu
ombro. Ele olhou para ela. O cabelo dela brilhava como a borda de uma moeda
prateada à meia-luz, e alguma cor já havia voltado ao seu rosto. Ela estava
muito bonita, apesar do fato de que a cor de seu cabelo ser semelhante ao
seu sempre o fazia pensar duas vezes. Era um cabelo bom o suficiente, e ia
muito bem com ele, é claro, mas ele preferia cabelos mais escuros.
“Draco,” disse Fleur, suavemente.
“Sim?”.
“Estou me sentindo melhor, agora”.
Ele sorriu para si mesmo na escuridão.
“Bom. Então você pode soltar a minha perna. Mal consigo sentir meu joelho”.
“Oh, então era a sua perna?”
“Ah, é aqui que a anedota super-engraçada “você está feliz de me ver ou
isso é uma vassoura no seu bolso” entra em cena. Vá em frente. Não se
importe se eu só me sentar aqui”.
“Você não é mais engraçado,” ela reclamou.
“Quando eu fui engraçado? Lembre-me de um segundo que eu fui engraçado,
porque eu acho que devo ter deixado passar”.
“Ora, vamos, você sempre é divertido,” ela murmurou, movendo-se para
seu colo. Enquanto ela esticava seus braços, uma mecha de seu cabelo
prateado tocou a bochecha de Draco - e uma dor horrenda surgiu no lado de
seu corpo.
“AI!” ele exclamou, saindo de perto dela.
Fleur deixou seus braços caírem, parecendo surpresa.
“O que foi? Você está ferido?”.
“Sim, aquela coisa me deu uma facada antes de eu matá-lo. Mas não é tão
ruim”.
“Está sangrando? Você disse ao ‘Arry?”.
“Sim pro ‘sangrando’, e não pro ‘contar ao Harry’. E você também não fale.
Ele só vai se desmanchar em preocupações, e nós estamos com pressa.
Fleur transformou sua boca cheia em uma firme linha de desaprovação.
“Bem, então deixe-me ver”.
Com um suspiro resignado, Draco inclinou-se para trás, na parede, tirando a
jaqueta e a blusa do caminho para revelar o corte que atravessava o seu
lado, bem abaixo das costelas. Era superficial, mas longo, e ainda sangrando
levemente. Felizmente a blusa preta que ele vestia havia sugado a maior
parte do sangue, mas ainda parecia desagradável.
“Draco!” os olhos de Fleur estavam arregalados. “Você tem que me deixar
currá-lo”.
“Você disse que não podíamos fazer mágica”.
“Não quer dizer que você tenha que sentar aqui e sangrar”. Com
surpreendente avidez, ela começou a rasgar a barra de suas vestes com sua
pequena faca. Dentro de alguns segundos, ela tinha bastante pedaços de
tecidos. “Incline-se parra a frente,” ela disse, e, ajoelhando-se com seus
joelhos em cada lado das pernas dele, começou a envolver seu corpo com
tecidos, na altura do abdômen. Ela amarrou o primeiro no lado dele, passou
outro por cima do primeiro, e o amarrou, e voltou a sentar-se para examinar
o trabalho. “Como você se sente agora?” ela perguntou.
“Como um presente de aniversário embrulhado”.
Ela lançou um olhar reprovador em sua direção. Ele pensava que uma vez que
tivesse terminado com o curativo, ela iria sair de seu colo. Mas ela não
parecia inclinada à fazê-lo.
“Quero dizer, obrigado,” ele se corrigiu, abaixando a camisa.
“Suponho que queira,” ela abaixou a faca que estava segurando, mas não
tirou a outra mão do lado dele. “Acho que você realmente é grato pelo que
outras pessoas fazem por você, na sua própria maneira ingrata”.
“Você faz parecer que todo mundo está constantemente fazendo as coisas para
mim,” ele disse, irritado.
“E não estão?” Ela o fitou com olhos grandes. “Você realmente não sabe,
não é?”.
“Não sei, o quê?”
Ela esticou uma mão e a colocou sob o queixo de Draco, levantando seu rosto;
ninguém havia feito aquilo com ele há anos. Ela olhou para ele, a luz das
tochas refletindo sua pele de porcelana. Ele estava começando a se sentir
extremamente tonto, provavelmente por causa da fragrância doce que havia no
cabelo e nas mãos dela. Ou, possivelmente, era por causa da perda de sangue.
Ele esperava que fosse da perda de sangue.
Ela se inclinou para frente, e o cheiro doce ao seu redor se intensificou.
Os braços dela deslizaram ao redor de seu pescoço, mandando um raio de calor
através de sua espinha. Ela inclinou sua cabeça para baixo e o beijou
levemente na boca antes de se mover para o pescoço e começar a plantar
pequenos beijos ali.
Ele sabia que não era bom beijar uma garota enquanto pensava em outra, mas
ele não conseguia evitar pensar em Hermione, e na urgência em beijá-la no
armário, aquela sensação que se ele não a beijasse naquele momento, ele
poderia morrer. E beijar Ginny, que era como estar repentinamente banhado de
luz depois de estar trancado no escuro. Em contraste, Fleur o estava
beijando como se estivesse tentando saber algo sobre ele. Apesar de o quê
ela descobriria sobre ele ao enfiar a língua em sua orelha não estava claro.
Seu aperto nos braços dela se intensificou e ele, com uma relutância que
não foi pouca, a empurrou.
“Fleur,” ele disse, em aviso. ““Bum”. Lembra?”.
Ela deu um tipo de sorriso secreto. Ele olhou para ela. As bochechas dela
estavam coradas, mas ela o estava fitando tão desprovida de paixão como se
ele fosse algo numa placa de Petri; era irritante.
“Você parece... diferente de antes,” ela anunciou.
Draco ficou surpreso.
“Diferente, como? Além de mais alto e mais bonito, é claro”.
“Draco... você está amando alguém?”.
“Se eu estou amando alguém?” A pergunta o irritou levemente, e ele estava
começando a se sentir estúpido ao estar sentado com a mão dela sob sua
camisa, apesar de o fato de ela o estar fitando com olhos grandes e
admiradores não era totalmente horrível. “Bem, suponho que sim”.
“Quem?”.
“Eu,” ele disse, firmemente.
“Eu quis dizer alguém que você morreria parra proteger. Alguém que você não
poderia viver sem”.
“Além de mim?”
“Sim,” ela respondeu.
“Não da maneira que você está pensando,” Draco disse, cuidadosamente, “não”
“Bem,” disse Fleur. “Talvez precisasse ter”.
“Ahem,” uma voz disse das sombras. Draco virou sua cabeça e viu que Harry
havia voltado e estava olhando-os com suas sobrancelhas levantadas. Draco
sorriu para si, percebendo como tudo parecia. Fleur praticamente em cima
dele, com as mãos debaixo de sua camisa. Não que era da conta de Harry, mas
a expressão dele, entre diversão e exasperação, era muito engraçada. “Ahem,” Harry disse novamente. “Lamento interromper a festança de apalpamento,
gente, mas eu consegui abrir a porta”.
“Mesmo?” disse Draco, com a voz arrastada, não se mexendo. Fleur também
não se moveu.
“Sim, bem, não se apressem pra me agradecer ou o que seja,” falou Harry,
chateado.
“Valeu,” disse Draco. “Agora vá embora e volte em dez minutos”.
Harry estava enojado.
“Tá bom. Se lembra quando você era Draco Malfoy, bem antes de ser Don Juan?
E você disse, e eu repito: “nós temos que sair daqui o mais rápido
possível”? Aquilo era você falando, não era?”.
“Acalme-se, Potter, eu só estava brincando,” sorriu Draco, saindo de baixo
de Fleur e se levantando. Fleur deixou suas mãos caírem, um pouco
relutantemente. Ela se abaixou para pegar a faca e saiu graciosamente pelo
corredor, e agora que ela havia cortado parte de seu vestido, Draco podia ver
bem mais das suas pernas, o que não necessariamente uma coisa ruim--.
“Terra para Malfoy,” disse Harry, balançando uma mão em frente ao rosto
dele. Draco levantou uma sobrancelha para ele. “Vá em frente, olhe para
ela. Dê uma secada beeem longa. Certo. Agora, talvez nós devêssemos ir?”.
“Sabe, ela é realmente... uma garota especial”.
“É,” sorriu Harry. “Especialmente os--".
Draco tapou a boca de Harry com sua mão.
“Isso é o bastante vindo de você”.
“Eu disse especialmente os --".
“Eu posso ouvir você!” cantarolou Fleur do fim do corredor. “Eu posso
ouvir você, ‘Arry Potter!”.
Draco tirou sua mão da boca de Harry, sorrindo cinicamente.
“Droga,” disse Harry.
***
Ele ficou diante da janela de vidro pintado, cuja ilustração do brasão de
sua família jogava a sombra de um leão escarlate no chão de pedra aos seus
pés, e coloria as os ombros de suas vestes vermelho-escuro com dourado. Ele
estivera andando irrequietamente, mas agora ele estava parado, suas mãos
firmemente fechadas uma na outra. Ela raramente o havia visto tão arrasado.
“Godric.. o que foi?”.
Ele parou, e olhou para ela.
“Eu estive no campo de batalha,” ele disse. “Eu não queria contar à
Rowena, mas eu vi... coisas horríveis”.
“Batalhas são terríveis, você sempre disse isso. E quando Salazar faz algo,
ele nunca faz pela metade”.
“Ele criou um exército de monstros. Nem soldados nem feiticeiros conseguem
vencê-lo,” Godric parou, puxando uma mexa de cabelo preto para fora da
testa. “Eu enviei espiões atrás dele, mas a maioria nunca retornou. Aqueles
que retornaram dizem-me que todos os sinais no céu e na terra querem dizer
desastre”. Ele levantou os olhos na direção dela. “É verdade que ela ainda
não o quer morto?”.
“Ela o ama”.
Godric recuou.
“Ainda?”.
“Essas coisas não são lógicas,” Helga inclinou-se para frente em sua
cadeira. “Mas não importa. Eu sinceramente duvido que ele possa ser morto.
Ele teria de possuir um coração, para que pudéssemos fazê-lo parar”.
Godric balançou a cabeça.
“Você sabe da minha opinião”.
“Existe outra maneira. Nós devemos colocar seus próprios poderes contra
ele. Godric, você tem que prometer que não irá atrás dele. Não antes que
estejamos prontos. Não importa o que ele fizer. Prometa-me”.
Mas Godric estava olhando para fora da janela, para um pôr-do-sol parecendo
ainda mais vermelho por causa do vidro pintado.
“Eu não pensaria que alguém pudesse fazer isso, nem mesmo ele,” ele disse.
“Onde ele guardou ódio tão negro por esses vinte e sete anos?”.
“Ódio é somente a outra face do amor,” ela se ouviu dizer, mas Godric
havia virado-se como se não quisesse mais ouvir nada daquilo, e esticou sua
mão para ela.
“Venha,” ele disse. “O tempo que tínhamos para perder, nós já o perdemos”.
Ginny virou-se na cama, irrequieta, suas mãos apertando o travesseiro. Padrões de infinidade dançavam como raios por trás de suas pálpebras.
***
“Eu também posso lutar. Eu matei aquele guarda”.
“Fleur matou aquele guarda”
“Eu o matei seis vezes antes”.
“Mas ele não estava morto quando você terminou. Logo, ela o matou”.
Harry, pisando pelo corredor depois de Draco, ficou de mau-humor.
“Não fique mal-humorado. Para alguém com toda a graça e coordenação de um
antílope fêmea grávida, você foi bem”.
Harry amuou-se mais.
“Eu o matei”.
“O fracasso lhe subiu à cabeça, Potter. Você tem ilusões de aceitação”.
“Eu queria que vocês dois se calassem,” disse Fleur, no tipo sonhador de
voz esperançosa de alguém dizendo: “Eu queria ganhar um fim-de-semana grátis
em Majorca”. Ela sacudiu a cabeça prateada. “Vocês obviamente não suportam
um ao outro. Por que se incomodam em conversar, então?”
“A garota tem um argumento,” disse Draco, pulando sobre uma grande lacuna
entre duas pedras de pavimento quebradas, e virando para ver Harry atrás
dele. O corredor pelo qual eles estavam seguindo estava se estreitando e
estreitando à medida que eles andavam; estava começando a causar
claustrofobia.
“Por favor. Você adora falar comigo. Quem mais o toleraria?”.
“Você só me tolera porque não tem absolutamente nenhuma outra escolha,” disse Draco, mais facilmente que sentia. Havia uma sensação agitada de inquietação em suas entranhas, e a pior parte era que ele nem tinha certeza do porquê - ele perguntou-se, não indolentemente, quanto tempo havia que ele tomara a Poção de Força de Vontade que Snape havia lhe dado.
“Não deveríamos estar fora do castelo agora?” perguntou Harry, olhando em
volta enquanto eles viravam uma esquina. As paredes estavam incrivelmente
empoeiradas, como se ninguém houvesse passado por esses corredores em anos.
“Estamos andando sob os jardins,” disse Fleur, soando superior, “é melhor
por aqui”.
Harry sacudiu a cabeça.
“Por que é melhor por esse caminho?”.
“É melhor,” Fleur disse, “porque nós emergiremos no centro da floresta,
o que srrá muito mais segurro. ‘Arry! Que gesto rude para fazer para Draco
às costas dele. Oh, vejam, estamos aqui, e...”.
Eles haviam chegado ao fim do corredor, um espaço úmido e baixo que
terminava numa porta de carvalho margeada por ferro com uma maçaneta
quadrada. Fleur segurou-a, puxou-a em sua direção – e parou, um olhar de
horror espalhando-se em seu rosto. Ela se ajoelhou, correndo os dedos pelas
juntas onde a porta encontrava a parede.
“Oh, não,” ela sussurrou.
Draco sentiu uma pontada de ansiedade correr por sua espinha.
“O quê?”.
Fleur virou-se para olhá-los, seu rosto uma máscara de sofrimento.
“Alguém selou a porta, fechando-a com adamantio”.
“Adamantio?” Draco ajoelhou-se próximo a ela para examinar a porta. Ela
estava certa. Ele reconheceu a vedação ao longo das bordas da porta com a
substância já familiar com aspecto de vidro branco-azulado, a qual ele
estava começando a odiar com paixão.
Fleur olhou para ele, seus olhos azuis grandes e horrorizados.
“Essa é a última porta,” ela sussurrou, “leva até lá fora... ele deve
ter selado!”. Ela pegou as mãos dele. “O que podemos fazer?”.
“Arrombá-la,” disse Harry de trás deles. Ele estava escorado na parede,
usando o lado de sua manga para esfregar as manchas de sangue de sua espada.
Ele olhou para Draco. “Arrombe-a”.
Draco virou-se para Fleur.
“Segure-se,” ele disse, agarrou-a, e beijou-a com força. Ela bateu os
braços por um instante, e depois relaxou em seu abraço. Ele apurou as
orelhas para qualquer tipo de explosão ou “bum!”, mas... nada. Ele continuou
com o beijo por alguns instantes, em maior parte no espírito de que se algo
valia a pena ser feito, valia a pena sendo feita do jeito certo, e depois
soltou-a. Ela deu um pequeno guincho e deu um passo para trás, olhando para
ele.
“Então,” disse Harry, suas sobrancelhas arqueadas, “alguém gostaria de
dar um palpite sobre onde Slytherin deve estar?”.
Draco olhou para ele.
“Não mesmo, por quê?”.
“Porque se a minha única outra opção é ficar aqui e ver os dois se
beijando, eu acho que gostaria de passar alguns bons momentos com ele. Você
sabe, eu meio que acho que ele gostou de mim”.
“Não choramingue, Potter,” disse Draco desanimado. “O que eu estava
tentando fazer não funcionou. Teremos que tentar outra coisa,” ele olhou
Harry especulativamente por um momento.
Harry levantou uma sobrancelha.
“Você não vai me beijar, vai?”.
Draco sorriu devagar.
“Talvez”.
“Eu realmente acho que você deveria,” Fleur disse. “Ele é um Magid muito
mais poderoso que eu”.
“Tempos desesperados,” disse Draco, e deu um passo na direção de Harry. “Feche os olhos, Potter, isso vai terminar num segundo”.
“Eu não vou fechar meus olhos,” Harry começou indignado.
“Então você gosta de beijar com os olhos abertos? Excêntrico, isso,” disse
Draco, agradavelmente, e agarrou Harry pela frente da camisa.
Harry revirou os olhos.
“Oh, está bem então. Acabe logo com isso”.
Mas Draco havia parado. Um formigamento familiar havia começado a se
espalhar por seus dedos onde ele havia tocado a camisa de Harry. Um
sentimento bem conhecido, temido. Ele soltou Harry e recuou abruptamente.
“Temos que voltar”.
Ambos olharam para ele.
“Temos que voltar,” ele disse novamente, mais firme dessa vez.
“Voltar pra onde?” disse Harry. “Você acha que há outro caminho para lá
fora?”.
“De volta a onde começamos, onde mais?” Draco disse, ríspido.
“Draco, nós não podemos,” disse Fleur, parecendo desesperada.
“O que você quer dizer, com “não podemos”? Você entrou no castelo uma vez
por aqui. Você consegue voltar”.
“Não, eu não consigo!” Lamentou Fleur, visivelmente chateada. “Antes, eu
estava seguindo aquilo,” e apontou para a esmeralda no punho da espada
dele. “Eu pus um Feitiço Rastrreador na minha vassoura e a deixei do outro
lado da porta, então assim eu poderia achar meu caminho de volta. Mas
Draco, isso é um labirinto. Se voltarmos sem saber onde estamos indo,
poderemos vagar até morrer. Você não viu aqueles esqueletos nos corredores?
O que você acha que aconteceu com eles?”.
“Bem, você tem uma idéia melhor?” Draco perguntou.
“Eu tenho uma,” disse Harry.
Draco levantou uma sobrancelha.
“Você tem um plano? Desculpe-me se eu não pulo por aí com excitação, mas
seu recorde nesse departamento não é exatamente o padrão olímpico. Então o
que é?”.
“Vamos tentar arrombar a porta juntos, eu e você, você sabe que os nossos
poderes aumentam quando combinados, e não importa se fizermos mágica agora,
estamos muito próximos de sair. De qualquer modo, que outra escolha nós
temos?”.
Draco ponderou. A idéia de dar as mãos com Harry não exatamente o atraía no
momento, dado o fato de que ele estava cada vez mais certo de que a Poção
de Força de Vontade estava se esvaindo. Uma vez que eles chegassem lá fora, Fleur
poderia rapidamente remover Harry da vizinhança com sua vassoura, mas no
momento, presos juntos num corredor muito pequeno com nenhuma saída
apreciável... por outro lado, Harry estava certo, que outra escolha eles
tinham?
Bem. Havia uma outra opção. Mas ele não queria ter de usá-la.
Draco esticou a mão na direção de Harry.
“Vamos fazer isso”.
Fleur assistiu com sobrancelhas erguidas quando eles firmaram as mãos. Draco
ponderou sobre pedí-la para juntar suas mãos com as deles, mas deixou a
idéia de lado, uma vez que eles nunca haviam tentado esse experimento, e ele
duvidava dos efeitos colaterais. Ele sentiu o traço familiar e frio da
cicatriz de Harry ao tocar a dele; depois eles direcionaram suas mãos
ligadas em direção à porta e...
“Alohomora!” bradou Harry.
Um jato de luz esbranquiçada saiu de suas mãos, bateu na porta... e saltou,
voltando para a direção deles como uma bala. Draco se atirou ao chão quando
a luz ricocheteou sobre sua cabeça, quase tocando seus cabelos, e virou-se
para ver com assombro quando o raio de luz, fazendo o barulho de apito de um
bule de chá fervendo, estourou pelo corredor, ricocheteando pelas paredes
enquanto prosseguia, e no geral fazendo um barulho de apito. Ele se levantou
vagarosamente e olhou para Harry, que estava fitando o raio de luz, olhos
arregalados e a boca aberta.
“Belo plano, Potter,” ele disse. “Quebrou outro recorde mundial. Parabéns!”
Harry olhou para ele, e, ao invés de lhe dizer para calar a boca,
repentinamente sorriu. Ele estava coberto de sujeira do chão do corredor, e
seus olhos verdes faiscavam em seu rosto riscado com fuligem. “Ah!” ele
disse agradavelmente. “Você está apenas chateado porque bagunçou o seu
cabelo”.
Draco estava em vias de responder quando outro solavanco meio doloroso
atingiu seu braço, e ele de repente percebeu que ele estava segurando sua
espada de novo. Ele não se lembrava de tê-la apanhado, tampouco.
Ele a soltou rapidamente e se levantou, ignorando a mão estendida de Fleur.
Ele olhou para Harry mais uma vez, que estava tentando tirar a poeira de sua
camisa - no qual não teve muito sucesso. Depois, ele olhou novamente para a
porta fechada, lembrando o estilhaçamento da caixa de Adamantina na sala de
Lupin, graças à raiva de Harry, e ele desejou que pudesse sentir aquele tipo
de raiva, ou dor, ou aflição, ou qualquer coisa tão forte, mas o controle
emocional que o perfurara depois dos ensinamentos de uma vida inteira com
seu pai não poderia se dissipar tão rapidamente assim, não importando o
quanto ele desejasse.
Faça-o, disse ele a si mesmo. Você precisa. Não há escolha.
“Harry...” disse Draco, e Harry olhou para ele, seus olhos verdes
brilhando com deleite, sua boca se curvando num sorriso.
“ ...Draco?” ele respondeu, estranhando que Draco usasse seu primeiro nome
e seu tom ansioso. “Que foi?”.
Draco podia ouvir seu próprio sangue pulsando em seus ouvidos. Por que é tão
difícil?, ele pensou, furiosamente. Se havia algo no qual ele era bom, algo
que ele houvesse praticado constantemente com grande dedicação desde que
tinha 11 anos, era deixar Harry Potter com raiva. Talvez ele não houvesse
praticado muito nos últimos dois meses, mas todos esses anos de saber
exatamente onde acertar Harry para machucá-lo ao máximo - não era algo que
ele pudesse realmente esquecer como fazer.
Era?
“Que foi?” disse Harry novamente, ainda sorrindo, levantando-se. “Você
vai me contar que dormiu com a Hermione de novo, só pra me deixar com raiva?
Você mesmo disse que não funcionaria”.
“Não,” disse Draco. “Eu não vou te contar isso”.
Algo no tom de voz de Draco fez o sorriso de Harry diminuir ligeiramente.
“O que é, então?”.
“Quando eu morri,” disse Draco, “eu vi os Fundadores”.
Harry deu de ombros.
“Eu sei... Hermione me contou”.
“Eles não eram os únicos fantasmas lá,” disse Draco, e esperou. Certamente
Harry saberia o que ele quis dizer. Ele levantou os olhos para Harry, viu
sua expressão, viu que não havia sorriso em seu rosto e seus olhos verdes
estavam inexpressivos; Draco não conseguia interpretá-los.
Harry afastou o cabelo escuro que havia lhe caído sobre os olhos.
“Malfoy? O que você quer dizer?”
“Eu quero dizer que vi seus pais, Potter”.
A cor se esvaiu do rosto de Harry como se ele houvesse sido esbofeteado.
“O quê?”.
“Você me ouviu”.
Muito devagar, Harry pegou a espada de Gryffindor e virou para apóia-la na
parede. Depois ele voltou a encarar Draco. Seus olhos verdes estavam escuros
com confusão e o início de uma desconfiança.
“Isso não é engraçado”.
“Eu não estou tentando ser engraçado”.
“Você é um mentiroso” disse Harry brevemente, sacudindo a cabeça. “Acha
que eu não sei isso sobre você?”.
Draco empertigou os ombros. Ele estava vagamente ciente da presença de
Fleur, em algum lugar à sua esquerda, fitando ambos com olhos arregalados,
mas o mundo havia se estreitado para apenas ele e Harry - do modo como havia
sido por anos; apenas ele e Harry e o que havia entre eles, quer fosse de
oposição ou ódio ou o que queira. O desejo de machucar Harry o quanto fosse
possível poderia tê-lo deixado, mas não a habilidade para fazê-lo. Havia, de
fato, apenas ficado maior. Ele mataria, no ano passado, para saber as coisas
que ele sabia sobre Harry agora... como ele sentia, como ele amava, o que
era mais importante no mundo para ele. Machucar Harry havia sempre sido
atirar no escuro, mas ele poderia ser tão preciso e explícito quanto uma
cirurgia; e ele não queria fazê-lo, e ainda assim tinha que fazê-lo, porque
seu pai sempre lhe dizia para considerar todas as opções e depois escolher a
melhor, e essa poderia não ser a melhor opção, mas pelo que ele via, era a
única.
“Eu não estou mentindo, Potter. É a verdade”.
Nenhuma resposta imediata veio de Harry, apenas uma onda de choque e
confusão e dor e assombro. Finalmente, ele tentou dar um sorriso trêmulo e
não-convincente. “Você acha que vou cair nessa duas vezes?”.
Draco olhou para ele.
“Você acha que eu mentiria sobre isso?”.
“Claro que sim. Eu te conheço. Você não consegue ver um cinto sem chutar
abaixo dele, consegue, Malfoy? Mas eu sei o que você está tentando fazer.
Pensou bem, mas você estava certo antes... não funciona”.
Draco fitou-o. “É como você me disse antes, Potter. Você não pode mentir
telepaticamente, esqueceu?”.
Harry ficou branco, e dessa vez pareceu não ter nada a dizer.
Draco não olhou para ele, apenas continuou: “Quando eu morri, não era
escuridão de todo. Eu fui para um lugar entre a vida e a morte, onde os
assassinados estão esperando serem vingados. Não é um lugar agradável. É
cinza e frio, e os fantasmas não podem falar entre si, apenas com as pessoas
vivas. Eu falei com os Fundadores. Só que quando eu estava no meio da
conversa, alguém veio e me perguntou se eu era o filho de Lucius Malfoy. Era
o seu pai”.
Agora Draco olhou para cima, e viu Harry encarando-o, seus olhos enormes no
rosto branco. Sua boca se moveu, sem som.
“Não. Eu não acredito. Você falou com o meu pai? Você?”.
Draco acenou com a cabeça.
“E sua mãe”.
Harry pôs suas mãos para trás e deixou-se cair perto da parede, escorando-se
nela como se estivesse com problemas em ficar em pé.
“Você está mentindo. Você tem que estar mentindo”.
“Você sabe que não”.
“Eu não entendo...”, Harry parecia pasmo. “Por que você não me contou?”.
“Eu falei com a sua mãe. Ele queria saber como você era, como era a sua vida.
E Sirius. Eles perguntaram de Sirius. Eles acham que você foi viver com ele
quando morreram. Eles não sabem sobre Azkaban ou sua tia e tio, ou qualquer
coisa - eles acham que você teve uma infância feliz, andando em motocicletas
voadoras e correndo com um grande cachorro preto... é patético, realmente...”.
Algo mudou no rosto de Harry, algo muito básico e necessário, e isso, Draco
sabia, significava que Harry acreditava nele; ele não ficaria assim se não
acreditasse nele. E agora veio a parte difícil. E era difícil. Mais difícil
do que ele pensara que seria -- era nisso que ele era bom, de qualquer
maneira, e isso realmente deveria ter sido fácil. Mas não foi. Mas ele tinha
que continuar.
“Eles estiveram lá todo esse tempo, sabe... todo o tempo que você esteve
crescendo e eu aposto que sua tia e seu tio disseram que seus pais estavam
no céu; bem, não é bem assim, eles estiveram esperando esse tempo todo por
alguém que os vingasse...”.
“Cale-se,” disse Harry, sua voz perigosamente baixa. “Apenas... cale-se, Malfoy. Você não...”.
“Mas isso provavelmente não vai acontecer porque, encare, para que eles sejam
vingados alguém teria que matar o Lorde das Trevas, e eu não tenho certeza
se isso é possível agora que...”.
“Saia da minha cabeça” sibilou Harry, e se desencostou da parede, os
punhos cerrados como se fosse bater em Draco. Draco se manteve, mas Harry
não foi em sua direção. Ele apenas ficou ali, tremendo. Draco podia sentir a
raiva vindo dele em ondas, mas isso era muito diferente da emoção que ele
havia sentido vindo de Harry quando ele conseguiu fazê-lo quebrar a caixa na
sala de Lupin - raiva era apenas uma parte do que Harry estava sentindo
agora: um coquetel tóxico de culpa, confusão, frustração, horror e terrível
pesar. “Ele nunca vai me perdoar”, Draco pensou, “e nem Hermione, não por isso” - e ele enterrou o pensamento da maneira que ele teria apertado um pedaço de
vidro, afundando-o em sua pele, deixando a dor lançar seu braço para cima e
limpar a mente enquanto ouvia a voz de seu pai em sua cabeça: “A dor lhe fará
mais forte”.
“O que há de errado com você, Malfoy?” Harry perguntou, sua voz vindo num
ofego. “Por que diabos você não me contou isso antes? Você deveria ter
falado logo, você mentiu para mim, você é um mentiroso... como sempre foi...”.
“Que bem isso teria lhe feito? Se o que Rabicho disse à Hermione for verdade,
e o Lorde das Trevas já estiver morto, então não há nada que você pode
fazer, não há como vingá-los e eles ficarão lá para sempre e você nunca os
verá de novo, nem mesmo se você morrer”.
Harry se enrijeceu, olhando para Draco, seus olhos arregalados com fúria e
algo mais. “Eu disse para você sair da minha cabeça,” sibilou, “você não
ouviu?”.
“E eles estarão lá esperando que você os vingue e se perguntando por que você
ainda não o fez... e pensando que talvez você os tenha esquecido...”.
“Cale-se!” e agora Harry partiu para Draco, segurou-o pela frente da
camisa, batendo-o com força contra a parede. Por um momento, Draco pensou
que o som de quebrar que ele ouviu era a sua cabeça acertando a pedra.
Depois ele reparou que não - a porta de Adamantio atrás de Harry estava
rachando e estalando. “Só um pouco mais”, ele pensou. “Só um pouco...”.
Os olhos de Harry estavam a centímetros dos dele, as pupilas tão dilatadas
que pareciam pretos.
“O que você disse a eles?” sibilou. “O que você disse aos meus pais?”.
“Solte-me, Potter”.
“Você iria me contar? Iria?”.
“Sirius me disse para não contar”.
“Não ouse culpar Sirius!” Harry gritou a plenos pulmões, e com um poderoso
estampido, a porta atrás dele estourou. A força da explosão, como uma onda
de choque, espatifou-os todos; Draco sentiu o chão atingi-lo com força,
roubando-lhe o ar. Ele rolou para o lado, cortando as mãos nos fragmentos de
adamantio, e se sentou.
A porta estava suspensa pelas dobradiças, balançando embriagada. O chão da
câmara estava um lixo com pedaços brilhantes de Adamantio, como gelo polar
quebrado. Fleur estava se debatendo em seus joelhos, seus cabelos brilhantes
polvilhados com fragmentos cintilantes. E Harry... Harry estava sentado com
suas costas apoiadas na parede, seu rosto enterrado nas mãos. A porta pendeu
aberta atrás dele.
Draco olhou para Harry, e ouviu a voz de seu sonho em sua cabeça. Para cada
lucro em alguma coisa, há pagamento em outra.
Draco se levantou. Ele acenou com a cabeça para Fleur, e ela foi na direção
de Harry. Vagamente, Draco podia ouvi-la sussurrando algo para ele. Harry se
pôs de pé. Ele apanhou seus óculos e começou a esfregá-los contra sua
camisa, olhando para baixo, mas Draco podia ver mesmo de onde estava que
Harry esteve chorando.
Draco olhou para suas mãos, depois novamente para Harry, que estava ainda
fitando o chão como se lá estivessem contidos todos os segredos do universo.
“É melhor irmos,” ele disse, e sem uma palavra, Harry atravessou a porta
como se nem remotamente ligasse para o que estava do outro lado. Agarrando
ambas as espadas, Draco seguiu-o.
***
Hermione olhou ao longo do corredor além do quarto de Charlie. A porta do quarto
de Ginny estava fechada; assim como a de Charlie, e Ron dormia no último
andar. O corredor estava vazio. Cautelosamente, ela alcançou o bolso das
vestes folgadas que havia jogado sobre seus pijamas, e tirou o Lycanthe.
Imediatamente ela sentiu uma ferroada atingir seu braço e ombro. Ela havia
sentido a mesma ferroada vinda do Lycanthe mais cedo naquele dia, em qualquer
momento que ela chegasse perto do Vira-Tempo. Era como se o Lycanthe fosse
atraído pelo Vira-Tempo. Pelo menos, era o que parecia, o que Hermione
achava. Era o instinto que a mandava fazer o que fazia - o que era incomum,
já que geralmente Harry era o que agia por instinto, enquanto ela navegava
pela clara luz da pesquisa e racionalidade. Mas com Harry ausente, o
pensamento racional parecia ter morrido. Restava o instinto, e ela estava
começando a descobrir o quão poderosa era essa força.
Ela levantou a mão com o Lycanthe, e ele tremeu, quase com excitação.
Hermione começou a seguir seus puxões, que se tornaram mais e mais fortes a
cada passo que dava em direção à escada. Ela desceu rapidamente, tentando
ser o mais silenciosa possível - felizmente seus pés estavam descalços - e
chegou à sala-de-estar escurecida. Era como ser puxada para frente por um
filhote de cachorro muito energético e entusiástico. O Lycanthe não parecia
se importar se havia caminho para Hermione, desde que o espaço que ele
seguisse estivesse limpo, mas ela conseguiu seguir mesmo assim, apenas
esbarrando uma vez e bem dolorosamente do lado do sofá com seu braço. Ela
praguejou, mas continuou indo enquanto o Lycanthe a levava até a cozinha,
escura com exceção da luz fixa que vinha do fogo crepitante. Hermione seguiu
o pulsar até a lareira, onde ela se ajoelhou, negligente ao fato que estava
ficando cheia de fuligem, e olhou chaminé acima.
Lá estava a caixa de prata, enfiada pela metade na falha entre dois tijolos.
Pondo o Lycanthe, agora tremendo como um diapasão, no seu bolso, ela se
esticou e pegou a caixa, levando-a até seu colo.
“Hermione, o que você acha que está fazendo?”.
Ela pulou tão violentamente que bateu a cabeça no arquitrave da lareira.
Levou-lhe um segundo para a dor passar; quando passou, e ela tirou a mão da
cabeça, viu Ron de pé no portal da cozinha. E ele parecia com raiva. Seus
olhos azuis estavam queimando e seu cabelo vermelho estava em pé ao redor de
sua cabeça em chamas vermelhas brilhantes.
Uh-oh, ela pensou, se levantando. Ela mordeu o lábio, com força, e sua voz
oscilou enquanto perguntava:
“Eu te acordei?”.
Só depois se deu conta que era uma pergunta idiota, desde que Ron não
estava de pijama, mas vestia os jeans e o suéter azul que esteve usando mais
cedo naquele dia. Suas mãos estavam socadas no bolso, mas ela podia ver
mesmo de onde estava que estavam cerradas em punhos, o que significava que
ele estava mais do que apenas com raiva - ele estava furioso.
“Hermione,” ele falou bruscamente. “Que é que você está fazendo?”. Ele
caminhou em passos largos através da sala e agarrou a caixa da mão dela.
“Bem?”
“Eu estava apenas....”.
“Roubando por aí pelas nossas costas? Indo ver se você podia descobrir como
usar o Vira-Tempo sozinha, sem se importar com o quão perigoso possa ser?”.
“Ron, eu...”.
“Eu pude adivinhar só pela sua expressão de hoje à tarde que você tinha
algo em mente, por isso eu te perguntei. Mas você estava longe de me dizer a
verdade. Você não queria que Charlie o escondesse porque era perigoso,
você queria que ele o escondesse para que o pudesse usar sozinha!”.
“Pare de gritar comigo!”.
“Então me diga porque diabos você está agindo assim!”.
Hermione havia dito a si mesma que não choraria, mas foi em vão. Ela fechou
os olhos com força, mas eles se encheram e transbordaram. Lágrimas de raiva
marcaram suas bochechas.
“Não,” ela disse. “Não tem nada a ver com você, Ron”.
Ron ficou ainda mais pálido com raiva do que antes. Furiosamente, ele abriu
a caixa com força, e agarrou o Vira-Tempo de dentro. Ele jogou a caixa de
lado com um tilintar e segurou o Vira-Tempo em sua delgada corrente de ouro,
cintilando e brilhando na luz do fogo. “Me diga para que você quer isso, disse ele, “Ou eu juro que jogarei no fogo”.
“Não!”.
“Sim, eu farei isso”.
Ela não podia duvidar da convicção dele. Ela levantou a cabeça,
experimentando suas próprias lágrimas na boca.
“Sempre há dois modos de usar um Vira-Tempo,” ela disse mecanicamente. “Você pode virá-lo até ir o mais atrás que queira. Ou você pode ajustá-lo num tempo específico. Esse está ajustado”.
“Ajustado?” Ron olhou o Vira Tempo, depois de volta para ela. “Ajustado pra quê?”.
Ela deu de ombros.
“Eu não sei. Mas eu vou lá, descobrir”.
Ron balançou a cabeça. “Não. Não você. Nós. Você pensa que eu vou deixar
você ir sozinha?”.
Hermione levantou o queixo, provando suas lágrimas na boca. “Ron,” ela
disse, “Eu não quero que você venha comigo”.
Ele enrijeceu seu maxilar numa linha inflexível. “Por que não?”.
Ela respirou profundamente.
“A Professora McGonagall me contou... terceiro ano,” ela disse rapidamente, “para nunca voltar no tempo mais do que poucos dias. O quanto mais você
volta, mais difícil é de retornar,” ela apontou para o Vira-Tempo com uma
mão trêmula. “Esse Vira-Tempo pertenceu aos Fundadores. Eu os vi forjando-o
em meu sonho. Eu acho que é ajustado para mil anos atrás. Isso... isso é o
que eu acho”.
“O quê?” Ron vagarosamente abaixou a mão. “E você ia usá-lo mesmo assim?”.
“Eu farei o que quer que precise para ajudar Harry. Os Fundadores sabiam
que Slytherin iria retornar. E eles sabiam que quando o fizesse, seus
Herdeiros teriam que tentar descobrir como derrotá-lo. Eles não poderiam
simplesmente deixar um livro com as instruções por aí pra gente porque o que
quer que fizessem, seria poderoso, magia negra, e eles não poderiam arriscar
que esses feitiços caíssem nas mãos erradas. Então eles deixaram isso,” e
ela apontou para o Vira-Tempo, “guardado num lugar onde só um Herdeiro
pudesse encontrar. E isso me levará até eles e aí eles poderão me contar o
que precisamos fazer”.
“Você não sabe disso,” disse Ron, encarando-a.
“Não, não sei,” Hermione admitiu. “Mas é uma chance, então eu tenho que
agarrá-la”.
“E como você está planejando retornar? Isso apareceu em seu esquema?”.
“Eu encontrarei um caminho de volta,” ela disse teimosamente,
gesticulando. “Eu vou...”.
Ron agarrou seu pulso com força.
“Você vai achar um caminho? Isso soa como um plano bem pensado. Você nem se
importa com o que acontece a você? Você quer ficar presa num lugar pra
sempre sem ter como voltar?”.
“Se isso vai me trazer Harry de volta, eu vou voltar!” ela gritou. “Você
não entenderia! Você não sabe como eu me sinto...” ela parou ao ver o olhar
no rosto dele, dor e raiva misturados.
“Você acha que é a única?” ele gritou de volta. “Você acha que é a única
que sofre ou sente culpa sobre Harry ter ido? Você acha que possui toda essa
dor, e isso lhe dá o direito de tentar consertar isso sozinha? Tudo o que já
enfrentamos, enfrentamos juntos! Você vai mudar isso agora só porque você e
Harry estão namorando? Eu achei que éramos melhores que isso”.
Ele se virou com se estivesse a sair do aposento furiosamente, e,
subitamente com medo, ela pegou sua manga.
“Não é isso,” ela protestou rapidamente. “É isso”. Ela tocou o Lycanthe em
volta de seu pescoço, viu os olhos dele seguirem o gesto. “Isso me dá
poderes, Ron, poderes de Magid. Se eu não...”.
“Ah, então agora é porque eu não sou um Magid... “ ele disse rispidamente. “Se eu fosse o Malfoy, você não me deixaria pra trás”.
“Ron, você não é nem um pouco como Draco”.
“ E eu aposto como você queria que eu fosse,” ele disse, com uma amargura
corrosiva e um brilho do antigo ódio em seus olhos. “Você acha que me
conhece tão bem. Não é?”.
“Não é uma questão de deixar você pra trás,” ela começou, e então sua voz
falhou, e ela parou, olhando para ele. Ela se perguntava o que Draco faria
no lugar de Ron; provavelmente iria dizer algo que a faria rir ou ele iria
achar uma maneira de fazê-la levá-lo consigo. Mas Ron não faria isso. Ele
não enganava pessoas, e, diferente de Draco, tudo o que ele estava sentindo
aparecia em seu rosto. Até Harry conseguia esconder o que estava pensando
melhor do que Ron. Mas por outro lado, ambos Harry e Draco haviam crescido
escondendo o que sentiam dos adultos, que eram, no mínimo, perigosos e
incapazes de amar; Ron, pelo contrário, havia crescido rodeado de amor e não
conseguia esconder um sentimento mesmo se fosse pago para tal. Ela olhou
para seus olhos agora e viu o desabar de seus planos, percebendo só naquele
momento o quão egoísta ela havia sido.
“É claro que eu conheço você tão bem,” ela disse. “Você é o meu melhor
amigo”.
Houve um curto silêncio. Ron estava parado com suas mãos em seus bolsos,
olhando para o chão. Finalmente, ele olhou para ela.
“Eu sou?”.
“Você sabe que é,” ela disse. “E eu sou sua... eu pensei... não sou?”.
“É sim,” ele disse, “Mas o Harry também. E você acha que eu não me sinto
culpado? Eu fico pensando que eu podia ter - que eu devia ter feito alguma
coisa. Eu devia ter percebido que o Charlie não era o Charlie, antes. Eu
não conheço o meu próprio irmão? Mas, aparentemente, não. Eu estava muito
ocupado, ainda pensando no quanto eu odiava o Malfoy para prestar qualquer
atenção”.
“O que você ainda odeia tanto assim em Draco?”.
“Eu não odeio... não tanto... não mais...” disse Ron, um pouco hesitante.
Ele tinha a expressão cautelosa de alguém que ia remover um curativo
rapidamente e já estava antecipando a dor. “Mas eu acho que... eu tinha
ciúmes”.
“Por causa do Harry?”.
Ron fez que sim.
Hermione se inclinou para frente e o tomou pelos ombros.. ou pelo menos
tentou. Ele era alto demais, então ela acabou apertando seus braços.
“Ron,” ela disse, devagar, “ninguém nunca vai substituir você. Nem para
mim. Nem para o Harry. Você foi o primeiro amigo que Harry teve. Ele nem
saberia o que é ter um amigo se não fosse por você. Ele não seria o que é –
nem eu – sem você”.
Ron olhou para baixo, para ela.
“Mas você não queria que eu fosse com você,” ele disse. “O que isso prova?”.
“Só que eu não queria que nada acontecesse com você,” – ela disse
verdadeiramente, esperando que ele acreditasse. “É que eu me sinto tão
impotente,” ela adicionou, suas palavras saindo com uma pressa raivosa. “Eu não tenho controle sobre nada - não há a quem pedir ajuda, e o pior de tudo é que eu não faço idéia do que está acontecendo e acho que estamos todos rumando para um desastre horrível e inevitável. Eu me sinto como - como um peão em um jogo muito complexo que não consigo entender,” Ela
levantou a cabeça e olhou para ele, e viu sua expressão com surpresa. “Por
que você está sorrindo?”.
“Eu estava pensando sobre xadrez,” disse Ron. “Você sabia que se o peão
conseguir atravessar todo o tabuleiro, ele vira a peça mais poderosa do
jogo?”.
Hermione fungou.
“Você sabe que eu sou terrível quando se trata de xadrez,” ela procurou e
segurou sua mão. “Eu estava errada... eu realmente quero que você venha
comigo - não porque eu me sinto culpada,” ela adicionou rapidamente, vendo
seus olhos se estreitarem, “mas porque eu podia usar uma ajudinha”.
Os ombros dele relaxaram quase imperceptivelmente.
“Tudo bem”.
Ela estendeu uma mão para o Vira-Tempo, e depois de um momento, ele o
devolveu. Ela o enroscou em seu pescoço, e então o jogou pela cabeça de Ron
também. Ela recordou-se vividamente de ter feito o mesmo com Harry três anos
antes. Ela olhou para Ron, a corrente do aparato cortando-lhe a garganta.
“Pronto?”.
Nervoso, ele assentiu.
Hermione pegou o Vira-Tempo entre seu polegar e seu indicador, e o girou.
Absolutamente nada aconteceu.
***
A primeira coisa que ele notou foi o quão silencioso era. Ele estivera por
tanto tempo na escuridão e no barulho clamoroso, suas orelhas de lobo
ultra-sensíveis captando toda e qualquer vibração e o inacabável uivo do
Chamado, que o silêncio foi um choque maior do que uma explosão teria sido.
A última coisa humana que ele lembrava era ter estado na masmorra, na cela
com Sirius, dizendo-o para sair, sair enquanto havia tempo...
Os olhos de Lupin se abriram. Ele estava deitado de costas em um banco duro,
olhando para o teto de pedra úmido. A masmorra. Tudo doía, todas as partes
de seu corpo, como se ele tivesse sido atacado por cascalhos. Mas ele estava
inteiro. Isso ele sabia.
Ele girou sua cabeça para o lado, lentamente, tentando ignorar a dor em seu
pescoço. E viu Sirius. Ele estava sentado no chão, perto do banco, suas
costas contra a parede de pedra, pernas esticadas. Ele parecia exausto,
ainda mais do que quando ele havia dirigido sua motocicleta pelo Atlântico
para chegar na Estação de King’s Cross na hora que o Expresso de Hogwarts
saía, mas seus olhos estavam acesos.
“Aluado?” ele disse.
Lupin ficou de lado, gemendo frente às dores que passaram por seus músculos
desgastados.
“Sirius,” ele tentou dizer e ele ouviu a própria voz sair rouca e quase
irreconhecível, como se tivesse sido terrivelmente forçada. Ele limpou a
garganta. Isso também doeu, mas não importava. Ele se sentou, e olhou para
si. Ela vestia as roupas que havia vestido.. ontem? Por quanto tempo ele
havia sido um lobo? “Sirius,” ele disse, mais alto agora, “o que
aconteceu…?”.
Mas Sirius já estava de pé. Ele ofereceu uma mão a Lupin, que a aceitou, e o
ajudou a se levantar. Então, ele o abraçou, como ele o havia abraçado aquele
dia, há 3 anos, na Casa dos Gritos, como um irmão, apesar de que Sirius e
Lupin nunca haviam tido irmãos, ou algo que lembrasse um irmão, a não ser um
ao outro. Um ao outro, e James.
“Você está bem,” disse Sirius, dando tapas nas costas do amigo. “Você está
bem?”.
Lupin afastou-se, praguejando um pouco.
“Eu estou, estou bem. Estou todo doído como se tivesse sido atropelado por
um hipogrifo, mas estou bem. Sirius, quanto tempo eu...?”.
“Dois dias,” disse Sirius, e seus olhos pretos escureceram mais ainda. “Por volta de dois dias”.
“Eu machuquei alguém?” Lupin sentiu sua mão aumentar o aperto no lençol ao
seu lado. “Eu fiz...alguma coisa?”.
“Eu trouxe um médico pra ver você,” disse Sirius, parecendo sombrio. “Mas
você o comeu”.
Lupin sentiu seus olhos se arregalarem, então ele riu, seu peito ficando
tenso com a dor, mas valeu a pena só pelo prazer de rir.
“Eu suponho que isso seja um não,” ele disse. “Almofadinhas... como você
pôde... como você me trouxe de volta?”.
Sirius hesitou, então pegou um pequeno frasco vazio protegido com cobre.
“Eu, não. Foi o Snape. Ele me deu uma Poção de Força de Vontade para você”.
Lupin o encarou.
“Sério?”.
“Uh-huh”.
“E o que você teve que fazer para ele? Sirius. Eu não estou brincando. Ele
não teria feito isso por razão nenhuma”.
“Bem, eu tive que concordar em correr pelado pelos corredores de Hogwarts,
gritando “Severo Snape é demais!” a plenos pulmões”.
“Bem, é uma tragédia que a escola não esteja funcionando, não é? Não haverá
ninguém para apreciar sua forma nua”.
“Bem lembrado,” Sirius sorriu para Lupin, seus olhos se iluminando como
raramente faziam, e para tão pouca gente. Lupin podia lembrar de uma época
que Sirius havia sorrido para todos. Mas aquilo havia sido há muito tempo.
Ele olhou novamente para o frasco na mão de Sirius, e piscou; Sirius estava
usando luvas pesadas de couro que iam até o meio de seus braços. Eles
pareciam ser de pele de dragão. Sua manga esquerda estava rasgada, e
sangrava. Eu fiz isso, ele pensou, seu coração afundando.
“Almofadinhas, como você fez para que eu tomasse a Poção?”.
“Você já estava muito cansado,” disse Sirius simplesmente. “Não foi tão
difícil. E eu peguei as luvas de jardinagem de Narcisa,” ele levantou a mão
direita e sorriu, “ela normalmente usa para aparar as plantas de fogo no
jardim da frente”.
“Mas eu não mordi você,” disse Lupin ansiosamente, “mordi?”.
Sirius balançou a cabeça.
“Não. O que pede por uma pergunta interessante. Se você tivesse me mordido,
eu seria um lobicão?”.
Lupin sentou-se no banco, mais de exaustão do que qualquer outra coisa, e
sorriu.
“Cale a boca Sirius”.
Sirius sorriu de volta. Então seu sorriso desmanchou-se.
“Eu preciso perguntar...” ele limpou a garganta. “Você se lembra de alguma
coisa?”.
Lupin fechou os olhos. Luzes dançavam em seu campo de visão, e pressionavam
seus olhos. Noite negra, luar prateado, floresta; um castelo levantando-se
na escuridão, preto contra o céu branco. Uma voz na base de seu crânio.
Venha. Aqui. Agora. À noite, as ameias eram da cor de mercúrio líquido.
Guardas andavam entre si em vestes pretas e prateadas. Ele viu um rosto
familiar, virou-se em sua direção, olhos e cabelos pálidos, sentiu traição,
escuridão.
Seus olhos abriram.
“Eu me lembro,” ele disse, levantando seus olhos até os de Sirius. “Eu me
lembro de tudo, o Chamado... tudo”.
Sirius inclinou-se para frente.
“ É melhor lhe contar o que está acontecendo”.
***
A primeira coisa que Draco viu do outro lado da porta foi que eles não
estavam, de fato, do lado de fora. Eles estavam no que provavelmente era o
maior aposento que ele já havia visto: maior que o Salão Principal de
Hogwarts ou o salão de bailes da Mansão Malfoy. As paredes eram de um
mármore com veios verdes e se esticavam e esticavam e esticavam – o quão
longe eles estavam da superfície? – terminando em um teto tão alto que os
detalhes estavam perdidos na escuridão, assim como o outro lado do aposento.
O piso também era de mármore, liso e escorregadio. O centro do aposento
curvava-se em uma enorme depressão circular, não enorme e profunda o
suficiente para ser um anfiteatro, apesar de parecer muito. Estava vazia.
Harry foi até à beira da depressão circular e a encarou, seu rosto sem
nenhuma expressão. Draco o fitou, em seguida virando-se para a porta a qual
eles haviam entrado.
“Fleur--".
Ele parou. E encarou.
Fleur não estava lá. E a porta havia desaparecido.
A parede para a qual ele olhava estava tão lisa, achatada e não-marcada como
se ali nunca tivesse existido uma porta.
O estômago de Draco revirou violentamente. Ele não sabia o que estava
acontecendo, mas tinha a impressão que o que quer que fosse, ele não iria
gostar.
Ele se virou e viu que Harry estava onde ele estivera, parado, olhando para
o nada. Cerrando os dentes, ele foi até lá e ofereceu a espada de
Gryffindor. Sem mudar de expressão, Harry a pegou.
“Potter,” Draco disse. “Parece que temos um problema”.
Harry virou e lançou-lhe um olhar vazio inquietante.
“Eu notei. Fleur desapareceu e a porta também. Parece que estamos presos em
um quarto. De novo,” ele adicionou, como se o prospecto fosse desagradável.
“Eu disse que não podíamos confiar nela”.
“Potter...” Draco estendeu a mão.
Harry se voltou rapidamente, punhos cerrados.
“Não me toque,” ele sibilou. “Nem pense nisso”.
Draco rapidamente retraiu sua mão.
“Eu tinha que fazer isso,” ele disse, em uma voz cansada. “Você sabe disso”.
“É. Que seja,” Harry balançou a cabeça, olhando Draco direto nos olhos, e
havia algo em sua expressão que Draco não havia visto em meses... desprezo.
“Só cale essa boca, Malfoy. Eu realmente não estou afim de ouvir a sua voz
agora”
“Você planeja ficar com raiva disso para sempre?” Draco disse rispidamente.
“Sim,” disse Harry, sem emoção. “Sim, esse é o plano que eu tenho agora.
Desde que eu descartei o plano de amassar o seu crânio como impraticável”.
“Olhe,” Draco esmagou sua própria raiva crescente. “Eu... sinto muito”.
Harry não parecia surpreso.
“Bom pra você”.
Draco piscou, atordoado. Pasmado de ter se desculpado, e mais atordoado
porque Harry não havia aceitado. Aquilo não era uma regra das desculpas? A
outra pessoa não tinha que aceitá-las? Não era esse o propósito?
Aparentemente não.
“Você não entende, não é mesmo,” adicionou Harry. “Eu pensei que você fosse
meu amigo,” e havia, para os ouvidos de Draco, pelo menos, menos amargura
em sua voz do que nojo.
“Eu lhe disse ontem que eu não era,” disse Draco, sua própria raiva
subitamente indo à superfície. “Você não se lembra? Por que você está
agindo como se eu tivesse lhe apunhalado pelas costas? Não foi o que eu fiz”.
“Não, você me apunhalou pela frente. Bom pra você. Parabéns por não mentir,
pra variar,” Harry disse bruscamente, “Malfoy”.
A vontade de bater em Harry muito, muito forte tornou-se repentinamente
esmagadora. Draco respirou fundo, tentando fazer suas mãos pararem de
tremer. Quando ele era mais novo, ele costumava tremer com reação depois de
jogos de Quadribol especialmente tensos – não apenas pequenos arrepios, mas
tremores fortes e prolongados, que danificavam seu corpo todo. Ele estava
tremendo assim, agora. Se ele tentasse bater em Harry, provavelmente
erraria. Não que isso fosse necessariamente uma coisa ruim,
considerando-se.... ele queria que tivesse algum jeito de saber quanto
restava da Poção em seu sangue. Ele não sabia o que aconteceria quando o
efeito passasse totalmente. Talvez nada. Talvez--
A voz de Harry perfurou seus pensamentos.
“Malfoy....”.
Draco não se virou, mas ele sentiu seus dentes rangerem.
“Que é? O que você quer que eu faça, Potter?”.
Em resposta, a mão de Harry se estendeu e pegou as costas da capa dele,
virando-o rapidamente. Ele ouviu a voz de Harry dizer:
“No momento, eu realmente quero que você entre em pânico”.
“Pânico?”.
Draco olhou. Algo estava surgindo das sombras do final do aposento. Algo
enorme. Algo tão grande que era irreal, um monstro tirado de um pesadelo, de
uma lenda, algo que não podia realmente existir...
Mas existia. Era quase do tamanho de um dragão e a sombra que ele produzia
na parede era retorcida e grotesca. Tinha o corpo de um leão, só que maior
do que qualquer leão que Draco havia imaginado. Asas de couro de dragão
estavam dobradas nos lados, e a sua enorme e horrível cabeça de leão era
coroada com o rosto de um homem do tamanho de um gigante. Garras brilhantes
e de mais ou menos 1 metro se estendiam de suas patas, e sua cauda não era
uma cauda de jeito nenhum, mas um ferrão farpado de escorpião com aparência
flexível que ia de um lado para o outro com a rapidez de uma cobra dando o
bote enquanto o monstro avançava lentamente em sua direção.
Pela primeira vez, Draco não conseguia pensar em absolutamente nada
inteligente para dizer.
“O que,” disse Harry muito lentamente, “diabos... é aquilo?”.
“Mantícora”. – disse Draco brevemente, e levantou sua mão. “Accio!” Sua
espada voou para sua mão. Harry já estava segurando a sua, mas não com muita
atenção. Ele estava encarando a mantícora enquanto ela avançava para ele. Do
canto do olho, Draco viu Harry levantar sua mão, apontá-la para o monstro.
“Estupefaça!” ele gritou.
O jato de luz que surgiu de seus dedos acertou a mantícora bem no peito. A
fera rugiu e empinou-se para trás, e enquanto a sua sombra enorme os cobria,
Draco percebeu o que era aquela sensação estranha em seu estômago. Ah. Estou
completamente aterrorizado.
Ele lançou um olhar para Harry.
“Muito bem, Potter. Você conseguiu enfurecê-la. Você sabia que o ferrão
dela contém o veneno mais mortal conhecido pelo homem? Achei que você devia
saber”.
Harry o ignorou. Ele estava fitando o monstro com os olhos semicerrados. É
grande demais para ser morto por um feitiço, não é. Bem, eu matei um
basilisco com essa espada. Eu posso matar isso também.
Draco sentiu seu queixo cair. Harry, o quê?
Eu vou matá-la. Harry lhe deu um último olhar enojado. Você pode ficar aqui,
e com isso, ele segurou mais firme em sua espada e correu em direção à
mantícora como se tivesse perdido todos os parafusos o que, Draco achou,
provavelmente havia acontecido. Até a mantícora parecia surpresa, como se
também não conseguisse acreditar em seus olhos. Draco não a culpava. Pessoas
provavelmente não corriam em sua direção com tanto entusiasmo tão
freqüentemente. Isso muito contribuiu para que ela permitisse Harry que
entrasse em zona de ataque. Draco observava em assombro enquanto Harry
completava sua corrida até a mantícora e enfiava a espada em seu peito.
A mantícora rugiu um terrível uivo de estourar os tímpanos que soava como
mil trens estacionando em mil estações, de uma vez só. Ela empinou-se e
golpeu com sua pata, que lançou Harry pelo ar. Ele bateu em uma parede,
caiu no chão, e ficou imóvel.
Segurando o punho da espada com seus dentes, a mantícora a retirou de seu
peito, cuspiu-a no chão, e avançou em Harry, seu ferrão farpado movendo-se
furiosamente. Draco sentiu um choque de frio de sua própria espada. Se ela
pudesse falar, ele sabia que teria dito “Deixe-a matá-lo”.
Harry se esforçava para se sentar; e Draco não pôde ver sua cara quando a
mantícora o bloqueou....
Draco levantou sua mão.
- Impedimenta!
O feitiço atingiu o lado do corpo da fera. Ela se virou, encarando
furiosamente. Draco balançou seus braços.
“Ei!” ele gritou, apesar de sua boca estar muito seca. “Bem aqui! Seu
grande, peludo, er, super-desenvolvido.... sai de perto dele!” Ele parou e
piscou. “Saia de perto dele? Eu não acredito que disse isso”.
A voz de Harry falou no fundo de sua mente. Nem eu.
Mas a mantícora parecia não ter problema algum com descrenças. Ela girou,
rugiu, e atirou-se em Draco, suas garras arranhando o mármore. Ele olhou,
com medo demais para sentir realmente algum medo. Ele não podia imaginar que
suas habilidades com a espada fariam alguma diferença; ela era simplesmente
muito grande e muito rápida e muito-
O monstro lançou uma pata em sua direção. Ele se atirou para o chão e sentiu
as garras assoviarem por sua cabeça. A mantícora fez um baixo som enrolado
no fundo de seu peito... riso. Está brincando comigo, ele pensou. Idiota.
Ele se sentou, e a patada seguinte o colocou no chão novamente, as garras
arranhando sua camisa, tirando sangue. Gemendo, ele rolou e deitou de costas
e olhou para cima... para ver a enorme cauda venenosa retrair-se, e então
atacar como uma cobra. Ele teve tempo para proteger seu rosto e pensar em
duas palavras - veneno mortal - e então algo passou rapidamente por sua
cabeça, e ele ouviu um impacto duro como se algo mais houvesse caído ao seu
lado.
Ela errou, ele pensou. Ela errou o alvo. E então ele ouviu um grito de
angústia, tão alto que doía seus ouvidos. Sentou-se rapidamente e viu Harry
parado acima dele, sua espada levantada e toda coberta de sangue, e atrás
dele a mantícora, empinando-se e cuspindo em agonia, esmagando sua cauda,
que agora estava ejetando sangue como uma fonte. Harry a havia cortado ao
meio com seu golpe para baixo e o barulho que Draco havia ouvido havia sido
o som da cauda de escorpião cortada caindo ao seu lado. Ela estava deitada
no chão de pedra em uma poça crescente de sangue viscoso e líquidos pretos,
curvando-se e esticando-se um pouco, espasmodicamente, com o comprimento de
uma passada e a espessura de seu braço.
Girando o corpo, ele pegou a cauda, deixando cair sua espada enquanto o
fazia, gemendo pelo toque seboso, cuidando para não pegar perto da ponta
farpada venenosa. Ele ficou de pé, vagamente consciente de que estava
encharcado de sangue de mantícora, vagamente consciente de Harry, segurando
sua espada e parecendo tão pequeno na frente do monstro quanto um pedaço de
entulho na frente de uma onda iminente, gritando para ele, vagamente
consciente dos gritos furiosos da besta enquanto ele corria em sua direção -
ela deu um bote, soltando um estalido em sua direção e ele viu a fileira
dupla de dentes afiadíssimos; ele retraiu seu braço e, o mais forte que ele
podia, jogou o ferrão dentro da boca do monstro.
Em reflexo, os dentes dela se fecharam, sua garganta trabalhando para
engolir - então a besta parou onde estava, engasgando-se e gargarejando,
chicoteando sua cabeça furiosamente de um lado para o outro como se pudesse
se livrar do próprio veneno. Seus joelhos começaram a ceder, e ela gritou.
Não como um animal gritava, mas um grito humano de dor e agonia. Os gritos
do monstro esfaquearam os ouvidos de Draco, fazendo-o desequilibrar-se para
trás, tropeçando, e ele sentiu Harry pegá-lo fortemente pelo braço,
equilibrando-o. Harry o soltou quase imediatamente, e os dois garotos
pararam e olharam enquanto a mantícora dava um último uivo e caía no chão
como uma árvore, sua cauda ainda ejetando sangue, deitando-se de costas,
cabeça mole, membros rígidos como vassouras.
“Será que morreu?” Harry sibilou, sua voz dura.
“Ainda não,” disse Draco, e quase como se tivesse o ouvido, seus olhos do
tamanho de pratos abriram e encararam. E a fera falou. “Você,” ela rosnou,
e sua voz parecia cascalho rolando em uma lixa. Seu olhar estava fixo em
Draco, que quase involuntariamente deu um passo para frente. Os olhos preto
avermelhados da mantícora seguiram o movimento, brilhando. “Você,” ela
disse novamente. “Eu estou morrendo, e então conheço você”. Os olhos da
besta reviraram, mostrando o branco brevemente. Parecia estar se esforçando
muito para mover-se. “Mestre,” ela rosnou. “Porque me matou? Foi você quem
me fez”.
Draco encarava, sentindo seu coração bater lentamente, batidas desreguladas,
enquanto a adrenalina saía de suas veias, deixando-o tonto e enjoado.
“Não,” ele disse, sua voz áspera. “Eu, não”.
“Eu conheço você,” disse a mantícora novamente, e então um grande espasmo
contorceu seu corpo; seus olhos fecharam, e a fera morreu.
Depois dos uivos e dos gritos e sons ensurdecedores da luta, o silêncio que
desceu no aposento quando a mantícora morreu foi profundo. Draco girou
lentamente, e olhou para Harry. E teve um certo choque. Harry estava
encharcado em sangue – um pouco dele mesmo, mas a maioria sendo do monstro.
Sua camisa estava tingida de vermelho escuro, suas mãos cobertas em sangue,
seu cabelo grudava em sua cabeça e pequenas rios de sangue percorriam sua
face e pescoço. Sem olhar para Draco, ele disse, sem preâmbulos:
“Me dê a sua capa”.
Entorpecido, ele a tirou e deu para ele. Harry tirou seus óculos, usou a
borda da capa para tirar limpá-los do sangue, e a devolveu para Draco,
colocando os óculos novamente. Através das lentes limpas, ele olhou para o
monstro com olhos semicerrados. Sua voz, quando ele falou, era fria.
“Acho que nós ganhamos”.
“Está morto, se é isso que quer dizer,” Draco olhou para si mesmo. Ele
estava molhado com sangue também, mas não tão ensopado quando Harry. Ele
olhou para cima e viu que o outro garoto olhava para ele, seu rosto pingando
sangue, olhos lançando um fogo verde inquietante.
“Ela falou com você,” disse Harry, indicando a mantícora. “O que ela
disse?”.
Draco piscou os olhos em surpresa.
“Quer dizer que você não entendeu?”.
“Não, não entendi”.
“Ela me perguntou por que eu--".
“Fique fora da minha cabeça,” Harry disse rispidamente, recuando como se a
distância pudesse quebrar a ligação entre eles. “Nós não voltamos a ser
amigos. O que lhe deu essa idéia?”.
“Você salvou a minha vida,” disse Draco, cansado demais para dissimular ou
fingir.
“Eu teria feito o mesmo por qualquer um,” disse Harry sem emoção.
Houve um curto e desagradável silêncio. Então Draco começou:
“Mas eu--".
“Cale a boca, Malfoy,” interrompeu Harry com tanta selvageria que Draco,
de fato, calou-se. “Acho que você deveria,” e então seus olhos arregalaram-se
e seu queixo caiu e Draco virou-se para ver o que ele estava olhando, e teve
um choque tão grande que ele sentiu como se seu estômago houvesse virado ao
avesso.
Fleur estava a alguns metros de distância, um olhar de interesse curioso em
seu rosto. Ela estava acompanhada por seis homens altos e encapuzados que só
poderiam ser guardas, seus rostos parcialmente escondidos pelos capuzes de
suas vestes. E ao seu lado estava Salazar Slytherin. Ele tinha uma mão em
seu ombro e estava sorrindo.
Atrás deles, a porta reapareceu na parede.
Draco congelou, então tentou pegar sua espada, mas já era tarde demais.
- Ligatus. – disse Slytherin rapidamente, levantando sua mão, e Draco de
repente sentiu seus braços serem levados ás costas, seus punhos serem atados
bem firme pelo que pareciam ser algemas de metal. Ele virou sua cabeça e viu
que o mesmo havia acontecido com Harry; seus punhos estavam amarrados
firmemente atrás dele, e do brilho azul-esbranquiçado nas suas costas, Draco
suspeitava que as algemas fossem feitas de adamantio.
Tendo atado-os, Slytherin parecia ter brevemente perdido o interesse nos
garotos. Ele andou até o cadáver da mantícora e se ajoelhou, como se a
estivesse estudando, seus olhos escuros e indecifráveis. Finalmente, ele
levantou sua cabeça, e olhou para Harry e Draco.
“Vocês a mataram,” ele disse, “não é mesmo?”.
Nenhum dos dois respondeu.
“Não irão me responder?” o Lorde das Cobras exigiu.
“Ah, mas eu tenho uma resposta pra você,” Draco disse, “só que você não
pode ver, já que as minhas mãos estão amarradas nas minhas costas”.
Então Harry falou. Sua voz estava rígida com ódio.
“Sim, nós matamos o seu monstro,” ele disse. “Nós o matamos, e ele morreu
horrivelmente, e nós não nos arrependemos”.
“Como não deveriam,” disse Slytherin, levantando-se, um sorriso surgindo
em seu rosto. “Eu os trouxe aqui para matá-lo. Muito obrigado”.
***
“Eu não acredito que vocês tentaram usar sem mim”.
“Ginny...”
“Vocês deviam saber que não ia dar certo. Vocês são idiotas?”.
“Muito idiotas,” disse Ron ardentemente. Ele estava sentado no pé da cama
de Ginny, Hermione ao seu lado, ambos parecendo envergonhados e sinceros. “Muito, muito idiotas. Especialmente Hermione”.
Hermione o acertou no ombro.
“Eu não sou idiota”.
“Ai,” disse Ron.
Ginny se sentou e sorriu. Ela não havia ficado tão surpresa quando Ron e
Hermione haviam entrado em seu quarto e a acordado, nem havia se
surpreendido quando eles contaram sobre o que haviam tentado fazer. E,
particularmente, não foi nem um pouco surpreendente ouvir que não havia
funcionado. Afinal de contas, o Vira-Tempo era dela; ela havia sabido na
primeira vez que o havia tocado. Ela estendeu a mão para ele agora, e
Hermione colocou a pequena e brilhante ampulheta na sua palma. A luz
refletiu no Vira-Tempo, emitindo uma forte faísca dourada que atingiu seus
olhos. Ela os fechou rapidamente, mas não antes que as pós-imagens
vermelho-escuro haviam começado a formar uma figura contra o interior de
suas pálpebras: ela viu um enorme campo onde homens e bestas trabalhavam
juntos, e havia fumaça sobre eles, e-
Ela abriu seus olhos, alerta, sentindo que estava começando a entender
exatamente porque Hermione achava que seus próprios sonhos eram tão
importantes. O homem no sonho que ela havia tido mais cedo parecia tanto com
Harry, até o cabelo bagunçado, tão preto que parecia poder deixar marcas,
como tinta ou fuligem, em seu rosto, onde se encontrava com a pele. Mas ele
não era Harry... ele era alguém muito diferente. Ela havia sentido, em
relação a ele, o mesmo que sentia quanto aos seus irmãos, seu sangue e sua
carne. E ela o havia chamado de Godric.
Ela levantou seus olhos e sorriu para Hermione e seu irmão.
“Obrigada,” ela fechou a corrente em volta do pescoço, e fez um gesto para
que eles se aproximassem.
“Espere um momento,” disse Hermione, indicando a camisola branca de
lacinhos de Ginny. “Você não quer... trocar de roupa?”.
Ron pulou da cama.
“Eu tenho que pegar um negócio, de qualquer maneira,” ele disse, e saiu do
quarto. Quando ele havia voltado, Ginny já estava vestida em calças jeans e
uma blusa, e ela e Hermione estavam sentadas na cama, a corrente dourada do
Vira-Tempo em volta de seus pescoços, olhando ansiosamente para ele.
“O que você foi pegar?” Hermione perguntou, curiosa, enquanto ele se
sentava ao lado delas.
“Nada,” disse Ron, balançando a mão. “Só algo que acho que vamos
precisar. Vocês sabem,” ele adicionou, passando a corrente pelo seu
pescoço, “acabei de pensar que Charlie vai ficar furioso quando ele
acordar e ver que não estamos aqui”.
Hermione sorriu.
“Se funcionar do jeito que deve, ele nem vai saber que nós saímos, em
primeiro lugar. Nós voltaremos para o momento que deixamos”.
“E se não funcionar direito?”.
“Então nós teremos problemas maiores que Charlie. Como estarmos presos no
passado para sempre”.
“Pode não ser tão ruim. Nós podemos inventar a roda e ficar ricos”.
“Ron. É só mil anos, não um milhão. Elas já tinham a roda”.
“Eu sabia disso”.
“Para você, aula de História é algo que acontece com outras pessoas, não é?”.
“Isso da garota que ainda acha pouco os sete anos de escola”.
“Parem de implicar,” disse Ginny firmemente, “e se segurem,” e ela virou o
Vira-Tempo.
O mundo ficou de cabeça para baixo.
***
Harry encarou, abismado. Até Draco parecia estar tendo dificuldade em
controlar a expressão de seu rosto. Por um milésimo de segundo ele até
pareceu surpreso, antes que sua aparência de superioridade retornasse.
“Ora, ora,” ele disse, olhando de Slytherin para Fleur e vice-versa. “Isso parece estar se transformando em uma situação distintamente tediosa”.
Harry o encarou. Ele não sabia nunca quando calar a boca? Harry tinha que
admitir que em alguns momentos ele invejava Draco por sua habilidade de
elaborar respostas sagazes mesmo nas piores situações. Agora, no entanto,
ele só queria bater na sua cabeça e calá-lo definitivamente.
Fleur parecia estar pensando o mesmo.
“Draco, fique quieto,” ela disse em tom de aviso.
““Fique quieto?”” Harry exclamou, embora, por dentro, concordasse com ela. ““Fique quieto?”” Isso é tudo que você tem a dizer?”.
Fleur ergueu seu queixo, seus olhos azul-escuro bem abertos.
“Não cabe a mim dizer coisa alguma,” ela disse. “Cabe ao meu Mestre dizer”.
Harry sentiu como se seu maxilar estivesse pendendo de suas juntas.
“Seu Mestre?”.
Fleur pareceu delicadamente arrependida.
“Certamente você não está surpreso de verdade,” ela disse. “Certamente você adivinhou,” ela virou para Draco. “Quando você se recusou a me dar uma força de poder,” ela disse. “Eu tive que encontrar outra. Era necessário. Você não entende--".
Draco pousou frios olhos cinzentos nela.
“Cale a boca,” ele disse rispidamente. “Sua cadela traidora,” e Fleur pareceu chocada.
“Ora, ora,” disse Slytherin, ainda sorrindo. “Isso não é jeito de falar com a minha Fonte”.
“Sua Fonte?” agora até Draco parecia chocado, e de alguma maneira sem
guarda. “Ela?”.
Slytherin deu um passo na direção dele. Draco recuou quase
imperceptivelmente.
“Você achou,” disse o Lorde das Cobras, “que quando você recusou-se a me
servir eu não acharia outra pessoa para ficar em seu lugar? E ela é quase
tão bonitinha quando você...”.
Draco não disse nada. Ele encarou o chão. De pé atrás dele, Harry podia ver
suas mãos fechadas uma na outra. Ele havia estado puxando contra as algemas,
mas parado.
“Isso não significa que eu não tenho mais utilidade para você, Draco,” disse Slytherin. “Você excedeu minhas expectativas para você. Muitos lutaram com a mantícora e muitos morreram. Você deve ser parabenizado”.
Draco não disse nada, não olhou na direção de Harry, não se mexeu. Harry
começou a sentir como se ele pudesse muito bem não estar lá, já que ninguém
parecia estar dando atenção a ele. Ele gostaria de ter usado a oportunidade
que ser ignorado oferecia para fazer algo corajoso e heróico, mas não
conseguiu pensar em nada, a não ser correr e chutar os tornozelos de
Slytherin, o que parecia ineficiente. Não serve de nada ser um Magid, ele
pensou amargamente, se você ainda precisa de suas mãos para fazer magia.
“Ninguém mais teria conseguido,” disse Slytherin. “Foi por isso que eu fiz minha Fonte trazê-los até aqui,” ele sorriu para Fleur. “Eu devo agradecer a ela, e a vocês dois...,” e aqui seu olhar passou rapidamente por Harry, pela primeira vez. “Meus inimigos colocaram esse monstro aqui para guardar o único objeto que pode devolver meus poderes. Apenas um Herdeiro
dos Fundadores poderia tê-lo derrotado. Vocês dois pareciam uma escolha
óbvia. Especialmente o herdeiro de Gryffindor, já que ele se considera um
matador de monstros,” e seu olhar gelado voou para Harry. “Ele matou meu
basilisco, tentou destruir meu descendente... eu achei que seria justo que
ele matasse a mantícora para mim”. Seu olhar de ódio desvaneceu quando se
concentrou de volta em Draco. “Honestamente, garoto, você fez um trabalho
excelente. Meus agradecimentos”.
Houve um silêncio curto. Harry meio que esperava que Draco desse alguma
resposta inteligente. Ao invés disso, ele disse, ríspido:
“Eu apenas fiz o que tinha de fazer”.
Harry piscou, se perguntando o que exatamente Draco queria dizer com aquilo.
O Lorde das Cobras, no entanto, não parecia nem um pouco perplexo. Ele andou
até Draco e, como havia feito com Harry na cozinha dos Weasleys, colocou sua
mão no rosto de Draco. Draco não se mexeu, ou recuou ou mesmo respondeu ao
gesto.
Slytherin inclinou sua cabeça para o lado, seus olhos escuros penetrando nos
de Draco.
“Como seu ancestral, garoto, eu tenho orgulho de você. Eu me pergunto o que
o resto deles diriam, se estivessem vivos nesse momento?”.
“Provavelmente ‘Me tire dessa cripta! Está escuro aqui!’” Draco sugeriu.
Slytherin riu, algo que Harry não haveria imaginado que ele conseguia fazer.
Ele devia estar de bom humor pela derrota da mantícora, ele percebeu com o
coração pesado. Eles haviam sido enganados a cada passo do caminho,
enganados por Fleur, os guardas provavelmente haviam sido mandados para
convencê-los que estavam escapando ao invés de penetrando cada vez mais
fundo no castelo. Fleur também não havia entrado pela porta de Adamantio.
Devia estar selada daquela maneira há séculos, protegendo o que quer que
fosse que a mantícora estava guardando. Fleur havia simplesmente guiado-os
até lá. E eles haviam sido trapaceados. Nós somos tão burros, pensou Harry,
tão idiotas.
“Você merece uma recompensa. Você virá comigo agora, e nós iremos
discutí-la. Isto é,” Slytherin adicionou, “se você quiser”.
Ele deu à palavra quiser uma ênfase que a fez soar como uma palavra
totalmente diferente. Uma palavra como morte. Uma palavra como escolha. Uma
palavra como última chance.
Draco ergueu sua cabeça. Seus olhos pareciam escuros, quase pretos, mas
talvez fosse apenas um truque da luz.
“Estou cansado de lutar contra você,” ele disse. “Eu fugi de você e eu
derramei meu sangue e tomei poções para me esconder de você e até mesmo
morri, e ainda assim você não me deixa em paz”.
“Não,” disse o Lorde das Cobras, removendo sua mão do rosto de Draco. “E
eu nunca deixarei”.
Draco fechou os olhos. Quando os abriu novamente, ele parecia determinado.
“Solte-me,” ele disse. “Solte-me,” Draco disse outra vez.
Slytherin olhou para Fleur. Então ele ergueu sua mão e a estendeu na direção
de Draco.
“Liberas” ele disse.
As algemas caíram dos pulsos de Draco para o chão de mármore com um ruído, e
desapareceram.
Lentamente, Draco trouxe seus braços para frente, e começou a massagear seus
pulsos para devolvê-los a sensibilidade. Ele olhou para Slytherin.
“Obrigado,” ele disse.
Harry sentiu uma sensação muito estranha, muito fria, começar a se espalhar
pelo seu estômago.
“Você é meu descendente,” disse o Lorde das Cobras. “Você não deve ficar
preso”.
“Oh, eu concordo veementemente com isso,” disse Draco, e ele sorriu, para
ninguém em particular. Ele parecia diferente do que a pouco tempo atrás, sua
postura tensa e recolhida, seus olhos acesos com uma energia raivosa. Ele
parecia um animal adulto transformado em fera, um animal do qual você não
quereria se aproximar, por medo de ser mordido. “Então, eu tenho uma
pergunta,” ele adicionou, balançando-se em seus calcanhares. “Você me
soltou. O que você planeja fazer com Harry?”.
Mais uma vez, Slytherin olhou para Harry. Seus olhos estavam cheios de fogo
gelado e ódio. Fleur não olhou também, ela parecia estar estudando o chão
industrialmente.
“O herdeiro de Gryffindor serviu ao seu propósito,” disse o Lorde das
Cobras. “Você não poderia ter derrotado a mantícora sem ele. Mas agora isso
está feito, agora meu poder completo pode ser-me devolvido; agora, ele vai
ser mais útil morto do que vivo. Guardas,” e a boca de Slytherin
levantou-se em um tipo de sorriso venenoso quando ele olhou para cima. “Tragam o garoto aqui”.
Dois guardas separaram-se do grupo, andaram até Harry, e o agarraram. Ele
lutou, seus pés escorregando no sangue da mantícora, mas foi inútil - eles
eram mais fortes que ele e, sem mãos, ele era impotente. Eles o arrastaram
para frente até que ele ficou menos de meio metro de distância de Slytherin,
quase cara a cara com Draco.
“Então,” disse Slytherin, olhando de Draco para Harry e de volta para
Draco. “O Herdeiro de Gryffindor... o que devo eu fazer com ele?”.
Harry viu Fleur erguer sua cabeça e encarar em descrença; Draco, no entanto,
não se moveu. Ele ficou parado com seu queixo erguido, seus olhos cinza
estáticos, e ele nunca havia parecido tanto o filho de Lucius Malfoy. Mesmo
molhado de sangue, roupas rasgadas e imundas, ele tinha a mesma inclinação
desafiadora em seu queixo, o mesmo orgulho e frialdade; ele parecia tanto o
seu pai quanto Harry havia sido dito que parecia com James. O olhar
água-gelada de Draco escorregou para Slytherin, para a guarda que cercava o
Lorde das Cobras, para Fleur, e então para o próprio Harry. Seus olhos se
encontraram por um segundo - não havia nada nos olhos de Draco, nenhuma
expressão - nenhum medo, nenhuma fúria, ódio ou desespero, paixão ou
compaixão. Nada. Ele olhou para Harry, e olhou de volta para Slytherin.
“Faça o que quiser com ele,” ele disse. “Eu não me importo”.
Os olhos de Slytherin se arregalaram em surpresa; por um momento ele pareceu
quase humano. Então ele se virou para os guardas.
“Leve o garoto Gryffindor de volta para a cela de adamantio,” ele disse, e
olhou brevemente para Harry, seus olhos negros pensativos. “Acorrentem-no,” ele acrescentou, e os guardas moveram-se para frente e, cercando Harry, começaram a arrastá-lo para fora. Ele lutou para olhar para trás, não sabendo porque queria fazê-lo, apenas que queria, e viu Draco e Slytherin de pé juntos ao corpo da mantícora morta, Fleur um pouco distante. De longe,
era difícil distinguir qual dos dois homens era Draco, e antes que Harry
pudesse diferenciar, os guardas o arrastaram através da porta e fecharam-na
firmemente atrás deles.
***
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