Aposta
Aposta
Ao final da aula de Aritmancia, a profa. Vector entregou aos alunos os trabalhos que tinham feito na aula anterior. Hermione esperava ansiosamente pela sua nota, enquanto ainda pensava na matéria do Profeta Diário, desejando que surgisse em sua cabeça alguma idéia brilhante de algo que pudesse ser feito a respeito.
— Aqui está, srta. Granger — disse a profa. Vector. — Meus parabéns.
Ela contemplou o pergaminho, que recebera um O de “ótimo”, a nota mais alta. Dez minutos depois encontrou Rony e Harry na aula de Defesa Contra as Artes das Trevas.
— Umbridge estava na aula de Adivinhação — Rony cochichou assim que chegou perto dela o suficiente. — Você tinha que ver como a Trelawnay ficou nervosa.
Umbridge estava inocentemente sentada a sua mesa, esperando que todos os alunos terminassem de chegar. Rony e Harry contaram detalhes sobre a inspeção de Umbridge na aula de Adivinhação.
— Ela duvidou de Trelawnay, praticamente a chamou de charlatã na frente de todos. — disse Harry.
— E é o que ela é, — Hermione disse com displicência — mas admito que nem ela merece isso. E o que a Trelawnay fez, ou disse?
— Ordem, turma. — disse Umbridge, agora em pé à frente da classe, com aquele sorriso falso. — E guardem as varinhas. Abram seus livros na página dezenove e comecem a ler o capítulo dois, “Teorias de defesa comuns e suas derivações”. Não há necessidade de conversar.
Hermione ergueu a mão no ar em uma idéia súbita. Umbridge desta vez não fingiu não ter notado; ao invés disso andou até a frente de sua mesa para ficarem cara a cara e perguntou, sussurrando:
— O que foi agora, srta. Granger?
— Já li o capítulo dois. — ela respondeu, sem sussurrar.
— Então proceda ao capítulo três.
— Também já li o capítulo três. Na verdade já li o livro todo.
Umbridge piscou os olhos rapidamente.
— Então deve ser capaz de me dizer o que Slinkhard diz a respeito das contra-azarações no capítulo quinze.
— Ele disse — Hermione respondeu rapidamente, pois de fato lera o livro inteiro. — que essa denominação não é apropriada, e que é um nome que as pessoas dão para azarações quando querem que elas pareçam mais aceitáveis.
A professora ergueu as sobrancelhas, inconfundivelmente impressionada. — Mas eu discordo — continuou Hermione.
— Você discorda? — o olhar da professora tornou-se muito frio.
— Sim, eu discordo — respondeu ela agora em voz mais alta. — O sr. Slinkhard não gosta de azarações, não é? Já eu acho que elas podem ser muito úteis se usadas para defesa.
— Ah, você acha? Pois não é a sua opinião que conta aqui, srta. Granger, e sim a de Slinkhard.
— Mas...
— Já chega — disse a professora, voltando para a frente da classe.
— Agora... — Hermione murmurou para si mesma. — Agora ela vai dizer que eu estou em detenção.
— Vou tirar cinco pontos da Grifinória, srta. Granger — disse a professora, decepcionando não apenas Hermione, mas todos os outros alunos da Grifinória.
— Por quê? — Harry perguntou, com raiva.
— Não se envolva! — Hermione ordenou num sussurro preocupado; queria a detenção para si e não para Harry.
— Por perturbar minha aula com interrupções bobas — Umbridge respondeu. Ensino a vocês usando um método aprovado pelo ministério, ao contrário dos outros professores que tiveram anteriormente, à exceção talvez do prof. Quirrell, que ao menos aparentava classificar as lições conforme a idade...
— Claro, Quirrell era um excelente professor. — disse Harry quase gritando — O único problema era que ele tinha Voldemort grudado atrás da cabeça.
Houve então um momento de silêncio sepulcral. Hermione percebeu que tremia, e que já sabia o que aconteceria a seguir.
— Acho que mais uma semana de detenção lhe faria bem, sr. Potter — disse a professora com voz suave.
Quando andava entre Harry e Rony pelo corredor após deixarem a sala de Umbridge, Hermione vociferou:
— Você não devia ter feito isso! Você não notou que eu a estava provocando?
— Notei, mas ela foi extremamente injusta tirando pontos só pelo que você disse.
— E eu esperava que tivesse sido mais injusta!
— O que quer dizer?
— Quero dizer que eu estava tentando receber uma detenção!
Ela parou de andar e os dois fizeram o mesmo. Rony pronunciou-se pela primeira vez na discussão:
— E por que você iria querer uma detenção?
— Para investigá-la! Não sei, eu esperava poder aproveitar o tempo com ela para descobrir alguma coisa, procurar algum detalhe, algo que...
— Você não sabe o que está dizendo — interrompeu Harry, em voz baixa.
— Qual é o problema com vocês dois? Você não disse que ela só o mandou escrever? Não seria tão ruim assim, e talvez eu pudesse descobrir alguma coisa relevante sobre ela.
Harry e Rony trocaram um longo olhar e ela percebeu que havia algo que não tinham lhe contado. — Andem, podem dizer. O que é que vocês sabem e eu não?
— É disso que você não sabe — Harry disse, mostrando as costas de sua mão direita.
Ela pôde ler claramente a frase “Não devo contar mentiras” escrita em cortes cicatrizados. Espantada, ofegou:
— Harry...?
— Este é o papel em que ela me mandou escrever.
— Isso não pode ser justo — disse Rony, logo depois de Harry ter deixado a mesa do jantar no salão principal para ir à sala da profa. Umbridge.
— Ainda preferia ter ido no lugar dele — Hermione murmurou. — Mesmo porque a mão dele já está bem machucada.
— Não diga besteiras! — Rony exclamou. — Ainda não consigo entender que idéia idiota foi essa que você teve.
— Não há o que não entender, eu já expliquei a vocês dois.
— Mas não passou pela sua cabeça em momento nenhum que Harry poderia levar a detenção ao invés de você? Você sabe que Umbridge implica com ele!
— Eu esperava que ele pudesse se controlar! Se ele tivesse ficado quieto...
— Talvez levasse a detenção do mesmo jeito!
— Está querendo dizer que foi tudo minha culpa?
— E se eu estiver?
— Pelo menos eu tento fazer alguma coisa ao invés de assistir de braços cruzados como você!
— Claro, e você sempre toma as iniciativas mais úteis, como passar noites tricotando chapéus para libertar elfos domésticos que não querem ser livres!
— Você...! — ela levantou-se, sem saber o que dizer. Percebeu que as pessoas ao redor os olhavam; tinham alterado bastante o tom de voz. — Você é um idiota — murmurou com os dentes cerrados, dando as costas e pondo-se a correr para fora do salão principal.
Antes que alcançasse as escadas no saguão, porém, sentiu um puxão no braço.
— Desculpe — Rony disse, e aparentava estar muito arrependido quando ela virou-se para olhá-lo. — Desculpe, eu não queria dizer nada daquilo. Eu sei que você só quer ajudar.
E então ele a abraçou, fazendo-a cair no choro.
— Idiota! — ela disse entre os soluços, apertando os braços ao redor dele. — Você não tem sentimentos, não passa de um estúpido, um ridículo...
— Ei, o que é isso? — Rony perguntou, soltando Hermione subitamente.
Um grupo de garotinhas do segundo ano assistiam à cena, abafando risadinhas.
— Nada, desculpem, não queríamos interromper — disse uma delas apertando a boca com as mãos para conter as risadas.
— Continuem — disse uma das outras.
— Continuar o quê? — Hermione perguntou, irritada, secando as lágrimas do rosto.
— O que estavam fazendo, ora.
Rony deu um passo à frente na direção delas.
— Digam logo o que têm em mente se não quiserem receber detenções!
— Bem... — respondeu uma terceira menina. — Nós apostamos com elas que vocês eram namorados, como os monitores da Sonserina. Estávamos esperando que se beijassem para ganharmos a aposta.
Rony ficou absolutamente imóvel por alguns instantes, aparentemente dominado por uma sensação de absoluto pânico.
— Mas vocês não são, não é? — perguntou uma das outras.
— Querem saber? — disse Rony numa voz mal contida, para logo depois berrar: — Fora daqui, vocês todas! Cuidem das suas vidas!
As garotinhas saíram correndo como um bando de pombos assustados. Rony virou-se, completamente vermelho, e balbuciou sem olhar Hermione nos olhos.
— Vamos subir de uma vez.
Ela demorou a dormir. Divertia-se relembrando a irritação de Rony com as garotinhas e sua aposta boba, “namorados como os monitores da Sonserina”. Abraçada ao travesseiro, pensava sobre como deveria forçar algum avanço com ele. Afinal, não gostava dele? Gina estava certa; ele provara no ano anterior que também gostava dela, então o que os dois estavam esperando?
Por outro lado, Umbridge também a preocupava. Algo deveria ser feito, ela não podia mais abusar da autoridade que o Ministério lhe conferia, distribuindo detenções com canetas cortantes e inspecionando aulas de professores de tradição dentro da escola. Além de tudo isso, o ensino de Defesa Contra as Artes das Trevas dos alunos estava terrivelmente desfalcado, e nada aprenderiam durante o ano inteiro se continuassem a simplesmente ler capítulos dos livros de Slinkhard. Por mais que acreditasse e valorizasse livros, ela sabia que esta era uma disciplina particularmente prática, em que eles não eram suficientes para ensinar tudo. Especialmente quando o autor discordava da maioria das técnicas práticas de defesa, como as azarações.
Ela abraçou o travesseiro com mais força. Queria empurrar todas essas preocupações para o dia seguinte, sabia que com a cabeça descansada seria muito mais fácil encontrar soluções para todas elas, mas simplesmente não conseguia se tranqüilizar. O sono chegou lentos trinta minutos depois, sem que ela percebesse.
No dia seguinte, Dolores Umbridge inspecionou as aulas de Transfiguração e Trato das Criaturas Mágicas. Na aula de McGonagall, houve uma densa tensão entre as duas professoras, e Umbridge fez diversas anotações sob o olhar furioso da outra. Na aula de Grubbly-Plank, Malfoy e Harry acabaram discutindo a respeito de Hagrid, e Umbridge puniu Harry com mais uma noite de detenção.
Hermione não prestou muita atenção nesses acontecimentos, no entanto. Ao longo do dia, ela manteve-se ocupada arquitetando uma idéia que lhe surgira durante o café da manhã e que lhe parecera uma ótima providência contra a ditadura de Umbridge.
À noite, depois de fazer os deveres com Rony na sala comunal enquanto Harry cumpria detenção, ela subiu ao dormitório e voltou trazendo uma sacolinha.
— O que tem aí? — Rony perguntou curioso.
— Vou fazer uma coisa para aliviar a dor de Harry quando ele chegar — ela respondeu calmamente.
Tirou da sacola um vidrinho de sal, um de água e um de tentáculos de murtisco, além de uma tigela e uma peneira.
— Você vai, é? Parece mais um dever de Poções.
— De fato, é uma poção. Não cozinha, mas é uma solução mágica.
Ela misturou na tigela água e sal, depois acrescentou os tentáculos de murtisco e aos poucos a mistura foi tomando um tom amarelado. Ela despejou a poção dentro do vidro onde estivera a água e depois peneirou-a de volta para a tigela. Por fim, cobriu-a com a sacolinha para manter suas propriedades enquanto Harry não chegasse. Rony, que observava tudo em silêncio, perguntou com displicência, como se não estivesse nem um pouco interessado na resposta que receberia:
— Então isso alivia a dor de um corte?
— Exatamente.
— Ah... — Rony respondeu distraidamente, enquanto ela o olhava interrogativamente, querendo saber sobre o que ele estava pensando na realidade.
— O que houve?
— Nada, só estava pensando...
— Sobre o quê?
Ele corou. Ela repetiu a pergunta com um movimento de sobrancelhas.
— Sobre aquelas garotinhas, ontem à noite, — ele começou, olhando para qualquer direção menos para ela. — apostando que nós... Que nós...
— Estamos interrompendo alguma reunião de monitores? — Jorge perguntou, logo depois de aparecer através do buraco do retrato com Jorge.
— Estão interrompendo, sim, se querem saber! — Hermione vociferou, levantando-se indignada. — Será que podem nos dar licença?
Mesmo que um pouco surpresos com a atitude dela, os gêmeos não dispensaram risadinhas enquanto se retiravam.
— Só não nos dêem detenções, por favor! — diziam.
— Que insuportáveis, não? — foi o comentário desanimado de Rony quando Hermione voltou a sentar-se. — E o que foi a inspeção na aula da McGonagall hoje? Pensei que elas iam perder a cabeça uma com a outra.
— É, eu também — ela comentou, soltando o ar ruidosamente para demonstrar sua insatisfação por ele ter desviado o assunto outra vez.
Continuaram conversando sobre Umbridge, sobre os gorros dos elfos domésticos, sobre aulas, deveres, os gêmeos, enquanto a sala comunal aos poucos se esvaziava. Já tinham retornado ao assunto Umbridge quando a última pessoa subiu ao dormitório, deixando-os sozinhos. Rony dizia:
— Eu queria ter a oportunidade de mandar ela escrever com aquela caneta. “Não vou mais torturar alunos inocentes”.
Hermione riu, enquanto a idéia que viera moldando durante o dia inteiro voltava a sua mente. Teve vontade de dividi-la com Rony imediatamente, mas já decidira esperar por Harry.
— Eu também queria, — disse — mas sabemos que isso é impossível. De qualquer jeito, eu acho que devíamos fazer alguma coisa a respeito, alguma coisa que pudéssemos de fato fazer.
E então ela se calou, antes que contasse tudo a ele. Examinou-o detalhadamente; os cabelos despenteados e muito vermelhos caíam irregularmente sobre a testa, levemente franzida sobre as sobrancelhas claras e os olhos azuis, que refletiam o movimento das chamas na lareira. Aquela visão provocou-lhe uma necessidade imensa, como nunca antes, de ficar perto dele, o mais perto possível.
— Você tem alguma sugestão? — ele perguntou, arrancando-a de seus devaneios, de maneira que ela nem mesmo se lembrava do que tinham estado conversando. Como ela demorasse a responder, ele repetiu: — Uma sugestão, sobre o que fazer contra ela.
— Na verdade, tenho, — ela apressou-se em dizer. — mas...
Um crepitar mais alto do fogo a interrompeu, e os dois olharam imediatamente para a lareira, imaginando que Sirius poderia ter aparecido.
— Não é nada — Rony disse, por fim.
Instaurou-se o silêncio entre eles. Ela sentiu como se aqueles minutos fossem os mais demorados que já vira passar, e pensou sobre como estava se tornando desagradável ficar sozinha com Rony, já que cada vez ficavam mais constrangidos um com o outro em tais situações. Olhou para a tigela coberta com a sacola, para os livros que Rony atirara sobre uma mesa depois de terminar os deveres, para as latas de lixo cheias até em cima onde havia gorros cobertos por papéis amassados, para seu relógio que já marcava perto da meia-noite e novamente para o garoto.
— Talvez devêssemos conversar sobre isso algum dia, com calma, como pessoas crescidas. — disse, por fim, com uma tranqüilidade que a assombrou.
— Sobre o quê? — Rony reagiu rapidamente, olhando-a alarmado.
Ela piscou os olhos demoradamente, como alguém exausto que luta para mantê-los abertos. Deixou o silêncio perdurar um pouco antes de responder, com a mesma calma:
— Nós, Ronald.
Rony perdeu a cor por um instante, depois ela voltou furiosamente como se todo o seu sangue circulasse agora ao redor do rosto.
— Eu... Bem... — gaguejou ele, desconcertado.
O buraco do retrato subitamente revelou a figura de um Harry com a mão enfaixada e uma expressão cansada. Hermione precipitou-se para ele com a tigela de poção, na qual o amigo mergulhou a mão depois de livrá-la do lenço encharcado de sangue.
— Obrigado — Harry disse.
Bichento, que estivera dormindo em um canto durante as últimas horas, surgiu para aninhar-se no colo do garoto. Rony observava com as sobrancelhas curvadas em pesar e o rosto já com sua cor habitual.
— Eu ainda acho que você deveria reclamar para a McGonagall.
— Não, já disse — retorquiu Harry. — Ela arranjaria um jeito de McGonagall não poder fazer nada contra ela.
— Ela é uma mulher horrível — Hermione comentou, já tomando fôlego para expor sua idéia aos amigos. — Eu estava mesmo dizendo ao Rony que deveríamos fazer alguma coisa contra ela.
— Eu sugiro veneno — Rony disse com um sorriso maligno.
— Não, falo sobre ela ser uma péssima professora, sobre o fato de que não aprenderemos coisa alguma com ela.
— Mas o que podemos fazer?
— Estive pensando — ela percebeu agora que temia a reação de Harry a sua idéia. — Acho que chegou a hora de tomarmos a iniciativa.
— Que iniciativa? — Harry perguntou.
Hermione respirou fundo, engoliu o nervosismo e preparou-se para falar.
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