A nova mascote



RONY ACABARA DE SABOREAR O SEU DESJEJUM e havia se sentado aos degraus do hall de entrada da modesta moradia, onde ficou observando os pequenos gnomos que habitavam o jardim da propriedade, de vez em quando Bichento, o animal de estimação de Hermione, saltava em meio às minúsculas criaturas tentando surpreende-las. A dona do gato, que não se cansava de praticar suas habilidades de caçador, havia subido ao quarto das meninas, provavelmente para colocar ordem no lugar, mas Gina, que havia ajudado a mãe a arrumar a cozinha, aproximou-se do irmão e sentou-se ao seu lado, no estreito degrau.
— Ai... ai! – a garota soltou um profundo suspiro.
O jovem afastou-se quase que imperceptivelmente da menina, insinuando o corpo na direção oposta à que a irmã se colocara – ele sempre fora o alvo preferido das brincadeiras dos irmãos mais velhos, especialmente de Fred e Jorge, e havia nutrido uma falsa esperança de um dia poder descontar os momentos sofridos na caçulinha da família, mas, para seu desapontamento, esta havia se tornado tão terrível, na execução de trotes e aplicando-lhe peças, quanto todos os outros juntos.
— Ai... ai... ai! – tornou a suspirar exageradamente a bruxinha, ao perceber que o outro não havia lhe dado a atenção desejada.
O ruivo olhou rapidamente para a figura a seu lado, aparentemente procurando adivinhar as suas intenções, mas permaneceu em silêncio. E, como não houvesse menção de se desfazer aquela situação, a outra insistiu:
— Ah, coitadinha! Coitadinha! – e deu uma leve cotovelada nas costelas do irmão.
— Que é que você quer afinal? – disse, esfregando o local do cutucão.
— Ah, Rony, estou muito preocupada com a Mione, coitada. Deve estar lá no quarto... chorando... de novo...
— Chorando? De novo? – surpreendeu-se – E porque ela estaria chorando?
— Ora, Rony, você sabe... a família dela é trouxa... ela não pôde passar as férias com eles para não coloca-los em perigo... e eles também não têm condições de defende-la se ela precisar...
— Mas... ela não precisa passar as férias com eles... ela tem a nós... e ela os viu no casamento do Gui... – tentou argumentar o rapaz.
— Sim, mas também tem o fato dela ser muito amiga do Harry... todo mundo sabe disto, e... o Harry já me dispensou para que eu não corresse perigo... Você-Sabe-Quem costuma atacar as pessoas próximas a seus inimigos... a Mione é um alvo... e ela tem medo... qualquer um teria...
— Mas ela não precisa ter medo aqui! Estamos protegidos pelo Feitiço Fidelius! – insistiu com veemência.
— Certo, mas mesmo assim ela se sente desprotegida... – seus argumentos começavam a diminuir – Sabe, a Mione é muito frágil... ela se sentiria bem melhor se tivesse uma pessoa para protege-la...
— A Mione, frágil? – tentou certificar-se que estavam falando da mesma pessoa – Mas... tem muita gente para protege-la...
— Claro, tem muita gente, mas... – uma luz passou pelos seus olhos –... o Krum, por exemplo, é um bruxo forte... e alto... e poderia protege-la, mas está distante...
— Eu... eu... também sou alto... – disse, levantando-se e mostrando à irmãzinha que estava certo.
— Sim, sim Rony! Você pode ser esta pessoa! – continuou a garota levantando-se também e segurando os braços do irmão com as duas mãos para encoraja-lo – Você pode proteger a Mione... coitadinha... tão frágil... chorando...
— Sim, sou muito alto! – repetiu pateticamente, olhando ao redor para verificar se mais alguém o observava.
A ruivinha percebeu que todo o trabalho que tivera, até então, poderia se perder pela indecisão e falta de perspicácia do outro, então resolveu que era hora de apelar:
— Oh Rony! Imagine a nossa Mione... caída no chão... morta... por uma Maldição Imperdoável... porque você não a protegeu quando ela precisava de você... – escondeu o rosto nas mãos, simulando alguns soluços.
— Não! Eu não deixarei que isto aconteça! – o rapaz estava completamente horrorizado com a imagem criada pela sua imaginação diante daquela sugestão.
— Ela está lá em cima, no quarto... sozinha... chorando... coitadinha... nossa Mione... – a garota não tinha mais palavras e, disse isso empurrando o irmão em direção das escadas.
— Mione! Eu estou indo! – gritou o jovem bruxo – Estou indo! – e subiu correndo pelas escadas, ofegante.
A garota deu-lhe as costas e levou uma das mãos à boca, tentando conter uma gargalhada, quando se deparou com a figura de Fleur, debruçada em uma das janelas ao lado da porta de entrada, a loiríssima bateu palmas levemente e exclamou:
— Grand performance, ma félicitations!


Um raio de sol adentrava por uma fresta na magnífica cortina de seda, que ornamentava a janela do confortável e aconchegante dormitório, e incidia sobre a figura de uma jovem garota, que se encontrava sentada a um canto com os braços enlaçando os joelhos e comprimindo uma pomposa almofada, também de seda, entre estes e que servia de apoio à sua fronte, deixando seus longos cabelos negros esconderem por completo suas feições. Não era um rosto de admirável beleza, apesar dos traços firmes e da pele limpa e sem sardas, mas de maneira nenhuma poderia se deixar de lhe dar o merecido valor que seus grandes olhos, de um tom verde-escuro profundo, lhe proporcionava. A garota já não era mais uma criança, iria completar dezesseis anos em breve, mas sentia muita falta do animalzinho que a acompanhara desde tenra idade, já não chorava mais pela morte em estranhas circunstâncias de tão raro animal mágico, mas sua falta lhe proporcionara, nos últimos dias, estes momentos de profunda letargia.
Algumas leves batidas à porta lhe chamaram de volta à realidade e, com um resquício quase imperceptível de sotaque francês, a menina respondeu:
— Entre!
Um homem alto e imponente adentrou ao aposento, com vestes típicas aos feiticeiros de meia-idade e um sorriso doce e fraternal estampado no semblante.
— Bon jour, ma chérie! – disse o bruxo, que carregava alguma coisa escondida nos braços – Trago-lhe um presente que, espero, lhe fará abandonar esta tristeza. – apesar do cumprimento em um francês impecável, percebia-se pelo restante da frase que se tratava de um imigrante vivendo em território estrangeiro.
A jovem ajeitou sua postura aguardando a aproximação do visitante que, com grande satisfação, mostrou-lhe uma ratazana segura entre as mãos.
— Sei que não irá substituir seu antigo bichinho, mas espero que você lhe dedique uma pequena porção da atenção que dava ao outro.
A menina mostrou indiferença, mas apanhou o animalzinho das mãos estendidas mesmo assim, demonstrando muito respeito e educação.
— Veja! – prosseguiu o benfeitor, apontando para o roedor – Ele tem uma das patinhas prateada, isto o torna especial e digno de sua companhia.
A menina observou, com um brilho de fascínio no olhar, o detalhe descrito pelo bruxo, e acomodou o animal ao seu colo, acariciando-o.
— Mercie, papa! – agradeceu levantando-se um pouco e depositando um leve beijo no rosto do pai.
— Tu c’est une bonne fille! – disse o patrono, ajeitando-lhe os cabelos por trás das orelhas – Agora ele lhe fará companhia quando for para Hogwarts.
A menina levantou-se, aninhando o roedor entre os braços e caminhou lentamente pelo aposento.
— Tenho mesmo de ir? Sentirei falta de você e da mamãe... – disse a pequena, insinuando um biquinho de choro.
— Não tenha receio, querida Michelle. Você vai gostar de lá, é onde sua avó estudou. É o lugar ideal para uma pessoa com seu dom especial.
— Farei o que achar o senhor achar melhor papai, mas me sentiria mais segura com vocês, apesar de saber que a madrinha Olímpia nos acompanhará. – disse, procurando convencer a si mesma – Além do mais, será bom freqüentar o lugar onde vovó se formou... quem sabe não poderei descobrir o que ela quer de mim?
O homem franziu o cenho por um instante, revelando uma ligeira inquietação no olhar, em seguida, pareceu estar lutando ferozmente contra uma força interior que o proibia de dizer aquilo que realmente sentia, mas, após um breve momento em que aparentemente seu desejo se tornou vencedor, ele disse à filha com a voz trêmula:
— Falarei com sua mãe e veremos o que pode ser feito, certo?
A jovem assentiu com a cabeça e, analisando mais detalhadamente o bicho em seus braços, declarou:
— Vou chamá-lo de Pierre!


O gigantesco guarda-caça acabara de servir-se de uma xícara de chá e preparava-se para se sentar à mesa após um atarefado dia de trabalho na Floresta Proibida, quando ouviu algumas leves batidas à sua porta. Canino latiu alvoroçado e tomou posição defronte à entrada da habitação, ele encaminhou-se então ao acesso da cabana e abriu-a com um largo gesto.
— Olá!
Hagrid encarou o pequeno elfo, olhando ao redor para verificar se o mesmo estava ali acompanhando alguém, quando percebeu que a pequena criatura estava só resmungou.
— E quem é você?
— Dobby senhor, o elfo... doméstico. – respondeu cortesmente – Trago uma mensagem de meu mestre.
— E quem seria? – disse dando as costas ao visitante e retornando à mesa onde a xícara de chá o aguardava, fumegando.
— Harry Potter, senhor. Meu mestre é o Sr. Harry Potter. – respondeu Dobby, fechando a porta atrás de si e acompanhando o seu anfitrião.
Hagrid voltou-se bruscamente para encarar seu interlocutor, seu rosto demonstrando um misto de estranheza e dúvida, como que tentando digerir a informação.
— Não deve estar falando do mesmo Harry Potter que conheço, este não possui servos ou vassalos... – o homenzarrão aparentava indignação.
— Na verdade, Harry Potter é amigo de Dobby senhor. – corrigiu a pequena criatura – Ele até paga Dobby com moedas de ouro para servi-lo... meu mestre é muito bondoso e trata a Dobby como seu igual!
O guardião absorveu as palavras do elfo e ruminou-as por um instante, em seguida apontou uma das cadeiras vazias, convidando a pequena visita a sentar-se e concluiu:
— Agora sim, parece que estamos falando do Harry que conheço. O que está acontecendo? Algum problema?
— Problema nenhum, senhor. Meu mestre quer marcar um encontro para conversar... em lugar seguro e secreto.
— Que bobagem é essa? O garoto não pode sair da casa dos Dursley até completar a maioridade! O que ele está aprontando?
Dobby encheu o peito de ar, juntando toda a força que possuía para concluir sua tarefa conforme lhe havia sido designado:
— O mestre Harry Potter o aguardará para um encontro na Casa dos Gritos, hoje às dez horas da noite. Esteja lá! – e, dito isto, estalou os dedos e desapareceu numa pequena e rala nuvem de fumaça.


Harry devorava uma enorme coxa de cordeiro, que fazia parte de uma farta refeição trazida por Winky, enquanto observava pela janela de seu quarto, à partida veloz de Edwiges rumo ao horizonte. Ainda pensava nas palavras escritas no pedaço de pergaminho endereçado à “Professora McGonagall – Castelo de Hogwarts”, assim que despachara Dobby para ter com Hagrid, logo em seguida a terem retornado do Beco Diagonal.
“Prezada professora McGonagall, espero que esteja tudo bem. Quanto à oferta que me fez quando estávamos na Toca, gostaria de saber se a penseira do professor Dumbledore estaria relacionada entre seus pertences. Aguardo sua resposta. Harry Potter”.
Apertou instintivamente com uma das mãos, em seus bolsos, o pequeno frasco de cristal recebido há pouco tempo atrás e, com a outra mão, o falso medalhão que haviam retirado de uma caverna à beira-mar poucos momentos antes da morte do amigo, e que ainda carregava consigo.
Seus pensamentos se desanuviaram quando fortes batidas soaram à porta do aposento, o rapaz direcionou uma das mãos instintivamente à sua varinha e perguntou em alto e bom tom:
— Quem é?
— Sou eu, Tonks! – a voz conhecida soou firme do outro lado da porta.
O rapaz manteve-se estático por um instante, infinitas variáveis passaram pela sua mente em uma fração de segundo até que, percebendo que alguma atitude deveria ser tomada, aproximou-se da entrada e girou a maçaneta, desconfiado.
— E aí, Harry! Beleza? – a bruxa auror cumprimentou-o com a espontaneidade de sempre, os cabelos cor-de-chiclete escapando por baixo do chapéu cônico em tom pastel, a seu lado havia uma bruxa de meia-idade e de estatura muito baixa, e que trazia um pergaminho aberto às mãos.
— O que aconteceu? – indagou o garoto alternando o olhar de uma à outra.
— Fique tranqüilo, Harry. – acalmou-o Tonks – Seus tios não perceberão nossa presença, essa é a Sra. Gibbs do Ministério da Magia e quer falar com você.
— Sr. Potter. – iniciou a bruxa, formalmente – Nossos serviços de detecção de magia por menores de idade tem mostrado uma atividade incomum nesta localidade. – seus olhos percorreram o cômodo, passando pela bandeja de prata com sobras de cordeiro e suco de abóbora, e pararam nos cacos do objeto quebrado pela manhã, a um canto – Especificamente aparatações e desaparatações...
— Deve estar falando do meu elfo doméstico! – Harry surpreendeu-se com a rapidez que tratara do assunto – Querem conhece-lo?
Diante do silêncio e da fisionomia de um misto de surpresa e curiosidade das duas feiticeiras, Harry tomou a iniciativa e chamou:
— Monstro!
O velho elfo surgiu imediatamente à frente dos três, balbuciando palavras ininteligíveis quando, ao avistar a figura de Harry, realizou uma acentuada reverência e disse em um tom profundamente mal-humorado:
— O mestre chamou Monstro?
— Monstro, conserte este objeto quebrado... – disse apontando os restos do porta guarda-chuvas destruído –... e volte para onde estava... e fique por lá até eu chamá-lo novamente.
Tão rápido quanto Harry havia desejado que fosse, a velha criatura realizou a tarefa e desaparatou, sempre resmungando e balbuciando. As duas bruxas se entreolharam brevemente, então a Sra. Gibbs pronunciou:
— Bem, isto resolve tudo. Não tínhamos esta informação do elfo em nossos registros, mas já havia sido informada da herança recebida dos Black. Sinto muito o inconveniente. Sr. Potter, Tonks... – e dito isto, após dirigir o olhar para cada um dos presentes, desaparatou.
Com um olhar de admiração e reservada desconfiança, a jovem auror fez um gesto com a varinha em direção ao corredor, como que retirando algum feitiço que ocultasse sua presença do restante dos moradores da casa.
— Cuide-se Harry, estarei por perto se precisar! – e também desaparatou.
O bruxo, com um longo suspiro e muito satisfeito em ter a situação solucionada, voltou ávido à primeira refeição digna que tinha em muitos dias.

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