O Espelho e a Visita



Capítulo 1

O ESPELHO E A VISITA

A neve caía com força, insistindo em bater contra a janela do quarto e se alojar nos cantos, impedindo que a paisagem fosse vista com clareza. As grandes cortinas verdes foram abertas sem cerimônia, seu tecido pesado empurrado para os lados, dando espaço para que a luz pálida e sem vida do inverno iluminasse a escuridão aconchegante que dominava o cômodo.


- Estou acordado. Saia – uma voz áspera vinda da cama grande expulsou o servo pequeno, que obedeceu sem pestanejar.


A luz do dia, como se relutante, não chegava até o ocupante mal-humorado deitando entre os lençóis de linho da cama de quatro postes. Mas era de pouca importância, ele não havia dormido a noite toda, como de costume. Sentou-se, colocando uma das mãos na testa, incomodado com a luminosidade.


Sua pele estava tão branca como a neve que caía do outro lado da janela, seu nariz pontudo continuava tão pontudo quanto seu primeiro dia de vida, olheiras causadas pela falta de sono e meses na prisão insistiam em arruinar sua aparência nobre e seus olhos cinzas estavam mais cinzas ainda, quase vazios. A única coisa que ainda se orgulhava em sua aparência eram seus cabelos loiros prateados. Estavam, naquele momento, despenteados e caindo sem padrão em seus ombros.


Acostumando-se com a claridade, levantou da cama, pés descalços pisando no chão frio, e caminhou sem pressa até o banheiro. Sua rotina matinal não possuía nada de anormal ou intrigante.



Exceto quando olhava seu reflexo no espelho. Naquele instante permitia pensar duas vezes, considerar o dia que viria e perceber, cada dia mais claramente, semelhanças que sempre o zombariam.


A parte sensata dele... Aquela que muito teimosamente não calava a boca... Aquela parte lhe dizia que devia tomar uma atitude. Devia cortar o cabelo ou então estilhaçar o espelho. Nenhuma das duas lhe agradava porque a outra parte dele, a idiota, lembrava de sua mãe.



Como das outras vezes, Draco sentou ao lado da cama, observando o rosto pálido dela em busca de algum sinal de recuperação. Não encontrou nada além da mesma face inexpressiva.


Surpreendendo-se a si mesmo conjurou ânimo para falar sozinho mais uma vez, contando, inutilmente, o que tinha feito desde sua última visita. Não houve mudança e Draco começava, tristemente, a se acostumar com isso.


Guardava a sete chaves sua esperança da recuperação da mãe, trancando com cuidado para evitar que sentisse sofrimento ou tristeza toda vez que se sentava ali. Seria forte.


Quando não havia mais nada a ser dito levantou. Sabendo que se quisesse algum gesto de conforto teria que partir dele próprio, inclinou-se e beijou a testa da mãe suavemente, como ela havia feito anos atrás com ele, desejando boa noite. Seus cabelos, compridos demais por meses de descuido, caíram sobre o rosto dela.


E foi então que aconteceu... Que sua esperança foi renovada. Uma das mãos magras e gélidas de sua mãe tocou os cabelos do filho, sentindo seus fios prateados suavemente.


- Lucius...



O suspiro foi quase inaudível mas o leve sorriso em sua face era inesquecível, mesmo depois de desaparecer em um piscar de olhos.


A esperança trancada e bloqueada escapou com a força renovada de uma fênix teimosa. Não importava que sua mãe achava que se tratava de seu pai, nada disso fazia diferença. Se para que falasse com ele precisasse tornar-se Lucius o faria. Amava demais sua mãe e precisava dela mais do que nunca agora que estava sozinho.



Desde então Draco escolhera prender seus cabelos em um rabo de cavalo, como seu pai costumara usar. Penteava com cuidado, cada fio unido perfeitamente com o outro. Prendia cada vez com uma fita prateada diferente, todas tiradas das gavetas do pai. Quando entrou no quarto deles pela primeira vez sentiu-se como um garotinho de 6 anos querendo crescer e virar seu pai, experimentando suas capas e imitando seu andar. A única diferença da verdade era que ele tinha 21 anos, não 6.


Mas o espelho não o acusava apenas disso. Nele as semelhanças com seu pai ficavam mais claras ainda. Estavam em seu rosto, em seu nariz, em seus olhos... O rabo de cavalo apenas servia como uma confirmação do inevitável.


Draco Malfoy era a imagem viva de Lucius Malfoy. Não havia escapatória.


Anos atrás nada, nada lhe traria mais orgulho e felicidade do que aquilo. Agora era como se toda manhã acordasse em mundo com senso de humor irônico. E Draco odiava ironia quando se referia a ele.


Era como se alguma força misteriosa estivesse brincando com sua vida desde seu quinto ano em Hogwarts. Uma força que adorava jogar na cara dele sua miséria e decadência. Zombar de suas escolhas e de suas conseqüências. Aquela piada de mau gosto se prolongava já há tempo demais e era por isso que Draco estava tomando as rédeas da situação. Era por isso que apenas e só ao fitar seu reflexo assombrado no espelho permitia-se a pensar duas vezes no que sua aparência familiar representava.



Deixou o banheiro para trás, já vestido e pronto para iniciar seu dia. Ou continuar o que parecia um longo e eterno momento. Não dormia direito há meses e o tempo começou a parecer um borrão sem começo ou fim.


Em uma coisa devia agradecer à sua tia Bellatrix... Destruir a mansão Malfoy foi algo terrível e imperdoável mas lhe deu algo para se focar. Uma missão. Por um mês inteiro, desde sua saída de St. Mungos, sua cruzada pessoal foi reconstruir, em toda a sua glória antiga, sua casa. E estava orgulhoso em dizer que tinha conseguido.


O salão de música, o lugar que mais sofrera com a destruição, estava renovado e mais lindo do que antes. Um piano de calda caríssimo, uma harpa dourada, quadros de bruxos famosos... O cômodo era seu favorito agora. Simplesmente porque era algo novo, dele, e representava o futuro dos Malfoy... Ou melhor, do Malfoy.


Entrava ali e não era assombrado por memórias de infância... Ao contrário, as janelas grandes e altas só serviam para acalmá-lo. E o som do piano, tocado por suas mãos esqueléticas, era uma das únicas diversões que lhe sobrara.


Passava suas noites em claro lá, quando se cansava de tentar, como um idiota teimoso, dormir na cama, virando de um lado para o outro e encarando o teto.


Ao passar pelos quadros de seus ancestrais e parentes Draco se sentia indiferente e distante. Quase como se o peso da casa inteira estivesse sob suas costas. Se não fosse pelas visitas à sua mãe e as ordens gritadas ao seu elfo-doméstico começaria a duvidar que ainda sabia falar.


Um mês.



Quase trinta dias sem contato, verdadeiramente, humano. Isso o elevava ao status de ermitão solitário e bizarro. Abriu um sorriso quase doentio, achando graça em sua própria e ridícula situação.


Felizmente, Draco Malfoy tinha sempre um plano. Além da reconstrução da mansão havia outro projeto sendo preparado meticulosamente. Ninguém simplesmente ignora um Malfoy... Não com séculos de história. Não sendo pertencendo a uma das famílias mais tradicionais e respeitadas do mundo mágico.


Os Black e os Malfoy podiam ter se associado com o nome de Voldemort, o que não era bem visto nos tempos atuais, mas não iriam simplesmente desaparecer, abaixar a cabeça e ficarem quietos.


Ele não faria isso.


Seu nome seria respeitado outra vez. E se há uma maneira de fazer isso era com festas. Nada exemplificava o sentimento de “venham que eu não tenho medo” do que uma bela e enorme festa, esbanjando comida, bebida e diversão. Ah claro, haveria os rumores, as más línguas e outros comentários idiotas... Mas nada disso importava se tudo fosse por trás. Que falassem o que quisessem dele em suas costas, isso era comum desde que para todos os efeitos o temessem.


Após terminar a reforma de sua mansão o único motivo de Draco levantar todo o dia era para ir para o escritório de seu pai... Ou melhor, seu escritório, e cuidar dos preparativos da festa.



A lista de convidados era extensa mas o sucesso do baile dependeria apenas da confirmação da presença de certos convidados influentes. Principalmente Terence Higgs... Se aquele Ministro fajuto aparecesse então todos seus puxa-sacos e baba-ovos o seguiriam como boas ovelhas caindo na armadilha do lobo.


Sabia que Higgs pensaria duas vezes antes de recusar o convite, afinal Draco ainda era o motivo de sua vitória sob a Ordem. No entanto, caso isso não fosse suficiente para o gordo pomposo, ainda possuía uma carta na manga perfeita para certificar sua presença... Uma carta com cara de buldogue e uma sede por festas insaciável: Pansy. Ela encheria tanto seu marido idiota, Nott, a ir que eventualmente até o imbecil cederia.


E se havia algo que percebera desde sua chegada a Inglaterra, quase seis meses antes, era que onde Nott ia Higgs não estava longe. Seria a oportunidade perfeita de voltar à sociedade fechada dos puro-sangue e continuar a seguir os passos de... De seu pai. O que, por si só, era perturbador.


Não fora exatamente pelo mesmo motivo que se tornara um Comensal? Não fora para restaurar o orgulho dos Malfoy e colocar sua família de volta aos altos postos de confiança de Voldemort? E veja onde aquilo tudo havia o levado. Se trocasse “Voldemort” por “Ministério”... Qual era a diferença?


Balançou a cabeça, espantando os pensamentos negativos e sentando-se na cadeira de seu pai, correção: sua cadeira. Abriu uma das gavetas e pegou exemplos de convites para a festa. Devia escolher um deles até o dia seguinte, se pretendia enviá-los todos à tempo do Natal.


Estava indeciso entre a cor preta ou verde. Era absolutamente vital que tudo fosse perfeito. Se recuperasse influência suficiente não só poderia mandar e desmandar no Ministério mas também teria a enorme satisfação de jogar na cara de todos aqueles que lhe deram as costas que Draco Malfoy não era um nome para se desdenhar.



Seu elfo-doméstico entrou na sala com cuidado, levitando uma bandeja com o café da manhã. Draco simplesmente indicou com a mão para que deixasse em cima da mesa e fosse embora. Sempre pulava aquela refeição, nunca com apetite suficiente para agüentar comer mais do que uma torrada solitária.


Seria o senso de humor irônico estúpido voltando à tona? Justamente agora que possuía sua herança e conforto de volta, sentia-se incapaz de usufruir de tudo?


Não. A verdade era outra... Draco estava se tornando, sem saber, obsessivo. Determinado a vencer inimigos invisíveis custe o que custar. Luxo, conforto e diversão eram coisas que lentamente perdiam o sentido, conforme percebia que elas não haviam tido sentido desde o começo. Família, amizade... Poder. Isso era o que sentia falta. Precisava de suporte... Seja que fosse em forma de uma amiga, uma mãe ou puro e simples controle de mais fracos. Uma missão, objetivo... Ideologia. Coisas que perdera assim que soube que era incapaz de matar e de suportar o abandono de seu pai.


Infelizmente Draco não sabia de nada disso, cegado pela cruzada puro-sangue e pela falta de contato com pessoas normais.


Percebia, no entanto, que sentia falta de seu velho eu. Um dos outros motivos, o mais secreto, de estar ansioso pela festa, quando algum tempo antes a idéia não lhe agradava, era exatamente a oportunidade de espalhar seus comentários sarcásticos, seu sorriso arrogante e provocações amigáveis pelo salão e de cabeça erguida. Não tinha oportunidade disso enclausurado na mansão vazia.


Não pela primeira vez pensou em Weasley... Imaginado como ela estava lidando com os franceses. Esperava que mal, assim quem sabe ela resolvesse voltar para a Inglaterra. Precisava de uma boa parceira de provocações.


O dia se arrastou, como de costume, sem maiores acontecimentos. Só notou a escuridão quando foi forçado a acender uma única vela perto de seus papéis para que pudesse continuar a lê-los.


Já passava da meia-noite quando o elfo-doméstico, Groger, entrou no escritório segurando um lampião, usado para andar pelos jardins depois que o sol se punha. Groger fez reverência respeitosamente e anunciou, surpreendendo Draco, algo inimaginável.



- Mestre Malfoy, o senhor tem visitas.



A lua nova no céu tornava aquela noite perigosamente mais escura que uma outra qualquer. Não havia nenhum som além alguns corvos e o farfalhar de folhas. Uma floresta rodeava ameaçadoramente a clareira à frente de um portão gigantesco e negro. Trepadeiras secas se entrelaçavam em suas grades e um “M” era formado no ferro bem no centro do portão. Havia pontas afiadas em cima que afirmavam que aquele era um lugar que devia ser respeitado.


Uma raposa espreitava entre as árvores da floresta próxima, procurando um rato ou outra presa fácil para sua refeição. Seu ar predatório se desfez e ela correu para dentro da segurança dos arbustos à dentro, assim que um pop lhe assustou.


Uma figura encapuzada apareceu como mágica, bem à frente do portão negro. Estendeu sua mão, levemente tocando a grade.


Outro pop violento interrompeu a figura antes que pudesse tentar outro movimento. Outro encapuzado surgiu, mais alto e visivelmente mais agitado.



- Gin! Espera! – chamou uma das figuras, aproximando-se do portão também. Sua voz masculina era grave e preocupada.


A figura mais baixa se virou, sem mostrar surpresa com a aparição repentina de seu companheiro. Como se brevemente olhasse para o outro, voltou a se virar, fazendo um movimento para abrir o portão, mas seu braço foi rapidamente pego, impedindo-a de continuar.


- Gin – Gina – não faça isso!


Gina se soltou violentamente, sua voz finalmente se pronunciando, muito mais suave e calma que a de sua companhia.


- Ron, vá embora!


- Você precisa me escutar...


- Eu já escutei! Já tomei minha decisão. Vá embora!



Bruscamente Gina tentou abrir o portão mas não houve sequer indicação que se abriria para ela.


- Olha onde ele vive! Não vai te deixar entrar! – gritou Ron, apontando para o borrão escuro que parecia ser uma mansão ao longe.


Mas antes que sua irmã pudesse responder um rangido assustou ambos, fazendo-os se afastar do enorme portão. Como um dragão acordando, ele se abriu devagar. Uma figura minúscula e corcunda surgiu da escuridão com um lampião espalhando uma luz esverdeada por seus rostos e capas. O elfo-doméstico fez uma reverência curta.


- O mestre os espera – disse, indicando para que o seguisse.


Determinada, Gina continuo seu caminho atrás do elfo, seu irmão em seus calcanhares.


A perseguição continuou pelo jardim banhado de escuridão mas o silêncio não continuou por muito tempo.


- Gina, você não pode fazer isso... Não pode confiar nele!


- Eu posso e confio! Tchau, Ron! – respondeu irritada, acelerando o passo.



- Você está errada!


Outra vez Rony tentou segurá-la pelo braço, dessa vez para ser respondido com uma varinha apontada contra seu nariz longo.


- Me solte, Ron! – avisou, seu tom perigoso. – Não me faça te paralisar!


- Gina... Seu próprio irmão! Você não ousaria...


- Parece que você não me conhece! Rony, para onde mais eu poderia ir? – repetiu mais uma vez a mesma pergunta que já havia surgido antes mesmo de aparatarem até ali.


Resignado seu irmão não possuía uma resposta e depois de alguns momentos a largou. Continuaram seguindo o elfo-doméstico, que parara para observar a discussão sem sinais de interesse, apenas esperando que resolvessem logo suas diferenças.


A mansão se aproximava cada vez mais, todas suas janelas estavam apagadas e a entrada não era mais um amontoado de madeira e destroços mas sim rica e opulente, as portas da frente imponentemente altas e grossas. O elfo-doméstico se aproximou, colocando uma chave dourada e grande demais para seus dedos finos, dentro da fechadura prateada.


Com o portão, elas se abriram de forma majestosa, revelando um hall banhando em escuridão. As duas escadarias cumpridas haviam sido reconstruídas mantendo o mesmo estilo anterior, se a memória de Gina não falhava, apenas refletindo mais vigor.


- Mestre Malfoy os espera na sala de visitas – anunciou formalmente o elfo-doméstico. – Me acompanhem.



Atrás dela, Rony bufou, resmungando provavelmente algum xingamento. Seguiram por corredores mais escuros ainda até uma sala sóbria. Lá haviam sofás confortáveis, estantes com livros, um relógio grande e caro encostado em uma das paredes e uma lareira de pedra que estava acesa e tentando esquentar o ambiente gelado.


Sem dizer uma única palavra, o elfo-doméstico corcunda fez outra referência e sumiu de vista, deixando os dois irmãos de pé e incomodados. Se ficassem sem fazer nada por mais alguns segundos Gina sabia que isso daria uma brecha para que Rony começasse a discutir com ela outra vez.


Descobriu sua cabeça, sentando no sofá que jazia mais perto da lareira. Seu irmão continuou de pé, braços cruzados e expressão revelando que estava pronto para azarar quem quer que fosse a qualquer sinal de perigo.


Gina olhou as chamas vermelhas, seus olhos castanhos as refletindo. Seus punhos estavam fechados em cima de seus joelhos e em seu rosto não havia lugar para nada além de determinação. De novo e de novo as imagens da madrugada anterior passaram em sua mente, arrependimento e culpa ainda não dissolvendo completamente.


“Por que, Harry? Por que você fez isso?” pensou amargamente. “Maldita síndrome de herói. Seu idiota!”


Alguém pigarreando perto da porta da sala lhe tirou de seus pensamentos. Levantou o rosto, assim como Rony, olhando na direção do recém chegado.


Por um momento de susto Gina achou que olhava para Lucius Malfoy. Sentiu um frio na espinha quando percebeu que era Draco, o conhecimento não aliviando seu desconforto. Seus cabelos prateados estavam mais cumpridos do que se lembrava e presos em um rabo de cavalo que se assemelhava assustadoramente com seu pai. Suas vestes eram diferentes de tudo que havia visto ele usar desde Hogwarts.


No Egito usava a roupa roubada de um marinheiro trouxa... Na viagem à Inglaterra foi forçado a se disfarçar com uma peruca rosa-choque e uma capa roxa... Em Azkaban o uniforme de prisioneiro era rasgado, suado e sujo... Mesmo quando Gina havia lhe dado um soco em St. Mungos sua roupa não era tão sóbria e mórbida quanto aquela capa preta com detalhes prateados e tecido pesado.


A mudança não parava ali... Estava em sua estância também, no modo como andou pela sala, olhando para ela e ignorando o irmão parado no canto, com um ar de superioridade e irritação digno de seu pai. Por um breve momento Gina temeu que tivesse feito a escolha errada...



- Ora, ora... Quem resolveu bater em minha humilde casa – começou, sem qualquer sinal de sorriso em seus lábios. – Cansou da França?


O que havia acontecido com seu tom irritante mas amigável de um mês atrás?


- Draco, preciso de sua ajuda – disse, indo direto ao assunto.


O anfitrião frio apenas levantou uma das sobrancelhas, mais uma vez se transformando em Lucius.


- Eu não dou esmola – respondeu, veneno transbordando em seu tom. – Vai ter que bater em outra mansão.


Não foram as palavras que a ofenderam... Mas sim o fato que estavam dirigidas a ela de forma tão ríspida e cruel. De repente a esperança de que quando chegasse à mansão tudo ficaria melhor foi estraçalhada sem piedade e Gina se viu perdida outra vez.


- Eu falei, Gina! Esse verme não merece confiança!


Finalmente Draco pareceu notar a presença do Weasley mais velho, um sorriso malicioso surgindo em sua face.


- Veio bancar o guarda-costas, Weasel? Que coisa mais tocante.



Rony avançou em cima dele mas Gina o impediu, gritando que parasse.


- Sai, Ron. Preciso falar com Malfoy sozinha.


- 'Tá brincando!


- Não. Já não basta você o quanto me atrapalhou para vir aqui? – exclamou, frustrada com a insistência de ele tratá-la como uma criança.


- Eu não vou deixar você sozinha com essa cobra! – gritou, apontando para Draco.


O loiro riu baixo, divertindo-se com a briga. Gina lhe jogou um olhar furioso, que foi recebido com um sorriso genuíno que a fez perceber o teatro imaturo de Draco.


- Prometo que qualquer coisa eu grito – suplicou para o irmão. – Eu sei me cuidar, Ron! Me espere no hall.


- Tá certo. Tudo bem. Mas qualquer sinal de perigo eu vou explodir esse infeliz! – gritou, saindo da sala.



Assim que os passos largos dele não podiam ser mais ouvidos e os dois estavam finalmente sozinhos e em segurança, Gina colocou as mãos na cintura.


- Por que você tem que bancar um menino de 4 anos na frente dele?


- É divertido – confessou, sorrindo arrogantemente. – Ele é um imbecil.


- Ele é o meu irmão.


- Meus pêsames – continuou, aproximando-se dela. – Eu enganei você, não foi, Weasel? Confesse: por um momento você achou que eu ia te jogar na rua.


- E isso é motivo de orgulho para você? – respondeu, ríspida. Era assustador a forma como ele se tornara Lucius tão facilmente.


- Claro. Mentiras, enganações, trapaças... São minhas especialidades. Agora, Weasel, suplique por minha ajuda. Estou curioso em saber o que a namorada do Potty pode desejar... O cabeça de melão não está sendo suficiente para você?



À menção do nome de Harry, Gina sentiu uma pitada de tristeza e instintivamente desviou o olhar, encarando a lareira. Infelizmente o movimento não passou despercebido por Draco.


- O que o idiota fez agora?


Gina não sabia se conseguiria contar uma terceira vez o que tinha visto na madrugada anterior, então fez o que pôde para mudar de assunto.


- Eu preciso de um favor... Será que podia... Podia ficar aqui com você? – pronto, estava dito.


- Aqui? Comigo? – repetiu, confuso.


- Só por uns tempos... Só até a poeira baixar.


Agora que pensava melhor, a idéia era absurda... Não deveria ter vindo até lá... Morar com Draco? Na mansão Malfoy? Estava pirada?!


- Weasel... Você está falando sério?



- Infelizmente...


- Você, uma Weasley, morando comigo na casa da minha família? Na casa dos Malfoy? – continuou repetindo, incrédulo.


Gina ficou vermelha nas orelhas, ofendida com o tom de escárnio na voz dele.


- Eu posso ser uma Weasley... Não ter dinheiro nem roupas caras... Ser indigna de colocar meus pés imundos aqui mas achei que...


- Não, Weasel. Só eu posso julgar quem é digno ou não da minha casa – respondeu, sério. – É você que me surpreende. O que foi tão terrível para te forçar a vir procurar ajuda para mim? Deve ter sido algo realmente grande para você aceitar a idéia de vir morar com um Malfoy.



Abriu a boca e fechou rapidamente, sentindo-se muito tola. Draco não estava a humilhando, na verdade era o oposto: ele próprio estava se diminuindo.


- Acho que você merece uma explicação, então – suspirou, tentando se redimir pelo erro anterior.


- Seria uma boa idéia.


Por onde começar? Tanta coisa havia acontecido em apenas um intervalo de um mês desde que se encontraram na frente de St. Mungos...


- Eu estava na França, como contei um mês atrás... E tudo estava mais ou menos quieto. O Ministério não ameaçou procurar fora da Inglaterra, Gabrielle não é tão irritante quanto Fleur e eu conheci Paris... Mas aí... Com o Natal tão próximo... Decidimos nos encontrar.


- Quem?


- Harry e eu.


Draco fez um som de nojo. Provavelmente odiando a noção de qualquer coisa romântica e açucarada entre Harry e ela.


- Ele estava na Bulgária desde que nos separamos... E achávamos que finalmente a Ordem estava esquecida. Acho que foi minha culpa, em parte, queria muito voltar para casa, estava com saudades...



- Erro número um – informou, interrompendo seu discurso. – Nunca se deixe levar pela saudades.


- Como se isso fosse simples – retrucou, irritada. Ainda era um assunto delicado.


- Eu consegui.


- Você não tinha nada...


- Do que sentir saudades? É... Dinheiro, família, conforto... Nenhuma criatura no universo sentiria falta dessas coisas – interrompeu outra vez, seu tom sarcástico.


- Mas você não tinha como voltar, tinha? Sabia que sua família estava... Com problemas. Sabia que não havia segurança aqui. Mas eu tenho A Toca.


Draco não respondeu e se arrependeu do que acabara de dizer, sabendo que era um assunto incomodativo para ele. Porém, seu rosto inexpressivo, tão diferente daquele distante no quarto de St. Mungos, a fez duvidar que suas palavras haviam o afetado. Foi obrigada a continuar e cortar o silêncio desconfortável sozinha.


- Eu errei, admito... Mas Harry concordou comigo e combinamos de voltar para a Inglaterra e nos encontrarmos em uma cidadezinha trouxa, perto d’A Toca. Isso foi ontem de manhã.


Fez uma pausa, fitando mais uma vez a lareira de pedra, punhos ainda fechados. Respirou fundo, tentando se acalmar, não querendo mostrar o que sentia para Draco.



- De noite fui até o lugar marcado.


- Potter não apareceu – supôs, sempre pensando o pior do inimigo de escola.


- Ele veio – respondeu simplesmente. – Mas não tivemos tempo nem de trocar duas palavras e um grupo de...


Sentiu que Draco esperava, ansioso, para que terminasse a frase. Lembrou, sentindo calafrios, que ele ainda tinha a Marca Negra no braço esquerdo.


- Um grupo de bruxos mascarados apareceu do nada. Todos com suas varinhas apontando para nós... Não falaram. Não tentaram nos prender. Nada. Simplesmente nos atacaram imediatamente. Não tivemos chance. Quando eu acordei estávamos amarrados em um depósito antigo... Mas Harry tinha um plano, como sempre. Conseguimos escapar, tentando buscar ajuda em Ottery St. Catchpole, a vila trouxa. No meio da fuga, eles nos alcançaram. E...


Sua voz falhou.


- E Potter fez a coisa idiota de os distrair enquanto você escapava.


Gina sorriu levemente, agradecida por Draco ter dito por ela, diminuindo sua dor.


- O idiota simplesmente me empurrou num lago e gritou para os bruxos, correndo para longe de mim. Eles seguiram, claro... E quando eu consegui nadar de volta para a superfície tinham sumido. Mas não foi só isso... Na hora eu corri atrás deles, ainda achando que Harry conseguiria escapar de algum jeito. Quando o encontrei, estava desacordado e sendo levitado de volta para o depósito... Eles me viram, não tinha varinha e tive que correr. Nem sei como consegui chegar até a vila...



- Trágico. Mas o que tem a ver comigo?


Virou o rosto para encará-lo, sentida. Tentou ignorar o sentimento, buscando ser o mais indiferente o possível.


- Desde escapei, eles me encontraram duas vezes... Sabem quem eu sou. Onde moro, onde me escondo... Tudo. Arrombaram a loja dos gêmeos e quase me encurralaram em Hogsmeade. Não tenho onde me esconder.


- Por que não banca a Lovegood outra vez?


- Luna está aqui. Ela cuida de uma revista e não pode simplesmente parar de trabalhar de repente, as pessoas notariam.


- Então você acha... Não: você tem certeza que esses loucos não vão te procurar aqui?


- Você mesmo não acreditou, Draco... Uma Weasley morando com um Malfoy? Quem imaginaria uma coisa dessas?



- Ninguém – concordou e abriu um sorriso.


- Eu só preciso ficar aqui tempo o bastante para conseguir criar um plano para salvar Harry e descobrir quem são esse bruxos.


Draco não disse nada. Sabia que estava pedindo muito dele, não só impondo sua presença talvez incomodativa em sua casa mas também o envolvendo em algo que poderia ser perigoso. As chances de ele deixá-la se esconder ali eram... Mínimas.



- Groger! – chamou.


O elfo-doméstico surgiu em sua frente, como de costume se apresentando com uma reverência.


- Sim, mestre Malfoy?


- Acompanhe Weasley até o quarto dela.


Quase deixou escapar um sorriso satisfeito quando Weasel arregalou os olhos. Adorava pegá-la desprevenida, era até mais divertido do que provocá-la.



- Está falando sério?


- Mudou de idéia? A porta da frente é por ali – levantou uma das sobrancelhas.


- Não... É que... – adorou o fato que ela estava ainda confusa. – Não imaginei...


- Onde estão suas malas? Não trouxe nada?


- Eu não esperava que...


- Melhor mandar seu irmão mula trazer... Não tenho nenhuma roupa que sirva – continuou, não dando tempo para que ela se recuperasse da surpresa. – Groger, por que ainda está parando aí?


Desculpando-se com outra reverência, o elfo-doméstico pediu que Weasley o seguisse. A ruiva levantou do sofá, indo atrás de Groger mas ainda olhando Draco com uma expressão dividida entre agradecimento e surpresa. Antes que saísse da sala, porém, voltou para perto dele. Seu rosto estava marcado por preocupação e noites em claro, como o seu próprio. Draco achou ridículo o fato que ela estava assim apenas por causa de Potty... Era incapaz de compreender como alguém como Weasley podia perder o sono por aquele imbecil. Como se o cabeça de abóbora já não tivesse se metido em confusão pior.


Por alguns segundos ela apenas fitou seu rosto e Draco estava prestes a insistir que andasse logo e seguisse Groger quando Gina o abraçou com força.


Seu coração deu um salto, acelerando e querendo pular para fora. Não retornou o aperto, seu corpo rígido e chocado com seu espaço pessoal sendo invadido de forma tão brusca e inesperada.



Finalmente Weasley o largou, um sorriso gigante, e irritantemente triunfante, em seu rosto.


- Eu também consigo pegar você de surpresa – riu, finalmente deixando a sala atrás do elfo-doméstico. – Obrigada.


Seus olhos arregalados seguiram a ruiva até que estivesse fora de sua vista. Ajeitou sua roupa amarrotada pelo abraço e por muito tempo encarou o fogo morrendo de sua lareira pensando se aceitar Weasley em sua casa havia sido uma boa idéia.


N/A: Yep... Essa fic ainda é centrada no Draco... Só que dessa vez é D/G mesmo.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.