Na ilha deserta



O som abafado semelhante ao som do qual pode ser escutado dentro de uma simples concha de tal molusco, e o possante toque do vento tão insistente, penetrava-lhe nos ouvidos e agoniavam-lhe seus cabelos, dando a aparência de simples plumas, balançando ao movimento rítmico daquela atmosfera.

A castigada pela ventania, além de sentir todas essas pressões da natureza, também relacionava o corpo e as vestes molhadas, com o frio intenso do qual sentia naquele momento.

Inesperadamente, como se despertasse de um terrível pesadelo, a jovem que momentos antes, aparecera do nada, nas margens do mar lindamente azul, soltara uma grande golfada de água pela boca e começou a tossir quase violentamente enquanto se esforçava para manter-se de pé.

Mesmo com as vestes molhadas e os cabelos recheados com uma areia muito branca e fina, a jovem que ali se empertigava, mantinha uma renovável beleza.Suas vestes eram praticamente brancas; um vestido fino e arranjado que arrastava no chão áspero.Seus pés estavam descalços e sua face, igualmente.Contudo, a maquiagem era dispensável, pois aqueles olhos castanhos escuros, e incrivelmente penetrantes, não requeriam sequer uma sombra ou lápis; os lábios finos e pelados, exoneravam qualquer cor para cobri-los e a pele branca, por ser tão juvenil e clara, dava a impressão de que, se nela tocassem, poderia quebrar de tão frágil.

A aparência de Hermione Granger, não era aquela que seus conhecidos costumavam ver.Ali, parada e confusa, observando o maravilhoso lugar onde estava, aparentava ter mais do que dezessete anos.

Tudo parecia perfeito demais.Porém, Hermione não demonstrava sinais de contentamento, e sim, de preocupação.E não era porque a paisagem não ajudava.Absolutamente, muitas pessoas escolheriam aquele lugar, para um pacote de um mês de férias.A areia fina e branca se estendia dos seus dois lados, e para frente, cruzava grandes e verdejantes coqueiros.Mais além de sua vista, se podia relacionar a imensa massa verde, com o fim dos grãos que lhe tocavam nos pés e grudavam-lhe nos cabelos.Em ambos os lados, dunas pálidas, de porte médio, se elevavam, tirando qualquer coisa, á não ser o céu e o mar, do seu campo de visão.

Hermione começou a caminhar, rumo aos coqueiros mais à frente, tentando escapar do sol que folgava em seu rosto.Os seus passos eram lentos e arrastados, como se puxasse pelos pés, grossas correntes de chumbo.Parecia que tinha nadado por um doloroso tempo.Ao se aproximar do coqueiro mais próximo, Hermione, tomada pelo inexplicável cansaço, se sentou em sua sombra, dobrando os joelhos e os agarrando, tentando inutilmente, se proteger do vendo que não dava trégua.

-Meu Deus...que lugar é esse...

Hermione falara com a voz tremida, mesclada pelo frio, e pela preocupação.Seu corpo inteiro tremia, assim como a sua voz abafada.O longo vestido branco e anêmico, balançava contra a areia e o seu corpo.Os cabelos, tão intensamente castanhos, mesmo molhados, se lançavam pelo vento e batiam no seu rosto branco e também molhado.

Refletindo com mais calma, agora, a pesada ausência de algum ser vivo que se locomovesse, a não ser a jovem sentada na sombra de um coqueiro, parecia realmente causar um certo desconforto, dando uma certa razão, para que a pergunta que Hermione fizera a si mesma, não fosse incoerente nem insana.

Outra coisa da qual a jovem se preocupava, era sem dúvida, a grande porção azul que se estendia na sua frente, até onde os seus olhos penetrantes não podiam ver mais, até o encontro com o mar azul, e o céu limpo e tão azul quanto o seu vizinho de vista bela e indagável.

Hermione colara o seu queixo liso em seus joelhos e começara a se balançar para frente e para trás, tentando em vão, se secar e fugir do frio.Sentia-se cada vez mais sonolenta, realmente, era como se tivesse cruzado o mar incansavelmente, até achar aquele lugar.

Talvez, se dormisse um pouco, quando voltasse a despertar, veria que tudo aquilo, o mar, a areia branca, os coqueiros, as dunas, tudo, não passara de um sonho bem elaborado para testar seu controle pessoal.Instantaneamente, seus olhos se fecharam e o seu queixo se despregou dos seus joelhos.Inclinou-se para sua esquerda, até sua face tocar novamente, a areia fina e incômoda.Seu vestido dispersou-se para sua cabeça, revelando peças íntimas proporcionais as suas funções e como o vestido, de um branco quase pérola.Rapidamente, a mão branca de Hermione agarrou uma das pontas do vestido, e entrelaçou-a, entre suas pernas, para evitar que o vento deteriorado tornasse a levantá-lo.

Pela primeira vez desde que despertara nessa praia, a jovem agradeceu que não houvesse ninguém por perto, para ver a cena.Antes de voltar a fechar os olhos, Hermione se certificou que o seu vestido estava bem proibido entre as suas pernas.Ao avaliar positivamente, o sono não demorou muito para alcançá-la, fazendo-a afrouxar seus membros inferiores e mais uma vez, dando a liberdade ao vento azucrinante para poder dançar com as vestes brancas e suntuosas.

Pouco menos do que um quilômetro para a direita de onde Hermione adormecera, alguém também não se conformava por estar ali, para muitos, semelhante á um paraíso.

E esse alguém não estava em melhores condições do que a jovem além da duna que os separava.

Ao seu lado, vários pertences nada convincentes descasavam na areia : uma pequena caixinha de madeira, uma pistola preta e com detalhes prateados e ainda, um suporte para depositar espadas, com a alicerce de uma à amostra.

Um homem estava sentado ali.Apoiava as mãos para trás, e mantinha as pernas esticadas.Uma calça branca, imunda e rasgada pouco abaixo dos joelhos, cobria-lhe da cintura para baixo.Os pés descalços na areia, pareciam ter sinais de inchaço.Sua roupa assemelhava mais um conjunto de farrapos brancos e sujos, por baixo de um espécime de colete de couro marrom.O cinto também de couro marrom, onde o arrimo da arma estava dependurado, estava torto em sua cintura.Contudo, mesmo uma aparência dessas em um corpo nem lá, nem cá, se comparava a sua face quase bizarra.Um cavanhaque muito lanoso e negro, desprendia de seu queixo e se dividia em duas grandes e finas trancinhas adornadas com estranhos enfeites de madeira.Seu maxilar também suportava uma longa e fina barbicha preta.O bigode, cheio e tão escuro quando o resto do cavanhaque e as costeletas, estava retraído como sua boca carnuda.Agora, as tranqueiras que tinha no seu cabelo, eram as mais burlescas possíveis.Um longo pano vermelho sangue, cobria uma grande parte de seus cabelos : até o começo das sobrancelhas negras e espessas, á um nó, perto de sua nuca.Uma pequena moeda, dourada amarrada junto ao pano, brilhava ao refletir sob a luz do sol.A cabeleira longa e preta, batia-lhe pouco mais que nos ombros, e estava recheada de pesadas tranças e mais argolinhas de madeira.

Toda aquela feição estava contraída e pensativa.Os olhos, castanhos profundos e sombreados com uma maquiagem preta, miravam quase sem piscar, para o ponto de encontro do céu com o mar.Seus braços morenos, em intervalos pequenos, tremiam sob o peso de suas costas.Se não fosse toda esse feitio, podia ser confundido com um meditador que largara tudo, para viver sozinho e descobrir os segredos da vida primitiva.

Mas não essa pessoa.Não esse homem que trazia consigo, uma pistola, uma espada e mantinha os lábios semicerrados.Algo mais havia ali do que um simples meditador...

-Inferno...

Eis a prova.Enquanto um simples pesquisador das vidas passadas e da solidão, se mantinha em absoluto silêncio e geralmente, com os dedinhos unidos e as pernas dobradas, o mesmo não se levantaria no meio de sua reflexão da vida, não chutaria a areia fina e branca que o cercava, não pronunciaria sequer uma palavra, ainda mais, uma palavra profana como aquela que acabara de pronunciar e não caminharia pela areia, de um modo torto e inclinado, como se estivesse embriagado.

-Traidor, ordinário... como ousa me trair desta maneira... eu, o Capitão Jack Sparrow!Seu capitão!

À medida que o homem, agora explícito, ‘‘Capitão Jack Sparrow’’, se aproximava dos coqueiros, o vento batendo e seu rosto e fazendo levantar suas tranças, os palavrões que saiam de sua boca eram tão atrevidos, que pareciam vencer o vento de tão altos que eram soados.Agora, lutando contra o vento, um chapéu de três pontas, marrom claro, pendurava-se por uma corda que passava pelo pescoço de Sparrow.

-QUER SABER DE UMA COISA!-Gritou Sparrow para o coqueiro mais próximo.Depois cambaleou e ainda de pé, tomou fôlego e gritou para o horizonte azul.

-VÁ PRO INFERNO BARBOSSA!O QUE É SEU ESTÁ GUARDADO!

Jack Sparrow cuspiu na areia, e virou novamente para o coqueiro mais próximo.Olhou para cima, pondo o palmo da mão acima dos olhos, para protegê-los do sol, e avistou, há seis metros de altura, um coco tão verde quanto as grossas folhas que dançavam com o vento.

Sparrow deu um gemido mínimo.Desviou o olhar do coco, para o chão, procurando alguma coisa.Caminhou daquele jeito de bêbado até uma vara de pau caída, e a pegou.Infelizmente, a vara media uns três metros e não chegou nem na metade do coqueiro, quando o ‘‘capitão’’ a fez cutucar o tronco áspero, verticalmente.

-Maldição!-Exclamou Sparrow, depois do seu quinto pulo.Invocado, quebrou a vara com o joelho e atirou os seus pedaços, longe.Foi aí que um ronco audível quebrou a calada.Sparrow massageou a barriga com a mão direita e olhou cobiçoso, para os cocos logo acima.Não ia suportar ficar naquela ilha deserta sem comer, e Barbossa sabia muito bem disso quando decretou a sua sina fatal.Mas ele não ia morrer ali, agora e com fome; não Jack Sparrow, ou o ‘‘Capitão’’ Jack Sparrow como gostava de ser chamado.

-Ah, não... eu não vou morrer por isso...

O ‘‘Capitão’’ Jack Sparrow começou a rodear o coqueiro, olhando sem piscar, para os cocos ali, o chamando, pedindo para serem consumidos.Uma vez ou outra, ele dava pequenas batidas no tronco com o punho fechado.

E a cena se repetiu durante um considerável tempo.Sparrow rodeando o coqueiro, feito um cachorro pronto para urinar enquanto batia inexplicavelmente no tronco da árvore.

Finalmente, o homem tomou uma atitude súbita.Deu um salto, abraçando o tronco e fez o mesmo com as pernas.Como não era um tronco muito graúdo, Sparrow conseguiu encontrar seus membros e segurou uma mão na outra.E ao se tratar dos pés, ao invés de uni-los pela sola, se posicionaram, um em cada parte do tronco, prontos para impulsionarem o restante do corpo para cima.Ou pelo menos, era essa a idéia básica; entretanto, na primeira tentativa, sem sequer se impulsionar, Sparrow desprendeu-se da árvore e caiu de costas na areia.

Resmungando baixo e rogando um turbilhão de palavrões para o tal Barbossa, Jack consegue se levantar novamente e massageando o pulso, notou alguma coisa resistente sob seus pés.Olhou para o chão e viu que onde estava pisando, a areia rareava, dando lugar a pequenos tufos de mato verde.Também estava num plano.

Jack deu pequenos pulinhos no lugar onde estava, e a areia em algumas partes, tremeu e caiu por entre frestas.Intrigado, se ajoelhou e apalpou o plano resistente.O som era oco, semelhante á madeira ressequida.Passou com a mão, por todo o plano, e achou em um de seus extremos, uma argola escondida em um monte de areia.Sem hesitar, Jack saltou para fora do plano, agarrou firmemente a argola, com a mão direita, da qual o pulso não doía, e levantou-a.

Um alçapão de madeira, muito bem camuflado, revelou em seu interior, uma pequena escada do mesmo material que o da porta e uma apreciável quantidade de mantimentos, dos quais incluíam, pacotes de pães, sacos de queijo, um barril de água e um pesado baú de madeira crua, totalmente escancarado, expondo garrafas empoeiradas de litros e mais litros de um líquido caramelo.

-Ah, eu não acredito...

Jack desceu a escadinha e foi diretamente para o baú com as garrafas.Pegou uma delas e destampou a rolha com certa dificuldade.Cheirou-a com aspiração e deu uma risadinha pretensiosa antes de virar o conteúdo caramelo na sua boca.

Estalando os lábios, com duas garrafas empoeiradas na mão e uma bebendo, Jack andou cambaleando até a praia e deitou na areia, o sol batendo no seu rosto, sorrindo enviesado.

-É, Barbossa... talvez um dia, eu lhe agradeça... por isso.

E com outra risada tosca, Jack virou o resto do conteúdo caramelo na boca.Sentando-se na areia, a garrafa agora vazia erguida para o alto, brindou com ímpeto demais, para um bêbado :

-Um brinde, a liberdade!Um brinde... ao Pérola Negra!

E caiu desacordado, sem antes soltar uma eructação furtiva.

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Desculpem a demora para postar esse capítulo.Só que como todo o início de uma história, tem que ser bem elaborado.Espero que gostem da fic e tirem a conclusão correta que ela trás.Até o próximo capítulo.

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