capítulo 11



A semana transcorreu sem maiores incidentes. O Natal se aproximava, Sarah viajou de volta para comprar os presentes, mas ele não quis acompanhá-la. Nem pensar em mais um passeio pelo shopping!
Berenice foi com ela, e como se demorariam talvez mais de um dia por lá, Snape se viu na perspectiva de ficar sozinho na casa, tendo apenas Martinho e Beatriz por companhia.
Aproveitou o dia sem a presença dela para realmente pensar no que fazer, agora que já sabia quem e o que era.

Sua memória voltava aos poucos, começava a recordar os acontecimentos após sua fuga de Hogwarts, mas não queria falar nada a respeito, não ainda. Além de confuso, era doloroso. Mesmo agindo sob ordens do próprio Dumbledore, fora seu assassino. E enfrentara muitos momentos difíceis depois daquilo.
E ainda havia Harry Potter... eles ainda tinham uma questão pendente para resolver.

Ler os livros fora uma experiência realmente reveladora. Perceber o quanto suas ações eram sempre mal interpretadas pelo garoto, desde o início, perceber a insistência dos outros em fazer com que Harry o respeitasse como professor, ver a relutância de Harry em aceitar que ele, Snape, fosse o dono daquele livro que o ajudara tanto em poções...tudo isso o atingira intensamente e abalara algumas de suas convicções.
Riu ao pensar nisso. Claro que o ataque a Draco o fez desconfiar, ainda mais que Harry não conseguia ser um bom oclumente mesmo. E mais uma vez fora Hermione Granger quem revelara a verdade para o incrédulo Harry. Aquela garota merecia o seu respeito... por mais que o irritasse... mas porque era mesmo que ela o irritava? Talvez por lembrá-lo de si mesmo...

Snape passou as mãos pelos cabelos, e seu gesto o fez lembrar-se de Sirius. Passou a mão pelo rosto, sentindo a barra cerrada e sorriu. Não é que devia estar parecido com o “Pulguento”?
Não haviam resolvido suas diferenças, afinal. Não tiveram tempo. E concluiu que Sarah tinha razão. Eles nunca haviam buscado resolver aquilo, se envolveram nos ressentimentos e se deixaram levar por isso. Apenas Lupin parecia ter passado imune por aqueles anos...
Recordou o trecho do livro em que Lupin dizia a Harry que era agradecido a ele, Snape, por ter feito a poção por um ano inteiro, sem adulterá-la propositadamente, o que o teria prejudicado.
Descobriu que o outro o respeitava, embora as circunstâncias não permitissem que o chamasse de “amigo”.

Amigo... Quem fora seu amigo? Provavelmente, apenas Dumbledore, o homem que ele matara...

Mas aqueles que viviam naquela casa o chamavam de amigo... E o consideravam como sendo da família. E ele realmente se sentia “em casa”, sentimento que Severus Snape realmente nunca tivera em lugar nenhum. Nem mesmo em Hogwarts, nos onze anos de calmaria, claro, antes de Potter chegar! Mas espantou a imagem do garoto de olhos verdes da mente, para se concentrar nesse novo e desconhecido sentimento. Depois de tantos dias naquele convívio tão íntimo, descobrira que sentia aquela família como sendo sua, afinal. Via em Sarah a irmã que gostaria que tivesse existido...
Então, por um segundo, lembrou-se da cena vista na regressão. Se era verdade que existira uma outra criança na casa dos Snape, como teria sido se eles tivessem crescido juntos? Será que ele teria se tornado um homem diferente, pelo simples fato de ter um irmão ou irmã?

Da cadeira que passara a ser seu ponto favorito no canto mais escondido da varanda, invisível aos olhos externos devido à grande samambaia “chorona” cujas folhas extremamente longas quase varriam o chão, permaneceu em silêncio, ouvindo os sons da casa que o hospedava, como sempre fazia sempre que seus pensamentos o atormentavam por não chegar a nenhuma conclusão clara.
Da cozinha, chegava-lhe o cantarolar de Beatriz, sempre preparando algum quitute. Martinho ouvia música clássica na biblioteca. O que era hoje? Chopin, reconheceu de pronto, já conhecedor dos gostos do velho bombeiro.
Berenice viajara com Sarah, também precisava comprar presentes de Natal, e os filhos de Neuza hoje haviam lhe dado uma trégua...
Mas ele até que gostara de debater com eles sobre “os livros”, de ouvi-los dizer que Harry era muito burro... Ah, como isso o divertira!

O telefone tocou lá dentro, e Martinho atendeu. E foi um supreso Snape que ouviu o homem dizer que o seu filho Felipe queria falar era com ele!
A conversa fora rápida. Felipe dizia que tinha novidades, que no dia seguinte queria conversar com ele, sem tardar. Ele ficou curioso. O que o médico poderia ter descoberto, diferente do que ele já sabia?
Ou será que o uso que fizera de sua varinha fora detectado, e alguém fizera contato com o médico, procurando por ele?
Não... isso não. Se assim fosse, teriam aparatado direto naquele jardim, atrás dele. Então, imaginou que atravessara algum tipo de barreira para estar naquele mundo, e suas magias não eram registradas.
Resolveu por isso à prova e fazer algumas transfigurações extras. Afinal, também precisaria providenciar alguns presentes de Natal... E imaginou o velho diretor sorrindo por cima dos oclinhos de meia lua.
- É, Dumbledore. Você acreditaria nisso? Acho que sim, afinal, você sempre teve o hábito de acreditar no melhor... E eu sempre duvidei disso... Agora, aqui estou, sentado numa varanda de uma cidade do interior do Brasil, veja só, pensando em presentes de Natal. Decididamente, eu já não sou o mesmo Severus Snape de sempre! E não venha me dizer que já não era sem tempo!

- Falando sozinho, meu amigo? – Martinho chegou à varanda – Olha que isso é sinal de velhice!
- Ou de loucura... qual deles é melhor? Ou... como Sarah diria: “menos pior”?
Os dois riram juntos, e Snape entrou em casa, o outro com o braço pousado paternalmente em seu ombro. Beatriz chamava para o lanche, e ele sempre ficava muito feliz com aquela versão “mineira” do seu saudoso chá inglês...que não deixava a desejar pra nenhum preparado pelos elfos de Hogwarts.

Nos dias seguintes, a casa fervia, com os últimos preparativos do casal Laurent para o Natal. E Snape se viu envolvido por eles nos preparativos para a ocasião. Embora a árvore já estivesse montada desde o início de dezembro, coisa que lhe causou estranheza, pois de onde vinha era costume só montá-la na véspera, havia coisas a fazer. Presentes dos netos e filhos para preparar, compras de supermercado, alterações na disposição dos móveis, completamente desnecessárias no seu entendimento. Enfim, Martinho e Beatriz estavam em uma enorme ansiedade, esperando as “crianças” como se os filhos não aparecessem há anos.
André acabara mudando de idéia, chegando um dia antes de Sarah e Berenice voltarem da Capital. Infelizmente, sua namorada Susan, não pudera viajar com ele, devido a "comproimissos familiares". Então, olhou espantado para aquele homem pálido, alto e magro, conversando com seu pai na sala, e também ocupando seu antigo quarto.
Snape já se desculpava ao saber disso, mas Martinho o tranqüilizou:
- Ah, isso não é problema, o que não falta nesta casa é quarto e cama para se dormir.
- Então, se há outro aposento na casa, eu faço questão. Se estou no quarto de André, eu é que tenho que me mudar, afinal, eu é que sou o hóspede, ele é da família.
- Você também é da família, Prof. Snape. – Martinho sorriu – Mas isso não é problema, realmente.
- Prof Snape? – André o fitou com estranheza.
- É meu nome... Quer dizer, seus sobrinhos decidiram que sou a cara do Prof. Snape, então, eu sou ele.
Ele disse isso com tanta naturalidade, dando de ombros como se fosse realmente uma brincadeira de crianças, que André aceitou. Martinho ainda explicou:
- Nosso amigo ainda não recuperou a memória, então, por enquanto, este é seu nome. Simpático, aliás, você não acha?
Como André, aparentemente, também já lera os livros, não concordou inteiramente com o pai... mas concordou que o amigo estrangeiro da irmã “se parecia mesmo com Alan Rickman” e ficou por isso mesmo, para alívio de Snape.

À tardinha, as duas irmãs chegaram, cheias de embrulhos e caixas, e também ficaram surpresas por ver o irmão mais novo.
E a algazarra se generalizou, fazendo Snape erguer as sobrancelhas, divertido. Por um momento, imaginou a Sra Weasley recebendo todos os sete filhos para o Natal, mais os “agregados”: noras oficiais, pretendentes a noras e também a genro... e sua alegria se esvaiu, como sempre acontecia quando se lembrava dele: Harry Potter.
Sarah pareceu perceber e o fitou, preocupada. Mas ele lhe sorriu e se afastou do grupo familiar, sentindo-se momentaneamente o que era: um estranho.
Mas não conseguiu se manter à parte por muito tempo, pois Beatriz já o puxava de volta em seu abraço, e logo ele se viu envolvido de novo no calor da família Laurent.

Na mudança de quarto, ele ficou ao lado do quarto de Sarah e Berenice, e ela achou divertido chamá-lo de “vizinho”. Mas ele teve trabalho em esconder dela a surpresa que preparara para todos. Não queria que ninguém visse que ele também “comprara” presentes para toda a família.

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