beneath you it devours
Hermione reduziu o ritmo consideravelmente, fazendo Harry parar e olhar para ela com urgência. Estava cansada fisicamente e mentalmente... Sua mente estava difusa, e acima de tudo, embaralhada. Não conseguia raciocinar direito já havia algum tempo... Muita informação, as quais nem havia tido tempo para processar. E aparentemente, Harry também não tinha noção exata do que estava acontecendo. Apenas sabia que tinha que correr e sair dali o mais rápido possível. Entretanto... A tarefa estava se mostrando terrivelmente penosa.
- Harry forçou os olhos para o caminho à sua frente, não sendo capaz de ver muito adiante devido à imensa chuva que ainda se abatia no local. Tudo que conseguiu enxergar precariamente foi um vulto de cabeça avermelhada poucos metros à sua frente. O que identificou como sendo Giny.
- Hermione, nós temos que ir! – exclamou num tom urgente. Se aproximando da amiga que havia agora parado e encostado em uma árvore pos a mão direita em seu rosto com ar preocupado. Ela tremia profusamente. E não só ela como ele também tinha o corpo coberto de cortes e um pequeno veio de sangue escorria pelo rosto dela. Eles corriam por dentro da floresta havia mais de uma hora sem descanso algum. O caminho logo se tornou mais e mais denso, até que não havia mais caminho nenhum e a vegetação dificultava o avanço...
Os arredores estavam um caos completo. Gritos aqui e ali se tornavam mais e mais espaçados. A sensação que Harry tinha era de que se afastavam cada vez mais da multidão e da desordem da qual acabavam de sair... Mas apesar da distância, algo dizia a Harry que ainda não estavam seguros...
- Har-Harry... – gaguejou ela. Seu queixo tremia, e um frio imenso tomava conta dela agora... Entretanto, apesar da chuva... Aquilo era diferente... Fazendo esforço para tentar expressar a sensação de desespero que começava a sentir, Hermione se interrompeu ao ver o amigo erguer os olhos atento.
Harry observou o breu das árvores que cercavam os dois. Não demorou muito para que notasse o que havia ali...
- Vamos... – murmurou para Hermione seguindo mais cauteloso. Ele podia conjurar um Patrono se precisasse... Entretanto, a amiga não possuía varinha alguma, o que significava que não podia se defender... De modo que sua preocupação se resumia basicamente a colocá-la em um local seguro...
- O que foi isso? – falou Hermione parando de repente.
- O que...? Hermione vamos! – insistiu Harry com uma sensação gélida do que aquele vulto poderia ser...
Voltando-se novamente para seguir em frente, Harry gelou e sentiu seu corpo inteiro estancar. Numa fração de segundo, ele próprio vira... Um vulto negro e alto passou logo a sua frente. A proximidade foi tamanha que ele sentiu o manto do dementador roçar-lhe a lateral do rosto.
Um silêncio pesado e abafado se instalou ali. Era como se o vento cortante que a pouco fazia seus corpos tremerem involuntariamente havia sido substituído por uma atmosfera completamente estática e congelante. Uma camada fina e esbranquiçada começou a se formar sobre sua jaqueta. Um vazio profundo e uma sensação de desespero tomou conta dele descendo-lhe pela garganta como bile. Harry sabia que eles estavam cercados...
Uma respiração entrecortada e pesada chegou aos seus ouvidos. Mas a impressão que ele tinha era que aquela voz estava tão distante, tão longe que...
Hermione sentiu suas pernas fraquejarem e seu corpo inteiro foi ao chão antes mesmo que pudesse raciocinar sobre o que estava acontecendo. Era como se toda e qualquer sensação de felicidade que jamais tivera houvesse sido arrancada de seu peito em um segundo. Entretanto, o sentimento de desesperança era familiar... Já havia sentido aquilo antes... Mas não tão... Intenso.
Ela estava completamente entorpecida. Havia algo mais... Algo dentro dela, como se o frio que sentia estivesse sumindo... Como se algo quente e viscoso estivesse percorrendo pelas suas veias e prestes a tomar conta de seu corpo inteiro. Sua mente já não estava mais ali, atingira um level de inconsciência tão profundo agora que não tinha nem mais noção exata de onde estava, ou do que tocava seu rosto levemente...
Ainda havia aquele frio... Um arrepio constante, o sentimento de derrota e perda já havia se instalado em sua mente. Porque ele revidaria? Ela já estava morta mesmo... Hermione estava caída encostada em uma árvore a poucos metros de distância dele. Uma criatura alongada e esguia, coberta por um manto enegrecido e esfarrapado se encontrava por cima dela. Ele devia fazer alguma coisa... Qualquer coisa...
Um súbito retorno a realidade se apossou de Harry, se voltando para a amiga ele observou a cena com um desespero começando a surgir dentro dele.
Um som grave de matraca chegou aos seus ouvidos... Aquela coisa... Estava prestes a...
Num movimento brusco, que parecia arrancar-lhe cada fiapo de força de vontade que possuía dentro dele, Harry empunhou sua varinha, seu pulso tremia de adrenalina, mas antes mesmo que as palavras do encantamento saíssem-lhe pela boca...
Hermione sentiu um toque suave nas maçãs de seu rosto... Dedos longos delgados e apodrecidos seguraram sua face suavemente. Um cheiro putrefato chegou a suas narinas. Foi como se algo em seu corpo tomasse súbita vida. De repente uma noção completa de tudo à sua volta se fez presente. E ela pode praticamente tocar o poder que emanava daquela criatura... Frio. Negro. Intenso e inebriante.
Num ato reflexo, Hermione estendeu sua mão direita e tocou o crânio da criatura. O negro que antes havia dentro do capuz se revelou um rosto horrendamente deformado e cadavérico.
Um grito. Agudo, agourento, quase insuportável soou pelo bosque. Harry largou sua varinha quase que instintivamente e levou suas mãos aos ouvidos num gemido de dor. O que era aquilo?
Foi como se aquilo que havia se apossado dela perdesse completamente o controle... Hermione podia sentir a energia fluindo, pela sua pele. Tanto poder... Tanto êxtase...
Um frenesi completo lhe possuía, a criatura esvaiu-se em pó em alguns segundos. E Hermione sentia seu corpo todo tremer de tanta adrenalina. Não sabia o que era aquilo, de onde vinha, ou até mesmo como a possuía. Só sabia que precisava de mais, queria mais...
Harry sentiu seus olhos marejarem, nem ao menos piscava ao observar aquele manto jogado no chão enlameado. O grito fora tão forte, que outros dementadores, que sobrevoavam o local sumiram rapidamente. Provavelmente receosos do mesmo destino... A chuva continuava a cair. Entretanto as gotas que caíam na lama ao redor eram as únicas a soar no local... Harry fez menção em dizer algo, mas estava chocado demais para tal.
Luzes vermelhas iluminaram o céu sobre eles e Harry pode observar o estado da amiga. Ela começava a se levantar lentamente. Seu peito subia e descia com tamanha intensidade que Harry ainda cogitou ir ao seu auxílio. Mas a idéia morreu quase que instantaneamente. Aquela presença, não era sua amiga... Não era Hermione, era alguém, algo mais...
Uma sensação familiar de insegurança e avassalador receio tomou conta dele ao sentir aqueles olhos encarando-o. Negros, vazios.
Como se não existisse mais nada ali, exceto breu, profundo e sufocante. Eles se mantiveram assim. Por alguns segundos, que pareceram uma eternidade, sem nem ao menos mover um músculo.
E então... Uma expressão, no rosto antes completamente desprovido de qualquer emoção, começou a se formar. A garota franziu levemente o cenho. A Harry pareceu por um breve momento que o brilho característico dos olhos da amiga voltara. Ela piscou, e sacudiu a cabeça levemente, com se acordando de um sono profundo. Piscando novamente, ela levantou os olhos e encarou-o mais uma vez.
- Mione... – murmurou Harry ao reconhecer à sua frente, a presença da amiga. A garota respirou fundo e fechou os olhos novamente. E desta vez, seu corpo desabou absolutamente desacordado.
Num impulso impensado Harry correu em direção à amiga que jazia estendida na lama. Virando seu corpo com desespero apoiou-a no colo segurando-lhe o rosto. Seus olhos estavam fechados e sua expressão inerte...
O qu...? Ela estava...? Não... Ele... Ela não estava morta... Ela...? – Harry voltou s olhos para o manto negro estendido logo ao lado deles, que agora se misturava com a lama, lembrando-se do ocorrido... – Como...?
Ele podia ouvir vozes agora. Alguém estava vindo... Talvez ajuda, Harry não sabia. Tinha a ligeira sensação, que ao longe, alguém havia chamado seu nome... Entretanto... Não havia um milímetro de seu corpo que desse a mínima... Harry apenas puxou o corpo de Hermione para próximo de si o máximo que pode e ali ficou, imóvel.
Rony abriu a porta do quarto lentamente. Harry se mantinha sentado na cadeira, imóvel ao lado da cama. Numa posição não muito diferente de duas horas atrás. Em absoluto silêncio.
Hermione jazia inerte na cama, não apresentava nenhum machucado, ou mesmo lesão... Entretanto, excetuando-se o fato de que respirava, não havia mais nada nela que denotasse um sopro de vida sequer...
Rony lembrava de quando encontrara o amigo naquela clareira. Nunca vira Harry naquele estado. Seus olhos estavam completamente vidrados, sem nexo algum. De fato, demorou-lhe alguns segundos para que percebesse que Hermione se encontrava imóvel nos seus braços...
Obviamente, pensara o pior. – lembrou Rony com um sentimento sufocante atingindo-lhe a garganta. - Lembrava da desorientação que se apossara dele. O desespero crescente, que amenizou assim que Lupin lhe assegurara que a amiga estava viva, apesar de peã sua expressão, o fato não parecer muito promissor...
Entretanto, Harry... Novamente, ele não se lembrava de jamais telo visto naquele estado...
Fazia três dias que Hermione estava desacordada. E durante aquele tempo, ele se mantivera o máximo de tempo possível de olho na amiga. Atento a todo e qualquer sinal de que ela estava pelo menos próxima de voltar a si. Sinais que, lembrou dolorosamente, ainda não haviam surgido. Mas Harry...
Assim que o grupo voltou para a sede da ordem, o amigo sentara-se ao lado da menina, e ali ficara. Não comia, não havia dado uma palavra sequer. E Rony poderia estar errado, mas não se lembrava de tê-lo visto dormir...
Em suma, mesmo todos estando extremamente abalados com o acontecido... O ataque, a quantidade de alunos que haviam sido mortos, antes que o auxílio do Ministério chegasse... E principalmente o estado de Hermione, ninguém parecia ter tomado aquilo tão profundamente quanto Harry havia...
- Você tem que comer alguma coisa... – disse Giny após uma leve batida na porta. – Rony disse que você não quer descer...
Harry não respondeu.
Giny olhou para a amiga de relance, sentindo um embrulho na garganta, desviou o olhar rapidamente e se aproximou do garoto, que se mantinha sentado à beira da cama.
- Ficar assim e morrer de fome, não vão ajudá-la... – retrucou Giny com seriedade.
Harry se manteve calado. Giny respirou fundo e de um tom mandão, passou para outro mais triste e preocupado:
- Você tem que contar pra gente o que houve... – Harry, que mantinha os olhos na amiga baixou-os encarando os próprios pés.
Observando a amiga novamente, sentiu seus olhos esquentarem violentamente. Ela não se movia. Harry sacudiu a cabeça num gesto rápido e perguntou simplesmente forçando a si mesmo para não transparecer a imensa agonia que tomava conta dele por dentro:
- Lupin... Ele está aí? – Giny piscou com surpresa à súbita pergunta do amigo, que ela esperava, continuaria a se abster de falar qualquer coisa...
- Er... Está. – disse ela observando Harry se levantar e caminha em direção à porta evitando-lhe o olhar. Giny seguiu o amigo, parando mais uma vez no vão da porta e dando uma última olhada na amiga. Baixando os olhos, Giny saiu fechando a porta atrás de si.
Harry seguiu o mais rápido que pôde em direção à cozinha. Talvez... Se ele dissesse a Lupin o que havia acontecido, ele pudesse esclarecer a razão pela qual a amiga estava daquele jeito. Na verdade, Harry nem ao menos sabia o que tinha acontecido realmente lá... Só sabia que desejava profundamente que não acontecesse de novo...
Lupin se encontrava sentado à mesa da cozinha, e exceto por ele Sirius, o local se encontrava estranhamente vazio, o que Harry estranhou:
- Ele não quis vir... – replicou Lupin em voz baixa. Ao que parecia, os dois mantinham uma conversa aos sussurros e Harry estava prestes a interrompê-la.
- Você disse o que houve? – questionou Sirius em seguida.
- Disse, ele pareceu decidido. Não quer que agente...
- Nós não podemos esconder isso deles, ainda mais agora... Ele vai perguntar Remus... – Lupin pareceu considerar um pouco após o comentário do amigo. E pouco tempo depois acrescentou parecendo discordar da decisão tanto quanto seu padrinho:
- Eu acho que Dumbledore não quer que ele... Bom eu acho... – Sirius voltou os olhos para a porta do aposento onde Harry se encontrava em pé. Com um rápido olhar fez o amigo se calar cortando-o em seguida:
- Harry! – a voz de Rony soou fazendo não só Harry como Sirius e Lupin que obviamente acreditavam estar sós na cozinha se sobressaltarem.
- Harry...? – dessa vez Lupin questiono surpreso ao se voltar para a porta em busca do garoto.
Harry titubeou, fazendo menção de justificar o fato de que estava ouvindo a conversa dos dois, foi privado da explicação pelo amigo:
- Giny disse que você havia descido... Eu não acreditei muito... – iniciou não parecendo ter notado a cena.
- Harry o qu...? – iniciou Sirius, demonstrando, Harry pode notar preocupação com o quanto exatamente o afilhado havia escutado por trás da porta. – Hermione acordou?
- Não. – foi Rony que respondeu. E logo, o resquício de alívio que ele havia demonstrado ao ver o amigo ali parecia ter sumido. Harry baixou a cabeça em silêncio e caminhou em direção a mesa ocupando uma cadeira. Podia sentir os olhos do padrinho sobre ele. A última coisa que precisava agora era uma conversa sobre como se sentia com relação aquilo...
- Eu... – iniciou, mas se interrompeu desconcertado. Todos os olhares se voltavam para ele. Um momento de silêncio se seguiu. Era óbvio que não só Rony como Lupin e Sirius pareciam esperar para descobrir o que acontecera no bosque aquela noite para que Hermione ficasse daquele jeito.
– Você precisa comer alguma coisa... – disse Sirius cortando o silêncio e se levantando com um ar preocupado.
- E- eu não estou com fome... – respondeu Harry seriamente.
- Isso é fisicamente impossível. – rebateu o padrinho. – Molly deixou algo separado para você... – à menção da comida de Sra. Weasley, Harry veio a notar com extrema surpresa, que seu estômago pedia desesperadamente por comida.
Não sabendo muito bem, se era devido ao fato de que passara os últimos dois dias tão profundamente preocupado ou se simplesmente precisava dizer a alguém o que havia testemunhado, a verdade era que depois de finalmente relatar (com mínimos detalhes arrancados por Lupin) o que acontecera na floresta, ele se sentia até ligeiramente menos preocupado. E grande parte, sabia, era advinda da esperança de que ou o padrinho ou o amigo poderiam ter uma solução para a melhora da amiga...
- Então...? – questionou Rony, que parecera chocado com o relato. – Ele virou pó? – repetiu. Harry encarou o amigo, e por falta de palavra melhor para descrever o que havia presenciado confirmou:
- É... – disse simplesmente. Um momento de silêncio se fez no local. Nem Lupin, ou Sirius se manifestaram de modo algum por um tempo. Ambos pareciam estar raciocinando sobre o que Harry havia dito. E pelas suas expressões, se mostravam tão confusos quanto Harry ou Rony.
- Remus você acha que...? – começou Sirius, totalmente absorto em seu raciocínio que, imaginou Harry, fosse acompanhado por Lupin, já que ambos pareciam completamente alheios à presença dele e de Rony.
- Albus mencionou... Poderia haver uma possibilidade de... – tateou Lupin demonstrando certa incerteza.
- Não... – desdenhou Sirius com descrença. – Ela é muito... Jovem! – Rony soltou um muxoxo e Harry retrucou irritado com a falta de consideração em excluí-los do diálogo completamente:
- O que está havendo? – seu padrinho se sobressaltou por um momento, quase como se acabasse de notar a presença do afilhado no recinto:
- Certo... – murmurou voltando o olhar para o amigo que tinha ainda a cabeça baixa e os olhos franzidos.
- Bom... Eu suponho que se for isso mesmo, nós não podemos esconder certo? – retrucou Lupin com ar sério. Mais sério do que Harry gostaria.
Hermione abriu os olhos. Com a visão levemente embaçada demorou-lhe o que pareceu dez segundos para identificar um dossel antigo acima dela. Ela piscou uma, duas vezes...
“O qu...?” – Hermione se moveu fazendo menção em levantar-se. Mas parou logo em seguida com um gemido de dor. Seu corpo inteiro doía violentamente. Era como se acabasse de fazer horas e mais horas de exercício. Não tinha completa noção do que havia acontecido... Na verdade, tudo ainda estava difuso em sua mente... A última coisa que lembrava era de que estava... Bom... Chovia. Disso ela lembrava... – forçou tentando fazer o possível para se lembrar de como acabara ali.
Onde ela estava de qualquer forma? Hermione apoiou o peso do corpo e esforçou-se para ao menos sentar. Observando o local à sua volta, ela reconheceu o quarto imediatamente: Grimauld Place.
Levantando lentamente, ela caminhou em direção à porta e abriu-a. Hermione estirou o pescoço e observou. O corredor estava vazio. Mas, algumas vozes ecoavam no local... Presumindo que viam do andar de baixo. Hermione caminhou lentamente em direção às escadas tomando o cuidado de apoiar-se no corrimão, visto que não sentia que suas pernas muito firmes. Foi uma cena levemente penosa, pensou ela avaliando o seu próprio estado e perguntando-se o porquê de estar tão absurdamente cansada e esgotada.
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