Dor e Solidão - II
[II]
Por que tudo mudara tão drasticamente? Ele já sabia o que era ser feliz, não queria viver algo que não fosse proporcionar a ele qualquer outra coisa. Queria ser feliz, como fora uma vez. Tivera o melhor pai do mundo, tivera sua melhor amiga, a mulher mais incrível do mundo, ao seu lado. Por que perdera a companhia dos dois? Era alguém que merecia isso? Fizera algo de tão errado em sua vida para merecer ficar sem as duas pessoas que ele mais amava? As duas pessoas que o ajudavam sempre que ele se sentia só, com medo, perdido.
Não sabia como viveria... Na verdade, achava que não viveria mais. Não teria como viver sem Hermione ou seu pai. Ele simplesmente existiria – se conseguisse se erguer com toda essa dor. Perambularia para lá e para cá, deixando um rastro de tristeza e dor por onde passasse, um rastro de infelicidade.
Ron sempre pensara que todas as pessoas são merecedoras de segundas chances. Mas agora parava para pensar se isso não era ingenuidade demais. Hermione não dera uma segunda chance a ele. A única segunda chance que Ron tivera era a de perder mais alguém que importasse tanto, a chance de sofrer – de novo. E isso era o que ele menos queria.
Descrever os momentos que tivera com seu pai e com Hermione era impossível. Eram uma felicidade e uma alegria que superavam qualquer dor. Não importava o quão mal o trabalho ia, não importava a dor das costas, não importava se os gnomos do vizinho haviam se mudado para o seu jardim com a desgnomização, não importava a posição dos Cannons no campeonato; nada importava se ele estava na companhia de seu pai ou Hermione. E agora...
Era algo simplesmente inaceitável, ele não merecia isso! Tudo bem que fora grosso, estúpido e insensível com Hermione durante algum tempo por causa da perda do seu pai; mas eles eram tão amigos... Por que ela não conversou com ele? Por que não gritou? Jogou a verdade na cara dele? Por que fizera com que ele enxergasse tudo da pior maneira possível? Por que o deixara? Fazendo assim com que ele ficasse vulnerável, fraco, sozinho e sem força alguma para ao menos gritar por ela, tentando fazer com que ela voltasse e ficasse com ele.
Era difícil superar por completo a morte de seu pai com Hermione ao seu lado. Com os braços dela em volta de seu pescoço, com os olhos dela dentro dos dele, com a respiração quente no peito nu dele, com os beijos no pescoço, com os sorrisos de lado, com as mordidas inconscientes no lábio inferior, dentre tantas outras coisas. Sem Hermione ficava muito mais difícil. Agora ele deveria superar duas perdas. Sem ninguém que fizesse ele se sentir muito bem a ponto de querer esquecer do mundo.
Ele merecia mais uma chance! Merecia mais uma chance de ser feliz.
Queria ter uma chance de se sentir completo, ter uma chance de dar a volta por cima de toda essa dor que tomava conta do peito dele. Queria dar a si próprio uma chance de se sentir bem consigo mesmo, de ser realmente feliz, de viver sua vida a partir de agora. Colocando o passado no passado e vivendo o presente para o futuro. Queria sentir saudades de seu pai, mas queria esquecer da dor que isso proporcionava; queria sentir saudades de Hermione, mas queria apenas lembrar dos sorrisos e beijos, não das lágrimas e de sua partida. Queria viver para ele agora, como nunca vivera.
Além do mais, ele não gostaria que Hermione tivesse mais um motivo para tê-lo deixado. Ele seria forte agora. Mostraria para ela que ele mudara, que ele era uma pessoa diferente agora: disposta a dar a si mesmo a segunda chance que mais ninguém dera.
Levantou-se, não acreditando na facilidade com que fizera isso. Era mesmo tão difícil assim? Como podia ser? Sentia-se como se uma manada de hipogrifos tivesse saído de cima de suas costas, finalmente libertando-o e, como há muito tempo não fazia, sorriu sem um motivo aparente. Apenas porque sentia vontade de sorrir e conseguia fazê-lo.
Música. Era apenas o que ele queria escutar agora. Encaminhou-se até o rádio e o ligou. Seu estômago revirou dentro de sua barriga: era a música que Hermione havia decidido que seria a deles. Uma música diferente de todas as outras, como a relação deles dois.
Decidido a continuar com a sua mudança interna se afastou do rádio, sorrindo e escutando. Ela tinha bom gosto, era uma boa melodia.
Dirigiu-se ao banheiro em que ela havia acabado de se banhar. Com alguma sorte o cheiro dela já estaria se dissipando. Foi tirando as roupas e jogando-as pelo corredor, sem se importar de pegá-las ou de não escutar as broncas de Hermione assim que as visse.
Apoiou-se com as mãos na parede, inclinando a cabeça para frente. Seria a vida dele a partir de agora, depois desse banho ele seria outra pessoa. Não viveria de sofrimento e dor. Seria a pessoa por quem Hermione se apaixonara, porque sim, ele ia tê-la de volta. Ligou o chuveiro e deixou que a água caísse em suas costas antes de levantar a cabeça, fazendo com que a água molhasse seus cabelos extremamente ruivos por completo.
Fechou os olhos e se permitiu apenas em pensar no contato da água com a sua pele. Sentir.
~*~
Há muitos quilômetros dali, Hermione sentia também.
Sozinha em seu novo “quarto-casa” alugado, deitada na cama, encarava o rádio ligado com os olhos marejados. A música deles tocava, inabalável. Assim como o amor, que ela finalmente assumira para si mesma, que ainda sentia por ele.
Ele merecia o perdão dela. Por que fora tão rude? Tão fria? Alguém que ela definitivamente não conhecia? Por que quisera magoá-lo? Mesmo que ele tivesse feito o mesmo com ela por tanto tempo, não fora intencional. Ela fizera isso de propósito, querendo ferí-lo e, nesse momento, não podia estar se sentindo pior ao imaginá-lo, ainda na sala, com todo o sofrimento e culpa que só ele era capaz de sentir.
Que tipo de pessoa ela se tornara? Ela, que dissera tantas e tantas vezes para si mesma e até mesmo para Ron que a amizade deles continuaria, que ela precisava dele, que ele era vital para ela. Que tipo de pessoa que considera alguém tão importante pode fazer esse tipo de coisa? Ela fora horrível! Alguém que merecia o olhar mais frio de Ron, alguém que não deveria ser perdoada!
Mas, por mais que, na hora, tivesse agido pensando no que já sofrera, isso não servia como desculpa agora. Machucara alguém e sentira prazer por isso; machucara alguém que amava; machucara alguém que já sofrera muito na vida; machucara alguém que só tinha a ela naquele momento; machucara Ron.
E mesmo que toda sua razão a apontasse como culpada, como alguém que não merecia a menor atenção de Ron, ela tentaria. Deixaria de ser racional.
Ela merecia o amor de Ron, como ele merecia o dela. Ele merecia o perdão dela, assim como ela pediria o dele.
- Amanhã cedo. Amanhã... – sussurrou, ainda encarando o rádio enquanto ouvia as notas finais da música. Porque, diferentemente da música deles, aquele não era o fim.
If I could get
(Se eu pudesse ter)
Another chance, another walk, another dance with him
(Outra chance, outra caminhada, outra dança com ele)
I'd play a song that would never, ever end
(Eu tocaria uma música que nunca, jamais acabaria)
How I'd love, love, love
(Como eu amaria, amaria, amaria)
To dance with my father again
(Dançar com meu pai de novo)
***
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