Fix You.
Harry parou no último degrau das escadas observando a cena a sua frente. A cena dos Weasley reunidos para o café da manhã na mesa era agradavelmente familiar, visto que ele próprio já participara muitas vezes da cena.
Remexendo os pés, Harry hesitou em entrar na cozinha. Eles ainda não o haviam notado. Poderia voltar. Dar as costas e retornar ao quarto, fechar as cortinas e fingir que o mundo não existia.
Fingir que o mundo não havia acabado junto com eles...
Dando meia volta, Harry estava prestes a retornar para o quarto e se trancar de vez quando parou o movimento ao notar mais uma pessoa no topo da escada.
Hermione fitou o rapaz em silêncio. Dizer que estava surpresa com o fato de que ele saíra do quarto era pouco. Longe de ela ser presunçosa ao ponto de pensar que as palavras que dissera haviam surtido efeito ou mesmo sido consideradas pelo garoto. De fato, era mais provável que ele nem ao menos considerara o que ela havia dito.
Apesar...
Seria bom ser capaz de afetá-lo assim...
Harry ainda não havia movido o lugar. Ao que parecia, ele hesitava em entrar na cozinha. Hermione suspeitava que o garoto estivesse reunindo coragem para o feito enquanto observava a cena se desenrolar, convenientemente escondido, claro.
Sentindo a garganta contrair, Hermione captou a expressão desolada no rosto do garoto enquanto ele observava a cena. Isso mais que qualquer outro fato durante os últimos dias a impeliu em direção ao rapaz, buscando involuntariamente confortá-lo. Não podia evitar, percebia. Não mais.
Estranho, como alguém que há pouco tempo ela mal conhecia podia despertar nela instintos e impulsos tão fortes...
Hermione mal chegara ao degrau seguinte, quando num repelão, Harry voltou-se para ela, obviamente buscando retornar para o quarto.
Pego no ato.
Pensou Harry enquanto se preparava para a enxurrada de condolências, que sabia, estava prestes a vir. De todas as pessoas, realmente... Hermione observou-o, aparentemente esperando uma explicação, ou qualquer reação da parte dele. Mas Harry manteve-se calado. Não por falta do que dizer, realmente... Talvez um pouco. Mas principalmente pelo fato de que a noite anterior ainda estava fresca em sua memória.
Harry não tinha certeza do por que. O que ela havia falado não diferia muito do que Remus, ou Sirius haviam dito, na esperança de arrancar qualquer reação da parte dele. Mas o fato era que o que Ela disse o afetara muito mais. Talvez, porque ao contrário dos outros, ele não havia conseguido detectar nenhum resquício de pena ou receio no seu tom de voz na noite anterior.
E agora, Harry não podia deixar de se preparar para receber uma dose indesejada de piedade da menina. Ele tinha que sair dali, imediatamente. Por que... Ele não ia conseguir lidar com pena. Não dela.
Especialmente dela.
Mas ao invés, tudo que ele conseguiu identificar no olhar de Hermione foi surpresa. Surpresa e... Algo mais, algo que ele nunca havia percebido antes, pelo menos não nela. Algo que ele não conseguiu definir exatamente, mas que - estranhamente – fez com que ele se sentisse... Melhor.
De alguma forma.
- Você saiu. – comentou a menina, constatando o óbvio. E em outro momento, Harry muito provavelmente riria da condescendência dela. Mas ele não o fez. Silêncio se seguiu e ela continuou. – Que bom. Que você saiu, eu quero dizer. – e pausando, ciente de que estava divagando, repetiu – É bom ver você fora do quarto, Harry...
Como ele nada disse, mantendo os olhos fixos nela, continuou aproximando-se, ao passo que ele não se moveu:
- Eu estava descendo, pra tomar café... Você já comeu...? – mentalmente, Hermione retraiu-se à maneira com a qual estava tagarelando.
-Corre o rumor de que hoje tem panquecas... – tentou novamente, aproximando-se, agora de frente para o garoto que a fitava em silêncio. – Vamos, eu até deixo você ficar com a minha pasta de amendoim dessa vez.
Então, ela fez algo que, Harry notou surpreso, nunca havia feito antes. Segurou lhe uma das mãos na sua puxando-o em direção à cozinha.
- Eu sei... – replicou Sr. Weasley, no que parecia ser uma resposta cansada e repetida, julgando-se pelo seu tom de voz. – Eles vieram me procurar no escritório novamente, perguntando sobre Har...
- Bom dia. – falou Hermione ao entrar na cozinha. Num gesto automático, o homem replicou um “bom dia” sem erguer os olhos o jornal que estava lendo. Uma série de cumprimentos se fez ouvir na pequena cozinha, interpondo-se entre os barulhos de louças e talheres, típicos de uma refeição tranqüila. Até que uma segunda voz alcançou a mesa:
- Bom dia... - como de se esperar, silêncio seguiu-se às palavras. Harry pausou na porta, remexendo-se sobre os pés, seu olhar passou de relance por todos na mesa retangular. De Sra. Weasley, mais próxima dos dois, até o outro extremo, onde Sr. Weasley segurava um jornal nas mãos. Onde ele pode reconhecer seu rosto na primeira página, antes que o homem o recolhesse rapidamente.
Um impulso de retornar ao quarto tomou-lhe novamente. Hermione pareceu pressentir isso, pois firmou sua mão na dela, por precaução. Insistindo, Hermione levou-o até a cozinha, tentando ao máximo dispersar o desconforto da situação. Puxando uma cadeira, empurrou-o de leve ao lugar.
Meio a contragosto, meio aliviado, Harry sentou-se e fitou a comida posta na mesa. Sentiu o movimento a seu lado e sabia que Hermione havia sentado na cadeira seguinte. Entretanto, não ergueu os olhos, pois sabia também que todos os olhares na mesa se voltavam para ele, enquanto desejava simplesmente passar despercebido.
Aparentemente em sintonia com o que o rapaz estava pensando, Hermione estendeu a mão direita calmamente e em voz clara retrucou:
- Giny, me passa o suco, por favor? - isso pareceu acordar todos os outros a sua volta, que retornaram à sua comida murmurando “bom dia”s em retorno.
Aliviado, que a atenção havia sido desviada momentaneamente e agradecido pela tentativa - que ele sabia ter sido completamente voluntária - por parte de Hermione, Harry soltou uma expiração de alívio pela primeira vez desde que entrou na cozinha.
- É bom te ver de pé Harry. – erguendo os olhos, Harry fitou o amigo que se encontrava do outro lado da mesa, na sua frente.
- É bom estar de pé, Rony. – retrucou ao mesmo tempo em que Hermione apanhou duas panquecas e colocou no seu prato, seguido de uma quantidade generosa de pasta de amendoim. Captando o olhar que ele enviara – carregado de mal- disfarçada surpresa – retrucou, de súbito tornando-se arisca:
- É... Não vá se acostumando. – e voltando-se para o próprio prato, cuidou de por a própria comia, tentando esconder o corado que sabia, começava a surgir no rosto.
...
- Então ele desceu...? – questionou Sirius voltando-se para o amigo. Um misto de surpresa e alívio permeando-lhe a voz.
- Rony disse que ontem pela manhã os dois desceram para tomar café – comentou Lupin, os olhos fixos nos dois jovens que se ocupavam com os pratos do jantar na pia da cozinha.
Sirius voltou-se para a cena a alguns metros. Ambos, ele e Remus observavam a interação dos dois à distância.
- Simplesmente assim?
- Isso.
Sirius desconfiava que talvez não devesse ficar tão surpreso com o fato de que Hermione conseguira retirar Harry do quarto. Em verdade, era até de se esperar que ela conseguisse o que ninguém conseguira no final das contas.
Nem mesmo ele. – ponderou incapaz de conter a estranha sensação de perda.
- É bom vê-lo fora do quarto, pelo menos... – comentou Remus. Um período de silêncio se seguiu.
- Ele pediu que eu agente o levasse para ver os túmulos... – Remus fitou o amigo por um instante, ciente do tom cauteloso que permeara em sua voz. Ao que parecia, Sirius também não se encontrava disposto a retornar ao local tão cedo...
- Eu imaginei que ele iria... Eu só espero que nenhum repórter esteja vigiando o lugar. – aqui, adquirindo uma nota de irritação na voz, que foi interrompida ao ouvir algumas risadas vindas da cozinha...
Ela estava fazendo de novo.
Fazendo-o sorrir. Não que outros não tentassem fazê-lo. A verdade era que ultimamente, involuntariamente, sempre que a necessidade de sorrir de algo, ou alguém surgia, Harry cuidava para que o impulso fosse interrompido. Como se não lhe coubesse mais sorrir, não depois de tudo que acontecera.
Mas com Hermione, era diferente. O porquê ainda lhe fugia, mas o fato era que de alguma forma ela conseguia afastar as lembranças dos últimos dias da sua mente.
Ela nem é tão engraçada assim.
De fato, ela era possivelmente a pessoa mais séria que já conhecera... E ainda sim, com ela ele conseguia se sentir mais relaxado e tranqüilo do que sentira em qualquer outro momento nos últimos dias. Talvez porque, diferentemente de todos os outros na Toca, Hermione não o tratava como se ele estivesse prestes a ter um surto ou algo parecido. A sensação de normalidade que a atitude da garota passava era confortante. Ela fazia com que ele se sentisse... Melhor.
Algo, algo havia mudado na relação dos dois. Claro, Harry iria longe ao ponto de dizer que os dois eram amigos antes, mas não assim. Pois agora, Harry não podia deixar de notar a alteração que ocorrera. Que ia além da passagem de algo platônico para não-platônico... - apesar dos dois ainda não terem cruzado essa linha, não realmente, pelo menos - Era mais que isso, como... Como...
- O que? - perguntou Hermione após o momento de silêncio que se seguiu.
Ela havia dito algo, e ele sorrira, distraindo-o da cena que se desenrolava no quintal dos Weasley, onde um jogo de quadribol ocorria. O fato de que ele se recusara a participar não passou despercebido por Hermione, que se aproximara sentando-se ao lado dele.
Os dois se encontravam nos fundos da casa, sentados no primeiro degrau da pequena escada, os pés descalços no jardim mal-cuidado dos Weasley. Ela erguera os olhos esperando uma resposta do rapaz para encontrá-lo fitando-a com uma expressão diferente no rosto. Como se procurasse algo.
O olhar fez com que Hermione se mexesse desconfortável sob a análise do garoto. A intensidade do rapaz fazendo com que ela recordasse o fato de que ele realmente havia mudado. Como se de repente, ele houvesse crescido anos além do normal.
Ninguém da idade deles deveria ser capaz de tal feito...
- Rony, ele disse... Ele disse o que você fez... – comentou Harry, o olhar fixo no jogo a alguns metros. Hermione pausou por um momento, sua confusão foi clara, visto que ele meramente gesticulou para a testa da garota, afastando alguns cachos e apontando para o curativo que ainda jazia no local.
- Oh...! Certo.
- Eu ainda não agradeci pelo que você fez, então... Obrigado, quero dizer, você foi bastante, er... Inteligente...
- Não o suficiente. E você não precisa me agradecer ou qualquer coisa... Eu só... – uma pausa se seguiu, na qual ela pareceu ponderar as próximas palavras – Eu só quero que você saiba que se você quiser conversar... Eu vou, eu e Rony, nós...
- Eu sei. – respondeu Harry.
Sabia também que não iria até Rony para conversar. E essa constatação não lhe veio com muita surpresa, em verdade, sabia que apesar dele ser seu amigo simplesmente não se abriria assim com ele. De certo modo, apesar do pouco tempo de convivência, a idéia de ir até Hermione para conversar era mais agradável.
Um barulho de inspiração repentina soou ao seu lado fazendo-o voltar-se para a garota:
- O que?! – Harry se voltou alarmado para a garota, que mantinha o olhar fixo em um ponto aos seus pés.
- Harry. – chamou Hermione, uma mão correndo e firmando-se no seu antebraço, enquanto todo o seu corpo se enrijeceu fitando a cobra que se aproximara de seus pés movendo-se suave, aparentemente alheia ao nervosismo da garota.
Oh...
Erguendo-se, Harry ajudou Hermione a levantar-se. Obviamente apressada em afastar-se, Hermione tropeçou nos degrau e antes que Harry pudesse reagir, ela caiu sentada novamente no chão. O movimento repentino atiçou a cobra fazendo com que soltasse um sibilo e erguesse parte do corpo, mantendo-se no nível do olhar da garota que soltou um gemido involuntário.
Horas após o incidente, Harry ainda não seria capaz de relembrar bem o que se sucedeu nos segundos seguintes. Houve um grito, durante o qual Harry avançou em direção a cobra, com a clara intenção de impedir que o animal avançasse na amiga. Talvez ele tenha gritado algo, ou falado algo, não tinha certeza. Uma comoção, que notou vagamente vir do grupo reunido a alguns metros no campo improvisado dos Weasley.
Sua atenção, entretanto estava no animal, pois o mesmo parecia encará-lo. O que era...
Bizarro.
Certamente que ele estava imaginando coisas, pois o fato decorreu em apenas alguns segundos, após os quais o animal se afastou sibilando mais uma vez.
Harry piscou observando a cena ao seu redor e o que primeiro registrou foi o silêncio que se seguiu.
- Como você fez isso? – Giny foi a primeira a aproximar-se, confusão evidente no olhar. Harry fitou a garota por um momento, rebatendo o olhar com sua própria confusão. Fazer o que?
- Harry... – murmurou Rony, surpreso.
- Rony...?
- Wow...! – comentou Fred, enquanto George solou um assovio de admiração. Mas Harry continuou observando o amigo, que mantinha no rosto uma expressão num misto de receio e surpresa.
- Você nunca disse que era ofidioglota!- exclamou Fred excitado.
- Eu não sou! – rebateu Harry, de súbito na defensiva. Rony, notando a mudança no temperamento do amigo, tornou a repetir:
- Harry, você acabou de... – tateou ele num tom apaziguador.
- Não! Eu não...! – reiterou Harry elevando o tom de voz, antes de interromper-se.
Hermione observou o rapaz em silêncio. Ela própria debatendo consigo mesma a veracidade do ocorrido – apesar de ter presenciado tudo. Uma expressão fugaz de desespero tomou conta das feições de Harry enquanto seus olhos percorreram o grupo, descrentes.
Não podia culpá-lo por recusar-se a acreditar no que acabara de acontecer, não frente ao que isso poderia significar. Somente duas pessoas eram amplamente conhecidas como ofidioglotas. Salazar Sonserina, e seu herdeiro: Lord Voldemort.
E ao que parecia, essa mesma associação percorria a mente do garoto ao observar o grupo, deitando por fim o olhar em Hermione.
Harry fitou a garota por alguns instantes. Esperando, buscando por reafirmação, conforto... Algo, que – ele notou brevemente – andava fazendo bastante nos últimos dias. Recorrendo à garota para constância, ele queria que ela confirmasse que não. Não era possível que uma parte, qualquer parte do assassino de seus pais houvesse permanecido nele. A idéia era cruel demais para ser verdade.
Mas ao invés, ela manteve-se calada. Se em choque pelo ocorrido, ou pela expressão dele, Harry não soube dizer. Mas o fato era que o silêncio e a expressão de medo que passou pelo rosto da garota afetaram-lhe de uma maneira tal, que incapaz de sustentar o olhar da menina, focou-se novamente no grupo em silencio.
Giny aproximou-se ajudando Hermione a se erguer, ao passo que liberada a passagem, Harry rumou para a cozinha, buscando obviamente afastar-se do grupo. De pé, Hermione não pensou duas vezes em seguir o rapaz, sendo por sua vez seguida por Rony e todos os outros.
Sob uma atmosfera carregada, o grupo sentou-se na mesa da cozinha onde Harry se encontrava. Silêncio seguiu-se durante o qual Hermione observou o modo como Harry mantinha os olhos baixos e fixos nas próprias mãos. Franzindo a testa, estava prestes a comentar o qual desnecessária era a atitude do garoto quando George interrompeu-a. Com irreverência e estranhamente, uma ponta de inveja:
- Eu queria saber ofidioglossia... – o silêncio que se seguiu pareceu revestido de surpresa com o comentário tão displicente, especialmente consideradas as circunstâncias envoltas no ocorrido. Mas Fred captou facilmente ao raciocínio do irmão como - notou Hermione – acontecia freqüentemente entre os gêmeos...
- É... Você pode xingar Snape sem que ele saiba.
- Na aula.
- Bem na cara dele.
- Ele nem vai saber, já pensou? – concluiu George, um sorriso sonhador ganhando a face.
Hermione piscou algumas vezes antes de compreender o que os dois estavam dizendo de fato, no qual Harry meramente fitou os dois, obviamente sem saber se continuava a fechar-se miseravelmente ou sorria com a irreverência dos dois. Ao passo que Giny riu tentando em vão conter a gargalhada que subiu-lhe a voz, e Rony simplesmente acrescentou:
- Eu queria saber também... – murmurou o rapaz, obviamente imaginando a cena que os irmãos descreveram em sua mente e sorrindo ele próprio. Ao que Hermione resmungou em retorno:
- Honestamente! – disse incapaz de conter o instinto de jamais insultar um professor. Independente de ser Snape ou de ser em uma língua que obviamente ele não entenderia... Uma pausa se seguiu durante a qual Rony simplesmente acrescentou alheio à revolta da amiga que se encontrava ao seu lado:
- Eu podia xingar Malfoy, bem na cara dele! – aqui, Giny gargalhou e Fred e George também, acompanhados para a sua surpresa de Harry que sacudiu os ombros, contendo fracamente uma risada – para seu benefício, notou. Sentindo o franzido na testa aliviar Hermione reprimiu a vontade de reclamar frente ao insulto a alguém do corpo docente Hermione sorriu apesar dela própria, contente de ver o rapaz sorrir em público mais uma vez.
Hermione sendo Hermione, não poderia deixar passar batido, divagando após outros segundos:
- Claro que não se aprende ofidioglossia. Quero dizer, ou você nasce sabendo ou... – pausando, ao saber onde seu raciocínio desenfreado à levara, Hermione calou-se tomada de assalto por receio. A memória da primeira vez que entrara em contato com Harry, pouco tempo após o assassinato de seus pais retornando-lhe à memória. Seu alarme evidenciou-se no rosto, pois Giny perguntou quase que em seguida:
- O que?
- Eu... – tateou em busca de uma desculpa. Mas a necessidade de uma desculpa logo foi dispensada, pois Sra. Weasley entrou na cozinha e sem pestanejar comentou, já manejando algumas panelas que flutuando em direção ao fogão assentaram sozinhas.
- Oh! Vocês já estão aqui! – comentou com um sorriso e claro entusiasmo. – Eu vou precisar de ajuda com o jantar, claro! – acrescentou com um tom de ordem entremeando-se na voz. Escolhendo ignorar os resmungos coletivos que surgiram à mesa assim que professou essas palavras ela voltou-se para Hermione que se ergueu de repente:
- Sra. Weasley! E-eu vou só, er... Me lavar... Terra e tal... – disse acrescentando um gesto para os pés e mãos sujos de terra. Notando o tom pálido que recobria a face da garota, Sra. Weasley assentiu vagamente e tratou de ordenar o grupo na cozinha indicando uma série de tarefas.
Dando as costas ao aposento, Hermione seguiu às pressas em direção ao quarto. Falhando em notar o par de olhos verdes que acompanharam sua saída...
Sem pensar duas vezes Hermione entrou no quarto que dividia com Giny e apanhando um pedaço de pergaminho e a primeira pena que encontrou, tratou de começar a carta:
“Professor Dumbledore”...
Para a surpresa, ou talvez preocupação de Hermione, a resposta para a carta que enviara ao diretor não veio mais que um dia depois. Hermione não pode deixar de notar a urgência com a qual o homem respondeu aos seus comentários. E não só pelo pouco tempo que levou para tal resposta, mas pelo fato de, ao invés de enviar uma carta apaziguando os medos da garota, o próprio diretor apareceu na Toca.
O silêncio na mesa de café da manhã foi interrompido por três batidas de leve na porta da cozinha. Franzindo a testa, Sra. Weasley ergueu-se obviamente estranhando a visita inesperada. Reservando um olhar rápido para o marido ele respondeu simplesmente com um sacudir de ombros, dando a entender que ele também não esperava ninguém. Caminhando em direção à porta, um suspiro de surpresa se fez ouvir no aposento, alguns segundos depois, ela retornou com um sorriso no rosto e Albus Dumbledore logo atrás.
Sentada de costas para a porta da cozinha, Hermione identificou apenas os olhares surpresos à sua volta antes de apoiar-se no encosto da cadeira e espiar atrás de si.
Harry Potter observou o desenrolar da cena surpreso. Não se recordava de jamais ter visto Dumbledore fora de Hogwarts, talvez de passagem após, ou antes, alguma reunião da Ordem, em Grimmauld Place... Mas nunca em um ambiente tão... Doméstico.
A figura do diretor, alta e consideravelmente colorida sobressaia dentro da cozinha pequena dos Weasley. Passados alguns segundos, Harry não tinha certeza se deveria surpreender-se mais com o olhar cúmplice que o diretor lhe oferecera, com o fato dele estar ali de todo ou com as palavras de Sra. Weasley:
- Hermione, querida, Dumbledore gostaria de trocar algumas palavras com você. – e pousando uma das mãos no ombro da garota, fazendo com que ela se voltasse para p diretor e então para a mesa. E Harry se surpreendeu mais uma vez ao detectar uma pontada de culpa na expressão da menina.
Antes que pudesse questionar o motivo, porém, Hermione levantou-se e saiu seguida por Dumbledore em silêncio. Harry voltou-se para o amigo, sentado ao seu lado. Um franzido na testa e uma expressão pensativa se encontrava no seu rosto, enquanto observava a garota sair acompanhada do diretor.
Rony sabia que assim que se retirara da cozinha no dia anterior, Hermione enviara uma carta para o diretor contando o ocorrido. Essa era Hermione para você... Ela sempre tivera uma maneira incisiva e pró-ativa de lidar com as coisas. Quanto mais importantes, mais reativa a amiga era. E o fato de que ela entrara em contato com o diretor quase que imediatamente era não mais que um testamento ao quão preocupada ela estava com Harry. Claro, que ele suspeitava que o fato dela ter buscado o diretor sem consultar Harry primeiro não assentaria muito bem com o amigo. Que considerando a expressão de desagrado já tinha uma noção justa do acontecido...
- Talvez... – começou Dumbledore, num divagar que Hermione não ousaria interromper. – Um lugar mais confortável, sim... – concluiu ele fazendo menção para que a menina o seguisse e dando a volta por fora da casa, os dois acabaram próximos a uma garagem improvisada.
Abrindo uma porta de madeira à esquerda, ele a chamou e fechou a porta atrás de si. Escuro caiu sobre os dois, antes de o diretor erguer a própria varinha e murmurar:
- Lumus. - Hermione correu os olhos pelo entorno e concluiu que os dois se encontravam dentro de um armário, pequeno e entulhado. Ao passo que desta vez não pode deixar de comentar, de maneira óbvia:
- Nós estamos em um armário.
- Sim, Srta. Granger. Confortável, não? Além de privado, o que é extremamente importante, dado o motivo da mina visita... – Hermione ergueu uma sobrancelha à afirmativa do diretor.
- Eu suponho que o senhor recebeu a minha carta então...? – tateou Hermione, um tanto insegura.
- Sim eu recebi. E devo dizer que estou surpreso de você não ter pensado na possibilidade de uma carta como essa ser interceptada Hermione. Especialmente com tantos comensais ainda à solta. – sentindo o tom de reprimenda do diretor Hermione aquiesceu, mesmo que a utilização do seu primeiro nome tornasse o lembrete mais suave.
- Então... Senhor, eu... Certo. – pausando, Hermione respirou fundo procurando uma maneira de abordar o assunto com o homem que se encontrava na sua frente.
Aparentemente sentindo a dificuldade da garota, Dumbledore adiantou-se:
- Talvez, Srta. Granger seja melhor começar com o que aconteceu exatamente... – acenando afirmativamente com a cabeça, Hermione tratou de recontar o que aconteceu na tarde anterior. Um momento de silêncio seguiu-se após o qual ela ponderou, arrancando o diretor de seus pensamentos.
- Senhor? – Dumbledore fitou a menina que prosseguiu incerta. Não do seu raciocínio, mas da resposta, que temia haver uma grande possibilidade de ser positiva. – É possível que quando Voldemort... Quero dizer, quando Harry foi atingido... Talvez, é possível que talvez, algumas das habilidades de Voldemort tenham, sabe... Passado pra ele...? – tateou Hermione, a memória do incidente fresca na mente. Um momento de silêncio se seguiu durante o qual Dumbledore ponderou o comentário da garota:
- O que você acha? – ele disse após alguns segundos. Hermione ergueu o olhar e posicionando-se mais ereta sentiu a surpresa da pergunta atingi-la. Não era todo dia que alguém como Albus Dumbledore perguntava a sua opinião sobre algo.
- Eu, er... Eu acho que sim. – uma pausa se seguiu antes de Hermione continuar em seu raciocínio. – Mas pra que isso acontecesse, ele teria que estar... Quero dizer, Voldemort, ele teria que estar vivo... Certo?
- Sim... Ele teria não é...? – comentou o mago antes de pausar novamente, um ar sombrio tomando-lhe a face. E por um momento, Hermione considerou se o diretor não havia esquecido de que se encontrava em um armário velho com ela.
- Senhor...? – chamou Hermione novamente.
- Sim, Srta. Granger?
- Harry... Nós vamos ter que contar a ele, não é?
Hermione não queria contar. Bom, na verdade ela queria, ele merecia saber que havia uma grande probabilidade do assassino de seus pais ainda estar vivo. O que ela não queria, entretanto, era que ele se irritasse com o fato de que ela fora até o diretor sem consultá-lo primeiro. Era egoísta da parte dela, e até irracional, talvez... Mas ainda sim, ela não conseguia disfarçar a ansiedade de ver o diretor afastar-se com Harry para contar a ele as suspeitas que Hermione havia levantado, e que aparentemente eram as da Ordem da Fênix também...
E logo ela veio a descobrir que ela estava de fato certa. Pois assim que a conversa dos dois terminara, Harry seguiu para o quarto sem nem poupar-lhe um olhar sequer. E não falara com ela desde então.
Isso há quase um mês.
Não que ela estivesse contando.
Realmente, ele estava sendo infantil. E Hermione gostaria muito de acreditar - todas as vezes que tentara se convencer - que a frieza com a qual Harry a estava tratando não atingia tanto assim. Mas...
Realmente.
Atingia.
Afinal a intenção dela era de ajudar, certo? Pelo menos foi isso que ela disse a Rony, que sentindo o incômodo da amiga tentou desfazer a situação afirmando que ele entendia isso. Harry só estava sendo teimoso, e orgulhoso. Ele ia voltar atrás.
Certo. Mas ele não o fez, por um mês inteiro. E por isso, com um ar de impaciência e exasperação – e insegurança e vulnerabilidade – Hermione parou em frente à porta reunindo coragem para entrar, quando um baque soou do outro lado da porta. Esquecendo a hesitação, Hermione abriu a porta e entrou a passos largos no quarto, surpresa e preocupação evidentes no rosto.
- E-eu ouvi um barulho. – explicou ela antes mesmo de analisar a cena que havia interrompido. Alguns segundos passaram durante os quais ela fez exatamente isso. Tomando do espelho que se encontrava na parede oposta, o rachado que jazia visível no mesmo ao par de óculos quebrados jogado no chão, próximo à cama. – Harry...
Estava claro que ele tinha feito aquilo.
Dando alguns passos para trás, Harry sentou-se na cama e apoiando a cabeça entre as mãos, ignorou a explicação dela perguntando ao invés:
Ele não queria espiar, não foi a sua intenção. Mas ele ouviu um barulho, e ao que parecia, viera do quarto que dividia com Harry. Também sabia que muito provavelmente Hermione decidira conversar com o amigo. E considerando o quão mal-humorado e distante Harry estava nos últimos dias, era seguro dizer que os dois estavam brigando. De novo.
Então, Rony seguiu em direção ao quarto. Encontrando a porta aberta, pausou e prestes a entrar para interromper qualquer discussão, ouviu o amigo murmurar:
- Você estava com medo...? – isso fez com que ele parasse, não pela frase em si, mas pelo tom com o qual Harry falara. Certamente eles não estavam brigando. E algo lhe dizia que ele não deveria interromper. Talvez devesse ter ouvido Giny quando ela disse que ele não subisse atrás de Hermione. Mas ele não conseguiu evitar ficar parado ali. Observando a amiga de costas para ele, parada no meio do quarto, ela observando por sua vez o rapaz sentado na cama.
Era estranho, de um modo fascinante, entretanto... Ele sabia que não deveria ficar ali, mas não conseguia afastar os olhos. Tentando captar o significado que se encontrava nas entrelinhas, nos gestos nos olhares que os dois compartilhavam ultimamente, mas que só os dois conseguiam entender... Como se os dois se encontrassem em outro patamar, que ele jamais conseguiria atingir.
- Sim. – respondeu Hermione. E até Rony, que se encontrava a alguns metros do amigo notou o enrijecer do rapaz ao ouvir a resposta. - Mas não de você. E-eu só... Eu estava com medo, por você...
Como Harry não respondeu, mantendo ainda a cabeça baixa e os olhos fixos no chão, ela continuou:
- Você está certo. Eu deveria ter falado com você... Eu deveria... E-eu sinto muito. Harry...
- Certo... – retrucou, numa voz um tanto rouca para ser considerada normal. Decidindo aparentemente que era seguro aproximar-se, Hermione caminhou alguns passos abaixando-se em frente ao rapaz. Apanhando o óculos ela iniciou:
- Seu óc...
- Está quebrado. – constatou ele com mais firmeza.Hermione piscou algumas vezes antes de responder suavemente:
- Eu posso concertar...
- Pode mesmo? – a nota de desespero que permeou a sua voz naquele instante fez com que Rony segurasse a respiração por um momento, sentindo que estava invadindo um momento extremamente privado.
Hermione ergueu os olhos e encontrou os de Harry. Vermelhos e um tanto assustados.
E ela sabia que ele não estava falando de óculos, não mais.
- Reparo. – murmurou ela e erguendo as mãos pôs os óculos no rosto do rapaz, deixando que ambas as mãos pousassem em seu rosto após escorrerem pelos seus cabelos em uma carícia inconsciente.
Harry sentiu os olhos fecharem enquanto ela murmurava em retorno:
- Se você me deixar...
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