Revelação
Os agapantos que antes coloriam a entrada da casa de número quatro da Rua dos Alfeneiros já estavam sem vida. Petúnia Dursley havia relaxado quanto ao cuidado com o seu jardim, e por isso o lugar transmitia uma imagem desgastada. Harry acabara de chegar à casa de seus tios, aonde esperava passar o menor tempo possível, pois não agüentaria ficar mais tempo com eles que sempre o trataram mal.
Mas as coisas estavam muito estranhas naquela noite. Primeiro, tio Válter se dirigiu a ele com um “oi!” na estação. Depois, durante todo o trajeto até a casa, ele lançara ao nosso herói olhares que pareciam angustiados ou temerosos. Ao entrar na casa, essa impressão de dúvida aumentou, pois tia Petúnia estava um pouco agitada e se virou rapidamente assim que ouviu a porta da entrada bater. Viu-os quando passaram. Era exatamente quem ela estava esperando desde a saída de seu marido. Colocando um sorriso amarelo no rosto dirigiu-se aos recém chegados com uma frase, que Harry com certeza não entendeu.
- Ah, que bom que vocês chegaram. Estava nervosa. Andem logo comer alguma coisa!- com um gesto amplo indicou-os a cozinha.
Com receio, o bruxo moveu-se cautelosamente e olhando para todos os lados à procura de algo que pudesse lhe indicar o que estava acontecendo naquela casa, ou o motivo pelo qual estava todo mundo agindo daquela maneira tão bizarra. Entrou no aposento e ficou esperando que alguém lhe dissesse o que fazer agora ou que pelo menos fornecesse indícios do que aconteceu. Petúnia indicou uma das cadeiras de sua mesa, de maneira que ficasse possível vê-lo frontalmente. Harry também notou que a limpeza da casa estava como sempre o tranqüilizando um pouco quanto à sanidade de “sua” família, já que as plantas na entrada da casa não estavam em um bom estado.
Sentou-se e notou que sua tia colocava as mãos sobre o rosto, talvez para indicar que estava muito cansada. Tio Valter sentou-se em uma cadeira ao lado da esposa para poder ficar de frente para o garoto. Não contendo sua curiosidade o jovem falou.
- Alguém pode me explicar, por favor, o que está acontecendo nesta casa?- tinha um tom raivoso em sua voz.
- Harry, estou aqui porque resolvi depois de muito tempo contar a você como era minha vida antes de me envolver com Válter, como me relacionava com sua mãe e de como conheci Dumbledore. E quero dizer que estamos prontos para conversar e queremos ver o que se pode fazer, se deve interferir em alguma coisa. – Petúnia havia retirado suas mãos do rosto e falava com certa tristeza.
- Sinto muito, mas vocês não poderão falar mais com ele. Dumbledore morreu. - ao dizer isso uma pontada em seu peito mostrou que ainda era muito difícil falar sobre aquele assunto.
-Não! Isso não pode ter acontecido. Agora tudo está perdido. Perdemos ele. Não mais em quem eu possa confiar. – havia desespero na voz de Petúnia.
- Como foi que ele morreu? - falou pela primeira vez o seu tio desde a chegada da estação. – Mas como ele pode ter morrido? Petúnia, você não tinha dito que ele era o mais poderoso bruxo... - quando percebeu que tinha falado aquela palavra tão evitada por ele, levou imediatamente as mãos à boca.
- Snape.- ao dizer esse nome seu corpo se contraiu em um movimento de puro ódio. - Ele era meu professor, traiu Dumbledore. Está sendo caçado por todos. Os melhores aurores estão atrás dele e espero que o encontrem e o acabem matando.
- Está acontecendo tudo como antes. – balbuciou Petúnia.
- Como assim?- questionou Harry - Do que você sabe da última vez?
- Ah, chegamos ao ponto em que tenho que revelar algo a você. Tenho que retirar esse peso de cima de minhas costas.
- Então pode começar. Não estou com paciência para ficar mais tempo aqui, me sinto cansado. A viagem foi bastante longa e não estou com vontade de ouvir historinhas.
- Veja como fala conosco, seu moleque. – tio Valter se descontrolou e falou como sempre com Harry. Raiva e desprezo eram somados a voz dele. – Estamos aqui para tentar ajudá-lo a entender o que se passou em seu passado e você nos agradece dessa forma. Deveria não ter seguido os conselhos que minha esposa me deu de ser agradável com você. Você deveria morrer sem saber do que ela tem para lhe contar, garoto.
- Não faço questão de saber do que ela tem para falar. Deve ser inútil para mim. Acho que estou perdendo tempo aqui com vocês. E não precisava ser “agradável”, não sinto falta disso. - respondeu no mesmo tom.
- Mesmo você não se importando, vai ter que me ouvir. O que tenho para falar é muito sério e depois da morte de Dumbledore se tornou mais urgente.
Tio Valter, mesmo bufando feito um touro raivoso pelo resposta do garoto, resolveu calar-se afim de terminar aquele tormento o mais rápido possível e deixou que a esposa conduzisse a conversa. Petúnia levou novamente as mãos ao rosto demonstrando cansaço. Harry não sentia pena, queria apenas ir embora daquela cozinha e ficar o mais longe possível daquela família. Olhou para o teto tentando passar uma idéia de desprezo pela situação, enquanto sua tia não começava a falar.
Petúnia respirou fundo e iniciou o que para ela era o momento mais difícil de sua vida: revelar todos os seus segredos para alguém que ela sempre aparentava querer se manter longe.
- Harry, o que vou lhe dizer é algo que pode mudar toda sua vida e por isso peço que apenas me ouça e saiba que é difícil para mim tudo isso.
Com um aceno ele confirmou. Pela sua cabeça passavam milhões de hipóteses do que poderia ser o assunto ao qual ela se referia e porque citara sua mãe. “Será que ela estaria delirando depois do último verão?”, pensou Harry. Demorando-se um pouco na fisionomia cansada e apreensiva de sua tia, notou que ela lhe encarava. Válter fazia questão de demonstrar repugnância pela conversa, mas nada podia fazer, já que sua mulher havia lhe pedido para que deixasse esse debate ocorrer.
- Harry, vou começar pela sua mãe. Se você não se importar... É mais fácil.
- O que você tem pra falar dela? Veja bem o que vai fazer. Não me responsabilizarei por meus atos. Basta apenas uma provocação e você verá o quanto estou falando sério.
- Garoto petulante. Você merece morrer. Aquele cara que vive te caçando deveria te pegar e te ensinar o que é bom. Devíamos ter impedido sua volta, deveria ficar sem aquela proteção que por nossa causa ainda se mantém. – Válter vociferou, mas Harry pouco se importou com tal atitude.
- Pode começar por onde quiser, quero apenas que você seja breve.
- Ok.Tentarei ser a mais breve possível. Preste bem atenção. Antes de me casar com Valter, eu morava com Lílian em um povoado perto de Londres. Ela estava namorando seu pai. Eram um casal feliz e não desgrudavam um do outro por nada. Só que os tempos começaram a mudar. Voldemort começou a aterrorizar o mundo bruxo. – Petúnia fez uma pausa e olhou de esguelha para seu marido ao seu lado, que retribuiu seu olhar. Parecia brincadeira para Harry. Estava ali sentado diante das pessoas mais estranhas, que durante um bom tempo se negavam a falar até a palavra bruxo, e agora se via ali falando do bruxo mais temido do mundo sem ao menos arrepiar-se. Sua tia continuou. – Sua mãe resolveu juntamente com seu pai se alistarem em uma sociedade que estava combatendo os Comensais da Morte.
- A Ordem da Fênix! – interrompeu Harry, e aproveitando o momento perguntou. – Como você sabia dos Comensais?
- Sua mãe falava muito neles. Eles estavam matando as pessoas. Um dia ouvi uma conversa dela e de seu pai falando de um casal amigo que havia sido torturado. Parece-me que os criminosos haviam sido pegos pouco tempo depois. Comecei a me assustar com aquilo. Dumbledore freqüentava muito a casa deles. Foi assim que o conheci. Passamos a nos falar e com o tempo fiquei convencida de ele era sim o maior bruxo de todos os tempos, diferente de qualquer um. Seu pai o tinha em grande alto-estima.
- Dumbledore freqüentava minha casa?
- Sim. E nessas visitas conversávamos muito, sobre tudo, em especial o que estava acontecendo. Falei-lhe sobre meu medo e ele me aconselhou a ir embora e seguir meu caminho, mas nunca abandonar Lílian. – lagrimas caiam do rosto ossudo de tia Petúnia, e pela segunda vez na vida Harry pode apreciar o fato de ela ser irmã de sua mãe. Ela recuperou-se e continuou a conversa. – Mas falhei em tudo na minha vida. Meses depois de deixar a casa dos seus pais conheci Valter, apaixonei-me e decidi esquecer aqueles momentos em que vivi com sua mãe. Não porque a odiasse, mas por medo de perder tudo que tinha conseguido até aquele momento, no caso meu marido. A guerra estava aberta e todo dia morriam pessoas sem motivo aparente. Durante esse período de terror, engravidei e recebi notícias de que ela também estava em estado de graça. Pouco tempo depois fiquei sabendo de um convite do casal para que eu fosse ser madrinha do filho deles, mas meu cônjuge não ia gostar de eu voltar a ter relações com minha irmã. Harry, você não imagina o quanto sofri por isso. Acabei sabendo que ela resolvera não colocar ninguém em meu lugar e é por isso que você não tem uma madrinha. Depois disso, só vim ter notícias dela quanto você veio parar em nossa porta. Foi muito triste ficar tanto tempo longe de Lílian, sem ter notícias dela e, quando finalmente recebi alguma, foi logo a de sua morte. E evitei você porque eu não tinha coragem de fitar seus olhos sabendo de tudo que ocorrera.
- Mas porque você só está me dizendo isso agora?
- Porque sempre fui covarde. Essa é que é a verdade. Perdoe-me, por favor!
O garoto não respondeu nada de imediato apenas falou em um tom sério.
- Quero saber primeiro como e o motivo pelo qual você se correspondia com Alvo Dumbledore. Soube daquela carta que ele mandou a você no meu quinto ano. O que ela significava?
- Está bem. Na carta em que ele nos deixou há dezesseis anos, ele dizia que você era especial e que teríamos de acolhê-lo para que se pudesse finalizar uma magia que ele lançou sobre nós. Também estava escrito que jamais poderíamos abandoná-lo, apesar do que acontecesse. Quando você e Duda foram atacados ficamos com os nervos a flor da pele e acabamos esquecendo que se nós o expulsássemos o feitiço que nos protegia acabaria.
- Nós? Como assim? Ele disse a mim que a magia me protegia e que eu tinha de vir para cá para me manter vivo. Não me lembro de ele ter dito nada relacionado a vocês.
- Harry, desde o começo já sabíamos que essa proteção que ele lançara não era destinada só a você. Aquela carta que recebi apenas serviu para me recordar do que estava escrito na primeira. Lembra-se quando ele mencionou que você estaria a salvo conosco enquanto pudesse chamar essa casa de sua? Há muito eu já sabia que você não chamava está residência de “sua” e então nos perguntamos. Porque o feitiço não se quebrou?...
- Você sabe as respostas? – interrupção.
- Sim. Na mesma carta que ele deixou em nossa porta estava tudo explicado. Não só você estaria a salvo, mas também livrava-nos do mal que cerca o seu mundo.
- Deixe-me ver aquela carta. Você ainda a tem guardada?- perguntou um Harry angustiado.
- Aquela carta já não existe mais. Queimei-a ainda quando você era pequeno, para que não pudesse saber a verdade.
- Você está mentindo! Ele me contaria isso!- replicou o menino.
- Ele não disse a você por um simples motivo. Tinha medo de que aquilo interferisse em sua personalidade e se mudasse daqui nos privando dessa proteção.
Analisando a situação e percebendo que havia sinceridade nas palavras e nos olhos de sua tia, o rapaz enfim cedeu às frases ditas por ela. Mas continuou pensando. “Se tudo aquilo fosse verdade, então ao final daquele mês quando ele se tornasse maior a proteção que servia tanto para ele quanto para seus parentes estaria no fim”. Aquilo era muito para sua cabeça. Ontem, Dumbledore havia sido enterrado e em vinte quatro horas mais uma bomba estourara em cima dele. Agora sua missão tornava-se maior, mais complexa. Precisava contar aos seus amigos o que ouvira e com eles talvez pudesse chegar a uma conclusão.
- Tudo que você disse é muito para mim. Preciso de um tempo para assimilar as coisas, OK? Vou para o meu quarto. Depois conversaremos. – e, virando as costas para seus tios, ia subindo as escadas que levavam ao seu quarto, mas antes disse - Ah, e quanto ao perdão, pode ficar tranqüila, aceito suas desculpas.
Sua tia parecia ter entrado em estado de êxtase e correu para lhe abraçar. Aquilo era estranho. Ela chorava em seu ombro, mas ele não a abraçou, pois perdoar é uma coisa, mas confraternizar é outra. Talvez aquilo representasse bem o que Dumbledore lhe disse uma vez quando conversavam sobre Sirius e Snape: “feridas profundas são difíceis de serem apagadas”. Com essas palavras na cabeça virou-se e saiu para o hall que levava até a escada.
Subiu e entrou em seu quarto, que antes pertencera a Duda, mas agora não havia nada ali que mostrasse que aquele quarto anteriormente houvesse pertencido à outra pessoa. Em uma gaiola em cima de uma mesa piava baixinho uma coruja muito branca e que eriçou seus pêlos ao ver seu dono entrar no quarto.
- Edwiges, preciso de seus favores. – e correu para pegar pergaminho e tinta para escrever aos amigos Rony e Hermione.
Harry escreveu rapidamente duas mensagens e entregou-as à bela ave para esta fazer o que sabia melhor. A linda coruja entendeu o recado e com um piado carinhoso saiu noite afora, deixando Harry sozinho em seu quarto.
O garoto estava absorto em seus pensamentos quando um barulho na rua chamou sua atenção. Olhou pela janela e viu, no meio da noite escura e bem em frente à casa de seus tios, um estranho vulto. Sentiu imediatamente seu coração acelerar forte contra o peito. Forçou os olhos pra enxergar melhor e percebeu, temeroso, que parecia um homem alto e encapuzado. “Quem será aquela pessoa?”, “Estaria ali a mando da Ordem?”, “Será possível que seja Voldemort?”. E, antes mesmo que ele pudesse gritar ou perguntar qualquer coisa, o barulho de seus tios, que vinham subindo as escadas para seus aposentos entretidos em uma conversa, o distraiu.
Quando se voltou para a calçada defronte da casa, notou que o vulto sumira. O garoto deitou-se em sua cama com as dúvidas ainda frescas. Porém, em pouco tempo já estava sonolento. Devido ao cansaço e às muitas revelações daquela dia, ele rapidamente pegou no sono.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!