Dívida
Hermione estava imobilizada por um desconhecido numa sala secreta de um castelo completamente vazio. Era só nisso que conseguia pensar. Tinha a impressão de que estava sonhando, não fosse pela terrível sensação que aquela mão gelada e áspera provocava no contato com sua boca.
Ela viu a sombra de uma leve luz refletir na parede e constatou que uma corda agora prendia seus braços atrás do próprio corpo. O estranho tirou a mão de seu rosto, mas ela continuou muda. Ele então a virou bruscamente e os dois encararam-se com a mesma intensidade e ódio no olhar.
- Você!
A garota estava realmente chocada. Poderia esperar a “visita” de qualquer um a Hogwarts, menos daquele que agora estava na sua frente, olhando para ela de um jeito que deixava claro que seus pensamentos eram assassinos. Severo Snape não disse nada em resposta à surpresa da menina.
- O que você está fazendo aqui?
Essa foi a primeira pergunta que veio à boca da garota, apesar de não ser a mais plausível. Tinha outras coisas para dizer a ele, coisas que ele não ia gostar nada de ouvir.
- Como foi que entrou no castelo? Como teve coragem de voltar?
Ele continuou agindo como se não houvesse mais ninguém ali. Sentou-se num velho barril próximo à alguns caixotes no canto e colocou a mão sobre o peito. Suas vestes estavam encharcadas de sangue nessa região. Ele levantou-se novamente e tirou a parte de cima delas, revelando um corpo forte e definido, porém marcado pelos anos de guerra com várias cicatrizes. O ferimento em seu peito estava muito feio; era um corte enorme que vinha do ombro até sua cintura.
Hermione observava aquela cena sentindo-se confusa. A raiva que estava sentindo de encontrar o assassino de Dumbledore sob o teto do local que o diretor mais amava foi sendo substituída por uma espécie de apreensão, talvez até... pena.
Snape mantinha-se sério apesar da dor que sentia. Seu sangue escorria abertamente, formando uma pequena poça no chão. Tudo começou a ficar turvo, seu corpo estava pesado e começava a perder o equilíbrio. Lançou um último olhar a Hermione antes de cair com um estrondo seco no chão.
- Snape!
O homem não respondeu ao seu chamado. Pelo estado em que ele estava, ela não acreditava que aquilo poderia ser algum tipo de fingimento, mas continuou cautelosa. Entretanto, a agonia de ver aquele homem caído na sua frente fez com que ela fosse até um dos caixotes do canto da sala, onde havia um prego saliente e afiado no qual começou a tentar cortar a corda que amarrava seus pulsos.
Logo teve sucesso nessa missão, afinal o feitiço de Snape não fora muito potente devido ao seu estado deplorável. Ela pegou sua varinha e correu em direção ao ex-professor, abaixando-se para estudar com cautela seu machucado. Apesar de não ter muita experiência em curar feridas, principalmente as causadas por feitiços avançados, ela colocou todos seus esforços naquilo. Fez alguns feitiços que conhecia para estancar o sangramento e conseguiu fazer o corte fechar-se um pouco, mas não passou disso.
- Ferula!
Ataduras brancas envolveram todo o tórax de Snape, que continuava desacordado. Hermione pegou alguns trapos que estavam largados naquele porão e colocou-os sob a cabeça de Snape.
Olhou para o homem com pena mais uma vez, mas logo sacudiu a cabeça e levantou-se, sentado num caixote. Não conseguia parar aquela confusão que acontecia em sua cabeça. Snape tinha assassinado Dumbledore a sangue frio; ele era um Comensal da Morte que trabalhava para Lorde Voldemort e ela tinha salvo sua vida sem saber exatamente o porquê.
Encostou sua cabeça na parede e suspirou. Acreditando que iria entender tudo aquilo melhor quando suas perguntas fossem respondidas, ela adormeceu.
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Hermione acordou sem saber quando tempo tinha se passado desde que pegara no sono. Seu pescoço estava duro devido à posição em que tinha passado as últimas horas. Voltando à consciência, percebeu que alguns grunhidos vinham do local onde deixara Snape pela última vez.
Ela levantou-se e foi até o homem. Ele permanecia com os olhos fechados, mas estava tentando falar alguma coisa, soltando grunhidos e murmúrios. Hermione constatou que ele estava delirando e provavelmente tinha febre. Cautelosamente, mordeu o lábio inferior e colocou sua mão gentilmente sobre a testa de Snape. O contato com a pele dele fez com que alguns pensamentos confusos voltassem à sua mente, mas estes logo foram apagados pela preocupação quando ela percebeu que ele estava ardendo em febre.
Correu até a cozinha deserta no andar de cima e pegou uma bacia com água e um pano. Mergulhou o pano na água após deixá-la morna e começou a fazer constantes compressas sobre a cabeça de Snape, sempre observando-o com a mesma expressão preocupada. Sabia que ele era um assassino, sabia que ele era um Comensal, mas também sabia que não teria coragem de deixar aquele homem morrer.
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Após dois dias de vigília no velho armazém, Hermione ficava cada vez mais apreensiva quando ao estado do mestre de poções. A febre tinha passado, mas ele continuava inconsciente.
No quarto dia, ela fazia a costumeira compressa olhando-o intensamente, na eterna esperança de que ele abrisse os olhos. Espantosamente, seu desejo se realizou.
Snape acordou com a cabeça latejando e fez grande esforço para abrir os olhos, mas imediatamente se deu conta de que tinha valido a pena, pois enxergou um anjo. Pelo menos foi isso que ele pensou quando a figura de Hermione pairou desfocada diante de seus olhos.
- Ahn... Você está bem?
Quando ouviu essas palavras, ele começou a voltar à si. Um turbilhão de lembranças inundou sua mente, fazendo com que ele lembrasse do que tinha acontecido até encontrar Hermione em seu esconderijo, o que com certeza era a mais chocante de todas suas memórias recentes. Olhou para ela com os olhos espremidos para ter certeza de que se tratava mesmo dela, então logo retomou a expressão sisuda costumeira.
- O que... O que você está fazendo aqui? – perguntou.
Hermione bufou, inconformada. Cruzou os braços e ficou olhando para Snape incrédula.
- Essa é minha pergunta.
Ele franziu a testa e virou a cabeça para os dois lados. Tentou se erguer, mas não tinha forças para isso e caiu novamente onde estava. Hermione o ajudou a voltar para sua posição inicial.
- O que aconteceu? – perguntou Snape.
- Não sei ao certo... – respondeu Hermione, pensativa. – Eu estava andando pelos corredores quando ouvi um barulho e, quando dei por mim, estava aqui. De repente você apareceu e me imobilizou, mas logo desmaiou.
Snape ouvia tudo de olhos fechados, tentando se lembrar. As imagens daquele dia vinham com muita dificuldade, afinal tinha passado por muita coisa na ocasião. Voltou a fitar Hermione com alguma curiosidade.
- Por que você não fugiu?
A garota ficou paralisada, olhando perdidamente para Snape. Ela realmente não estava esperando essa pergunta, até porque não tinha conseguido pensar numa resposta para ela mesma, quanto mais para dizer a ele.
- Não ia deixar você aqui sozinho à beira da morte.
Ele também parou de tentar se mover. Não esperava compaixão de ninguém, muito menos dela. Enfim, começou a sentir algo que não o agradou nem um pouco: gratidão.
- Não entendo. Você tinha todos motivos do mundo para me deixar morrer.
Hermione balançou a cabeça negativamente, agora furiosa.
- Acontece que eu não sou uma assassina.
Ela se ajoelhou, pronta para levantar. Snape segurou seu braço com força, então os dois se encararam furiosamente. Depois de alguns segundos assim, ele finalmente deixou-a partir, mas não sem antes dizer algo que raramente tinha dito em toda sua vida.
- Obrigado.
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