O Senhor do Caos
- Fujam! – gritou Thiago, disparando um feitiço contra o que parecia ser uma lacraia gigante.
O monstro deveria ter uns 12 metros de comprimento por 3 de altura, pelo menos umas cem pernas, pelos que os garotos puderam contar, e vinha se rastejando pelo corredor do dormitório masculino, e atravessando pelas paredes de um quarto a outro.
BROOOOOOOOOOOOOOUUUUU!
A cada rosnado Palas inteira parecia estremecer. Vitor vinha logo atrás de Thiago, que tentava atingir os olhos da “lacraia”, açoitado por um grupo de vermes-minhocas que subiam pelo seu corpo e por mais que ele lutasse parecia ter sempre mais.
Silvano já estava desistindo.
- Que droga! Acho que essas merdas não acabam. – disse ele puxando uma das coisinhas que tentava entrar pelo olho esquerdo de Vítor.
O monstro lacraia parou. Os alunos continuaram avançando para fora do dormitório. A criatura descia e subia sua cabeça lentamente, observando atentamente o movimento de cada um. Seus olhos lacrimejavam um liquido robusto e amarelo-escuro.
- Ouviram isso? – disse um quintanista quando o silêncio parcial se abateu.
- Ouvimos o quê? – indagou outro apavorado.
Um outro monstro-lacraia emergiu por de trás deles derrubando parte da parede do quarto do segundo ano. O que parecia ser o braço de um inspetor saiu voando por cima dos alunos.
- Estamos cercados! – gritou Thiago.
- Se você não me dissesse... – alvejou Silvano irritado.
Os vermes começavam a abrir espaço pela boca de Vítor que não agüento mais e caiu no chão enquanto eles o penetravam por todo o corpo. Ele se contorcia, enquanto as pessoas próxima a ele iam se afastando lentamente para não serem pegos pelos vermes que escorriam dele pelo chão.
Silvano se adiantou para puxar Vítor do chão no mesmo instante que as lacrais avançaram para o grupo de garotos e não teve mais jeito. Na confusão ele foi impelido para direção contraria, e o pouco que viu de Vítor foi que estava sendo fortemente pisoteado.
- Vítor... Eles vão matá-lo... – choramingo ele, quando Thiago puxou seu braço.
- Vão nos matar se pararmos... ABAIXA!
A cabeça de uma das lacraias se jogou contra eles como uma foice e várias pessoas foram lançadas contra os destroços dos quartos. Uma parte das grandes pedras que formavam as paredes de Palas rolou e pulou sobre o braço de Thiago que se partiu num estalo.
- Meu braço! – rugiu ele.
- Que foi? – gritou Silvano que olhava pra direção onde estivera Vítor.
- Está quebrado, merda!
- Que porra.
Um zumbido alto ecoou pelo corredor destruído e centenas de milhares de ratos surgiram de todas as partes. Um rato negro com olhos retumbantemente vermelhos pulou para Thiago e prendeu seus dentes sujos e imensos no rasgo de seu braço que sangrava.
Thiago recuou pra trás gritando.
Silvano tropeçou numa das muitas pernas que corriam de um lado a outro e caiu no chão sentindo uma de suas costelas rachar. A multidão se afastou para a direção oposta dos dois e eles ficaram a mercê das lacraias gigantes.
Thiago puxou o rato que tinha os dentes cravados em sua carne e tacou contra o mar de pedregulhos ao seu redor rachando-lhe a cabeça.
- Silvano, você está bem? – gritou Thiago, que só conseguia ver uma ponta da cabeça do amigo, os seus rasteiros cabelos negros e crespos.
As lacraias tornaram a parar. A atenção delas se removeu de todos os alunos para apenas Silvano e Thiago que haviam ficado destacados. Para que se arriscar com todos se aqueles dois humanos estavam solitários, muito solitários, pensavam elas.
Os outros alunos aproveitando a distração dos dois monstros fugiram.
- Estamos ferrados, cara. – choramingo Silvano, se aproximando de Thiago lentamente.
- Perdi a minha varinha... – lamentou Thiago, olhando seu braço machucado.
- Eu também perdi a minha.
- De toda forma, hoje é um dia tão bom para morrer como qualquer outro.
Silvano encarou Thiago incrédulo, e em desespero.
- Eu não quero morrer droga! – gritou ele. – Eu não quero morrer.
As duas horrendas cabeças das lacraias, com olhos amarelos e espumantes, mergulharam contra eles.
- EU NÃO QUERO MORRER! – gritou Silvano chorando, e urinando.
Thiago viu a cena das lacraias se aproximando apagar, e então reaparecer de novo. Estava perdendo muito sangue e não agüentaria ficar muito tempo acordado.
- Um dia como qualquer outro... – murmurou ele. – Meu pai me disse isso...
Silvano apertava o peito enquanto as lagrimas e a urina lhe escorriam conforme as duas criaturas se aproximaram. Já podia sentir o toque daqueles corpos nojentos e repugnantes, sentir a imensa dor que logo cessaria. Pois tudo cessaria. Não haveria um outro dia para eles...
E então as lacraias pararam, com seus monstruosos rostos a um metro deles.
Uma firme desceu sobre o ombro de Thiago e o puxou do chão. Logo a mesma mão puxou Silvano. Uma espécie de esporos esverdeados vagava entorno das lacraias, paralisando-as.
- Estão bem? – disse uma voz rouca. Embora não demonstrasse preocupação alguma.
- Acho que sim. – respondeu Thiago sem olhar para seu “salvador”. Achou a voz familiar, mas a principio não a reconheceu.
Foi quando o desconhecido salvador se inclinou para frente para lançar o próximo feitiço que Thiago viu quem ele era. Não soube se sentia chateado ou muito chateado ao ver Felipe Blackheart ali, o ajudando.
Justamente Felipe, a pessoa que ele mais odiava, estava ali quando todos haviam fugido.
- Quando eu disser “já”, corram em direção ao dormitório das meninas e não parem por nada. – ordenou Blackheart. Thiago notou que ele parecia muito confortável nessa posição de comando.
E se não fosse a gravidade da situação poderia jurar que ele se divertia.
“JÁ!”
Nem Thiago, nem Silvano, olharam para ver o que aconteceu. Houve um estrondo forte, por dois segundos o corredor morreu num clarão de luz intensa no qual na se via nada. Thiago caiu duas vezes, ralando o joelho, se ergueu e continuou a correr, sem dar uma única olhadela no que poderia ter ocorrido a Blackheart e as lacraias.
Quando parou de correr já estava diante do destruído dormitório feminino. Thiago engoliu em seco pensando em Ana. Ana, sua prima, poderia estar morta.
Silvano deu um salto quando seus pés tocaram uma gigantesca poça de sangue que saia dos escombros do dormitório feminino...
Liana conseguiu puxar Felícia da cama um segundo antes que metade do quarto delas desabasse com a passagem da segunda lacraia. As duas ficaram comprimidas a um espaço de 300m² sem qualquer chance de saída. A janela, que seria a única alternativa, havia sido atravessada por uma viga.
E o teto sobre elas não parecia firme.
- Eu vi... – disse Felícia tremendo. – Eu vi a Beatriz Cunha ser esmagada contra cama... Vi o seu braço dentro dos destroços...
- Acho que muita gente morreu. – disse Liana chorando. – Será que o Arthur está bem?
- Como vou saber? – retrucou Felícia nervosa. – Eu não vi a Ana Rivers. Ela fica a duas camas de mim... Será que ela...
- Não sei... Algumas garotas saíram dos escombros antes. Eu fui acordada por um enxame de aranhas, quase morri do coração. Não sei como elas não avançaram sobre você também.
Outras dez ou doze garotas estavam recolhidas junto com Felícia e Liana, uma extremamente ferida. Sua cabeça pendia num mar de sangue.
- Eu só queria saber o que aconteceu ao Arthur e os outros. – disse Liana inutilmente enxugando as lágrimas. – Acho que... Você acha que o...
- Arthur abriu a Sala do Infinito? - Felícia se sentou ao lado de Liana e a abraçou. – Acho!
- Pobre, Arthur. – lamentou Liana. – Acho que ele não agüentava mais tal do Leto... precisava destruir o amuleto...
Felícia pigarreou.
- Ou não conseguiu mais controlar seu impulso de tê-lo. – discordou ela.
Liana a encarou abismada.
Os dois olhavam sem saber o que dizer a cena fúnebre do dormitório feminino. Não se ouvia gritos, choros, rugidos, vozes... Não se ouvia nada. Nada.
Talvez elas estivessem dormindo ainda quando aquela coisa arrasou o dormitório, pensou Thiago sentindo seus olhos lacrimejarem. Liana também devia estar morta, Liana e Ana deveriam ter morrido e ele não pudera fazer nada por elas.
Foi então que Blackheart surgiu pelo corredor desmoronado, mancando, com a varinha lascada. Sua estranha confiança morreu momentaneamente quando ele se deparou com a visão pavorosa do dormitório feminino em ruínas.
- Ana... – murmurou desolado.
Por alguns minutos os três garotos apenas se olharam, desanimados, incrédulos. Como toda aquela tragédia poderia ter ocorrido.
- Arthur... – murmurou Felipe com uma voz distante da sua. – Foi aquele maldito moleque que fez isso, eu... EU VOU MATÁ-LO!
Thiago e Silvano se entreolharam. Não haviam visto Arthur na confusão e depois de tudo que vinha ocorrendo...
- O Arthur não seria burro de ir aquela sala, ele sabia que... – tentou Thiago inutilmente esclarecer as coisas.
- EU SEI QUE FOI ELE! – bradou Felipe.
Felipe se impeliu decidido para o dormitório destruído.
- Aonde você vai? – perguntou Thiago preocupado.
Felipe lhe encarou. Pela primeira vez Thiago notou o que pareciam ser lagrimas no rosto de Blackheart.
- Vou procurar Ana. Ela deve estar por algum lugar por aqui.
- Mas ela não pode...
- Não me importa se ela pode ou não.
Blackheart se embrenhou entre os destroços inseguros sem dar mais atenção a Thiago e Silvano.
O lobisomem espreitava por de trás da cortina, firme, nítido e agressivo. Seus dentes amarelos e enormes sorriam para Jorge Virgilius. Como um presságio. A lua resplandecia como um círculo azulado preso no imenso pano negro do universo.
A criatura avanço e Virgilius firmou sua varinha em punho.
- Nem pense nisso, seu desgraçado! – disse o homem rindo.
O lobisomem ergueu suas estranhas orelhas confuso.
- Sei muito bem o que é você... – repetiu Virgilius. Seus olhos brilhando malevolamente, e se tornando dilatados e anormalmente grandes.
Sua varinha resplandeceu um brilho frio na ponta, como uma fagulha. E logo disparou conta o falso Lobisomem.
Ana se levantou do chão lodoso, sentindo seu rosto fumegar pelo golpe que recebera de Arthur. Estaria morrendo de raiva e ódio dele se algo mais importante não estivesse consumindo toda a sua atenção agora.
Um homem alto, magro e de cabelos castanhos caídos até pouco abaixo do ombro se encontrava ali, fluindo de dentro de um estranho pilar de luz, que se estendia até onde a vista podia enxergar.
Arthur jazia no chão, pouco à frente do homem, desnorteado. Ana pensou que ele parecia só ter se dado conta de onde estava agora. Talvez ele não tivesse feito nada daquilo...
- Arthur Mortense. – disse Leto lentamente, mirando o garoto com seus olhos maldosos. – Meu jovem e querido sobrinho.
- Eu não sou seu sobrinho. – arriscou Arthur sem pensar nas conseqüências futuras.
Leto soltou uma gargalhada estridente.
- Você é como eu sempre pensei que você seria. – disse Leto. – Forte, destemido, inteligente e... parecido comigo.
- Eu não me pareço com você! – discordou Arthur mais uma vez. – Eu não sou mau como você.
Leto ergueu Arthur pelos cabelos.
O garoto emitiu um grito agudo de dor.
- Ah, você é. – continuou Leto. – Somos um, Arthur. Somos sócios, neste negocio. Ou vai dizer que nunca ódio, sobrinho. Vai dizer que nunca quis dar aos vermes os que ele merecia, vai dizer que nunca se viu matando-os, aniquilando-os, destruindo-os... Nunca se viu estando acima de todos eles?
Arthur só conseguiu pigarrear.
- Sabe, Arthur, as pessoas não se tornam más. Elas nascem más. E você é como eu, Arthur: mau. Estamos do mesmo lado, não precisamos lutar, podemos continuar nessa parceria. Dominaremos todos eles juntos. O poder das trevas será só nosso.
- Eu... não... quero... – sussurrou Arthur, sentindo sua cabeça rachar de dor.
- É inevitável, sobrinho. – Leto deu uma risadinha cínica. – Ser mau é o seu destino. De uma forma ou outra, a segunda era das trevas virá. De uma forma ou outra será por sua culpa, então porque não receber a culpa por ter poder, ao invés, de receber a culpa por não tê-lo?
- Você é... LOUCO!
Arthur roçou os dedos na sua varinha, e enquanto Leto dava outro de seus risos macabros, o atacou. Leto caiu pego pela surpresa, mas ainda ria. Arthur disparou para Ana e a puxou pelo braço em direção as escadas do calabouço.
- Não adianta fugir, Arthur. – rosnou Leto. – é o seu destino.
Arthur já estava no primeiro degrau da escada com Ana quando viu o Amuleto.
- Vai Ana. – disse ele empurrando a garota para cima. – Eu preciso acabar com isso de uma vez por todas.
- Arthur você...
- VAI!
Com isso Arthur se lançou para dentro do calabouço de novo sem verificar se Ana havia feito o que lhe ordenara.
Não posso deixar ele sair daqui com o amuleto, pensou Arthur decidido. Do que me adiantaria viver agora para morrer mais tarde?
“E além de tudo isso fora minha culpa. Minha culpa”
As pedras de cima rangeram e uma linha de terra e poeira começou a vazar no mínimo espaço onde as garotas se encontravam. Liana e Felícia, haviam se apertado com as outras, formando um grupo de 14 meninas, abaixo da parte mais segura, do espaço onde elas ficaram confinadas.
O pensamento sobre o que haveria ocorrido as garotas que fugiram, e ao restante da escola já haviam sido esquecidos. A única coisa que elas conseguiam pensar era quanto tempo aquele solitário grupo, tão desamparado poderia durar.
Uma das aranhas que havia acordado grande parte das garotas (as que sobreviveram a destruição do dormitório) se arrastou em direção as garotas que começaram a gritar histericamente. Era uma aranha pelo menos 2 vezes maior que uma aranha normal.
Somente Felícia permaneceu calma.
- Ela ta vinda pra cá... Ai! Ta vindo... – gemeu Liana se apertando contra Felícia.
- Ah, ela é bonitinha. – disse Felícia, sorrindo para a aranha.
- Bonitinha? Você está louca? – gritou uma outra garota.
- Ah, gente, é que eu sempre adorei aranhas...
Felícia se levantou, tomando pra não esbarrar em nada, pegou a aranha e jogou para longe das garotas.
- Você é a minha heroína! – disse uma delas.
- Eu não saberia o que iria fazer se você não estivesse aqui. – disse Liana. – Gostaria de não ter medo dessas coisas. Quando acordei e vi essas coisas em cima de mim quase morri do...
Foi então que uma ficha mental caiu dentro da cabeça de Liana.
Era isso!
- São os nossos medos! – disse ela radiante. – Ou melhor, nossos pesadelos! Os nossos pesadelos ganharam vida, por isso as aranhas não incomodaram Felícia, ela não teme aranhas.
Felícia olhou espantada para amiga.
- Então isso quer dizer que Arthur...
- Foi atrás do Amuleto. – completou Liana. – E Leto parece ter finalmente o vencido.
As outras as olhavam confusas, sem entender nada.
Uma pancada soou na quarta parede formada pelos escombros, e uma das grandes pedras rolou, parando lado a lado as meninas.
Felipe só notara que Thiago e Silvano o seguiram quando parou de fronte ao antigo quarto do primeiro ano, de onde pensara ter ouvido vozes. Pensou se não estaria louco. Aquele quarto fora o que mais sofrera com os golpes do monstro-lacraia.
- Você acha que elas podem ter saído antes? – perguntou Thiago, sentido o estomago revirar ao ver o quarto daquele jeito.
E em perceber que Ana e as outras meninas do primeiro ano dormiam ali.
- Acho que tem alguém ai dentro. – respondeu Felipe seco.
- Isso é impossível. – replicou Silvano.
- Ninguém sobreviveria a esse desabamento.
Blackheart pensou por alguns minutos.
- Estão vendo aquela parte mais ao fundo do quarto? – perguntou ao quebrar o silencio. – acho que elas podem ter ficado encurraladas ali. Tenho certeza que ouvi alguém.
Silvano puxou uma das pedras e as acima desabaram, se ele não tivesse desviado rápido teria sido soterrado.
- Não acho que será tão fácil. – disse assustado.
- Mas temos que tentar. – concluiu Blackheart.
E lentamente os três começaram a remover as pedras, no mesmo momento que a aranha começava a se arrastar para as garotas e Felícia se livrava dela.
Era tudo ou nada.
Para Arthur viver já não era tão importante. No momento que corria na direção daquilo que parecia ser a maior besteira da sua vida tentou mentalmente definir o que era importante na sua vida.
Sua família era importante, pensou. Palas também era importante. Sua vida, mesmo com tudo que ocorrera pareceu ter mais sentido depois de conhecer Thiago, Liana, Ana, Felícia, Vitor e os outros.
Se ele, Arthur Douglas Mortense, morresse agora, mas garantisse um futuro para essas pessoas, então a morte não seria tão ruim. Havia coisas que mereciam continuar. Como seria Palas sem o amuleto?
Tão mais feliz, pensava.
Se o seu sangue amaldiçoava a escola, talvez o mesmo sangue pudesse limpá-la. Limpá-la para tudo que ali fora bom um dia pudesse voltar. Que para as poucas coisas boas que todas aquelas tragédias lhe permitiram ver, aumentassem.
- É por vocês, amigos. – murmurou.
Lançou o primeiro feitiço que lhe passou pela cabeça contra Leto, esse no entanto, emitiu uma barreira prateada no ar fazendo um circulo imaginário no ar com o dedo. Leto parecia não ter dificuldade em desenvolver feitiços complexos sem varinha.
- Não pode me derrotar, Arthur. – disse Leto, rindo de falsete. – Não passa de um moleque!
- Eu posso vencê-lo! – gritou Arthur. – Eu sei que posso!
A última frase de Arthur realmente perturbou Leto.
“Eu posso vencê-lo... Eu sei que posso”
Leto parecia ter entrado numa espécie de transe consciente. Via o feitiço de Arthur disparar em sua direção, mas só conseguia pensar nas palavras que vagavam por sua cabeça. Eram as palavras de Arthur misturada a outras palavras.
“Ele saberá...”, murmurou a voz fraca e cansada de uma velha. Leto até podia ver os olhos verdes da velha o fitando, com um pequeno sorriso desdenhoso. E então ela repetiu: “Não importa o que faça, ou o que diga. Ele saberá!”
- Não pode... SER! – gritou Leto, sendo arremessado para longe pelo feitiço de Arthur.
O poderoso Leto – o Senhor do Caos – finalmente sentiu o peso da mortalidade de novo. Havia tanto tempo permanecido longe da matéria que já tinha se esquecido do que era dor. Suas costas pareciam esmigalhadas.
Foi minha distração, pensou. Ele só conseguiu me derrubar porque me distrai com o seu modo. Ele parecia tão confiante de si...
De fato, se Leto não tivesse se distraído Arthur não teria conseguido.
Mas isso não mudava nada do que aquela frase representava. E não mudava os temores de Leto.
Leto se levantou a tempo de ver os pés sorrateiros de Arthur subindo as escadas do calabouço.
Arthur havia conseguido resgatar o Amuleto.
Quando Felipe adentrou no cubículo a onde as garotas foram resumidas, que ¾ do tamanho original agora, pensaram que seria o fim. Liana, que desde a volta as férias torcia o nariz toda vez que passava por Blackheart, achou que seria capaz de pular em cima dele e lhe dar um beijo. Até um beijo na boca.
No entanto, ela apenas sorriu.
- Elas estão aqui, Brandevil. – gritou Felipe para Thiago e Silvano que estavam do outro lado do túnel improvisado que eles fizeram em meio aos destroços.
- Thiago está bem? – perguntou Liana apressadamente.
- Está. – retrucou Felipe aborrecido. – Ana não está com vocês? Sabem o que aconteceu com ela?
Liana olhou temerosa para Felícia.
- Não vimos ela, não sabemos o que pode ter lhe acontecido. – disse Felícia condolente.
- Mas ela deve ter ido com o grupo de garotas que fugiram pelos fundos da escola. – animou Liana. – Ela não estava aqui quando o teto desmoronou.
Felipe verificou o túnel pelo qual viera. Verificou o resto de teto ainda suspenso. Estava preste a desabar. A retirada daquelas pedras fizera a coisa ficar mais frágil.
- Por aqui rápido! – disse ele apontando o túnel. – Não temos muito tempo.
As garotas dispararam pelo túnel. Liana, Felícia e Blackheart ficaram por último.
- Agora você. – disse Blackheart a Liana.
- Te vejo do outro lado. – disse Liana para Felícia que lhe sorriu. Achou o sorriso da amiga tão distante, distante como um sorriso de despedida. Felícia parecia ainda mais bonita do que nunca, pensou. – Te vejo, também. – disse para Blackheart com um grande sorriso.
Um sorriso quase apaixonado.
Felipe apenas confirmou com a cabeça.
Liana desapareceu pelo túnel.
- Vamos, você agora! – Felipe disse a Felícia.
- Ta. – disse Felícia sorridente.
Quando a garota estava se encaminhando para o túnel uma parte do teto (ou o que sobrara dele) veio abaixo, atingindo Felícia de lado. A garota foi escorada entre a pedra e a parede. Sentiu as fagulhas rígidas da rocha penetrarem em sua carne.
Felipe se adiantou pra ela, mas se não tivesse recuado no ultimo segundo, uma segunda pedra teria esmagado sua cabeça.
- Você está bem! – gritou para Felícia.
- Não consigo me levantar.
A pedra que derrubara Felícia a havia pressionado contra a parede de um modo muito estranho. Ela ficava deitada, mas o modo como a pedra a prendia não lhe permitia mexer um só músculo.
- Vou ai te ajudar, espera. – disse Felipe jogando a pedra que quase o acertara para o lado.
- NÃO! – gritou Felícia, entre choros e soluços. – Se você vir vai morrer também.
- Não posso deixa-la ai simplesmente.
BRUMMM!
O teto estremeceu.
- Vai logo! – berrou Felícia.
Felipe entrou novamente e tentou inutilmente arrastar a rocha incrivelmente pesada. Não dava. Era quase impossível locomove-la com a mão, e seria arriscado usar magia. Só havia uma coisa a fazer.
- Adeus. – disse ele para Felícia friamente, tombando a pedra que a escorava, fechando Felícia numa espécie de cabaninha. O peito de Felícia se comprimiu ainda mais com o empurrão de Felipe. Agora ela quase não conseguia respirar.
Ele queria me matar, pensou ela. Ele queria me matar e por pouco conseguiu.
De toda forma não faria diferença agora.
Felícia fechou seus olhos claros e aguardou pela morte. Desejou que Arthur, onde quer que ele estivesse, fizesse a coisa certa. E desejou que os outros tomassem cuidado com Felipe Blackheart.
Ele quisera me matar, disse a si mesma. Eu sei que quis.
Felipe saiu as pressas pelo túnel que começava a se comprimir. Por um momento ele penso que não ia conseguir quando finalmente viu a luz e pulou para fora dos escombros. Antes que alguém pudesse lhe bombardear com perguntas sobre Felícia o resto de teto desabou, ao coro de gritos de Liana.
Seria quase impossível Felícia ter sobrevivido.
Felipe sorriu.
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