A Jornada no Calabouço



Gemendo, seus olhos vermelhos e lacrimejados, distinguiram alguma coisa mais à frente. Apressou o passo na esperança de ver outra coisa que não fosse aquela claridade branca. Apertava os olhos para conseguir ver. As luzes começavam a se dissipar...
... até que sumiram.
Olhou admirado a Sala do Infinito. Era maravilhosa – incrível, pensou.
Nunca havia visto nada como aquilo... Nunca...
Era o mesmo que está no meio do universo. As galáxias com suas estrelas e planetas e luas passavam veloz por ele – e por dentro dele –, todas girando ao redor de uma bola de luz do tamanho de uma bola de basquete que flutuava no centro da sala infinita.
Arthur não tinha nem idéia de por onde havia vindo, a onde estaria aquela luz e por onde ele voltaria.
Pensava que isso não era importante agora.
Se soubera vir ali, saberia sair dali, assim que tivesse a resposta que precisava. Levou a mão até o circulo e parou no último momento. Prosseguiu então lentamente, testando com a ponta dos dedos para ver se era quente.
Não era.
Deixou que suas mãos desaparecessem naquele circulo dourado, enquanto uma anestesia bela e infinita corria seu corpo magricela. Os pensamentos, os como e porquês evaporaram e não havia mais vontades.
Tornara-se tão infinitivamente maior do que costumava ser que a vida não passava de um passado medíocre. O que era a existência humana diante da eternidade, e do infinito? Onde tudo existiu e sempre existirá?
E onde o passado, presente e futuro caminhavam de mãos dadas.
Nada.
Nada mais que nada. Toda as pessoas eram mínimas porcentagens de algo maior e mais amplo, um destino cruel que vinha e voltava. Pessoas morriam e nasciam, na outra ordem talvez, mas não no Infinito. Tudo podia ser de trás para frente como num livro.
Para o Infinito nossas vidas eram os capítulos de um livro cujo final já se conhece, que onde for que abramos saberemos o que se foi antes e o que se virá depois. Onde sabemos todos os caminhos que serão tomados e onde eles nos levaram, e que mesmo sabendo dos erros e más decisões nada podemos fazer. Um livro sempre terminará igual por mais que se leia. Assim é a vida para a eternidade, um livro, que se conhece o final e mesmo que seja sua vontade não pode ser mudado.
Ocorrera o que tive de ocorrer. Hoje e Sempre. Ontem e Amanhã. Dia e Noite. Vida e Morte. Infinitamente.
Sentia-se que não tínhamos controle de nossas vidas pelo ângulo do universo. Éramos apenas personagens, em que o Grande Autor, poderia mexer com o que quiser. Cada momento que passamos já era deles antes de ser nosso. Como já é deles os momentos que ainda nem vivemos.
O imenso universo começou a desaparecer, Arthur pensava no calabouço, pedia a sala que lhe revelasse o calabouço. Estava no universo, com as mãos na intensa esfera dourada até que então estava flutuando pelos corredores de Palas, guiado por vários corredores, alguns até familiares para a rota que levava ao calabouço do Amuleto.
A visão continuou a correr até sair da escola. Desceu a ribanceira que contornava o castelo até chegar a praia. Seguiu por uma grande extensão de terra até encontrar uma caverna que se embrenhava por grandes árvores próximo a um grande lago.
Adentrou na caverna e se agachou para um alçapão escondido no chão que dava para uma escada improvisada, que já tão bem conhecia, que descia para muito além do solo abaixo de Palas. Aquelas trilhas esculpidas nas pedras úmidas, que tanto havia percorrido em seus pesadelos, até chegar a câmara onde o amuleto o esperava.
O seu Amuleto.
O havia encontrado.
Arthur Mortense havia encontrado o esconderijo do Amuleto de Jagaha.
Como se a sala soubesse (e o garoto suspeitava que ela sabia) todas as coisas que ele via ali, inclusive a esfera de luz, desapareceram. Em seu lugar, num amplo salão branco infinito, surgiu a porta avermelhada da saída.
O garoto atravessou as pressas e se viu novamente no corredor do sétimo andar. Correu como um louco, ouvindo sussurros vindo das outras portas do corredor e se desembreou pelas escadas, alucinadamente, até está de volta ao corredor o primeiro andar.
Foi quando Ana Rivers apareceu.
Ana vinha, assim como aquele inspetor, como uma sonâmbula com os braços esticados para frente. Duas outras garotas caminhavam ao seu lado, mas estas Arthur não conhecia. Com a varinha em punho se dirigiu para Ana.
- Ana você está bem?
A garota continuou seu caminho como se não o visse. Arthur se postou na frente dela e a parou. Os olhos de Ana se abriram revirados, escondendo suas íris. Ela pulou junto com suas amigas para cima de Arthur que teve de usar um feitiço de estuporar para se salvar.
Ana levantou de novo e dessa vez levou Arthur ao chão.
- Ana, sou eu, Arthur! – disse ele.
Ela não reconheceu. Seus dentes, pequenos e elegantes, saraivavam como os de uma fera raivosa. Sua saliva escorria pelos cantos da boca. Seus olhos, dilatados, haviam ganhado proporções imensas. Sua respiração, sobre Arthur, era rápida e ofegante.
Como uma besta demoníaca.
- Sou eu... Arthur... – continuava o garoto debilmente. – Acorde, Ana. Acorde...
Os olhos diabólicos da garota possuída continuava a mira-lo, sem pestanejar. Provavelmente pensando em como seria seu próximo passo. O que ela faria com aquela inútil presa que tão de repente surgira?
E no entanto algo diferente aconteceu.
Arthur se modificou.
A magia da Sala do Infinito. A mesma que parecia ter retirado Leto Mortense do comando do garoto retornara. A Voz Invasora – a voz de Leto – a fonte de todo seu poder, cobiça e ambição voltara a fluir no interior de sua mente.
Aquela voz fria e cruel.
- ACORDE ANA RIVERS! – silvou Arthur. Sua voz tremeluziu de rouca a doentia, até virar um estrondo, como o rugido de um lobo.
Ana caiu ao seu lado como se tivesse sido estuporada pelo bruxo mais poderoso do mundo. Por alguns minutos apenas fitou Arthur como uma retardada. Não sabia nem ao menos o que pensar. O que afinal havia ocorrido desde que se deitara?]
O jovem Mortense se levantou se afastando da garota sem falar com ela. Já estava do outro lado do corredor quando a mesma o chamou.
- Arthur, é você? Espere.
Ela veio correndo, eufórica. Quando alcançou o garoto perguntou-lhe o que estava acontecendo.
- Não posso contar, volte para dormitório. Já. – disse Arthur rispidamente.
- Minha cabeça está doendo... Você não está indo atrás daquela sala, está? – Ana parecia não ouvir o que Arthur dizia com toda atenção.
- Não... Já estive lá.
E conforme Arthur seguia seu caminho sorrateiro para fora do castelo contava sua aventura na Sala do Infinito a Ana que o seguia. Todos os corredores desde então se mantinham desertos e silenciosos.
Palas parecia cada vez mais estranha.
Os trovões voltaram a refugiar lá fora. A temporada de só e céu limpo parecia ter passado de vez. As nuvens espessas e sombrias se agrupavam ao redor do castelo, assim como o denso nevoeiro que chegara sem propósito.
Alguns bruxos no vilarejo a ilha se pegaram meios apavoradas com aquela mudança repentina de tempo. Palas não costumava ser assim nesta época do ano. As ondas castigavam a praia com tanta força que umas três arvores foram arrancadas da terra.
Um raio passou muito perto de Arthur e Ana quando esses já desciam pelo desfiladeiro que levava para a parte baixa da ilha, para fora da colina onde ficava o castelo.
- Arthur. – disse Ana chorosa. – Acho melhor voltarmos...
O garoto lhe lançou um olhar nervoso.
- Não pedi que viesse.
Ana engoliu em seco, chateada.
Entretanto continuou rumando com o garoto.


A caverna que dava para o calabouço era pequena e estreita. A umidade era crescente principalmente pelo fato da chuva ter desabado lá fora.
Arthur e Ana seguiram pelo alçapão escondido no solo e desceram as grandes escadarias frias e mórbidas de pedra coberta de musgo e lodo. As tão conhecidas gotas, que Arthur ouvia em seus pesadelos, respigavam contra as rochas.
Olhos amarelados de morcegos piscavam para eles na escuridão, somente amenizada pelo brilho da varinha de Arthur. Ana cruzou se braço pelo de Arthur assustada, o que fez o garoto ficar um pouco nervoso. Na verdade, estava completamente calmo até esse momento.
Ele já estava acostumado com aquele lugar.
As escadarias foram morrendo e Arthur foi sentindo uma grande excitação. Estava próximo do amuleto. O Amuleto dos Pesadelo seria seu e só seu. Para sempre...
“Nosso”
- É nosso! – disse Arthur baixinho, quase num assovio.
- O que? – indagou Arthur.
- Nada, Ana, nada.
E então ele apertou a mão da garota, não para machucar, mas para dar força. Sua mão era macia, e ele agia sobrenaturalmente. Não sabia nem o que fazia. Acariciava a mão da garota cada vez mais intensamente.
Mais apaixonadamente.
Foi então que ela puxou a mão. E ele não poderia dizer se ela estava com raiva ou constrangida, não conseguia ver seu rosto.
A passagem entre as rochas se enlanguesceu e a câmara do amuleto se abriu. O altar, onde o objeto jazia frio e mortiço. Sua figura malévola com contornos pentagonais e rústica moldura de carvalho envolta de um Azk.
A pedra negra, pensou Arthur.
O Azk era a fonte do poder do amuleto. A fonte do poder de Arthur. A fonte do recomeço da Era das Trevas. A segunda chama de escuridão que o mundo iria cobrir com suas asas negas e protuberantes.
Nesse momento Arthur Mortense já não era ele mesmo. Era o mal. Era Leto. Sua fúria se elevou as alturas, e sem mais, acertou o punho no rosto perfeito de Ana que caiu no chão desnorteada.
O garoto correu para o Amuleto e o tomou nas suas mãos. Sentiu um calor ofegante e uma pressão cortante dilacerando sua carne e seu sangue findou a correr. Seu corpo parecia preste a explodir e sua alma parecia estar sendo arrancada.
O altar se desintegrou e a caverna estremeceu. As paredes se sacudiam liberando pedras e terra. A escuridão se dissipou quando uma luz expeliu do Azk. Era uma luz violeta, meio azulada,uma luz fria.
Arthur ouviu seu próprio coração desacelerando diante daquela iluminação horrenda.
Tenho que destruir o amuleto, pensou ele. Tenho de destruí-lo agora ou será...
- Ahhh!!!! – gritou ele.
O Amuleto se aquecera até está na quentura do que parecia o sol. Ermegido em chamas o objeto caiu da mão de Arthur e rolou pelo chão como uma luminária. Houve uma explosão de luz azulada que perfurou a pedra e a terra até chegar a superfície.
Arthur viu o vulto de um homem emergir da luz.


Virgilius acordou preocupado. Havia sonhado com lobisomens, havia tendo sonho com eles nos últimos dias. Ficou sentado na cama, sem saber o que fazer, quando um feixe azulado de luz brilho na sua janela.
Correu para ver o que era.
Um pilar azul, brilhante como um raio, refugiava em meio as árvores lá embaixo até as nuvens negras do céu.
O homem conhecia aquele lugar.
Era onde o amuleto estava.
- O que você fez, Arthur? – murmurou para si mesmo.
Um uivado de lobo surgiu por trás dele. Se virou rapidamente e uma figura meio humana meio lobo tremeluzindo por de trás da cortina...

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