O Infinito
O corredor caído nas trevas era profundo e parecia interminável. Lentamente ia se tornando íngreme rareando como uma cobra para aquele frio calabouço. Lá naquele lugar medonho e mal-cheiroso, onde ar era limitado e o sufocava estava o poder que procurava.
Sim, o poder meu garotão, proferiu Voz Invasora.
Na vastidão quase infinita de Limo, lodo e musgo estava o Amuleto de Jagaha – o Amuleto dos Pesadelos, como alguns o chamavam. Conhecia bem os seus contornos pentagonais, sua rústica moldura de carvalho envolta de um Azk – a pedra negra.
Tornou a descer pelas escadas esculpidas no barro e nas pedras, úmidas pelas infiltrações das águas do subsolo. Com o tradicional cuidado as contornou até chegar aquela pequena câmara onde o altar mal-acabado sustentava durante dois séculos e algo mais – não sabia ao certo – o seu precioso Amuleto.
Não parou para contemplá-lo desta vez, avançou aos trotes para a fonte de suas ambições – para o poder que tudo lhe daria, que tudo transformaria e que subjugaria a todos que ousassem enfrentá-lo.
“E que trará a nossa era de Soberania, meu complacente sobrinho”, sussurrou a voz nos seus ouvidos. A voz de Leto.
- A nossa era de trevas. – sussurrou em concordância. – onde a dor... e o caos...
“Substituíram a alegria e ordem!”
- E que a onde houver paz...
“... levara Guerra...”
- ... onde houver amor...
“... levara ódio...”
- ... onde houver esperança...
“... levara sofrimento e desolação.”
- Pois em breve todas essas coisas serão passado. – disseram juntos. – pois só as trevas, única e somente ela, reinará sobre está terra maldita, fruto nascido do pecado e da escuridão, onde tudo que é bom se esconde nas sombras.
Riu ao ouvir o ecoar da própria voz que já não era sua. Era uma voz estranha, anormal ao seu ser... uma voz do além. Mas, entretanto, uma voz de poder.
Poder que os pertencia.
Fechou a mão sobre o Amuleto de Jagaha e sentiu o seu calor e vibração. O objeto pulsava como um coração.
(Ele é o nosso novo coração)
Sim, era mesmo na verdade.
Podia até mesmo ouvir o tum tum tum das batidas. E pelo barulho era um coração forte. Muito mais forte do que o que tivera outrora. Era um coração negro, um coração de fúria e maldições, onde o amor se tornara esquecido, assim como a paixão, a compaixão, a amizade e a própria humanidade.
Pois já não seria um vulgar ser humano, um fraco sentimental.
Não! Nunca mais.
Desse dia em diante seria um DEUS!
Novamente seu rosto se iluminou com os tons cinzentos da vaga luz macabra das tochas refletidas contra as paredes escuras e frágeis – O lugar não demoraria muito a desabar. Mais aquele cômodo indigno logo já não teria a presença do Amuleto.
“Do meu Amuleto. Quero dizer, nosso...”
- Sim, Nosso! – confirmou.
Tentou erguer o Amuleto de sua base mais não conseguira. O objeto se tornara um fardo pesado de repente. Não parecia o objeto pequeno e leve de outrora. Era mais pesado que toda a Terra. Nada o tiraria dali, pensou entristecido.
Mas ele precisava tirá-lo.
Usou toda força que tinha. Puxava com tanta intensidade que era provável que seu braço fosse arrancado do corpo antes que o Amuleto saísse da base. Sua mão ardia ferozmente, se ao menos estivesse com sua varinha poderia usá-la...
Jogou todo o seu peso para trás, sentiu uma das pontas do objeto ficar na carne da palma de sua mão. Puxou uma, duas, três... cinco vezes e nada. Sentia uma daquelas malditas e afiadas pontas penetrando cada vez mais fundo enquanto o sangue escorria com maior velocidade.
O rasgo aumentou até que a ponta vazasse para fora da sua mão e ele caísse com estanque surdo no chão arenoso.
Olhou para sua mão e viu o feio rasgo que havia provocado nela – um ferimento inútil. Era profundo e o sangue não estava escorrendo e sim correndo por ele. Era como um jorro médio de uma mangueira, a mancha vermelha atravessava todo seu braço e próximo do cotovelo vazava para seu peito.
Sentiu-se tonto perdendo tanto sangue.
Mas não podia desmaiar... precisava pegar o... tinha de dar um jeito ou... ia conseguir era ... estava de pé de novo... a escuridão aumentara tanto que já não via nada...
... despertou no dormitório masculino do primeiro ano.
Olhou afobado para o seu relógio de pulso digital na cabeceira da cama: eram 3h e 20m da manhã.
Fora apenas mais um sonho. Mais um sonho que não deveria ter tido, já havia se passado um mês desde sua conversa com Belforth onde descobrira que o remédio amarelado do Virgilius repelia os sonhos – descobrira também que ele era o melhor preparador de poções da escolha (e não a lecionava, pois a odiava, aprendera por mera necessidade e curiosidade). E que descobrira a origem de seus sonhos.
O Amuleto de Jagaha.
Aquela mesma merda que havia cortado a sua mão, pensou.
Como se tivesse sido pego de surpreso por uma brincadeira boba num corredor escuro e tenebroso, Arthur gelou. Sua mão, a que fora cortada no sonho (só no sonho, não?), estava quente e ele sentia o...
Estou imaginando, pensou. Tenho que está imaginando.
Não tinha coragem de olhar para sua mão. Se ela estivesse sangrando, se houvesse uma gota que fosse de sangue ali então aquilo realmente teria sido real. Todos esses sonhos teriam ocorrido. E ele teria matado Giselda, teria ferido Blackheart ou feito mais sabe-se-lá-o-que, já que tinha certeza de que não se lembrava de quase todos os seus sonhos. Aliais, este de agora começava a se apagar.
Puxou um pergaminho que já estava preparado na cabeceira da cama e anotou rapidamente as partes importantes do sonho. Havia desenvolvido essa técnica desde aquela conversa com diretor, por palpite do próprio. Estava criando um diário de tudo que sonhara.
A principio achara ridículo, afinal lembrava de tudo que havia escrito, mas depois de duas semanas de anotações ao olhar o diário (uma junção disforme de pergaminhos) descobriu que já não se lembrava de 90% do que havia escrito ali, nem se lembrava de ter escrito aquelas coisas.
Sua mão doía assolada por uma repentina e forte câimbra. Tinha que olhá-la, tinha que faze-lo de toda forma, uma hora teria de sair dali ou simplesmente quando um dos seus companheiros de quarto acordasse gritaria: Arthur, você está sangrando!
Coragem Mortense, você pode, disse a si mesmo.
Levantou sua mão até entrar na sua visão, ela parecia mais pesada e lerda que o de costume. E então viu. Tremeu tanto que seu pergaminho, com as anotações anotadas às pressas, voou de seu colo. O sangue escuro e espesso (ora iluminado pelos raios lá fora) fluía pelo seu braço exatamente como no sonho – pesadelo melhor dizendo.
E se o sonho fora real...
Arthur tinha tocado o Amuleto.
E seu sangue escorreu por ele meninão, disse a outra parte de sua mente que ainda conseguia pensar.
Na mesma hora a voz fraca e doentia de Albino Belforth soou na sua cabeça entorpecida: “O sangue Mortense os uni, Arthur. Quando você tocar o Amuleto – quando seu sangue o tocar – ele estará tão desperto quanto poderia estar...”
“É isso que Leto esperou durante esses quase trezentos anos. O seu sangue. O sangue dele”.
- O sangue que nos uni. – murmurou Arthur.
Aquela conversa com Belforth aumentara e esclarecera (e até mesmo aliviara) os seus temores sobre esses sonhos sinistros. Ao fechar os olhos podia se ver novamente naquela sala, confuso e triste, infeliz com sua própria sorte, enquanto o diretor falava.
Afastou as lembranças daquela conversa de sua mente. Não queria...
Não completou o pensamento, apenas sentou-se na borda da cama vendo o sangue lhe escorrer. E uma dor ao redor do seu pescoço, como se a corda áspera de uma forca o apertasse, o estava incomodando. Sentia o ar lhe faltar volta e outra.
Havia planejado se levantar e correr até a sala do diretor, ou a do Virgilius que era mais perto e contar-lhes. Contar-lhes que o pior acontecera. Que havia tocado o Amuleto. Os alunos corriam perigo agora – todos, incluindo ele próprio, corriam perigo agora. Até mesmo o mundo exterior a Palas.
Até mamãe e os seus pivetinhos, arquejou mentalmente sorrindo.
No entanto ele apenas planejara, logo havia caído no sono do qual não despertaria tão cedo. Nem sentiu quando retornara a cama e se cobrira, sem se importar com as manchas de sangue que deixava. Adormeceu pensando em Leto, sempre em Leto.
Leto Mortense e o sangue que os unia.
E que amaldiçoava a Arthur.
Quando acordou já não havia ninguém no dormitório, já havia se passados cinco minutos do horário do inicio do café da manhã. Levantou-se num salto vestiu as vestes negras da escola já estava saindo para o Salão Principal sem pentear o cabelo e nem nada quando olhou para sua mão e imobilizou no mesmo momento.
Não havia uma gota de sangue que fosse ali.
Voltou para sua cama revirou-a de todas as maneiras. E nada.
Poderia ser que imaginara ter visto aquele sangue e...
Uma cicatriz horrenda pendia do começo ao fim da sua palma da mão. Pela profundeza do corte seria necessário pelo menos duas semanas para aquilo se cicatrizar por meios naturais, mesmo sendo um bruxo não poderia ter se autocurado, podia?
Acreditava que sim, mas isso não mudava o fato de que uma agulhadinha na sua espinha dizia que aquilo não fora um feitiço espontâneo produzido por ele enquanto dormia. Sabia quem havia feito aquilo.
- Leto... – murmurou.
A sensação de que uma corda horrivelmente áspera e apertada estava entorno de seu corpo retornou. Apertou o peito e se apoiou numa das beliches para não cair de fraqueza. Com muita dificuldade conseguiu respirar novamente. Sentiu como se uma bolha de sangue grosso estivesse massacrando o seu cérebro.
Rolou pelo chão de dor. Odiou seus amigos por nenhum deles está por ali para ajuda-lo. Odiou Belforth por não aparecer. E odiou, principalmente, o desgraçado do Virgilius cujo o maldito remédio de merda não estava parando mais com seus sonhos.
Arthur chegou mesmo a acreditar que ia morrer quando a dor sumiu e a corda imaginaria que o “enforcava” também.
Respirou, literalmente, aliviado.
Quando entrou no Salão Principal quase 20 minutos mais tarde da hora que deveria ter entrado encontrou todos em total silêncio, a tirar pelos cochichos baixos. Ninguém lhe deu atenção. O que era ótimo. Até os professores pareciam pesarosos e conversavam baixo entre si. Alguns com lágrimas nos olhos.
Foi então que Arthur notou que grande parte dos alunos também chorava. Correu para mesa da direita onde Thiago, Liana, Vítor e Felícia Bane estavam reunidos. Mas como sempre antes que lá chegasse seus olhos vidrados e castanhos caíram sobre a outra mesa – exatamente sobre um Blackheart abraçado a uma Ana com a cara apaixonada mais idiota do mundo.
Seu coração se alojou de rancor por não ter permitido que aquele verme morresse. Ninguém teria sabido que fora ele mesmo. No final a culpa cairia sobre Leto. Ele o protegeria.
“Somente se me proteger, meu caro sobrinho traidor”, disse Leto – a Voz Invasora – na sua mente atordoada.
Arthur se concentrou e expulsou essas idéias e vontades de sua mente – mas não de seu coração.
- Porque demorou tanto? – perguntou Thiago sem a velha animação habitual.
- Acho que estava muito cansado. – respondeu pensando que de um certo ângulo estava falando a verdade. – mas porque você não me acordou?
Thiago o encarou espantado.
- Eu o acordei, cara. – disse perplexo. – você disse que já vinha. Ficou até sentado na cama, não se lembra?
- Não.
- Deve ter voltado a dormir. – disse Felícia sorrindo para ele. – já aconteceu coisas assim comigo, e eu também não me lembrava.
Arthur se virou para ela e a garota pareceu afundar ainda mais no banco. Ela desviou o olhar e ficou (como geralmente fazia quando ele a olhava) fitando sua mão tremula. Deu-lhe um sorriso sem-graça que acabou deixando Arthur sem-graça também.
O garoto finalmente observou Liana (com grossos riscos de lágrimas no rosto) fitando O Bruxedo catatônica.
- O que você tem Liana? – perguntou Arthur tocando a mão da amiga. – Afinal que diabos está acontecendo aqui?
Liana não respondeu. Lançou o jornal para Arthur e se levantou, saindo as pressas do Salão Principal. Felícia a seguiu.
Vítor e Thiago diziam alguma coisa, mas o que Arthur lera o impedira de ouvir.
Logo na capa d’O Bruxedo vinha a notícia:
ALUNO INDICIADO DE PALAS SUICIDASSE
Assassino confesso da namorada se mata por “Amor”
Por volta das três horas da manhã de ontem Henrique Couto que estava em prisão provisória pelo assassinato de Giselda Brote, sua ex-namorada que não aceitava reatar o namoro com ele se enforcou na sua cela com uma velha corda mágica usada para serviços da Rede Bruxa de Limpeza e Esgoto.
Segundo o depoimento público dos assessores da TIB a precariedade da forca improvisada dera ao adolescente de 17 anos uma morte demorada e dolorosa. Os guardiões da ala onde Henrique se encontrava não ouviram seus gritos e os pedidos de socorros dos outros presos, pois haviam lançado um feitiço de insonoridade alegando que os presidiários, em geral, costumam fazer algazarras durante a noite.
Os sete guardiões que estavam na ala 13, ala do rapaz, terão de responder a processo já que por insonoridade nos corredores de ma prisão e acarretado como ilegal de acordo com a lei número 3476 do artigo B do Código Penal dos Bruxos da legislação de 1875.
A imagem mais chocante foi a mensagem deixada por Henrique antes e se matar, escrita, acreditem, com seu próprio sangue. Ao lado da corda grossa e áspera como uma pedra vulcânica estava está mensagem em letras torcidas:
SANGUE QUE NOS UNIU
“Henrique estava perdido em sua infelicidade. Queremos acreditar que este menino, que mal começara a viver matara sua namorada por um amor maior do que ele podia entender ou dominar”, pronunciou Francisca Solano, diretora da TIB...
Arthur não conseguiu mais ler a partir daqui. Lançou o jornal como se ele estivesse pegando fogo. Sentia ódio, mas desta vez de si mesmo. Fora ele mais uma vez, fora Leto. A mensagem não fora nenhuma maldita demonstração de amor.
Fora uma mensagem para ele – para Arthur.
Queria mostrar o que os dois andavam fazendo juntos.
- O que aconteceu? – perguntaram Thiago e Vítor.
- Nada.
Arthur tentou beber o seu suco de abóbora mais deixou quase a metade cair na mesa, sua mão não parava de tremer. Já sem saber o que fazia, repôs o copo na mesa (com alguma dificuldade) e começou a comer como um louco embora não estivesse nem com um pingo de fome.
- Arthur, o que está acontecendo? – insistiu Thiago preocupado.
- Já disse que estou bem!
- Cara, você não está bem, de verdade. – discordou Vítor. – eu também fiquei... abalado, com a notícia mas você parece...
“Um verme culpado”, Leto berrou no ouvido de Arthur.
O garoto deu um salto da mesa fazendo os alunos mais atentos se virarem preocupados para ele. Ficou imóvel encarando todos, e sem olhar para mesa dos professores (tudo que ele não precisava agora era ter outra conversa com Virgilius e Belforth) saiu trotando do Salão Principal, assim como Liana fizera há pouco.
Seguiu pelos corredores sem destino, sem idéia do que fazia, sem qualquer razão até que se chocou com alguém. Era Blackheart que havia saído mais cedo do café da manhã para ficar um pouco com Ana.
- Você não olha por onde anda não, merdinha? – vociferou o garoto dando um empurrão em Arthur.
Ana riu.
Nessa hora o chão se abriu para o pobre garoto. Não aceitaria, nem em um milhão de anos ser rebaixado por Blackheart e ver Ana (sua Ana) rindo disso. Se ela queria rir, pensou dando um sorriso louco e cínico, ele lhe daria um bom motivo para rir.
- Você ouviu? – continuou Blackheart encarando o olhar vidrado de Arthur para ele e Ana. – desinfeta seu lixo filho de trouxas... VIRE ESSA DROGA PARA LÁ!
Arthur puxara a varinha e apontara diretamente para o rosto de Blackheart.
- Se ousar... – disse com uma voz muito diferente da habitual. – entrar no meu caminho outra vez, eu...
Blackheart empurrou com o braço a namorada para trás de si. Levou a mão na varinha, mais sentiu uma queimadura terrível, vinda de dentro para fora, quando mal começara a movimentar a mão. Arthur o havia atingido com um feitiço.
- O QUE VOCÊ FEZ? – gritou o rapaz em pânico. Uma mancha negra cobrira grande parte da sua mão direita, e toda essa parte manchada ardia como brasa.
Arthur com a varinha agora mirada para o peito do terceirianista não respondeu, pois de fato ele nem ao menos sabia o que fizera. Nem se lembrava as palavras que silvara para executar o feitiço.
Contudo conseguira o que queria.
Felipe Blackheart estava com medo.
- Se você não se virar e ir embora agora – disse Arthur com altivez. – eu juro que te mato.
Blackheart riu de desdém.
- Como se você tivesse meios para isso. – debochou. – nem terminou o primeiro ano como poderia...
Ana voou indo parar contra a parede oposta do corredor. Arthur a estuporara quando tentava desarma-lo com sua varinha.
Pobre tola, pensou. Tenta me desafiar e mal sabe que já me pertence.
Ergueu a varinha para Blackheart de novo. Estava decidido a matá-lo desta vez. Assim como matara aquela coisa no Quarto Escuro. Tocou a ponta de sua varinha no peito ofegante do rapaz e olhou mais uma vez parar Ana.
Ela estava sangrando.
Mais uma vez Arthur perdeu a noção do que fazia, deixou a varinha cair no chão e se espantou com o que acabara de fazer. E com que planejara fazer. Percebeu que de uma vez por todas estava perdendo o controle. Estava mais difícil resistir agora que ele tinha seu sangue.
Faltava pouco para...
Arthur caiu com um soco desavisado de Blackheart e desmaiou. Não desmaiou pela força do soco mais porque já havia perdido todas as suas forças. Não estava dormindo bem há séculos e sua aparência demonstrava o tão mal que estava. Estava ainda mais magro, seus cabelos estavam sempre despenteados, seus olhos sempre com uma marca escura ao redor.
O garoto desejou que o golpe do terceirianista o matasse. Desejou uma morte que o livrasse desse pesadelo real. Não queria mais enfrentar Leto, e nem o Amuleto de Jagaha. Não queria mais carregar a maldição que o sangue Mortense lhe trazia e que não podia suportar.
Sentia-se em paz agora perdido nas trevas de um sono quem se lembrava de ter chego. Estava dormindo sem preocupações e o resto não importava. Estava no infinito... No infinito. Tinha de achar o infinito, pensou sem convicção.
- Acorde! – disse a voz vigilante de Belforth. – Acorde, Arthur!
Com relutância o garoto tornou a abrir os olhos. Estava na sala do diretor Belforth. Virgilius estava parado num canto, Ana estava numa cadeira ao lado de Felipe, logo adiante estava a enfermeira Johnson.
- O que aconteceu? – perguntou Arthur levantando com um pulo.
- Você teve outro desmaio. – respondeu Belforth. – e atacou Srta. Rivers, mas ela ficará bem...
- Eu a... ataquei?
- E ao Sr. Blackheart também. – lembrou Virgilius.
Arthur sinceramente não se lembrava de nada. Só sentia uma dor nauseante na cabeça e uma vontade imensa de nunca mais acordar. O desejo de morrer, de descansar o dominava cada vez mais.
- Arthur, do que você se lembra? – disse Belforth bondosamente. – a última coisa que lembra?
- De ter lido sobre o Henrique no Salão Principal. – Arthur disse com dificuldade. – eu matei, vocês precisam saber que eu o matei. – acrescentou em pânico. – e Giselda, e causei o acidente no quadribol e...
Arthur teve um ataque súbito de vômito.
- Do que ele está falando? – perguntou Blackheart. – ele fez o que eu...
- Sra. Johnson ponha esses dois para fora já. – gritou Virgilius apontando para Ana e Felipe.
A enfermeira amarrou a cara para o professor e vagarosamente saiu arrastando Ana e Felipe. Quando a porta se fechou, Virgilius, pois seus pesados e medonhos olhos escuros sobre Arthur e sem dar atenção a Belforth começou seu pequeno interrogatório.
- Agora, diga moleque, que diabos aconteceu desta vez.
Belforth mirou o homem, pela primeira vez ao menos para Arthur, com um olhar de fúria. Virgilius não se importou. O diretor abriu a boca para dizer alguma coisa quando Arthur começou a falar, devagar e chorando.
Pela primeira vez não se sentia humilhado em chorar.
- Eu tive um sonho durante a noite com o Amuleto, outra vez. – começou o garoto soluçando. – desci por aquele calabouço até aquela mesma sala e toquei no Amuleto. – tentou controlar o ataque repentino de tosse, logo conseguiu. – Ele me obrigava, e eu não conseguia deixar de obedece-lo... Disse que juntos traríamos as trevas e medo de volta ao mundo.
“Assentados em nosso trono, Arthur”, Leto disse ao seu lado.
Estava ali.
- NÃO! – gritou Arthur apertando a mão contra os ouvidos. – ele está aqui de novo. Ele está na minha cabeça...
- Não tem ninguém aqui... – disse Belforth.
- TEM SIM! – Arthur se jogou para trás da mesa de Belforth. – não quero ele aqui... NÃO QUERO VOCÊS AQUI!
Um segundo depois Arthur estava despertando na cadeira de novo com a mão forte de Virgilius empurrando o líquido amarelado e viscoso de um frasco pequeno pela sua goela.
- Desmaiei de novo? – indagou o garoto ao re-abrir os olhos.
- Desmaiou.
Arthur gostaria de saber até quando sua vida seria esse inferno de tormentos e desmaios.
- Continue, Arthur. – disse Belforth preocupado. Temia que a memória do garoto começasse a esvaziar.
- Eu cortei a minha mão quando tentei tirar aquela coisa do lugar... Era tão pesado quanto essa escola. – Arthur tomou fôlego para prosseguir. Temia a reação deles ao descobrirem o restante. – o meu sangue escorria como água sobre o Amuleto, e... Ele estava rindo. Estava feliz.
- Claro que estava feliz. – desdenhou Virgilius despreocupado. – é isso que ele quer que aconteça...
- ACONTECEU! – berrou Arthur alucinado. – EU TOQUEI NAQUILO DE VERDADE!
- O que você está falando...
- Quando eu acordei minha cama estava suja de sangue. DE SANGUE!
- Você não pode... – Virgilius não foi capaz de responder.
Arthur ergueu a mão ferida tremendo ainda mais. Tentou dizer o que ela significava mais não conseguiu, no entanto não fora preciso. Os rostos de Belforth e Virgilius se contorceram numa horrenda expressão de pânico.
Depois do que pareceu mil anos Belforth falou:
- Não sei o que ai acontecer daqui para frente. – disse pesaroso. – mais essa ilha não é mais segura.
- Não podemos retirar todos daqui antes da meia-noite. – meneou Virgilius. – é impossível.
Os dois se entreolharam arrasados. Todo o esforço de anos fora inútil. Arthur se sentia infeliz, sabia o que aconteceria quando a meia-noite chegasse, se ele ao menos não tivesse vindo para Palas. Se tivesse ficado em seu Ninho de Rato – Ninho do Arthur – as coisas teriam sido diferentes. A vida nunca havia sido fácil para o cavalheiro da discórdia Arthur Mortense.
Odiou ser um Mortense. Fitou com a mais profunda raiva a foto de seu tetra-tetravô Octavio Mortense. Tudo começara com ele e seu maldito irmão Leto. Ambos eram malditos, assim como o sangue que lhe corria nas veias. E aquele amuleto diabólico, se ao menos pudesse encontra-lo, se ao menos pudesse destruí-lo...
“O infinito”, continuava a dizer sua cabeça, “encontre a Sala do Infinito”.
Precisava sair dali, pensou rapidamente. Sabia um jeito de salvar Palas.
De salvar a todos.
Chegou as pressas no dormitório já se passava pouco mais de uma hora depois da hora do almoço. Demora todo esse tempo para se livrar de Belforth e Virgilius. Achava que os dois tentariam reunir os alunos, tira-los da ilha talvez. Pelo menos as aulas já haviam sido interrompidas.
Mais que se danasse aqueles dois e seus planos. Ele não sairia da ilha, tinha uma idéia maluca, algo que insistia em sua mente a dias.
“A sala do Infinito pode encontrar o Amuleto”
Era isso que ele tinha de fazer. Não sabia como sabia, por que sabia, como faria, ou o que fazia. E não se importava. Já fazia tempo que fazia coisas que não sabia o que estava fazendo. E se essa sala podia encontrar o Amuleto ele iria até ela. E o destruiria.
Ele começara isso, ele terminaria.
A porta do dormitório explodiu contra a parede, e entraram Blackheart, seguido de um gritante Thiago, um assustado Vítor, um desesperada Liana, Uma estática Ana e uma tímida e sem ação Felícia.
- Então você está ai, seu miserável. – gritou Blackheart. – Não sei que merda aconteceu hoje de manhã, mas você me paga pelo que fez Ana.
Arthur pegou a varinha porem desta vez Felipe foi mais rápido.
- Expelliarmus!
A varinha de Arthur voou de sua mão e pulou pelo assoalho escuro.
- E então... – Blackheart levantou Arthur pela gola da camisa e enfiou a ponta de sua varinha no pescoço do garoto. – é tão valente agora, seu merda?
Arthur gorgolejou alguma coisa indistinguível.
- Blackheart, se você não soltá-lo eu juro que o farei se arrepender. – vociferou Thiago mirando sua varinha em Blackheart.
Liana encarou Vítor irritada como se esperasse que ele dissesse alguma coisa, até que percebeu que o segundanista era imprestável para qualquer ato de valentia. Se perguntava porque esse gordo inútil viera com eles então.
- Felipe Blackheart. – disse Liana calmamente como uma mãe mandona. – se você não soltar o Arthur nosso acordou está acabado.
Blackheart congelou no mesmo minuto, e então, desgostoso largou Arthur que se recolheu com o pescoço pegando fogo de tão doído.
- De que acordou essa magrela está falando, Lipe? – perguntou Ana, descendo os olhos com raiva por Liana. Parecia avaliar a beleza da garota, só para averiguar se ela ganhava dela ou apenas humilhava ela como sua linda existência. Descobriu que um pouco das duas coisas.
- Nada. – respondeu o rapaz.
Arthur rastejou para sua varinha e levantou com ela empunhada apontando para todos.
- Acho melhor todos vocês sumirem da minha frente. – bradou ele. – ou vou ter que machuca-los...!
- Arthur você está bem? – Liana estava muito aflita.
Felícia e Vítor pareciam prestes a correr de tanto medo.
- Não, eu não estou bem. – ofegou Arthur. – e vocês não estão seguros... As aulas foram canceladas, e eu acho que vão evacuar a escola, vocês têm que sumir daqui... – Arthur se segurou para não chorar. – por favor, vão embora daqui.
- Cara, que está acontecendo aqui? – disse Thiago quase implorando por uma resposta. – Somos seus amigos...
Arthur se jogou cansado na cama. Não agüentava mais guardar aquele segredo. Voltou-se grato para todos, até mesmo para Blackheart que, por mais estranho que possa parecer, estava disposto a ouvir.
- Tudo começou... – disse Arthur com a voz arrastada. – a mais ou menos 250 anos atrás com a fundação de Palas...
Na mesma hora a voz de Belforth ecoaram em sua mente e repetiu a história com as mesmas palavras do velho.
“Octavio Mortense havia enfrentado seu irmão Leto que dominado pela desolação das trevas planejava trazer de volta o reino antigo do filho do mal Jagaha – a muito banido deste mundo. Contudo o demônio Jagaha não abandonara a terra que por tanto tempo dominou sem deixar sua marca, a pedra Azk, a pedra negra.
“Muitas eras depois um antigo e malévolo governante dos bruxos decidira dominar o grande poder da pedra Azk transformando-a no que hoje conhecemos por Amuleto dos Pesadelos, ou Amuleto de Jagaha.
“Dominado em sua ganância por um poder ao qual jamais dominaria o velho governante, cujo nome ficara perdido nas veias do passado, acabou morto em sua loucura e solidão e escuridão. Depois de todo o mal que causou a todos ao seu redor, e a si próprio finalmente morrera.
“E outra vez o Amuleto se viu desaparecido. Até que Leto Mortense, cuja as trevas fora moradia desde quando seu irmão se lembrava, o reencontrou. E foi quando finalmente o Amuleto encontrou um rei a sua altura.
“Leto possuía um coração tão cruel e perversor quanto o do próprio Jagaha. Era maligno o suficiente para controlar o poder que o objeto encerrava, e com isso, uma nova de eras começou, e só não prosseguiu por muito tempo porque Octavio conseguiu roubar o Amuleto e trazê-lo em segurança ao Brasil.
“Palas originalmente fora criada para guardar o Amuleto, que ainda hoje está cravejado no seio da escola. Os primeiros bruxos e bruxas que foram treinados aqui, pelo próprio Octavio, tinham como função guardar o Amuleto para que quando Leto e seu exercito marchassem para a nova localidade dele não o conseguissem tomá-lo.
“Quando a guerra que Octavio esperava aconteceu, muito sangue se derramou e o próprio fundador da escola morreu, Leto teria ganho, se Octavio no último momento não tivesse usado seu próprio sangue como arma.
“Somente uma coisa satisfaz o Amuleto, e essa coisa é o sangue. Quando Octavio deixou o sangue de sua morte escorrer sobre aquele pedestal onde o Amuleto fora guardado criara sobre ele um selo. Um selo que nem Leto poderia quebrar. Somente um Mortense, descendente de Octavio poderia retira-lo do altar que há anos vem descansando.
“Mas Leto não se dera por vencido, acreditava que poderia remover o Amuleto de sua base, estava desesperado, não sabia que seu irmão deixara uma família escondida em sua passagem pela Alemanha na fuga. Achava que perderia tudo que custara conquistar.
“E então tentou violar o selo, a maldição que cercava o Amuleto e conseguira um castigo pior que o próprio fardo da morte. Seu corpo e sua alma se destruíram, e sua existência se resumiu ao mundo entre os sonhos e o nosso próprio mundo.
“Leto Mortense se tornara um pesadelo real”.
- E eu sou tudo que ele precisa para recuperar seu poder. – terminou Arthur. – eu sou descendente de Octavio Mortense, posso retirar o Amuleto de sua base.
- É horrível, mas... – Liana era única ali ainda capaz de raciocina. – ele não pode te obrigar ir até lá, até ao Amuleto, se sairmos da ilha ele estará perdido, não é? Afinal nem sabemos onde esse Amuleto fica e...
- Isso não é tudo. – cortou Arthur. – Ele conseguiu que meu sangue escorresse pelo Amuleto. Já não existe mais o antigo selo. – e então explicou como seu sangue caíra sobre o amuleto num misto de sonho e realidade durante essa madrugada. – é por isso que tenho que achar a sala do Infinito, ela me mostrara onde está o Amuleto.
- E o que você pretende fazer? – disse Thiago que parecia uma estatua até então.
- Destruí-lo.
Liana coçou o cabelo nervosa.
- Arthur, mais acha que pode confiar num plano feito por uma voz na sua cabeça. – Liana transformou a voz num pedido meloso. – Arthur não ver que Leto quer leva-lo até o Amuleto.
- Ele já não precisa de mim. – lembrou o garoto.- e acho que essa informação veio dele, mas não porque quisesse... Eu meio que roubei da mente dele – se é que ele tem uma. – e mesmo que seja um plano dele eu preciso destruir o Amuleto...
- Mais é perigoso. – insistiu a garota.
- Será muito mais se ele voltar. – Alertou Arthur. – só tenho até a meia noite e tenho que ir... Vocês fujam deste lugar logo que puderem.
Arthur trotou pelo grupo a sua frente até que parou quando Liana agarrou sua mão. Ela tremia tanto quanto ele.
- Você não pode ir sozinho. – choramingou ela. – você não vai durar lá entregue a própria sorte...
Arthur não respondeu. Sabia que era verdade.
- Mas ele não irá sozinho. – alvejou Thiago. – nós iremos com ele.
O garoto olhou ao redor em busca de apoio e justo quem ele menos esperava concordou.
- Tem razão, Brandevil. – disse Felipe Blackheart.
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