-Caraminholas sem cabeça?-



-Capítulo XI-

-Caraminholas sem cabeça?-



A lua levava a noite alta, tragando-se dividida na chuva que espelhava seus reflexos, tornando o céu sem estrelas um lago de vaga luz e aguda sombra.
Poesia nunca é demais, quando o castelo traz o horizonte, recortado fundo pelas nuvens, repicado intacto pela ébrio corrente de luminosa solidão, de cada lágrima que salva o alivio, de cada gota que nos intriga a um todo comovente.
Emburrado em si mesmo, o garoto não se entendia no que via em si pela janela, na lua escondida, preocupado com o que ainda não entendia ou sabia que já fora e com o que ainda não sabia que ia ser.
-Por que sempre tá chovendo quando agente chega no castelo...?- veio um Lilo já intrigado, esbarrando com os pingos na janela- Só dificulta mais a coisa... Não é nosso dia de sorte... ou ano...- continuou, temeroso pelo dia, preocupado com a noite, encaixando o acidente matinal para todo o ano.
À medida que a chuva contornava a estação, o garoto pôs-se ocupado aos resquícios do resto de varinha que conseguira recolher. “...logo a minha...”, logo a dele.
-Bem, na verdade, esse é o primeiro ano que chove e...Ok, foi só um exagero, certo...?- veio Cássio, debruçando-se sobre a inexata desconfiança do amigo.
-Força de expressão.- completou Claire, sorrindo divertida.
-Ou conspiração.- cogitava agora Kelvin, digno de si mesmo.
A estação se aproximava num breu silencioso, falhando à neblina esmiuçada no farol.
-Fico feliz por termos carruagens.- acrescentou a menina depois de uma curta pausa de distância.
-E nem um pouco infeliz por eles não.- apontou um Cássio distraído.
Os novatos do primeiro ano já se agrupavam na confusão do corredor, empurrando desagradavelmente um ao outro na esperança de uma fila. Procurando uma ordem impossível, os monitores estreitavam-se entre os calouros, coordenando um infinito telefone sem fio.
-Dó do pessoal...- continuou Cássio, numa pena divertida- Que dizer, dos monitores, que vão ter que continuar passando por isso por um bom tempo...
Mas podia ser bem divertido, ou “penativo” em quase todos os sentidos, ser um (dês?) leal homem da lei.
-Ei você! Pare de chutar o sapo do garoto!- anteviu a voz executiva na algazarra- Não, cuidado! Argh! Que meleca... gárgulas galopantes...!
É claro que o prazer era sempre a minoria dos casos.
Repuxando todo o todo, o vagão sentiu o remexer da frenagem listrando os trilhos, num ensurdecedor acidente de tropeços.
-Vamos! Levantem-se e comecem a ir para as portas. Ei! A porta não está aberta ainda! Não! Isso é uma janela! Afh... Ok... Thom, você pode ir pegar o garoto? Não deve ter rolado muito longe... pelo menos não passa do riacho.
O que não é, definitivamente, a maioria das coisas.
Com um solavanco ansioso da porta, os alunos do primeiro ano começaram a se jogar para fora, pulando de gota em gota da chuva até a cobertura da estação.
-É... acho melhor esperar eles saírem.- concluiu Lilo, prisioneiro com os outros na cabine do vagão.
-Ou nos infiltrarmos com eles.- sentenciou Kelvin, numa solução investigativa. Aquelas que se tem não se sabe pra investigar o que, só pelo prazer da emoção.
-...uhum... Se não queremos perder um braço...- juntou-se Cássio a porta, achando um calouro que tentava desnorteado arrastar uma cortina presa a um gato (por sentidos contrários a etiqueta do desembarque).
Os outros passageiros começavam sabiamente agora, no final de toda desordem disciplinada, a se juntar ao resto do tumulto, a procura da plataforma. Num temor falseado, os quatro abandonavam o trem para a estação, ilhada pelos ocasionais escorregadores d’água.
Chovia muito molhado, se o termo não for explicitamente desnecessário.
-...que droga...!- afundou a voz de Lilo numa poça.
-Não vá se molhar, eim...- Cássio, explicitamente ele mesmo, sem ter o que declarar.
-Por que entrou ai?- Kelvin, a margem da armadilha.
-Pra evitar a chuva...- Cássio.
-Ah.- concordou Kelvin, “apoçando-se” um passo a frente.
-Acho melhor agente ir.- capitulou Claire.
-É, não parece a melhor noite pra nadar...- declarou Cássio, seguindo um pouco à frente, na distância de um lampião.
Bem, não se realmente fizesse diferença.
Se fosse pelo menos possível o contrário...
-Alunos do primeiro ano! Por aqui!- gritou o chamado, a tradicionalmente conhecida voz barbada, enquanto os calouros desconhecidos de si mesmos procuravam no lampião à frente uma resposta para a noite.
Os quatro logo ganharam do escorregadio piso da estação, contorcido pela problemática enxurrada, para o lamacento caminho acuado até as carruagens negras de escuro, serpenteando cegamente entre a multidão de outros alunos.
Ou pelo menos, eram o que imaginavam.
-...uhn... Eu não sei, mas, não eram para elas estarem por aqui?- Lilo, tateando na cegueira- Que droga... Estamos com pressa!
-Estamos, acho... Aqui? - descobriu Cássio, observando um Kelvin debater perdido em algo invisível, sólido e com dedutivas quatro rodas.
-Lumus...
Por que não pensaram nisso antes? Bem, é como voltar a escrever depois de longos meses de intervalo. A é O, O é U. G é Z e B é B (uma letra fácil de lembrar).
-Já tem gente.- respondeu a gente de dentro- Ai... meu olho! Abaixa isso!
-Acho que tem uma vazia ali...- Lilo, ganhando a frente mais uma vez, aborrecendo-se com o que nunca costumava se aborrecer.
Há sempre um fator principal, aquele que derrubado faz cair todos os outros, levando o humor à poça de singela falta de esportiva. O garoto ainda não tinha certeza de qual era, mas poderíamos julgar com uma certa desconfiada certeza, que uma mistura daquele quadro mítico entre a batalha perdida, a princesa raptada e o dragão convencido na fumaça de orgulho (o que, traduzindo, seria uma importante vila toda em chamas) parecia pintar a questão. Bem, alguns acrescentam um vizir traidor, mas isso é um sinal de sofisticação que não gostaria de impor.
A chuva contornava o grupo, agrupando-os a pingos com outros perdidos, levando a quase todos ao desgosto da derrota em união.
É claro que, relativamente, não era tão grave assim. Bem, não digam isso ao menino.
-Primeiro ano, comigo, aqui, certo!- insistia Hagrid lutando contra o desgosto da chuva- Todos aqui?
Os garotos contornavam as carruagens em acenos simbólicos de ocupação entre si. “Não, nada aqui... quer dizer, está cheio aqui...!”
“...primeiro ano...”
As nuvens abriram em um vazio circular conveniente, dando pouca luz a muita chuva. Tudo ficaria aparentemente mais fácil agora.
-Ei, tem uma sem ninguém!- informou Cássio, puxando a dura tranca da carruagem, enfiando o pé cobiçoso na escada- Quer dizer, tem agente, mas agente ainda não tá aqui dentro... Pronto, tudo resolvido, acho que deveríamos... Lilo?
Claire virou pra procurar, encontrando seu irmão olhando dissolvido pro lado oposto, recortado pelas “primeiras” cabeças murmurantes que se verificavam numa fila.
-Kel, você viu o Lilo?- perguntou, a vista de ninguém.
-Acho que não.- apontou para um vulto a pouco na neblina.
-Lilo!- chamou a menina, avançando poucos passos.
O que desconfiava ser o garoto atrasou o passo numa dúvida de voltar e desistir da decisão do que fazer.
-Ei, você não é do primeiro ano, não é?- perguntou a montanha sombria, enquanto sinalizava para alguns calouros se alinharem numa fila assimétrica- Não devia pegar uma carruagem, ou algo assim? Ahn... você consegue me ouvir?- continuou, ao notar-se desinteressante ao garoto que atravessava seus olhos de noite.
-Onde ta a Juliana?- pensou Hagrid que o garoto lhe perguntara.
-Juliana? Eu... que...?
Claire se aproximava a passos rápidos, competindo com a lama que a tentava ao tropeço, percebendo um diminuto personagem estampado pela chuva, logo atrás do gigante guarda-caça.
-Lilo! Vamos!- veio a menina, chegando a seu ombro, sem entender a incógnita do amigo.
-O que você fez com ela...?- voltou o garoto, pensando em ser agressivo, por não saber bem que tom usar.
-Juliana...?- veio a voz na altura de si mesma, bombeada pela longa capa de chuva detalhando-se na lua, saindo sem uma verdadeira intenção da sombra de um Hagrid que se desviava para acolher os três na situação.
-Vejam, está chovendo forte hoje crianças, não é melhor conversarem outra hora, em algum lugar mais seco?- veio o grandalhão, gingando com a voz, não se preocupando em entender.
-Onde ela está? Está bem, não está?- continuou Lilo, usando um tom perdido entre provocação e repreensão.
-A menina?- descobriram Liar atrás de si mesmo- Não sei.
-Como você não sabe?- começou Lilo, ganhando mais confiança na própria queixa que ainda não parecia compreender muito bem.
Kelvin tentou explicar o ocorrido ainda mais cedo, implicado pela irmã, mas não era muito bom em contar histórias, não de uma maneira clara e quase impessoal. “Aquele garoto brigou com o outro. Daí o outro apareceu e brigou com ele, e tem uma garrafa de café.”, foi tudo o que não conseguira representar.
-Lilo, não aconteceu nada, a Ju está bem, ela só voltou pro castelo com a professora... A chuva está ficando mais forte, vamos pra lá.- tentou Claire.
É curioso como geralmente sentimos dores que não deveríamos sentir. Quero dizer, é irracional como nossa imaginação trabalha muitas vezes contra a gente, ou pelo menos contra o mais razoavelmente pensável sobre agente mesmo ou as coisas que nos incitam à agente-mesmo. Tempera nossos medos, fabrica nossas ilusões, e torna a vida mais “sentida” e emocionante.
-Ela está na ala hospitalar.- declarou Liar, inocente no conhecimento que só ele tinha até agora.
-Ala hospit... Como assim!? O que você...!?- não queria perguntar, realmente.
-Lilo!
O garoto lembrou-se da varinha, ou pelo menos daquela que lembrava ter ainda ontem, puxando o toco de carvalho que lhe sobrara das vestes, despercebido.
Curioso como as pessoas podem mudar em um segundo, e talvez, por um segundo apenas. Lilo não era de brigar, mas também, pensava a menina agora, não tivera muitas oportunidades para se mostrar interessado nisso.
Liar não respondeu. Estava começando a aprender. Bem, talvez não realmente o que todos queriam e lhe diziam que aprendesse. Afinal, era realmente errado se defender antes do ataque? Seu irmão discordaria... mas, nas terras altas da Escócia, faça como os escoceses.
Ah, sim, é claro, sempre há mais um fator. Liar, por experiência que tinha na única ária que se reconhecia um tanto experiente (mais do que podia perceber, menos do que os outros pareciam declarar), não levaria a serio um toco sem magia.
-Ei, o que foi?- voltou Hagrid, percebendo a agitação conflituosa, escapando-lhe o que de fato era uma varinha reduzida a menos que a metade na mão do implicante.
-O que você fez?- Lilo, soltando um pouco de sua implicância acumulada. Primeiro ele atacara seu “amigo” (bem, no mínimo um conhecido, daqueles que não se faz tanta questão), depois o atacara sem uma boa justificativa (Lilo saberia aceitar, depois de horas de conversa e um bom motivo. Era um rapaz razoável, até agora), depois os seus amigos (no sentido que conhecemos) e depois ainda destruíra sua varinha (era um pequeno detalhe que só lembrava no passado, não lhe preocupando no instante do presente).
-Não sei.- não soube Liar.
-Lilo!- Claire.
-Ah é?- pensou o garoto, decidindo-se rapidamente que não sabia o que fazer agora. A vida é sempre um esboço. Nunca ameaçara ninguém- É... Se você não me dizer, eu... azaro você, certo?- confiou em si mesmo, confuso, quase num tom pedinte de instruções.
-Lilo, para, você não sabe o que aconteceu...! Vamos pro castelo..!- Claire, puxando o braço do garoto.
-e... alunos do primeiro ano, venham comigo. Vamos logo para dentro... isso, cuidado com a corda...- começou Hagrid, deletando a cena interrogativamente curiosa de suas preocupações.
A fila começou a avançar à medida que o guarda-caça os conduzia com seus passos de dois metros, cada vez mais distante, deixando um Lilo sem saber o que saber.
Liar pensou em dizer alguma coisa, contorcendo a lembrança do quase inexiste experimento que tinha com as pessoas. A família certamente não entra nessa lista.
-Eu... tenho que ir. Rúbeo Hagrid vai me apresentar o castelo através das docas. Vamos chegar até lá usando um barco. Preciso navega-lo. Obrigado pela atenção.- acrescentou, um tanto satisfeito consigo mesmo, ou pelo menos estaria se entendesse o conceito de satisfação. Virou-se e começou a desacompanhar a fila com seus passos lentos. Retardou, sem pensar melhor, virando para os dois depois de alguns lances de lama- Meu nome é Liar Nanloph Crowmun, da “casa”- enfatizou a tão questionada palavra- dos Crowmun, de Aix. Acho que estou encantado.- apresentou como aprendera sem aulas práticas, tornando-se novamente para a corrida pelo barco.
-Certo.- dispensou-o Claire- Vamos voltar pra carruagem agora.
-Ei... O que...- perdeu-se Lilo- Quero dizer, o que eu...? Ele não falou comigo, ele... é estranho, não é?



-To ensopado...- correu os degraus, atirando chuva para todo lado.
-Nós também, então, porque você não para de molhar mais agente?- atrasou Cássio, atrás do garoto.
-É o tipo de coisa educada de se fazer.- riu Claire, secando o irmão absorto perto a um dos lustres, aos toques de varinha.
-Pelo menos espero que o do jantar seja menos salgado.- salgou a boca, Cássio, esvaziando as mangas d’água- ...quero dizer, o ensopado.
Atravessaram os corredores envolvidos pelo confortável vivacidade que os guiava junto aos outros murmurantes estudantes.
Em algum ponto das longas abóbadas sentiram o corpo tremer num calafrio ilustrativo. Tinha algo bom, errado.
-Acho que foi um feitiço pra secar, coisa assim...- ouviram um comentário próximo espirrar.
Bem, era uma invenção convenientemente muito útil para ocasiões parecidas com aquela.
As portas já estavam abertas, abrigando o tortuoso céu noturno, provocando tufões de luz e relâmpagos de sombras.
-Puxa vida, não sei onde está pior, aqui dentro ou lá fora...- concordavam os alunos em exagerada indecisão, agora que pestanejavam na visão esclarecida do devaneio breu noturno. Pelo menos lá fora, seria impossível descobrir o tormentoso clima encima, uma descoberta mais desconfortante.
As mesas já eram inconfortávelmente ocupadas por estudantes satisfeitos. Sabe, o banco era muito duro, a mesa vezes alta, mas tudo era tão seco quanto o fogo que lembrava na vela o teto inconformado.
-Agente se vê amanhã?- comunicou Claire aos garotos que se afastavam esquecidos.
-Porque veríamos.- Kelvin se afastando para a mesa errada.
Cássio se virou com um Lilo logo atrás.
-Ah? Certo, não é?- veio Cássio, esquecido do que dizer.
-Kel, a nossa é aquela outra. Não, isso é a escada...- voltou-se a menina ao socorro costumeiro do irmão- Acho que sim. Pelo menos no intervalo.
-É, sim, nós... Agente te procura... vocês dois, quero dizer, nós três e...- voltou o menino, encurralado na sua falta de tato.
A viagem fora fácil. Algumas piadas, olhares evitados, candura interrompida pela inocência (?). Afinal, só tinham quase treze anos. Não deveriam se incomodar com o outro sexo (sim, por enquanto na maioria dos casos, o oposto). Pelo menos é o que parecia ser o certo. Ah, como nós adultos ainda somos inocentemente incoerentes. Há coisas na vida que a agente nunca esquece, e uma grande maioria de coisas que já esquecemos que esquecemos. Por isso é tão fácil declarar um certo julgamento.
-Acho que temos alguma aula junto...- cogitou Lilo, salvador- Agente se fala amanhã Claire, té mais.
-Uhum. Dá um “boa noite” para a Ju.
-Se ela conseguir encontrar com agente...- brincou Cássio, voltando pretensamente aliviado para mesa, conforme a menina abandonava-os para a Corvinal.
Hogwarts podia ser um lugar um tanto complicado, implicando pensamento mais livre. O castelo é um exemplo de segregação que se nega e ramifica. Não sei se os tempos de hoje facilitam algumas coisas. Acho que eles nunca são fáceis, nessa atrocidade de sistema. Nesses dias, e provavelmente em muitos outros, era difícil de recordar amizades significativas entre diferentes integrantes de diferentes anos de diferentes casas. É claro, sempre tem a tão falada competitividade estudantil, aquela a que os adultos, mais uma vez incoerentemente enganados em suas próprias recordações despedaçadas, classificam como estimulante ao crescimento acadêmico dos internados. Bem, na minha opinião de narrador (bem significativa no meu próprio texto, imagino), o plano funcionaria melhor, e de uma maneira mais saudável às assaduras, se essa competitividade não se estimulasse com varinhas.
Bem, é claro que nosso grupo quebrava algumas expectativas tradicionais em relação a isso. É o tipo de relação que só um acaso mal resolvido podia entrelaçar. Dois anos foram o bastante para dar confusão ao nó, agora só faltava realmente tentar acostumar.
-Estranho... Já tinha esquecido que ela não morava com agente...- veio Lilo, procurando à mesa um acento ideal pra suas pernas trovejadas.
-...é... estranho...- perdeu-se Cássio na própria estranheza.
-Mas a Ju não!- levantou-se um Lilo surpreendido por si mesmo, desequilibrado ao longo banco- Eu não to vendo ela!- continuou, quase tropeçando aos próprios pés.
Realmente, Cássio pôs-se desinteressado a procurar pela amiga. Não que não ligasse, mas não era exatamente...
-...como se ela tivesse morrido, seqüestrada ou coisa assim, cara. Ela ta bem, tenho certeza.- tranqüilizou Cássio, puxando o amigo de volta à menção de uma batida pelo castelo.
-Ela está sim, e por pouco.- juntou-se a eles no acento uma voz quase desconhecida-... ela teve uns problemas com algumas raízes bem profundas...- brincou Paulo, ajeitando-se para mirar as palavras aos dois.
-Raízes...? Que?- veio Lilo exagerado, baixando a cabeça de Cássio entre eles, exatamente preocupado como o outro imaginara que iria estar.
-Ei! Vai com calma, meu cabelo...!- voltou o amigo, afogado no próprio prato vazio pela exasperada ansiedade do garoto.
-Não se preocupem, eu já disse que ela tá bem.- voltou o informante, animado com o encontro- Quer dizer, deve ter alguns “galhos” nascendo na cabeça- errou os “galos”, o garoto- e algum neurônio “dês-plantado”, acho... Mas a madame Pomfrey disse que ela vai ficar boa, assim que as costelas crescerem no lugar certo.
-...crescerem...?- Lilo, retorcendo as possibilidades- O que é que aquele...- afogou algo bem incivilizado na garganta- moleque fez com ela!...ele...!
-Salvou a vida dela.- completou Paulo, interessado no esforço relutante do colega em tentar se levantar para um compromisso urgente de destruição.
Lilo e Cássio, que agora começavam a juntar alguns detalhes desconhecidos da preocupação, entenderam abismados o que não se encaixava em entender.
-Como?- veio Cássio, primeiro, enquanto Lilo remoia sua apreensão.
-Bem, é meio complicado de explicar, quero dizer, longo e, talvez, inacreditável para vocês... Aliais, foi muita burrice da parte dela... quer dizer...
Tentou examinar uma maneira mais simples de expor essa nova situação. É claro, nunca é tão fácil achar alguma. É mais fácil não entender.
-É... Depois ela te conta melhor...- contou Paulo, levantando-se com o murmúrio- ...se ela conseguir se lembrar... espero...
Depois desfilou pelo salão entre pessoas que se sentavam, arranjando-se comodamente em seus lugares, buscando seu acento na mesa da Lufa-Lufa.
-Você...?- não entendeu Lilo.
-Não.- confirmou Cássio, sem saber ao certo o que confirmara, esquivando-se para cumprimentar alguns conhecidos.
-Boas férias?- trouxe-se para perto Gustaph Edward Ricardo IV, com seu cabelo preto clinicado meticulosamente à xampus caros- As minhas foram compreensivelmente monótonas em algum castelo húngaro de parentes distantes.- terminou, no seu nobre ar sonolento de domingo.
-Ah... foram legais, acho. Agitadas, talvez.- voltou Cássio, procurando por outra esquiva.
-Que bom.- encerrou Gustaph.
O grande salão flamejava entre as velas, ociosas pela falta de vento aqui dentro, enquanto o acalmar dos murmúrios saudava os professores que tomavam suas poltronas, despercebidos junto a longa mesa “pódiada” dignamente à frente de todas as outras.
Acenando para ele mesmo num pensamento-auto-reflexo, o diretor foi o último a se sentar, depois de se certificar que todos estavam aparentemente cômodos e satisfeitos em seus lugares, com a fome a lembrar as entranhas de sua existência (o melhor tempero, a magia fisiológica).
-Putz... Ainda tem a seleção...- lembrou Lilo, desgostoso.
-Sim.- compreendeu Gustaph.
-É, não é?- não disse nada, Cássio.
As portas do salão voltaram a se abrir, trazendo a desnecessária expectativa costumeira de sem passos incertos. Afinal, era só um chapéu velho. Bem, velho o bastante para ser importante. Mesmo que os calouros ignorassem isso.
-Ola, o que eu perdi? Nada, puxa, que chato, achei que ia chegar depois da seleção...
-Bem que ela podia começar depois de eu desaparecer com o frango...- votou Lilo, concordando triste com a voz que lhe ocorria- Depois de esvaziar o prato...
-Bem, o prato está vazio agora...- chateou-se Cássio.
-É...- continuou a menina, procurando uma estratégia segura para se acomodar com os curativos incômodos.
Não havia algo de errado. O contrário é o que parecia ser o caso, nesse caso (redundância necessária!).
“Ei... Tem algo muito... normal aqui...”, raciocinou Cássio, quebrado pela fome.
-Ju!- desacreditou em seus próprios sentidos, um Lilo imprevisto.
-Ai, me ajuda aqui...- foi ajudada a menina, levantando o punho enfaixado até a cabeça no perigo de sentar.
-Você ta bem? Paulo nos disse que...- voltou Cássio.
-É... Depois eu explico... Pode ajudar com a minha perna? Brigada...- contornou-se a menina, ajustando-se entre os dois, presa em suas próprias articulações, acenando para os conhecidos à que chamava atenção- ...minha cabeça ainda dói, mas acho que estou melhor...- acrescentou.
-Juliana! O que aconteceu?-começou Gustaph, no seu jeito, fingindo comovido, cortesia “cortesca” (Ah! Os magiares!) - Ouvi algumas pessoas dizerem que você atacou uma professora.
-Bem, seu informante precisa de um boa ajuda com as orelhas, então...- começou Cássio, sem se divertir- Ela foi é seqüestrada por uma delas.- apontou, para a professora que ganhava a fila enervada que silenciosamente a seguia pelo salão, abismados com o surpreendente teto trovejante. Só quem já atravessou a esse passo até o chapéu poderia entender.
Pelo menos podemos imaginar.
Sabe, Gustaph era uma pessoa para se ignorar, todos entendiam isso. Não que ele fosse uma pessoa má, mas era uma pessoa que não valia a pena por si mesmo. Quero dizer, não pensem que sou excludente ou anti-integralista-social, quer dizer, é o que eu sou, mas, as crianças são inocentes (não deveriam ser?). A questão é que o garoto bastava-se por si só, para ele mesmo. É uma espécie de pecado aristocrata. Bem, pelo menos quando ambientamos o século dezessete, o que não é o caso. Enfim...
-...ai- arrumou as costas retas, como a enfermeira indicara minutos atrás-...no mínimo eu recebi uma detenção de uma professora...- informou para os três-... quer dizer, uns meses dela...
-Mas! Mas você não fez nada!- indignou-se Lilo, revoltado- Ela não tem o direito de...
-Uhn... Na verdade, eu acho que ela infelizmente parece ter sim ... quer dizer, ela é professora, não é?- veio Cássio. Se a situação é inevitável, sapateie um tango argentino pra escapar da tarantela.
-...é... pelo menos, é o que ela própria acha...- reclamou Juliana, sem faze-lo realmente com vontade- ei... quem é aquele?- tentou apontar, com o que sobrava-lhe de apoio.
-que...?- voltou Lilo da muda injúria.
Seguindo a pontaria engessada da menina, achava-se a comprida mesa à frente, enfeitada com professores de mais variadas responsabilidades. Observando a fila estancar à frente do calado banquinho, alguns bebericavam suas taças, desinteressados como deveriam estar depois das férias.
-Aquele...?- Cássio erguei os olhos para procurar o alvo quebrado da menina- Nem sei...
O apontado concordava com seus olhos sempre cerrados, numa exclamação séria por exigência do interlocutor de ocasião. Professor Snape tragava os lábios logo ao lado, no seu desinteresse orgulhosamente entediado com o qual costumeiramente vociferava aulas aos seus alunos, indicando algumas notas com os olhos. O outro, assentindo com uma cortesã gratidão, apalpava a mão apoiando-a num longo bastão que sentado erguia-se a mais que sua cabeça, dando voltas em si mesmo através de nodosas saliências exageradamente sólidas. Bem, pelo menos, era o que lhe pareciam.
-...que roupa... diferente...?- Ju.
-estranha?- Lilo.
-É...- Cássio.
-Tradicional?-surgiu Arashi, abaixando-se furtiva ao ombro dos garotos, carregando seu sotaque.
-Shi!- sussurrou Juliana, contornando-se dolorosamente para saudar a amiga.
-Vim ver como você está.- começou ela- Alguém me disse que você foi morta por uma professora, mas sabia que alguém deveria estar exagerando.
-Só um pouco...- deixou Cássio.
-...eu to bem...- voltou Ju, sem saber bem o que dizer.
-É, tão bem quanto ele...- fez a amiga menção ao prof. Kettleburn, assediado sempre a novos comentários pelas partes que não tinha. Criaturas mágicas era uma vida difícil, é sempre inevitável deixar alguma coisa para trás, para se levar a vida.
-Aquele ali... ele... é japonês?- voltou Lilo para a menina que chegara, ainda procurando o homem do bastão.
-Não.- respondeu ela, seca como apenas séculos de rivalidade podem formular. Não que ligasse conscientemente muito para isso, mas é algo que enraíza e nós toma sem espera ou contragosto- Acho que é chinês.
-Chinês? Acho que é o primeiro professor chinês que eu encontro por aqui...- voltou Cássio, recorrendo ao estranho mais uma vez- São roupas engraçadas...?- afirmou a amiga no que pareceu mais uma pergunta.
-Algo para ocasiões respeitosas, deve ser... Tenho que ir. Estou sentada ali com colegas.- continuou, desarticulando seu inglês decorado ao reparar mais cuidadosa aos traços sérios do interrogado professor- Vemos amanhã.- continuou, levantando-se agachada, ajustando as roupas.
-Ah, tá, tchau Shi...- virou-se Juliana, lembrando-se das costelas de uma forma desagradável-...professor...? O que será que ele ensina?
-Não sei... Não me lembro de ter visto ele antes...- Lilo.
-Não se lembraria, se ele for um novo professor.- voltou Cássio, deduzindo tudo pelo resto da pintura.
-Novo...?- Ju.
-Ou substituto... alguém tá vendo o Licks por ai?- continuou a investigação, sem realmente se incomodar em procurar.
-Licks? Defesa-contra-art...-tentou a voz de Lilo, esticando o olhar pela mesa, engasgando numa chamada que deveriam respeitar.

Ah, sim, velho e talvez um pouco abarrotado,
Mas é assim que vocês todos também vão terminar.
Lembrando o que passou pra saber como o futuro passara
Sem mesmo poder ser, estar, ou questionar.
Mas não se enganem,
Sou e sei o que todos ainda vão saber
Com minhas rugas sou capaz de lhes dizer
A que ponto estamos prontos pra entender.
Sabedoria para uns
Ousadia para outros
Poder pros poderosos
Fidelidade pros honrosos


-A canção tá diferente... Não está?- lembrou Ju, procurando se lembrar.
-Acho que sim...?- Lilo, esquecendo os versos sem recordar dos velhos.

...me experimentem! Não devem temer!

-Ano passado também foi diferente do primeiro, lembram?- lembrou Cássio, sem importância.

...nem se atrapalhar! Estarão em boas mãos!

- Acho que muda todo ano... ou sei lá...
“Atenção, por favor” requisitou a voz ecoante da professora, ao calar das dobras do chapéu, rente ao diretor, degraus acima. “Alunos do primeiro ano, quando eu chamar o nome, por favor, apresentem-se para a seleção...”.
Os murmúrios ansiosos temeram em cessar, obrigando o nervosismo a engolir o agito do coração.
No salão o acontecimento já era costumeiramente ignorado nas conversas abafadas. Apenas os alunos do segundo ano, quase tão calouros quantos os embaixo do chapéu, achavam tudo novo e impressionante. Nunca tinham assistido a uma seleção antes. Não sem ser peça importante dela.
-Hobsbaum, Erick!- chamou a professora, atarefada com a lista.
Lilo remexia cabisbaixo toda a prataria com o garfo, vencido à procura de algo apetitoso para atentar a atenção É claro que, em vão, sabia que o era até o fim da seleção.
-Cada vez maiores, esses calouros do primeiro ano...- comentou um “seteanista” da mesa ao lado- Dá uma olhada naquele ali!- apontou, caçoando com o amigo.
“...aquele...?” procurou Lilo, libertando os olhos do desejo inexiste, entediado com si mesmo.
-Corvinal!- anunciou o chapéu ao roçar a cabeça “ocular” do pequenino.
-...ei...- levantou o corpo, ganhando sua própria atenção- Aquele ali não é aquele garoto...?- continuou, achando na ordem um distúrbio.
-Garoto...?-Cássio, descontraindo-se do nada que estava fazendo.
-Aquele... Liar!?- achou Juliana, desdobrando-se com dificuldade na procura- Mas... O que ele está...?
-Na fila do primeiro ano!- Lilo, desentendido.
Nada fazia sentido, apesar do pequeno esforço cerebral a juntar os cacos.
Era um distúrbio de normalidade, só podia ser. Um garoto que cresceu demais aos onze anos, abandonando uma pretensa sincronia, um edifício no meio de vagas depressões. Na verdade, como sabemos, ele era um garoto consideravelmente baixo pra sua idade.
-Black, Liar!- chamou a prof. McGonagall depois de alguns outros, levando os olhos severamente atentos ao menino.
Liar avançou tropeçando ao toque dos pequenos outros pés.
Sob a custódia desentendida da platéia, Liar imitou o que todos faziam até agora. Sentou-se calado no seu cabelo acinzentado, esperando pelo consolo capilar.
-Ela disse Black...?- voltou Lilo, esquecendo poucos caquinhos, procurando o que juntar- Mas... ele me disse outro nome... algo com W no meio, de Blaix?- não se certificou.
Murmúrios reconheciam estranheza da situação. Ele não tinha onze anos. Pelo menos era o que as pessoas pareciam começar a concordar enquanto a isso.
À ordem de suas intimas cutucadas curiosas, Juliana buscou informação nos professores, esclarecendo ainda mais a sua dúvida. Interessados na conversa interrompida, alguns deles esperavam o resultado que já, compreendia Juliana, se esperava esperar.
“Black? McGonagall disse Black?” ouviu-se de algum lugar, “Como Sirius Black? O cara do mal? Criminoso Nacional?” tentavam concluir.
Juliana deixou-se ali pela orelha, procurando bloquinhos para encaixar no quadro esburacado da memória racional.
Uhn... quadro? Isso a deveria lembrar alguma coisa...? Perseguido, Sirius Black, Criminoso Nacional... N.C...? Onde já tinha visto essa sigla anteriormente?
Virou do prato os olhos cogitativos para o garoto. O chapéu trabalhava a ponta da cabeça, sem perguntas ou respostas, investigando ali onde não conseguia mesmo investigar.
Conduzido por seu convidado, o novo professor adentrava em si mesmo, observando o garoto sob o silêncio do chapéu. Snape deslizava dedo entre dedo, no seu modo de interesse corriqueiro. O diretor sorria vinho em sua taça.
Afinal, o que estavam esperando? O que o chapéu estava aguardando? Como ele poderia ter caraminholas sem cabeça?
-Ei... chapéus morrem...?- Cássio, brincando com a demora.
Ali continuava inquieto na cabeça de um Liar tranqüilo, por não se ver ou mesmo se compreender.
Bem, que fosse feito o necessário.
-Sonserina!- folgaram todos ao receber verdadeiramente uma resposta, depois de quase muitos minutos de demora em que cogitavam não haver uma.
“Sonserina, então...?”, pareceu certo a Lilo, cada vez mais injustiçado na sua certeza, “Parece o lugar certo... não parece?”
Não, não parecia.
Liar sentiu o chapéu coordenando seu pensamento sem um motivo pra o faze-lo, retirando-se de sua cabeça aos cuidados da professora.
-Já pode ir, Sr.Black.- virou a McGonagall para o confortável garoto ainda no banquinho- Vá para a mesa da sua casa.
-Não posso.
-Não pode?
-Estou no seu castelo.
-Sonserina, essa é sua casa.- apontou para a mesa que implicantemente não parecia tão feliz em recebe-lo. Por que deveriam aceitar mais um “anormal”?
-Devo me sentar ali?
-Deve morar ali. Não entende o que quero dizer?
-Não.
Liar se levantou sem preocupação com perguntar uma resposta, caminhando ao pé de todos até a mesa. Alguém teve a decência, o que parecia impossível, de abrir-lhe um acento.
-Ei...! Liar! Aqui...!
Era Pleniard, redundada por alguns outros entusiasmados que haviam por acaso testemunhado o curioso incidente de mais cedo.
-Eu sabia! Você só podia vir pra cá! Depois do houve no trem, tanta habilidade...! Quero dizer, não que eu soubesse que você ainda tinha que ir pra algum lugar. Não está um pouco velho pro primário?- guspiu, agitado sem café.
-Não sei.
“Branco, Marlon- Grifinória”, continuou a professora, adiantando-se na lista sem levada ordem.
-...Sonserina...?- veio a si, Juliana.
-Parece que sim.- voltou Cássio.
-Bem, eu imaginei que...- Lilo, sem contrariar.
-Afinal, ele é mau mesmo?- Cássio, interessado na sua maneira sem parênteses.
-uhn... Não sei...- juntou-se a si Juliana, mais uma vez- O Paulo disse que ele me ajudou hoje a tarde.
-E te matou hoje cedo!- Lilo justificou seu julgamento.
-Ah, é... Mas, parece que não era culpa dele...?- pensou que afirmou, a menina- Pelo o que o Paulo diz, ele é que...
“Zufin, Godilis- Lufa-Lufa!”
Palmas levaram o novato até a mesa, miúdo entre roupas longe de seu número. Pra interesse dos mais desinteressados, herdadas do herói irmão mais velho, apanhador do galego Catapultas de Caerphilly. Mas isso é só uma nota desconexa dos eventos atuais. Achei que a letra Z merecia o meu respeito.
Enfim... “Reticênciando” alguém mais inspirador do que eu.
Alvo Dumbledore se levantara. Sorria radiante para os estudantes, os braços bem abertos, como se nada no mundo pudesse ter-lhe agradado mais do que vê-los todos reunidos ali.
-Sejam bem vindos para mais um ano em Hogwarts! Espero que estejam todos confortáveis já que a chuva ainda continua lá fora.- começou, serenamente divertido nas palavras, fazendo menção ao trovejo de terror da noite berrante nas janelas, no céu inquieto bem adentro delas- Antes de nos empanturrarmos com o nosso magnífico banquete, gostaria que todos dessem as boas-vindas a um novo professor, que aceitou meu pedido para ocupar o cargo vago de mestre de Defesa contra as Artes das Trevas,- pesou consigo mesmo, considerando as informações- uma vez que nosso querido antecessor decidiu abandonar a liderança da disciplina a favor de uma vida de incessantes pesquisas pela cura da custeante Bexiga de Calugola nórdica...
-Crônica...- acrescentou Cássio aos ouvidos dos amigos- Ele tinha até na unha...- lembrou-se do sôfrego ex-professor.
-..que infelizmente consumiu quase todo o seu espírito...
-E seu traseiro...
-...durante o ano passado... Ah, sim, deveríamos fazer todos bons-votos pelo sucesso da empreitada...- colocou-se para ele, com sincera intenção- Não é uma coisa agradável de se conviver, uma Calugola do norte...
McGonagall fungou sentada logo ao lado do diretor, levando-lhe um certo “quê” de reconhecimento da estonteante impaciência do estomago da situação.
“Ah, sim, claro, Minerva...”
-Dêem um “olá” ao Prof. Fu Chien, um amigo de lugares um tanto mais distantes.
Um comprimento contrariado começou nas palmas dos poucos alunos que ainda se lembravam de alguns modos, esquecendo o angustiante vazio na prataria.
O novo professor se levantou sem recostar a cadeira para trás, ágil como uma mola, levando o bastão junto a uma reverência entre as longas mangas de sua roupa detalhadamente trançada por uma suave seda branca (daquelas que nos remetem a pó milênios de práticas tribais), sorrindo aos aplausos atrasados.
-Espero que o recebam com todo o bom senso que eu não poderia esperar de ninguém de vocês.- voltou o diretor, entretido na comédia controvérsia- Bem, vamos a festa! Parece a hora certa...- acrescentou definitivamente para ele mesmo, acenando animadamente para o novo professor ao que o prato esvaziava o vazio para o frango, distraído.
-Deveria ter adivinhando que o Pústula ia abdicar...- voltou Cássio, procurando-se interessar por um bife de abóbora(?), talhando em seu talher.
-Tava mesmo precisando de um tempo pra secar...- continuou Lilo, absorto na asa que quebrava em sua boca.
-É... Tentar sentar de novo... Vai que dessa vez ele consegue...
Pústula não passava apenas de um apelido carinhoso, um pequeno eufemismo que deveria fazer a diferença, perto da verdade que não irei exagerar aqui. Não imaginem, nem tentem conceber. Pústula dormia em pé, quase próximo de uma parede “atravesseirada”. Nas aulas, conhecia-se como Prof. Licks. A vida particular é sempre mais complicada e angustiante.
-Estranho... Um professor chinês, não é?- chantageou os amigos por um pouco de suco- Quer dizer, acho que é o primeiro professor estrangeiro que tivemos, não é?- continuou Juliana, sem se preocupar realmente com o assunto.
-Tem o Kettleburn. O Carlinhos me disse que ele é irlandês.- lembrou Lilo, sorrateiro com o frango- Ei! Eu não fui ver o Carlinhos!- esqueceu o menino, martirizando-se por isso. Era parte da confusão. Nada acontece como deveria ser.
-Ela quis dizer não ocidental, não é?- voltou Cássio, de dentro do suco.
-...é... Acho que sim.- procurou a menina por mais bolinhos.
-Tá certo.- cortou Lilo, empinando o pescoço entre as cabeças, vasculhando a ponta da mesa- Ele tá ali...- informou para quem mais quisesse saber, o que se resumia a ele mesmo.
De encontro com a torta, Weasley devorava simpático entre amigos, jogando a conversa em ziguezigue vezes ao irmão. É engraçado como as pessoas sempre pareciam estar felizes ao seu redor, ou pelo menos como Lilo sempre achavam que estavam. Por que não estariam? O Carlinhos era mesmo demais, não era!? Capitão do time, contou o jogador ao admirador enquanto tentava se desvencilhar do garoto de uma forma afável e equilibrada. “É... então nos vemos no castelo, certo? Preciso, ahn... discutir algumas táticas com o time. Não, não, só quando fizer parte dele, foi mal cara. Treine duro, tarei te esperando na equipe”. Ah, claro, era exatamente isso o que Lilo pretendia fazer. Já tinha tudo planejado, a teoria era sempre bem importante. Só faltava executar, o que, aqui entre nós, torna as coisas mais difíceis.
-Vai fazer mesmo o teste...?- conseguiu Cássio desvia-lo, quando começou a babar o copo.
-Que? Sim, vou sim.- voltou Lilo convicto, encontrando o prato “ensucado”, limpando o uniforme, misturando-se com a abóbora, num esforço descuidado.
-Meu gesso Lilo!- tentou Juliana sem sucesso desviar-se do resto de suco que o amigo conseguir derramar.
-Foi mal...!- espantou-se o garoto- Eu cuido disso.- agarrou seu toco ineficiente- .... é... você me empresta a sua?- virou para um Cássio esfomeando-se.
-Pode ser perigoso...- brincou o amigo, procurando a varinha nas vestes.
-Deixa pra lá... Eu do um jeito...
É claro que o jantar continuou esvaziando co longo de outros pequenos acidentes, mas seria tão monótono continua-lo com delongas.
-Eu li que durou dezesseis dias! E que tava chovendo, e nevando ainda!- o que era, considerando, impossível- e o Flechas não conseguir mais marcas... Ninguém via o pomo há uns doze dias, foi ai que...
...Que o último pedaço de sorvete desapareceu...
-Muito bem, imagino que um descanso seja desejosamente necessário depois de tanto melado de abacaxi, o meu preferido por essa noite.- calculou Dumbledore, anunciando o fim do banquete junto aos pratos que terminavam sua função- Ainda gosto muito de limão, mas já dizia um velho amigo meu que o equili... Ah, sim, estão todos dispensados para seus dormitórios. Boa noite. Lembrem-se que na cama mais profunda esperam os sonhos que ninguém pode esperar, o que pode ser agradavelmente revelador. Mas não devem esquecer que, algum dia, vocês terão que acordar e descobrir que um pesadelo nunca é tão ruim assim.- terminou finalmente, numa curiosa necessidade de proclamar algo que lhe parecesse inspirador- Acho...- sorriu amável para seus alunos que começavam a levantar, arrastando os pés num suspiro de satisfeita agitação.
Era a felicidade, sim, mais uma vez, tropeçando nas centenas de pés fartos de paz e desordenada harmonia. Não que não agradecesse por esse suspiro silencioso de ventura pelo menos todos os dias de sua vida, mas obrigava-se com gosto, desde há três anos, a uma maior reverência ao bom caso do destino, a cada boa oportunidade.
Era bom estar de volta. Era bom sonhar o mesmo sonho que sonhara em sonhar novamente. Mas, não temia ele, sabia que um dia, talvez daqui a muito tempo, daqui a felizes dez anos, teria que se levantar e descobrir que o pesadelo podia ser pior do que não tinha medo de imaginar.
Mas, por enquanto, não passavam de caraminholas sem cabeça.
Seria bom dormir um pouco, depois de sonhar todo esse tanto.


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