A Lenda de Slytherin
A Lenda de Slytherin
Passou-se um mês como se fosse uma semana. Com a entrada de outubro, o tempo esfriou e chuvas constantes castigavam o castelo. Hermione continuava estudando exaustivamente, mas também havia tempo para se divertir com Harry e Rony na sala comunal, ou ir com eles fazer visitas a Hagrid.
Certa noite, ao voltar de um treino de quadribol, Harry contou a Hermione e Rony que tinha sido convidado para uma festa.
— É o aniversário de morte de Nick Quase Sem Cabeça, ele insistiu que eu fosse e levasse vocês.
— Será que tem algo decente para comer em um aniversário de morte? — perguntou Rony.
— Não tenho a menor idéia... Só que a festa é no dia das bruxas, na mesma hora da festa da escola.
— Um aniversário de morte! — disse Hermione. — Poucas pessoas vivas poderão dizer que já foram a uma... Vai ser fascinante!
— Por que alguém iria querer comemorar o dia em que morreu? — disse Rony, rabiscando qualquer coisa em seu pergaminho que devia ser um dever de Poções.
No dia das bruxas, então, Hermione, Rony e Harry apenas passaram pelo salão principal, lindamente decorado com as enormes abóboras de Hagrid, e seguiram para as masmorras onde ocorreria a festa do fantasma da Grifinória.
Hermione não pôde evitar um pouco de decepção; ao invés de fascinante, a festa se revelou desconfortável. A “música” eram barulhos parecidos com serrotes e unhas arranhando quadros-negros. A comida era bem diversa, mas todos os pratos tinham cheiro de podridão. Era estranho observar a pista de dança, apinhada de criaturas esbranquiçadas e translúcidas. Estavam presentes todos os fantasmas que eles conheciam e muitos outros. Até a menina do banheiro estava lá.
— Virem-se, não quero que a Murta Que Geme me veja... — disse Hermione aos amigos.
— Quem? — Harry perguntou.
— Murta Que Geme... Ela assombra o banheiro feminino do primeiro andar.
— Vamos embora logo, por favor... — suplicou Rony. — Talvez ainda tenha alguma coisa para comer no salão principal.
— Esperem — disse Harry, em tom grave. — Fiquem quietos um minuto, estou ouvindo a voz, aquela mesma voz...
Hermione e Rony fixaram os olhos nele, apreensivos. — Está se afastando — disse ele.
— Harry, do que você está falando? — perguntou Hermione. — Eu não estou ouvindo, você está Rony?
— Não...
Mas Harry ignorou os dois e saiu correndo da masmorra. Eles seguiram-no, perplexos.
— Onde estamos indo, Harry? — perguntou Rony, ofegante.
— Vai matar alguém! — gritou Harry, correndo ainda mais rápido.
Hermione e Rony seguiram Harry escadas acima, até o primeiro andar. Ele parou, de súbito, e os dois logo entenderam por que. Ficaram os três paralisados diante do que viam: alguém escrevera na parede, em vermelho muito vivo:
INIMIGOS DO HERDEIRO, CUIDADO
O pior era que perto da pichação, a gata de Argo Filch, Madame Nora, estava pendurada, com os olhos vidrados e dura como pedra. Havia ainda uma enorme poça d’água ao redor. Não demorou muito até que eles ouvissem os passos de inúmeros alunos; a festa de certo terminara e estavam todos se dirigindo a suas casas. Todos pararam repentinamente para observar a cena macabra. Foi então que ouviu-se um grito:
— Inimigos do herdeiro, cuidado! Vocês serão os próximos, sangues ruins!
O olhar de Draco Malfoy cintilou na direção de Hermione.
Depois daquilo, apareceram vários professores e o próprio Filch, que obviamente ficou furioso. Snape quis logo culpar Harry, alegando que ele tinha sido flagrado na cena do crime. A conclusão final a que se chegou era que Madame Nora tinha sido petrificada. A profa. Sprout tentou tranqüilizar Filch.
— Estou criando mandrágoras. Assim que elas estiverem adultas, trarão sua gata de volta ao normal.
Mas Filch não se conformava com isso; queria punir alguém. A palavra final de Dumbledore foi que Hermione, Rony e Harry eram inocentes até que se provasse o contrário. E ele ordenou também que todos fossem direto para os dormitórios.
— O que vocês acham que aconteceu? — perguntou Harry.
— Talvez você saiba melhor do que a gente... — disse Rony. — Afinal, você ouviu a voz outra vez e nós não ouvimos nada.
Hermione permaneceu pensativa. “Câmara secreta, câmara secreta... Já li sobre isso em algum lugar, mas não consigo me lembrar o que é!” Conseguiu lembrar onde tinha lido sobre a lenda da câmara secreta: tinha sido em Hogwarts: Uma História. Porém, lembrou-se no mesmo instante que não trouxera seu exemplar para a escola.
Decidiu que no dia seguinte iria à biblioteca retirar um exemplar do livro, e então lembraria o que significava a tal lenda. Despediu-se de Rony e Harry e foi deitar, mas nervosa com os acontecimentos, demorou a dormir.
Na hora do almoço do dia seguinte, Rony perguntou a Hermione por que ela parecia estar tão apreensiva.
— Não vá me dizer que ficou preocupada com a gata de Filch! A Gina também ficou horrorizada. Tive que consolá-la, contar das mandrágoras e tudo o mais... Agora, você, Mione? A gata já nos incomodou o suficiente...
— Não estou preocupada com a gata, Rony. Preciso ir à biblioteca.
Ela o viu ficar boquiaberto antes de sair correndo do salão principal. Logo em seguida, porém, ele e Harry se juntaram a ela.
— O que você está procurando, Mione? — perguntou Harry, conforme ela se movia agilmente por entre as estantes cheias de livros. Rony fez a mesma pergunta algumas vezes também, mas ela não respondeu. Por fim, quando eles já tinham desistido de perguntar e ela de procurar, anunciou a eles:
— Levaram todos os exemplares de Hogwarts: Uma História. Deixei o meu em casa, não coube no malão! Mas que droga!
— E pra que é que você quer ele agora? — perguntou Rony.
— Ora, pelo mesmo motivo que todas as pessoas que vieram aqui pegá-lo nesta manhã; ler sobre a lenda da Câmara Secreta. Tenho certeza que está no livro, mas não consigo me lembrar o que é...
Dias depois, durante uma aula de História da Magia, Hermione ergueu o braço em um intervalo na explicação do prof. Binns.
— Sim, srta. ...?
— Granger, professor. Eu estava imaginando se o senhor poderia nos contar sobre a lenda da Câmara Secreta.
Toda a turma, que estivera entediada, de súbito prestou atenção à cena.
— A minha disciplina é História da Magia, — disse o professor. — e na História lidamos com fatos, não mitos nem lendas.
— Mas professor, toda lenda não é baseada em fatos?
Hermione admirou-se de sua própria coragem ao enfrentar o professor. Ele também parecia admirado, e estudou-a por um momento antes de responder. Correu ainda os olhos pela turma, e pareceu surpreso com todo aquele incomum interesse da parte dos alunos.
— É um argumento válido, suponho; vejamos... Os senhores devem saber, é claro, que Hogwarts foi fundada há mais de mil anos, pelos quatro maiores bruxos da época. As quatro casas da escola foram nomeadas em homenagem a eles: Godrico Gryffindor, Helga HufflePuff, Rowena Ravenclaw e Salazar Slytherin. Os quatro construíram este castelo, longe do olhar dos trouxas. Era uma época em que os bruxos sofriam muitas perseguições. Durante alguns anos, os fundadores trabalharam juntos, em harmonia, selecionando jovens que tivessem talento e trazendo-os para estudar aqui. Mas logo surgiram os desentendimentos... Houve uma divergência entre Slytherin e os outros; ele queria ser mais seletivo na escolha dos estudantes, queria que fossem ensinadas apenas crianças vindas de famílias inteiramente mágicas. Segundo ele, crianças nascidas de pais trouxas não eram dignas de confiança.
O professor fez uma pausa. Hermione sentiu os olhos começarem a marejar. Lembrou-se do homem de voz fria que segurava um elfo doméstico no Beco Diagonal, e dizia que “a vontade de Slytherin seria feita; os sangues-ruins deixariam Hogwarts”. O professor pigarreou antes de continuar.
— Um dia Slytherin e Gryffindor tiveram uma séria discussão sobre isso, e Slytherin deixou Hogwarts. Isso é o que se sabe ao certo, de fontes confiáveis. A lenda parte do princípio de que, apesar de ter deixado a escola, Slytherin teria construído uma câmara secreta, sem o conhecimento dos outros. Diz a lenda que a câmara só poderia ser aberta pelo herdeiro legítimo de Slytherin, quando ele chegasse à escola. Uma vez aberta, a câmara libertaria o horror nela encerrado, e expurgaria a escola de todos que não fossem dignos de estudar magia.
Uma lágrima escorreu dolorosa pela face de Hermione. “A câmara secreta foi aberta, inimigos do herdeiro, cuidado.” Ela secou-a com o dorso da mão, a mesma que levantou em seguida para fazer mais uma pergunta.
— O que o senhor quis dizer com “o horror nela encerrado”?
— Acredita-se que dentro da câmara haveria um monstro que só o herdeiro de Slytherin poderia controlar... Mas é uma tolice completa. A escola já foi vasculhada pelos bruxos mais poderosos, e tal câmara nunca foi encontrada. Agora chega de perder tempo, vamos voltar à História.
Hermione não conseguiu prestar atenção ao resto da aula.
Hermione, Harry e Rony desciam da sala comunal da Grifinória para o jantar, naquela noite, quando acabaram descendo por um lado que não conheciam muito bem do primeiro andar.
— Por que as escadas têm que mudar de lugar? — disse Rony, aborrecido.
— Vejam, estamos perto de onde Madame Nora foi atacada... — disse Harry.
Os três acabaram indo até lá. A água já havia sido enxugada, mas a pichação na parede não pôde ser removida com nenhum tipo de magia. Ainda estava lá, escrito imponentemente: “A Câmara Secreta...”. Havia agora uma cadeira encostada à parede.
— Parece que Filch senta-se aí todas as noites, de guarda. — disse Rony.
Hermione não escutou. Estava mais afastada dos outros dois, observando uma grande quantidade de aranhas correndo e empurrando umas às outras para passar por uma fenda minúscula na janela. Pareciam estar fugindo de alguma coisa.
— Rony, Harry! Venham ver!
Os dois vieram, mas só Harry parou ao lado dela. Rony afastava-se lentamente, com uma expressão de pânico no rosto.
— Que foi, Rony?
— Eu... não gosto de aranhas.
— Não sabia disso... Já vi você trabalhar com tantas nas aulas de Poções...
— Não me importo quando elas estão mortas...
Hermione não pôde conter uma risada, e Rony ficou furioso.
— Não é engraçado! Quando eu tinha três anos, Fred transformou meu ursinho numa aranha gigante... Foi horrível!
— E aquela água toda? — disse Harry, obviamente na intenção de interromper a discussão que se montava. — Alguém enxugou.
— Vinha daqui — disse Rony, apontando para uma porta, mas ao tocar a maçaneta largou-a no mesmo instante, como se tivesse se queimado. — Não posso entrar aqui, é um banheiro de meninas.
Hermione suspirou e riu ao mesmo tempo.
— Esse é o banheiro da Murta Que Geme, está sempre vazio. — disse, e entrou desconsiderando o aviso de “interditado” grudado à porta. Os meninos a seguiram.
Ela lembrou-se da primeira vez que entrara ali, do susto que levara ao ver o fantasma de Murta. Depois daquilo, já fora lá outras vezes, mas sempre que podia evitava.
— Mione — chamou Harry. — Pergunte a ela se ela viu alguma coisa estranha naquela noite...
Hermione se aproximou com cautela do boxe bem ao fundo. Murta estava lá, e levantou seus olhos lacrimosos para ela.
— Oi, Murta... Será que você se lembra daquela noite da festa do Nick Quase Sem Cabeça?
— Só lembro que o Pirraça me chamou de... Espinhenta! — e Murta começou a chorar imediatamente.
— Mas Murta, quando você voltou para cá naquela noite, será que você se lembra de ter visto alguma coisa estranha?
— É claro que não... Cheguei aqui tão atordoada, já tinha até decidido que ia me matar... Mas aí me lembrei que eu já... que eu já estou...
— Morta... — completou Rony, provavelmente com a intenção de ajudar, mas foi um erro; Murta recomeçou seu choro escandaloso e atirou-se privada adentro...
— Bem, — disse Hermione — acho que vindo dela até que conseguimos bastante coisa... Vamos.
Os três saíram, fecharam a porta do banheiro e foram jantar.
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