Adeus



Novembro - 1976

Estavam deitados sobre uma manta, no teto da torre dos leões, um ao lado do outro. Um vento frio soprava, prenúncio de inverno, mas eles não pareciam se importar, enquanto riam, conversando aos murmúrios, contando estrelas.

Fazia pouco tempo que afinal tinham admitido um para o outro que se gostavam. E pareciam estar dispostos a recuperar todo o tempo perdido em discussões inúteis, aproveitando ao máximo todos os momentos em que podiam passar juntos.

- Lily? - ele chamou depois de alguns minutos de confortável silêncio.

- Oi? - ela balbuciou em resposta, sem tirar as orbes verdes do céu escuro.

James rolou para o lado, apoiando a cabeça sobre o braço, observando o rosto dela.

- Você quer saber qual é minha maior fantasia?

A garota corou, preparando-se para ouvir alguma gracinha pervertida típica de Marotos e companhia. James podia ser um namorado extremamente carinhoso e tudo o mais... Mas certos hábitos eram simplesmente impossíveis de serem mudados.

- Devo me preparar psicologicamente para o que estou prestes a ouvir? - ela perguntou, mais para si mesma que para ele.

O rapaz riu de leve, aproximando-se mais do corpo de Lily, deixando o rosto junto ao pescoço dela.

- Você sempre teve sérios problemas com meu cabelo.

Ela piscou confusa. O que o cabelo dele tinha a ver?

- Bem, depois que passamos a trabalhar juntos, eu descobri afinal que essa sua mania é mais um tique nervoso que propriamente uma forma de se exibir por aí. Embora você às vezes faça de propósito.

- Acho então que devo agradecer às loucuras do professor Dumbledore por ter me colocado para trabalhar como monitor-chefe junto a você.

Lily apenas sorriu, sentindo ele abraçá-la pela cintura e um calor reconfortante quando ele apoiou a cabeça em seu ombro. Ela o abraçou pelas costas, descansando a mão junto ao rosto dele.

- Eu queria que você me lavasse o cabelo e tentasse dar um jeito nele. - ele falou baixinho.

- Você queria o quê? - ela perguntou, olhando para o alto da cabeça dele - Essa é sua fantasia?

James ergueu a cabeça, encarando-a com os olhos brilhantes. Havia uma sombra de riso nos lábios dele, mas ele mantinha a face séria.

- O que achou que seria, Lily? Acho que devemos rever conceitos por aqui... A senhorita é quem tem a mente muito pervertida, sabia?

Lily começou a rir e James sentiu todo o corpo dela sacudir sob o dele com o riso cristalino.

- Eu nunca imaginei... Nunca me passou pela cabeça...

- Bem, eu posso mudar minha idéia... - ele respondeu, malicioso - O que acha?

Ela meneou a cabeça, sentando-se.

- Não, lavar seus cabelos está bom pra mim. Vamos lá pra dentro. Acho que a banheira dos monitores ainda está cheia... E vista uma roupa de banho!

Ele a observou, divertido.

- Preciso mesmo estar vestido?

- James...

- Ok, já que você se dispôs tão docemente a realizar minhas fantasias... Será com as suas regras.

Ela apenas sorriu de volta, meneando a cabeça, entrando de volta na torre pela janela, sendo logo seguida pelo rapaz.

- Esteja em dez minutos no banheiro dos monitores. - ela avisou, antes de tomar o caminho de seu dormitório.

- Sim, senhora! - ele prestou continência, enquanto tomava a direção oposta à dela.




O mundo parecia rodar sob seu corpo quando ela acordou. Abriu os olhos devagar, encarando o teto sujo sobre sua cabeça. Onde estava? O que acontecera?

Tentou se lembrar de como viera parar naquele lugar, mas a única lembrança que tinha era de alguém gritando seu nome pouco antes de sentir as unhas pútridas de um Inferi rasgarem sua carne.

Aos poucos, as forças foram voltando e ela conseguiu se mexer. Arrastou-se para junto da parede, apoiando-se nela, notando nesse momento que sua blusa estava aberta e havia um curativo improvisado sobre o corte, que ainda ardia. Lentamente, ela fechou os botões, sentindo a pele fria em contato com os dedos quase insensíveis.

Há quanto tempo estaria ali? Não muito, afinal, seu sangue ainda estava fresco sobre o chão. Fechou os olhos, encostando a cabeça à parede. O esforço de procurar respostas para todas aquelas questões estava deixando-a ainda mais fraca e tonta.

Nesse instante, a porta da cela se abriu com um rangido e Lily reabriu os olhos, encolhendo-se inconscientemente. Duas sombras passaram por ela. Um corpo foi jogado de bruços diante da ruiva e os dois comensais voltaram a sair, sem parecer ter notado a presença dela ali.

- Você é a próxima, sangue-ruim. - uma voz feminina soou fora da cela, vinda da escuridão - Aproveite para se despedir do seu namoradinho.

O barulho das risadas cortantes dos comensais se afastou aos poucos. Lily continuou encolhida junto à parede, sem coragem de se aproximar do corpo que tinha diante de si. Podia ouvir a respiração difícil dele junto ao chão, quase a se confundir com a sua própria.

- James? - ela chamou em um fio de voz, tentando controlar o pequeno filete de lágrimas que lhe escapou pelos olhos.

Ele não respondeu. Respirando fundo, ela tomou coragem para se aproximar, virando-o de barriga para cima. James não parecia muito machucado.

- Lógico que não... - ela comentou amarga para si mesma - Cruciatus não deixa cicatrizes visíveis, Lily.

Ela se sentou ao lado do moreno, abraçando os próprios joelhos, apoiando a cabeça neles para melhor observar a face inconsciente dele.

Sorriu de leve ao se lembrar de um dia muito distante, no banheiro dos monitores, em meio a bolhas e espuma, os dois espirrando água um no outro. Outra lágrima escapou dos olhos dela e um soluço morreu em sua garganta.

Como tudo chegara àquele ponto? Como algo que parecia tão perfeito podia ter trazido tanto sofrimento?

Naqueles dois anos, ela se acostumara a pensar que a culpa era dele. Apenas e exclusivamente de James Potter. Mas agora percebia que não. A culpa era dela também. Por ter sido tão apressada em julgar. Por ter deixado o ciúme dominá-la, por ter desejado revanche, por ter fugido sem explicação...

Se tivesse ficado, se tivesse enfrentado James e encarado seus temores, se tivesse perdido um pouco mais de tempo tentando compreendê-lo em vez de se lamuriar... Se tivesse dado uma chance a eles... Mas fora burra demais para perceber o que estivera diante de seus olhos o tempo todo.

E agora... Bem, agora era tarde. Ouvira a comensal - ela seria a próxima. E já tinha perdido sangue demais; estava muito fraca para suportar uma sessão de tortura com o "milorde". Quando aquela cela voltasse a se abrir, ela seria levada como cordeiro para o sacrifício.

Não teria chance de dizer a James como se arrependia por não ter aceitado aquele anel quando ele oferecera. Não teria chance de senti-lo uma última vez junto a ela, não teria chance de confessar a ele que ainda o amava, como jamais fora capaz de amar outra pessoa.

Ela acariciou de leve o rosto dele e abaixou-se, capturando os lábios de James, sentindo o gosto doce do último beijo que compartilhariam em vida.

- Adeus, meu amor... - ela balbuciou, ouvindo os passos que voltavam a se aproximar.

A porta da cela voltou a se abrir. Ela se levantou, secando as lágrimas.

- Ele quer vê-la agora, sangue-ruim. - o comensal anunciou.

Lily apenas assentiu com a cabeça. Se fosse morrer, seria de cabeça erguida. Ela olhou uma última vez para trás. E suspirou.

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