Cela escura



- Você tem certeza do que está fazendo, Evans? - Moody perguntou sério, observando-a com o recém-implantado olho mágico - Tem certeza que quer ir embora e esperar com os ianques até que os comensais tenham crescido o suficiente para alcançar aquele lugar dos diabos?

Lily sorriu sem emoção alguma.

- Tenho certeza que vocês estão fazendo o melhor, Moody. Eu não sou necessária aqui.

Ele a observou com certa apreensão.

- Você está falando daquele dia quando eu... Evans, eu não quis dizer que você era menos apta que qualquer outro aqui, eu...

- Eu sei que não, Moody. - ela o interrompeu, sentindo-se subitamente um pouco mais simpática do que quando chegara ali - Mas há coisas sobre as quais eu não posso simplesmente passar em branco. Eu tenho meus motivos, não quero explicá-los pois é muito pessoal. Só o que quero é que o senhor me desligue do departamento para que eu possa pedir minha transferência de volta para Nova York.

Moody suspirou, assentindo.

- Muito bem, então. Eu não posso retê-la aqui à força. Mas saiba que vai fazer muita falta ao nosso time, Evans.

Ela assentiu e se levantou, oferecendo a mão ao chefe.

- Espero reencontrá-lo algum dia em uma situação um pouco menos delicada, Olho-tonto.

- Igualmente, Lily. - ele sorriu de leve, aceitando a mão que lhe era estendida.

Ela se virou para a porta, que acabara de abrir. James piscou os olhos, confuso por alguns instantes.

- Desculpe, eu não quis atrapalhar a reunião. - ele preparava-se para se retirar quando Moody fez um movimento de descaso com a mão.

- Pode entrar, Potter. Ela já está indo embora.

James respirou fundo, entrando na sala ao mesmo tempo em que Lily passava por ele sem encará-lo. Ele sentiu o coração diminuir enquanto ela apertava o passo, o perfume dos dois se misturando no ar sem que eles se dessem conta.

Moody observou em silêncio o rapaz parado junto ao umbral da porta acompanhar Lily com o olhar. Meneando a cabeça, o chefe dos aurores voltou a se sentar.

- O que quer aqui, Potter? - ele perguntou, fazendo com que a atenção de James afinal se voltasse para ele.

- Só entregar alguns relatórios. Roockwood confessou estar passando informações para Voldemort há meses. - o moreno empurrou as pastas que carregava consigo para o outro auror.

- Isso não é bom. Roockwood estava em excelente posição aqui dentro. Ele podia entregar qualquer um para os comensais. Inclusive o time de vocês. Era ele quem recebia e rubricava quase todas as petições da Evans.

O silêncio voltou a cair no escritório por alguns instantes enquanto Moody dava uma olhada no conteúdo das pastas que James lhe trouxera e o rapaz continuava a observar a porta pela qual Lily acabara de sair. Ele arqueou as sobrancelhas, como se tivesse se lembrado de algo importante naquele exato instante e virou-se para Moody.

- O que a Evans estava fazendo aqui? Ela recebeu uma licença de uma semana por causa do feriado.

Moody não levantou a cabeça, escondendo o sorriso que se formara em seus lábios.

- Ela veio pedir dispensa. Vai voltar para Nova York.

James sentiu a respiração suspensa.

- Você está brincando, não é? A Evans é uma das nossas melhores estrategistas. O Frank pode ser brilhante, mas ele às vezes idealiza demais os cenários. Como se uma luta entre aurores e comensais fosse um duelo de cavaleiros. Sem ela, nós...

- Acha que eu não sei disso, Potter? - Moody afinal levantou a cabeça, encarando-o curioso - Lily Evans tornou-se peça-chave para o Ministério. Se ela não tivesse pedido essa dispensa, eu ia tratar de colocá-la em algum esquema de segurança. Mas eu não posso amarrá-la ao pé da mesa se ela não quer mais trabalhar conosco.

- Mas por que? - James perguntou sem entender.

Moody voltou a sorrir.

- Você vem perguntar isso a mim?

James piscou os olhos repetidas vezes, tentando processar aquela informação. Até que, afinal, ele entendeu. Ela ia embora por causa dele. Para não vê-lo mais. Ia fugir dele mais uma vez.

Mas aquilo não era certo. O Ministério precisava dela. Sem Lily, sem a lógica dela, a habilidade dela em compreender os objetivos absurdos dos comensais, eles estariam perdidos. Se tivessem que escolher entre eles dois, obviamente que Lily era quem devia ficar. Ele podia ir para outro time se era assim tão insuportável...

A quem ele queria enganar? Que se danasse o Ministério. Era ele quem precisava dela!

- Moody, eu vou...

- Pode ir, Potter. Tenho certeza que você tem uma excelente razão para sair sem terminar de apresentar os relatórios. - Moody respondeu - E só me volte aqui depois do natal, seu moleque!

James apenas riu, deixando o escritório quase correndo. Antes que pudesse chegar no elevador, entretanto, Frank aproximou-se dele, trazendo mais algumas pastas.

- James, isso chegou agora há pouco... Parece que Roockwood estava responsável por...

- Frank, isso não pode ficar para mais tarde? Moody já está com os outros relatórios. Eu preciso ir atrás da Evans.

Ele recomeçou a correr, mas parou ao ouvir o rapaz gritar. Com a face lívida, James voltou a encarar Frank.

- O que disse?

- Roockwood. Ele estava responsável por seqüestrar a Lily. Como ele foi pego, pensamos de início que a missão teria sido abortada. Não colocaram isso no relatório que saiu mais cedo. Só que agora ele disse que ele só estava aqui para conhecer os passos dela. A missão deles não foi abortada, a qualquer momento...

A qualquer momento... James passou a mão pelo cabelo, nervoso.

- Vá agora atrás de Moody e repita isso para ele. Eu vou atrás daquela louca. - ele respondeu em tom urgente.

Novamente ele saiu correndo. Não esperou pelo elevador - em vez disso, rapidamente começou a subir as escadas, tentando não perder o fôlego com suas largas passadas. Precisava chegar até ela antes, precisava encontrá-la, protegê-la...

- Érico, a Evans aparatou daqui?

O velho zelador meneou a cabeça.

- Ela saiu pela passagem normal. Ela parecia precisar caminhar um pouco.

Sem se despedir ou agradecer, James voltou a sair correndo. Do lado de fora do Ministério, ele observou as ruas movimentadas. Voldemort não tentaria nada em plena luz do dia, no centro de Londres. Tentaria?

Ele segurou a varinha, tentando se concentrar em algum rastro dela. Em que direção ela poderia ter ido? Quando finalmente sentiu a presença dela, ele procurou com os olhos um beco onde pudesse aparatar. Demorou alguns minutos, tentando encontrar um lugar menos movimentado, ao mesmo tempo em que se concentrava na presença dela.

Lily estava em apuros. Porque ela sempre tinha que ser tão teimosa? Porque não aceitara a segurança que Moody lhe propusera quando acontecera o primeiro ataque?

Finalmente encontrou um lugar onde poderia aparatar sem ser visto. E quando afinal encontrou Lily, todos os seus pressentimentos se confirmaram. Ela estava no meio de uma doca, circundada por um anel de fogo. Dezenas de Inferis a cercavam. Havia alguns comensais espalhados, em pé sobre os enormes containeres que esperavam para ser embarcados.

O feitiço escudo que ela conjurara estava fraco demais - ele pode perceber pela forma como, cada vez mais, os Inferi conseguiam se aproximar. Lily estava fraca. Ele sabia disso. Sentia isso.

Um dos comensais apontou para a barreira dela e uma rajada azul a atingiu. O anel de fogo se desfez e ela deu um passo para trás, preparando-se para enfrentar os Inferi.

- LILY! - ele gritou quando mais uma rajada de luz foi mandada na direção dela.

A ruiva conseguiu desviar a tempo do feitiço, mas abriu a guarda o suficiente para que um Inferi a atacasse. Ele viu os olhos dela se estreitarem ao mesmo tempo em que ela caía ajoelhada no chão, segurando o lugar onde o Inferi a atingira.

Rapidamente, James correu para junto dela, empunhando a própria varinha, preparando-se para morrer, se necessário. Mas eles não tocariam em Lily.

- Idiota... - um dos comensais resmungou baixinho - Por que ele tinha que se meter?

Regulus observou a prima pular para o chão e começar a lutar contra James. Menos de cinco minutos depois, os outros comensais tinham se juntado a ela e o auror desfalecia ao lado da ruiva.

- Parece que temos um presente melhor para o lorde do que ele imaginara de início. - Bellatrix observou, tirando a máscara.

Regulus apenas assentiu.




James acordou sentindo algo quente junto ao seu rosto. Piscou os olhos por alguns instantes, tentando se acostumar com a pouca claridade que entrava por uma fresta junto ao teto.

Limpou o rosto e observou as mãos sujas. O que era aquilo? Sangue? Seus olhos percorreram no chão a trilha que o sangue fazia. Havia um corpo deitado sobre uma pequena poça do líquido vermelho. O rapaz estreitou os olhos ao reconhecer aquela silhueta.

Sentiu todos os músculos reclamarem quando ele tentou se levantar. Lentamente, ele se aproximou do vulto da ruiva, virando-a de modo a deitar a cabeça dela sobre seu colo.

- Lily...

Ela não abriu os olhos. A respiração dela estava rarefeita, como se apenas um pequeno fio de vida a ligasse ainda ao seu corpo físico. Ele a observou com cuidado, detectando a origem do sangramento. Delicadamente, James abriu os botões da blusa dela, revelando um grande corte junto à costela direita.

Procurou a varinha no bolso, mas não a encontrou. Ingenuidade pensar que os comensais os deixariam com suas varinhas. Ele rasgou um pedaço da própria capa, improvisando um curativo. Estava quase acabando quando ouviu uma chave girar na fechadura.

A porta da cela se abriu e um comensal passou por ela, os olhos claros brilhando por trás da máscara branca.

- O lorde o espera, Potter. Não se preocupe com ela, quando ele acabar, você poderá voltar para junto de sua amada ruivinha.

O tom de deboche era claro, mas ele não conseguiu reconhecer a voz.

- O que seu "lorde" poderia querer comigo? - ele perguntou, com a mesma voz de ironia.

- Isso você só vai saber quando chegar lá. Vamos logo, Potter. Não quer que aconteça alguma coisa a ela, não é mesmo?

Respirando fundo, James se levantou. E, com uma última olhada para o corpo inerte de Lily, deixou a cela, acompanhando o comensal.

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