Dias passados



Junho - 1977

Ela respirou fundo, apoiando-se na parede, tentando não notar o tamanho do cubículo para o qual ele a arrastara. Quando afinal conseguiu voltar a respirar normalmente, observou James, com o ouvido colado à parede, tentando ouvir alguma coisa.

- Acho que Filch já deu o fora. - ele observou casualmente.

Ela bufou irritada, cruzando os braços.

- Se você conseguisse se controlar, não estaríamos nesses apuros. - ela reclamou - Amanhã teremos os últimos testes dos NIEM's, deveríamos estar descansando, e não perambulando pela escola atrás de uma sala vazia.

- Lily, Lily, Lily... - ele meneou a cabeça, se aproximando dela - Esses são nossos últimos dias em Hogwarts. Eu só queria que nossa despedida aqui fosse... Inesquecível...

Ela se sentiu corar quando os dedos dele deslizaram pela blusa entreaberta, fazendo os primeiros botões cederem ao seu toque. Logo o fôlego da ruiva tornou-se extremamente curto, enquanto seu coração batia descompassadamente. Ele não podia estar fazendo aquilo...

Quando sentiu o corpo dele pressioná-la contra a parede, conseguiu afinal reunir todas as suas forças para lutar contra o desejo e empurrá-lo.

James a observou, surpreso.

- Lils, o quê...

- Não, James. Eu não quero que seja dessa forma. - sem se importar com Filch, ela voltou a abrir a passagem e saiu para o corredor, sendo seguida por ele.

- Lily...

Extremamente irritada, ela se virou ainda uma última vez para o rapaz.

- Quando você deixar de se comportar como um animal no cio, me procure. Aí, sim, talvez possamos conversar. Mas por hora, apenas me deixe em paz, sim?

A ruiva deu as costas a ele, caminhando apressadamente pelo corredor. Por sorte, já estavam próximos à torre dos leões. James observou inerte a ruiva desaparecer pela passagem do quadro.

Por que as coisas tinham que ser sempre tão complicadas quando envolviam Lily Evans?

Um sorriso maroto apareceu nos lábios dele enquanto seguia o mesmo caminho que ela fizera. Bem, se era aquela a concepção que ela tinha dele, iria dar motivos para tanto. Depois dos testes, eles teriam um último fim de semana em Hogsmeade. E, por fim, o baile de formatura.

Faria Lily perceber o quanto precisava dele em Hogsmeade. E, até o baile, estariam juntos de novo.




Ela sentiu as unhas se cravarem na carne, enquanto a cerveja amanteigada que bebera mais cedo se revirava em seu estômago.

Mordendo os lábios, Lily ergueu a cabeça, passando por eles sem demonstrar toda a dor que sentia por dentro. Revirara Hogsmeade atrás de James, disposta a pedir desculpas por ter sido tão grossa com ele antes dos testes. Mas agora percebia que o rapaz não merecia sua preocupação ou apreço.

James soltou-se da garota com quem se atracara pouco antes de Lily aparecer. A loirinha imediatamente puxou todo o ar que podia enquanto ele observava a ruiva desaparecer.

Sorrindo, ele colocou as mãos nos bolsos e deu as costas para a menina.

- Desculpe por isso, Dawlish... A gente se vê por aí.

Ele entrou no Três Vassouras, observando com atenção as mesas ocupadas. Não demorou para localizar uma cabeleira ruiva. Lily estava com as amigas, provavelmente desabafando com elas.

Até o jantar, ela iria procurá-lo, chorando e implorando para voltar para ele. Dessa maneira, finalmente provaria a ela que Lily Evans não conseguia mais viver sem James Potter.

E, sem tirar o sorriso do rosto, ele sentou-se com os amigos, imaginando a cena que certamente se desenrolaria quando voltassem a Hogwarts.




Dois dias se passaram sem que ela sequer lhe dirigisse um olhar. E baile seria no dia seguinte... Por que ela ainda não viera lhe pedir desculpas?

Sentado no salão comunal, ele observou a ruiva conversar alegremente com as colegas. Ela não devia estar triste? Chorando pelos cantos? Totalmente acabada para que ele estendesse a mão e a tirasse do abismo?

James mordeu os lábios. Talvez ela achasse que ele tinha desistido dela. Que ela realmente o magoara e que não o merecia. Respirou fundo ante essa idéia. Jamais desistiria de Lily.

Ele se levantou de sua poltrona, deixando Remus e Sirius, que tentavam conversar com ele, falando sozinhos. Lily levantou a cabeça, encarando-o com os brilhantes olhos verdes no exato instante em que ele parou ao lado dela.

- Lils? Precisamos conversar.

Ela sorriu, inclinando a cabeça para observá-lo apreciativamente.

- Pode falar. - ela respondeu simplesmente.

Nem um leve tremor de voz, nem um suspiro resignado... Aqueles não eram bons sinais... O que estaria acontecendo?

- Em particular, ruiva. - ele respondeu, sério.

Lily se levantou, acenando com a cabeça para as amigas e seguindo para fora da torre com ele.

- Vamos para...

- Eu não vou a lugar algum com você. - ela respondeu, estreitando os olhos - O que quer que queira falar, vai ser aqui mesmo.

James encarou o corredor vazio antes de mirar novamente os olhos brilhantes dela.

- Lils, eu sei que você não quis falar aquilo... - ele começou, suspirando. Por que ela ainda não caíra nos braços dele? - Eu quero que você saiba que está perdoada e...

- Obrigada, Potter, não sabe o quanto seu perdão era necessário para a minha paz interior. - ela o interrompeu sarcasticamente - Era só isso?

Tentando não se intimidar pela frieza dela - mesmo porque, estava mais do que acostumado com aquilo - ele sorriu.

- Não... Eu queria saber a que horas eu pego você amanhã para o baile.

Lily sentiu-se tentada a gargalhar. Ele ainda não tinha percebido? Bem, então era hora de enterrar definitivamente o ego Potter.

- Sinto muito, Potter, mas eu não vou com você.

James sentiu-se congelar. Desde que tinham começado a sair, ela nunca mais tinha usado o sobrenome dele. O que estava acontecendo ali afinal? Para onde fora a frágil Lily que iria pedir perdão por não merecê-lo?

- Você está brincando comigo. - ele afirmou pateticamente.

Lily cruzou os braços.

- Não, não estou. O professor Slughorn quer que eu acompanhe um ex-aluno dele... Acredito que você já o conheça... Benjamin Fenwick, o auror que foi condecorado por bravura mês passado depois de ter lutado sozinho para proteger a entrada do St. Mungus.

- O professor Slughorn não manda em você. Além disso, você já vai comigo! Eu sou seu namo...

- Engraçado... O professor não manda em mim... Mas pelo menos ele tem alguma autoridade sobre minhas ações... E você, Potter? Que autoridade você tem para dizer com quem eu vou ou não ao baile? A autoridade de quem estava praticamente engolindo a Dawlish em um beco qualquer de Hogsmeade? Que moral você tem para falar comigo assim?

Ele sorriu.

- Então você está com ciúmes? E está falando isso só para me fazer pagar pela brincadeirinha que eu fiz no sábado... Ora, Lily, eu...

- Brincadeirinha? - ela riu amarga - Eu sei que você usa óculos, Potter, mas, não esperava que fosse cego. Acabou. Será que não percebeu isso ainda?

- Lily, você não pode...

- Não me diga o que eu posso ou não fazer. Repito que não tem autoridade nenhuma sobre mim. Eu não vou ao baile com você. Na verdade, eu não vou mais a canto nenhum com você. E, se me dá licença, eu vou dormir.

Ela deu as costas a ele, mas James a segurou firmemente pelo braço.

- Você me ama, Lily Evans. Porque está sendo tão cabeça dura?

Com um safanão, ela soltou-se da mão dele.

- Você teve sua chance, Potter. Agora, me deixe em paz.

E, finalmente, ela entrou no salão comunal, deixando-o sozinho no corredor. James encostou-se na parede, escorregando para o chão.

O que fizera?




O salão estava magnificamente decorado. A bebida, a comida, a música... Tudo perfeito.

Ele, entretanto, parecia ser o único a não perceber isso. Seus olhos estavam fixos em um casal desde que entrara no salão.

Podia ver cada pequena sarda no pescoço alvo que, em dias passados, ele acariciara e beijara quando estavam juntos. O vestido dourado estava perfeito no corpo pequeno da sua ruiva. Com os cabelos ruivos soltos, ela parecia a própria encarnação do espírito grifinório.

Ao lado dela, Benjamin Fenwick sorria. E como não poderia estar sorrindo? Ela tinha ao lado dele uma das mais belas mulheres da festa. A mais inteligente. Mais gentil. A única...

Sentiu o ar que inspirara entalar em sua garganta quando Benjamin sorriu, beijando a mão delicada da ruiva e levando-a para a pista de dança. O auror envolveu a cintura de sua Lily, fazendo com que ela encostasse a cabeça ao seu ombro.

Mal percebia as pessoas passando ao seu lado, tentando puxar conversa. Mal percebia os copos virados, engolidos de um gole só. Seus olhos só enxergavam ela. Ela é mais ninguém.

Aquilo não podia ser amor... Estava se tornando uma obsessão. Ele estava ficando doente.

Na pista, Lily separou-se de Benjamin, sorrindo. Ele assentiu com a cabeça enquanto ela falava e, pouco depois, ela deixou o salão. Sozinha.

James se levantou, um tanto tonto por causa do álcool. Era sua última chance. A última chance de tê-la de volta... Ou de tirá-la definitivamente de sua vida.

Ele não precisou andar muito para encontrá-la. Ela estava no corredor, um tanto escondida pelas sombras, debruçada sobre a janela e observando o céu.

- Lils? - ele perguntou, aproximando-se.

Ela se virou, não parecendo muito surpresa por vê-lo ali.

- O quê quer, James? - ela perguntou com a voz triste.

James respirou fundo. Porque ela estava tão triste? Era por sua causa? Também sentia sua falta?

- Lily, eu... O que aconteceu?

Ela apenas sorriu.

- Estou me despedindo. Vou partir no Expresso daqui à uma hora. Benji vai me levar para...

- "Benji"? - ele perguntou com a voz fria, cortante - Você só o conhece há umas poucas horas e já o chama de Benji?

- James, eu...

Uma pontada mais forte no estômago e ele sentiu tudo o que bebera até ali querendo voltar. Mas se controlou. Lily deu um passo à frente, percebendo que ele não estava bem, mas ele a afastou com a mão, apoiando-se na parede.

- James? Até ontem não era Potter? - ele riu amargo, embora sentisse algumas lágrimas nos olhos. O que estava fazendo? - Bem, agora sou eu quem digo, Evans: é Potter pra você, sua pequena vadia. Corra para os braços do Benji. Corra para a cama dele...

O som alto de um tapa ecoou no corredor vazio. Lily levantou a mão mais uma vez, mas parou ao ver um filete de sangue escorrer do pequeno corte que o anel que ela usava fizera no supercílio dele. Os dois se encararam quase com ódio.

- Adeus, Potter. - ela sibilou, antes de dar as costas a ele.

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