Nostalgia



O mar estava calmo, refletindo com exatidão o céu em sua superfície. Apenas uma brisa fria conseguia ondular o reflexo da lua cheia sobre as águas. No convés do navio que o levava para a França, Tiago se deixava perder em recordações.

Há seis anos, numa noite como aquela, eles tinham conseguido se transformar pela primeira vez em animagos. Pedro era um ratinho, aparentemente indefeso, Sirius, um grande cachorro negro ávido por brincadeiras e ele um cervo com magníficos chifres... O que lhe rendera muitas brincadeiras por parte dos outros marotos.

A primeira transformação foi dolorosa, mas tudo valeu à pena quando chegaram na Casa dos Gritos e viram nos olhos do lobisomem um brilho de alegria. Não importava o que Remo dizia sobre ser perigoso e não sei mais o quê, eles eram amigos. E amigos sempre seriam.

Suas lembranças viajaram a um lugar ainda mais longínquo de sua mente: o dia em que recebeu a carta de Hogwarts. Estava no jardim, cuidando dos muitos pássaros de seu pai e, em particular, de Tupã, um pequeno galo-de-campina que Raymond Potter trouxera de uma de suas muitas viagens para o filho. O ar estava quente e o céu, nublado, como se a qualquer momento fosse explodir uma tempestade. Foi quando um pequeno ponto negro no céu começou a crescer em sua direção.

Ele sorrira ao perceber que era uma coruja. Os Potter eram uma das famílias bruxas mais tradicionais do mundo bruxo, então o garoto estava mais que acostumado com corujas voando em pleno dia. Mais que isso, ele estivera esperando por aquela coruja durante todo o verão. Fizera onze anos há uma semana, portanto, já era hora de receber a carta de Hogwarts.

A brisa que perturbava a superfície do mar fê-lo acordar dessas recordações. Passara muito tempo ali fora, era melhor voltar a cabine e ver se Lílian precisava de alguma coisa. Assim, o moreno caminhou decidido, logo chegando a sua cabine, que era contígua a da ruiva. Sem bater, ele abriu a porta que as separava, encontrando Lílian debruçada sobre a escotilha, um robe levemente transparente sobre a camisola.

A ruiva virou-se para ele, e Tiago observou o brilho melancólico dos olhos dela. Lílian estava pálida, os olhos tinham um círculo negro denunciando muitas noites sem dormir e ela parecia extremamente cansada.

- Lily, você está bem? - ele perguntou preocupado.

Ela deu um sorriso fraco como resposta. Não, não estava bem, estava febril e meio zonza. Mas como poderia dizer isso ao rapaz e esperar que ele não fizesse nada? Tinha que esconder a febre. Mas como conseguiria se mal se aguentava nas pernas?

Tiago observou-a sentar na cama, arfante. O que estava acontecendo com Lílian? A ruiva levantou os olhos para ele carinhosamente e a aura prateada dela surgiu. Os olhos dele piscaram cansados e poucos instantes depois, o moreno estava dormindo em pé. Lílian fez um breve movimento com a mão e o corpo do rapaz deitou-se na outra cabine. Ela sorriu ao vê-lo dormindo e fechou a porta, indo até sua mala.

Dumbledore dera a ela um frasco com uma poção para a febre, como se adivinhando que aquilo poderia acontecer. Rapidamente ela bebeu o líquido dourado e sentiu-se infinitamente mais relaxada. Finalmente, ela deitou-se, logo adormecendo em paz.



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Com cuidado, Sirius abriu o velho álbum de fotografias. Na primeira página, recortado contra o céu escuro, estava o castelo de Hogwarts. Ele nunca se esqueceria da primeira vez em que tivera aquela visão, sentado num bote, no meio do lago. Nem em seus sonhos ele imaginara Hogwarts daquela maneira.

Na página seguinte estava a primeira foto dos marotos juntos. Quatro garotos de onze anos acenavam alegremente enquanto dois deles tentavam a todo custo suplantar os outros e aparecer sozinho. Ele e Tiago. Remo apenas os olhava sério, embora tivesse um olhar divertido no rosto e Pedro sorria timidamente. E pensar que quando da chegada ele e Tiago não tinham simpatizado um com o outro... Tudo por causa do sobrenome Black.

Tiago e Remo tinham se conhecido no trem e logo fizeram amizade, embora o moreno fosse extremamente barulhento, ao contrário do outro garoto. Na mesma cabine, duas garotas observavam o discurso de Tiago achando graça: Susan e Emelina. Ele, Sirius Black, viajara em outra cabine com três garotas: Lílian, Selene e Alice.

Quando foi selecionado para a Grifinória, um murmúrio de surpresa percorreu o salão. Como um Black podia cair na Grifinória? Aparentemente, essa era a pergunta de Tiago Potter quando sentou-se ao lado daquele que viria a ser seu melhor amigo. E, ao longo daquela primeira semana, Sirius e Tiago brigaram várias vezes, sendo sempre separados pelos colegas de quarto Remo lupin e Frank Longbottom. Pedro Pettigrew geralmente apenas observava, tímido demais para se meter.

Até o dia da primeira aula de vôo, quando conheceram Snape. O sonserino dissera qualquer coisa ofensiva a Pedro, algo sobre inutilidade e afins e, imediatamente, ele e Tiago se puseram a frente do garotinho, defendendo-o. Foi a primeira de muitas brigas com o "Ranhoso" e eles só se salvaram de uma detenção por causa de uma providencial ajuda de Remo. Desde então, ele e Tiago começaram a se respeitar e a descobrir muitas coisas em comum, em particular um total senso de desprezo às regras.

Mais uma foto. Os quatro estavam dessa vez nos jardins diante do castelo, perto do lago e muitas garotas permaneciam sentadas ao longe, conversando alegremente. Nessa época o interesse deles nos seres do sexo oposto era puramente por travessuras. Eles estavam preparando um terrível susto e Remo observara que os dois morenos tinham idênticos sorrisos marotos no rosto. E, desse dia em diante, eles tinham se auto denominado "Marotos".

Sirius continuou a passar as páginas e, em cada uma delas, rostos conhecidos sorriam e acenavam para ele, em diferentes épocas. Finalmente o rapaz chegou a última fotografia, que fora tirada no dia da formatura, quando a festa terminara e apenas eles permaneciam no salão. Tiago estava abraçado com Lílian, encostado ao piano, o nó da gravata desfeito e os cabelos arrepiados como sempre. Remo e Pedro estavam sem seus pares, sentados melancolicamente sobre o piano com canecas cheias de cerveja amanteigada. Por fim, sentado no chão com Susan apoiada em seu peito, estava ele.

Finalmente ele largou o álbum sobre o sofá e fechou os olhos, tentando pensar no passado mas voltando sempre ao presente. Embora não fosse declarada, eles estavam em guerra. Muitas pessoas estavam morrendo e, apesar de ser um pensamento egoísta, Sirius dava graças aos céus pois ainda não morrera ninguém ligado a ele, ninguém que ele realmente conhecesse, que pudesse lamentar. Tudo bem que Lílian estava separada de todos por causa da maldição, mas estava viva e havia uma esperança de reverter o feitiço. Tiago estava triste, mas nunca desistiria. Pedro permanecia distante, mas ainda era o mesmo. E Remo... Sirius não queria continuar a pensar nisso. Como Tiago dissera, eles eram amigos. E um maroto jamais trairia os outros.



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Selene percorreu a escala musical no teclado, cansada. Susan acabara de sair e ela estava agora completamente sozinha. Por alguns instantes, o silêncio tomou conta da casa, até Selene se levantar e caminhar para uma estante onde livros e outros objetos se empilhavam sem qualquer ordem. Com cuidado, ela retirou de lá uma caixinha verde com detalhes dourados.

A moça tocou com a ponta da varinha a tampa esmeralda, que abriu-se, revelando um painel cheio de pequenos botões. Aquilo era um gravador bruxo, presente de Emelina no natal do terceiro ano. Selene ajustou os botões e logo um ruído alto surgiu. Uma risada.


- Lílian, me devolve isso!

- Ah, Selene, deixa de ser chata, eu não vou quebrar seu gravador! A Susan está tocando, eu só quero deixar aquela desafinada para a posteridade!

- Vai, Selene, o que custa? Se eu soubesse que ia ser tão egoísta não tinha te dado isso de presente.

- Tá, tá bom, mas olha lá o que vai fazer, senhorita Lílian Evans! Se quebrar esse gravador, eu juro que acabo com você!

- Certo. Agora vamos logo, temos que ensaiar, o pai da Su disse que nós vamos ter que nos apresentar para toda a família hoje de noite.

- Isso não vai dar certo...

- deixa de ser pessimista, Alice!

- Mas Lílian, nós estamos começando a tocar agora. Se até a Susan que aprende desde pequena tem dificuldade, imagina a gente?!


O ruído de passos apressados logo foram substituídos por uma melodia alegre. Selene sorriu ao se lembrar da cena. No pequeno estúdio da casa de Susan, a italiana estava em pé, dançando uma tarantella, enquanto todos os instrumentos, que tinham sido encantados, tocavam sozinhos. Elas tinham ficado em silêncio por um bom tempo, observando os complicados passos de dança que Susan fazia, tentando desesperadamente não rir.

Selene ajustou novamente os botões, ouvindo a voz de Emelina e dela mesma cantando. Aquela já era uma gravação dos ensaios das "Black Sabath" para o dia da formatura. Estavam ensaiando a última música que tocariam na festa. Só que elas nunca tocaram, já que Tiago e Sirius subiram no palco e armaram a bagunça...

Pressure pushing down on me
Pressing down on you no man ask for
Under pressure - That burns a building down
Splits a family in two, puts people on streets
It's the terror of knowing what this world is about
Watching some good friends screaming let me out
Pray tomorrow - gets me higher
Pressure on people - people on streets


Gostaria de ter cantado aquela música naquele dia. As cinco tinham ensaiado tanto... Mas talvez, aquela não fosse a época. Aqueles eram dias felizes, e aquela canção... se parecia tanto com os tempos atuais...

- "É o medo de saber o que é esse mundo, assistindo bons amigos implorando: deixem-me sair! Rezo pelo amanhã - me dê mais forças..." - ela sussurrou junto com a música.

As vozes de Lílian e Susan se sobreporam às dela, alegres como nunca mais ela ouvira.

Chipping around - kick my brains around the floor
These are the days it never rains but it pours
People on street... people on street...
It's the terror of knowing what this world is about
Watching some good friends screaming let me out
Pray tomorrow - gets me higher
Pressure on people - people on streets


Sim... Dias em que não chove mas há tempestade, essa era uma descrição muito exata do que estava acontecendo. Selene sabia da existência da Ordem, sabia dos ataques de Voldemort, sabia de tudo o que estava acontecendo ao seu redor. Mas preferia manter tudo como sempre estivera. Preferia fingir que nada estava acontecendo.

Alice se juntou às vozes das amigas, como um coro coordenado por um maestro invisível.

Turned away from it all like a blind man
Sat on a fence but it don't work
Keep coming up with love but it's so slashed and torn
Why - why - why...
Love...
Insanity laughs under pressure we're cracking
Can't we give ourselves one more chance
Why can't we give love that one more chance
Why can't we give love, give love, give love...
Cause love's such an old fashioned word
And love dares you to care for
The people on the edge of the night
And love dares you to change our way of
Caring about ourselves
This is our last chance
This is our last dance
This is ourselves
Under pressure
Under pressure
Pessure...


A música terminou, sobrando apenas o barulho das conversas abafadas das garotas, enquanto guardavam os instrumentos. Selene voltou a fechar a caixinha. Gostaria de voltar a tocar com as meninas. Mas Lílian estava viajando, Emelina, Susan e Alice trabalhando...

- Não importa. - Selene disse para si mesma - Nós vamos voltar a nos reunir em breve e vamos tocar novamente. As Black Sabath... Uma última vez...



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Tiago acordou sentindo o balanço suave do navio. Por alguns instantes ele perguntou-se onde estava até encontrar a silhueta embaçada de alguém debruçada numa pequena janela. Ele pegou os óculos, e Lílian entrou em foco.

- O que aconteceu?

- Você passou a semana dormindo.

- Como?

A ruiva empurrou uma bandeja de comida na direção dele. Tiago observou com atenção o aspecto dela. Lílian ainda tinha um ar melancólico, mas parecia bem melhor. Ela permaneceu em silêncio e Tiago achou melhor não voltar a perguntar. Ele voltou-se para a comida, começando a engoli-la rapidamente.

- Nós chegamos a pouco mais de meia hora.

O moreno levantou-se rápido.

- E o que estamos esperando para desembarcar?

A ruiva suspirou e novamente foi envolvida por sua aura, mas dessa vez ela se transformou num pequeno pássaro, voando para uma gaiola dourada que estava aberta sobre um móvel. Fora daquele jeito que embarcara e seria dessa maneira que chegaria até o castelo de Saint-Germain, perto de Paris.

Duas horas depois ela estava num compartimento escuro de um trem. Tiago teimara em tentar fazer seu "pássaro de estimação" ir com ele, mas o condutor do trem fora totalmente intransigente. Quando Lílian voltou a ver o céu, já era noite. Ela se encolheu toda quando o condutor pegou sua gaiola, entregando-a a um quase desesperado Tiago. Se estivesse em sua forma humana, ela provavelmente teria rido. Tiago conseguia ser tão exagerado...

O moreno observou o pássaro com atenção. Era igual ao seu Tupã. Pena que o pássaro morrera, não por falta, mas por excesso de cuidados. Mas aquele não era Tupã. Aquela pequena ave era a sua Lílian.

As poucas bagagens dos dois foram convenientemente guardadas numa pousada de onde se podia ver o castelo erguer-se no horizonte. Não era tão imponente quanto Hogwarts, mas era uma bela visão. Finalmente, os dois ficaram sozinhos no quarto e Tiago abriu a gaiola, deixando Lílian passar para voltar a sua forma original.

- E agora? - a ruiva perguntou, enquanto caminhava até a janela.

Tiago, tentado segurar seus ímpetos de abraçar a namorada, apenas observou a silhueta do castelo contra a luz clara do luar.

- Vamos para o castelo. Vai ser melhor irmos agora, quando não existe nenhum visitante. Podemos aparatar.

A ruiva assentiu, logo desaparecendo das vistas dele. O moreno sorriu antes de ele também aparatar. Finalmente, as coisas pareciam estar se encaminhando. Em breve, ele poderia estreitar a ruiva em seus braços novamente. Quem sabe eles não podiam até ter uma lua-de-mel em Paris enquanto estavam ali?

Com esses pensamentos reconfortantes na mente, Tiago reapareceu num enorme saguão. Lílian observava uma antiga tapeçaria bordada a ouro. Estavam dentro do castelo de Saint-Germain.

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