O Segundo Conto
Depois da chatíssima aula de Análise de Circuitos, o sinal tocou anunciando o fim de mais um sufocante dia de aula. Amy estava preparada para sair, quando Avril, junto a suas amigas, a barrou em frente à porta do Pátio.
- Escuta aqui, eu não te conheço, nem sei quem você é. Mas sei que foi você quem deu um nó nos meus dois cadarços. Não sei como, mas eu sei.
- Então acho que você sabe muita coisa, a ponto de ter tanta certeza de que fiz um coisa que só você viu - respondeu Amy.
- Olha só, não importa, você é muito esquisita. Vai saber não é uma bruxa, ou esse pessoal do mal...
Amy que tinha lido muitos contos de fadas, respondeu:
- Pois saiba que nem sempre as bruxas são más.
- E quem te perguntou, garota? O que quero dizer é que não quero você em meu caminho. Quando eu for para a esquerda, quero você caminhando para a direita.Quando eu estiver ao norte, você deve estar no sul.
"É isso aí!", ouviu-se uma amiga de Avril dizer.
- Será um prazer - respondeu Amy.
Furou a barreira que a prendia, empurrando de lado as colegas de Avril.
Foi para casa, evitando a rua da livraria.
"Já pensou se a velhinha está do lado de fora, me esperando com uma faca na mão?", devaneou a menina.
Atirou de lado a mochila e subiu para seu quarto, levando consigo apenas o livro. Fechou todas as cortinas e abriu-o, em cima da cama, esperando que aquela luz que imaginava ter visto na escola aparecesse novamente.
Mas nada aconteceu.
"Deve ter ficado defeituoso, depois que caiu no chão", pensou Amy.
Deu uma chacoalhadinha no livro pra ver se funcionava, mas nada. Amy estava quase certa de que o que vira na escola não passava de imaginação. Então voltou a abrir as cortinas e resolveu começar a ler o livro. Antes disso, deu mais uma olhada no leão luminoso da capa. Depois de trocarem olhares, a garota começou a ler o começo de todas as histórias.
Ficou horas presa ao livro. Leu sobre a origem de Nárnia, sobre Jadis e a Palavra Execrável, sobre os anéis mágicos, que transportaram os primeiros humanos para Nárnia, sobre Aslam e o poder de fala dos animais falantes, e outras histórias típicas de contos de fadas.
Leu mais ou menos oitenta páginas antes que o dia terminasse. Porém, quando terminou a primeira história, e ia começar a ler a segunda, percebeu que as páginas restantes do livro estavam todas em branco.
"Impossível. Quando o folheei na escola todas as páginas estavam escritas..."
Estaria Amy ficando louca?
Louca ou não, o fato foi que seu quarto começou a ficar embaçado. As cores todas se misturaram, e em pouco tempo tudo a sua volta era de um branco muito forte, mais forte que o sol ofuscando nossos olhos, para se ter uma idéia.
Mas passados uns dez segundos as coisas já começavam a tomar forma, exceto o chão, que continuava a apresentar um branco muito forte. Amy percebeu que esse branco era neve. A garota estava sentada, sozinha, em meio a um lugar desconhecido, e à sua frente formava-se uma imensa floresta.
"Eu realmente devo estar sonhando"
Como Amy achava que era um sonho, certamente não haveria o que temer. Caminhou rapidamente para as árvores, com pressa; queria vasculhar seu sonho ao máximo antes que o mesmo acabasse.
Estava frio. Amy teve a sensação de que as árvores olhavam para ela. Podia ouvi-las falando, mas não podia decifrar o código. De alguma maneira Amy teve certeza de que as árvores se comunicavam pelo vento. E, não se sabe como, teve também a certeza de que estavam falando dela.
Olhou para cima.Os galhos e folhas das colossais árvores cobriam a luz do sol de inverno.
De repente ouviu-se um barulho, que estava seguindo Amy. Eram barulhos de cascos transpassando pequenos gravetos caídos no chão de neve. Voltou-se e viu, espiando por entre arbustos , uma coisa estranha. Era um homem, mas ao mesmo tempo não era um homem, pois da cintura pra baixo seu corpo era idêntico ao de um bode, e tinha cascos, os mesmos cascos que haviam ressaltado Amy segundos atrás.
- O-o-o que-que é você? - perguntou Amy, meio assustada.
- Oi, meu nome é Bumpt, eu... eu sou um fauno. Você... é algum tipo de chimpanzésem pêlos que cresceu demais?
- Oh... Na verdade, meu nome é Amy Lee. E eu não sou chimpanzé coisa nenhuma. Sou uma menina, oras bolas...
- UMA MENINA? Então você é uma Filha de Eva?!
- Não, o nome da minha mãe é...
- Não, não... O fato é que você... você... Explêndido!
- Este é um sonho muito legal!
- Sonho? Não!Você está em Nárnia! Onde é que fica Sonho?
- Eu... estou... em Nárnia?
- Sim. Na verdade estamos próximos ao Ermo do Lampião.
- Ermo do Lampião... Não conheci esse lugar na história.
- História? Não, querida, não há mais aulas em Nárnia. Não tem como você aprender isso em História. A Feiticeira Branca baniu todas as escolas daqui, e...
- Feiticeira Branca? - perguntou Amy
- Sim. A Feiticeira Branca. Depois que Aslam cantou para que Nárnia fosse criada, os poderes do mal invadiram esta terra. Aslam foi embora, pensando que Nárnia estaria a salvo, mas na primeira oportunidade a Feiticeira uniu um exército, com a força de sua bruxaria, e dominou Nárnia, proclamando um inverno sem fim. E o que é pior de tudo, sem Natal.
- Há quanto tempo dura este inverno?
- Fazem cinco anos que Jadis tomou o poder.
- Jadis? Peraí, eu li sobre ela no livro! Foi ela quem destruiu seu próprio mundo; e agora está em Nárnia, tentando transformá-la no caos que era sua terra?
- Pra quem vem de uma tal de terra dos Sonhos você até que sabe bastante, menininha! Mas vamos sair daqui. Não é seguro ficar conversando no meio da floresta. As árvores ouvem! Ainda não se sabe, mas há boatos de que algumas delas se uniram ao poder do mal... Vamos para a casa dos Irmãos Urso, tenho certeza de que ficarão encantados em recebê-la!
Caminharam então por entre as árvores. Bumpt ia na frente, guiando Amy pela mão. As árvores começaram a se fechar, e já estava muito difícil caminhar, quando por entre uma abertura entraram numa espécie de pátio formado por vegetais, que estavam em volta de uma imensa árvore. Ela devia ter muitos anos, porque seu tronco era muito grosso.
Bumpt bateu de leve na madeira da árvore, que, pelo som, parecia ser oca. Amy se assustou quando uma imperceptível porta se abriu, e de lá saiu uma cara peluda.
- Oh, Bumpt, isso são horas de vir bater em minha porta? Estava penteando meus pêlos, quando... - o olhar do animal focou-se em Amy - Oh, pela Juba do Leão! Não me diga que esta é uma... uma... Filha de Eva...!
- Sim, Mel, mas agora deixe-nos entrar, por favor! Dizem que a Feiticeira tem espiões.
- Oh, claro, entrem...
Amy entrou na imponente árvore, descendo por uma escada que levava a um sub-solo razoavelmente espaçoso. O lugar estava cheio de potes de mel. Ao olhar para cima, depois de ouvir zumbidos, Amy percebeu várias colméias acopladas em todos os cantos possíveis da parte superior do interior da árvore.
"Eles conservam o mel aqui dentro, por causa do inverno..."
Amy também reparou, num canto, entre duas grandes raízes, o que parecia ser uma grande bola de pêlo, que soltava uns grunhidos estranhos, que faziam lembrar o ronco dos humanos. Parecia ser um outro urso.
- Pelo que li deu pra perceber que Jadis é má - disse Amy, mais para si do que para Mel e Bumpt - Mas será que é preciso tanto alarde? Acho que não é tudo isso.
- Você não sabe o que diz, criança. - argumentou Mel - É tudo muito perigoso, principalmente em se tratando de você.
- De mim? Por quê?
- Você ainda não disse a ela, Bumpt?
- Bem... Eu não podia... No meio da floresta?
- Tá, tá! Acho que cabe a mim falar-lhe, garotinha... Os humanos que entram em Nárnia devem morrer.
Amy recuou dois passos, depois de soltar um pequeno gritinho de horror. Mas Mel continuou:
- Antes de Diggory e Polly, os primeiros humanos que pisaram em Nárnia, nos deixarem, se encontraram com Aslam pela última vez. Este, ao que parece, mandou que divulgassem um profecia, que seria a luz para os animais falantes em tempos difíceis. Diz a lenda que dois Filhos de Adão e duas Filhas de Eva se sentarão no trono de Cair Paravel, e que quando isso acontecer, a paz há de reinar. Claro que essa profecia se refere a Jadis. Prova disse é que o poder das estrelas já nos enviou a primeira Filha de Eva!
- Mas eu não posso derrotar o poder de Jadis sozinha.
- Você não conhece ninguém na terra de Sonhos que possa vir com você? - perguntou o fauno
Não, eu... Eu... não tenho amigos...
- Então corra, querida! Arranje-os rápido! O futuro de Nárnia, o cumprimento da profecia, tudo isso depende de você!
- Mas eu não sei como voltar... E já estou começando a ficar com medo deste sonho... Eu quero acordar! Já sei! Bumpt, por favor, me dê um beliscão!
O fauno obedeceu.
Amy, de repente, desesperou-se. A dor era real. Depois que o fauno a beliscara, nada de excepcional havia acontecido. A menina não estava sonhando, como havia pensado desde o começo.
- Eu não acredito... Nárnia é real... Eu estou dentro da história... Eu estou dentro do livro!
- É claro que Nárnia é real! O que você pensava que fosse? Um sonho? - perguntou Mel
- Sim, talvez... - respondeu Amy, com uma voz artificial, mas com uma expressão que deixava clara sua preocupação - Ou um pesadelo. Eu preciso voltar! por favor, me ajudem!
- Claro que lhe ajudaremos - disse o fauno -, mas você tem que nos prometer que virá a Nárnia novamente, com mais uma Filha de Eva e dois Filhos de Adão...
- Farei o possível! Agora preciso voltar! Minha mãe deve estar preocupada...
- Mas como faremos para que ela volte? - perguntou-se Mel - Se ao menos soubéssemos como ou o que a trouxe aqui...
- Eu também não sei! - disse Amy, ao perceber os olhares fixados nela - Simplesmente tudo ficou branco e eu vim parar aqui...
- Então não podemos ajudá-la? - indagou o fauno
- Claro que sim - respondeu uma quarta voz, até agora desconhecida por Amy. Era o urso que estava dormindo: havia acordado - Os anéis mágicos...
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