Confusão e Neve



Cap. 17 - Confusão e Neve

Uma brisa agradável soprava naquela manhã, na Toca. No jardim, os montes de neve finalmente começavam a derreter para dar lugar à grama verde que renascia, a cada ano, naquela mesma época. Varrendo com os olhos o tapete branco e gelado, era possível ver, depois de algum tempo, os primeiros botões de flores e tufos verdes de capim, brilhando por conta do orvalho. O dia ainda estava amanhecendo, e o sol, na linha do horizonte, dava a tudo um brilho irreal, como num sonho. Olhando para cima, os galhos das árvores, que também começavam a recuperar as cores da primavera, moviam-se, ritmados, dançando ao som daquela melodia simples, levemente irritante, mas incrivelmente bela, que era o cantar dos passarinhos ao amanhecer o dia. A construção torta à frente só fazia mais para que a cena parecesse ter sido retirada diretamente de um livro de contos de fadas.

Ninfadora Tonks era um forte contraste àquela visão.

Com os cabelos castanhos curtos, levemente bagunçados pelo vento, enrolada até o pescoço em sua capa preta e um cachecol colorido – lembrança de dias um pouco mais alegres do que sua vida no momento – ela mal podia se lembrar de como se metera naquela confusão. E mal podia esperar para resolvê-la de vez.

Bem, talvez não fosse consertar toda sua vida. Ela ainda teria grandes obstáculos depois desse para ultrapassar, se queria recuperar sua antiga rotina como uma jovem auror despreocupada. Mas esse era o primeiro passo, e possivelmente o mais importante para conseguir o que queria. Era provável que por essa razão nunca tivesse se sentido tão nervosa na vida, e parecesse incapaz de parar de torcer as mãos e morder o lábio inferior enquanto repetia em mentalmente o que pretendia dizer quando atendessem a porta. Se atendessem.

Tomara que não atendam, implorou seu lado covarde, o que estava louco para dar as costas e sair correndo, e aparatar para o outro lado do oceano assim que possível. Quem sabe pudesse ir para a África? Ou a Oceania? Começaria uma vida totalmente nova lá e ninguém saberia quem ela era...

- Tonks?

De supetão, a porta se abriu e um homem jovem, de cabelos ruivos e rosto amassado, claramente recém tirado da cama, fitou-a com olhos azuis muito conhecidos. Ela sentiu o ar lhe fugir dos pulmões.

- Carlinhos – balbuciou ela, debilmente.

Seu rosto demonstrava total incredulidade.

- O que está fazendo aqui?

- Pensando no meu potencial como futura surfista na Austrália – disse, com um risinho. Ele não correspondeu o gesto, encarando-a, com desconfiança.

- O que realmente está fazendo aqui?

Ela suspirou. A verdadeira razão era muito mais complexa do que uma de suas brincadeiras bobas. Depois de uma semana de vigílias, relatórios intermináveis e noites mal dormidas, ela finalmente encontrara coragem para procurá-lo. Talvez tivesse sido o medo. Medo de que, se não falasse com ele naquele momento, nunca mais falaria. Medo de arruinar uma amizade de anos em apenas alguns segundos e ser tão absurdamente fraca que não tentaria arrumar o estrago. Já estava bastante furiosa consigo mesma nos últimos tempos para estar disposta a cometer um ato de covardia com conseqüências daquelas proporções.

Ou talvez tivessem sido os dois copos de uísque de fogo que tomara, não o bastante para deixá-la bêbada, mas o suficiente para lhe dar aquele empurrãozinho.

Fosse qual fosse o motivo, ela estava ali e não tinha a menor intenção de se render. Chegara ali com um objetivo e iria até o fim, mesmo que não conseguisse a amizade de Carlinhos de volta. Sabia que tinha poucas chances de conseguir. Mas, se não tentasse, não teria nenhuma. E, vendo o estado crítico em que sua vida se encontrava no momento, ela estava disposta a arriscar.

- Eu preciso falar com você – falou, sem rodeios, em um fôlego só, como se temesse perder a coragem.

Embora já conhecesse o temperamento da garota, os olhos do rapaz se arregalaram ao notar o tom de certeza em sua voz. Ela erguera o rosto para olhá-lo nos olhos e tinha uma expressão decidida. Fazia algum tempo que não a via assim. Recuando, ele deixou que ela entrasse.

- Podemos ir para o quintal, lá atrás? – perguntou ela – Não quero incomodar Molly e Arthur, é meio cedo... – ele concordou. Sem esperar outro convite, ela se dirigiu para os fundos da casa e ele a seguiu. Quando tirou um pouco de neve de cima do muro e se sentou, não fez nenhum sinal para que ela o acompanhasse. De qualquer forma, ela não teria aceitado. A imagem de relativa calma era apenas um disfarce, cobrindo o que parecia um caldeirão de emoções em ponto de ebulição. Sentia que, para não explodir de nervosismo, precisava se manter em movimento.

- Certo – murmurou, mais para si mesma – Certo – fechou os olhos e respirou profundamente – Lá vou eu.

Ele esperou pacientemente, sem dizer uma palavra. Muito encorajador da parte dele, pensou Tonks, com sarcasmo, sabendo no fundo que não merecia qualquer ajuda. Temendo que ele se cansasse dela e a mandasse embora, ela repassou mentalmente o seu discurso, pela milionésima vez, e olhou para a face inexpressiva do ruivo. Seus olhos azuis pareciam queimá-la, desafiando-a a baixar o rosto, mas ela se manteve firme. Já é hora de fazer a coisa certa. Nada de frescura!

- Eu vim me desculpar. Vim pedir para você me perdoar pelo que eu fiz na outra noite. Foi imoral, errado, nojento, e pode ter certeza de que eu estou me sentindo um lixo! Eu passei noites em claro tentando encontrar uma justificativa para o que eu fiz, mas simplesmente não tem nenhuma. Eu sou a vilã da história. Não me surpreenderia se Você-Sabe-Quem viesse bater na minha porta pra pedir uns conselhos – ela deu uma risadinha, tentando aliviar o clima, sem muito sucesso – De qualquer forma... eu sei que seria demais pedir sua amizade de volta. Sei que provavelmente nada será como antes. Só estou pedindo para não pensar em mim como uma louca psicótica maníaco-depressiva, ou algo do tipo, sabe. Certo, louca, talvez. Um pouquinho. Mas não quero que me odeie pelo resto da minha vida. Você foi o meu melhor amigo desde que eu tinha onze anos, e não vou dizer que preciso de você, embora seja verdade. Eu não estou aqui pensando no que eu preciso. Não é por que preciso que alguém me segure quando estou caindo. Eu já caí antes, e consegui me levantar – havia um nó em sua garganta, embargando sua voz, mas ela o engoliu e manteve a calma. As palavras agora jorravam de sua boca como lava de um vulcão em erupção, mas ela não se arrependia de ter dito qualquer uma delas. Precisava fazê-lo entender as razoes pelas quais viera

– Eu vim por que eu quero você. Sabe, quero você comigo nos fins de semana, para falar bobagens e rir, para pagar uns sorvetes de vez em quando, assistir partidas de quadribol e mandar cartas sobre o último dragão encontrado na Romênia que queimou todo o seu cabelo. Você sempre foi meu melhor amigo, e eu ia sentir muito a sua falta.

Ele ainda não demonstrara nenhuma emoção ao que estava ouvindo, e Tonks estava cada vez mais nervosa. Acabara fugindo do seu discurso pré-planejado, mas ainda assim, achava que tinha se saído bastante bem. No entanto, parecia que o perdão de Carlinhos era algo difícil de conseguir. O pânico de talvez nunca tê-lo de volta começou a balançá-la.

- Eu estava carente e precisava de alguém. Sei que não é muito racional – insistiu, uma nota de histeria agora transparecendo em sua voz – mas é verdade. Você era a única pessoa que estava ao meu lado e sinto muito ter me aproveitado de você. Nunca, nunca foi minha intenção. Mas eu vou entender se você quiser que eu vá embora agora e não volte nunca mais. Prometo que, se você preferir eu finjo que você nunca existiu, e você pode fazer o mesmo, você vai estar na Romênia, então-se-alguém-perguntar-pode-ficar-tipo-Tonks-que-Tonks-e-nunca-mais-olharnaminhacaraoutravez...

- Certo, eu já entendi – disse ele, uma sombra de sorriso finalmente perceptível no rosto. Ela se deixou cair na neve, exausta como se tivesse corrido quilômetros, e deixou que um suspiro lhe escapasse dos lábios. “Eu já entendi”. Não era muito claro. Ele a perdoava ou não? Com o que restara da sua força e coragem, ela se levantou novamente, encharcada, e estendeu-lhe a mão.

- Então, o que me diz?

---

Remus recostou-se na parede de pedra irregular da caverna, de maneira desconfortável. Ia aos poucos caindo nas garras do sono, o cansaço inundando seu corpo, afogando-o, impedindo-lhe de mexer um só músculo. À beira da inconsciência, os olhos pesados se fechando e lutando em vão para se manterem alertas, um sonho, já vivido muitas e muitas vezes, perpassava sua mente.

E no instante seguinte ele se encontrava totalmente desperto.

Havia uma semana que não conseguia pregar os olhos à noite. O encontro com Carlinhos o perturbava, e suas palavras continuavam gritando, como ecos, insistentes no fundo de sua cabeça, não obstante o quanto ele tentasse se distrair com outros assuntos. E então uma pedra parecia desabar em seus pulmões, e uma sensação de impotência se apossava dele. Fechando os punhos com força, as unhas quase cortando a carne, ele fechava os olhos e tentava convencer a si mesmo a não tomar nenhuma atitude impensada. Isso estava se tornando cada vez mais difícil.

Confinado naquela gruta junto com mais centenas de homens e mulheres amaldiçoados, trancado contra sua vontade, duvidando cada vez mais de si mesmo e se seria capaz de cumprir a missão que lhe fora designada, todas as suas forças pareciam estar sendo, aos poucos, sugadas. O ar fétido e os gemidos agonizantes que completavam o ambiente a sua volta só faziam crescer dentro dele a raiva e o medo que toda a situação já naturalmente lhe proporcionara desde a primeira vez que chegara e se deparara com Fenrir Greyback, cumprindo ordens, sem saber exatamente o que o esperava. Mas, por mais que tivesse divagado a respeito, nunca imaginara que seria tão ruim. Cada hora parecia se arrastar por dias. Só podiam sair e respirar um pouco de ar fresco com a permissão do Lobo, e este se tornava cada vez mais ausente. No resto do tempo, estavam presos por feitiços poderosos e vigias cruéis, lobisomens mais velhos que conheciam Greyback desde o princípio de sua maldição e que tinham ordens restritas de matar qualquer um que tentasse fugir. Remus já assistira um senhor doente, de cabelos e barbas brancas implorar para sair e ser atacado sem hesitação. Os gritos de dor e as cenas nauseantes, violentas e impiedosas o perturbaram, a tal ponto que ele fechou os olhos para não assistir mais àquele massacre. Os sons continuaram a atormentá-lo, e havia sangue ao redor dos destroços do corpo do velho quando ele finalmente os abriu, no silêncio modorrento da madrugada. Assim, ele tinha certeza de que estava condenado. Talvez a última coisa que fosse ver no mundo exterior teria sido Carlinhos, acusando-o, agredindo-o.

Era estranho pensar que Carlinhos o atacara daquela maneira. Conhecia-o há alguns anos e sempre haviam se dado bem, conversando sobre jogos de quadribol, ou discutindo a guerra. Não eram íntimos, portanto, mas tinham um relacionamento amigável. Remus não conseguia, então, ver quando tinha ocorrido aquela transição do “Carlinhos-amigo” para o “Carlinhos-não-tão-amigo-e-possivelmente-violento” que ele havia se tornado. Nem sabia que o rapaz estava de volta da Romênia ou o que o fizera retornar. Devia ser um assunto delicado.

Um assunto delicado. Tonks com certeza era um assunto delicado para ele também. Era sua melhor amiga. Ele provavelmente estava com ela antes de encontrá-lo por acaso naquela noite. Devia ter acabado de sair da casa dela. Irracionalmente, a idéia de Carlinhos estar no apartamento de Tonks a noite enfureceu-o de tal modo que ele teve o desejo inexplicável de socar alguém. O que ele estava fazendo lá? Será que eles estavam juntos? Será que, depois de verificar que Remus não iria mesmo voltar para ela, Ninfadora decidira tentar um novo relacionamento? Talvez para esquecê-lo?

De algum modo, egoísta e mau, Remus não queria que ela se envolvesse com ninguém mais. Sim, terminara com ela e recusara-se a deixar a missão. Disse que queria que ela encontrasse alguém bom e jovem, que pudesse fazê-la feliz. Era a mesma atitude altruísta e nobre que tivera que tomar várias vezes na vida, com as pessoas que amara, por saber que não era bom o bastante. Mas, Tonks... ele não podia nem agüentar a idéia de vê-la com outro homem. E, em oposição a isso, sabia que ela não o esperaria para sempre. E, para completar o problema, achava impossível que pudessem ficar juntos. Era um beco sem saída. Mas sabia que, se não tivesse a visão de Tonks ali, com ele, não agüentaria mais do que alguns dias. Era um fiapo de esperança em que ele podia se agarrar agora que todo o resto fora tirado dele. Saber que ele poderia tê-la quando a guerra terminasse era sua única motivação para cumprir a tarefa cada vez mais difícil de permanecer como espião.

Mas, a julgar pelo seu encontro com Carlinhos, até essa pequena réstia de luz estava se apagando agora.

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Havia um nó na garganta de Carlinhos. Seu coração parecia a ponto de se despedaçar dentro do peito, e as cenas no apartamento de Tonks perturbavam sua mente a ponto de deixá-lo a parte da realidade. Revivia, de novo e de novo, o pânico e a dor dela como se fossem seus. Não se lembrava de ter sentido aquela combinação nauseante de sentimentos alguma outra vez na vida. A mistura de raiva, pena, dor, paixão, impotência e frustração, na medida certa para enlouquecê-lo, corria pelo seu corpo, instigando-o a tomar uma atitude, qualquer que fosse, a respeito. Não se importava se não desse resultados. Queria fazer alguma coisa.

Mas a única coisa que fazia sem parar era andar, em um ritmo cada vez mais acelerado, em meio a neve que caía rodopiando ao seu redor, como se pudesse pisotear e enterrar na neve úmida, suja de lama, tudo o que acontecera e tudo o que sentira nas últimas horas. Se pudesse esquecer, ao menos por algum tempo... Se pudesse apagar de sua cabeça que Tonks sofria por amar outro homem, não ele, que estivera sempre ao seu lado, e que não podia fazer nada...

Entretanto lá estava um lembrete vivo de sua dor. Ironicamente, lá estava Remus Lupin, parecendo mais cansado, triste e velho do que nunca, andando há alguns metros adiante em sua direção, sem ainda tê-lo notado. Procurou desesperadamente um local para se esconder, um bar qualquer onde pudesse entrar e fingir que não o vira, mas no instante em que ia dar meia volta percebeu que era tarde demais. Remus já se dirigia a ele em passos lentos, um pequeno sorriso no rosto surpreso.

- Carlinhos – ele estendeu a mão para que o ruivo a apertasse – Achei que estava na Romênia.

Ele não respondeu tampouco lhe apertou a mão. Havia um sentimento novo agora, que se juntava aos outros. Algo mais selvagem que a raiva, que o feria mais que a dor, aos quais já estava achando difícil se habituar. Era culpa dele. Ele era o responsável pelo estado deplorável em que sua melhor amiga estava agora. Ele a tirara de sua vida cotidiana e fizera-a feliz por alguns meses. Fizera a mesma coisa sete anos atrás. Deixara-a alegre, não cabendo em si de felicidade e contentamento, dera-lhe um romance digno de histórias, e depois a atirara de volta ao seu dia-a-dia comum, que já não era mais suficiente. Tonks conseguira superar a decepção da primeira vez, mas Carlinhos não estava seguro de que ela conseguiria desta. Ela estava piorando a cada dia. Será que Remus sabia disso? Será que sabia o quanto sua pequena aventura influenciara Tonks, o quanto ela estava sofrendo por causa dele?

Todos aqueles sentimentos faziam festa dentro dele, pulavam e dançavam em seu estômago, faziam seu coração acelerar. A raiva e a dor se uniram a sensação nova, e as três decidiram agitar mais as coisas. Entorpeceram seu cérebro, e Carlinhos não pôde mais pensar direito. Os três baderneiros barravam os pensamentos antes que eles chegassem ao seu destino. Mas eles queriam mais. Dominaram seus sentidos, controlaram cada músculo, cada minúscula célula do seu corpo.
É culpa dele! É culpa dele! Gritavam alto em sua cabeça. É culpa dele! Faça alguma coisa!

Ele fez. O ato pareceu aliviar o peso que as emoções faziam sobre ele, apenas por alguns instantes. Seu punho voou com toda força em direção ao rosto marcado de Remus, que deu alguns passos para trás, cambaleou e conseguiu recuperar o equilíbrio. Chocado, ele abriu a boca para dizer qualquer coisa. Carlinhos não ouviu. Partiu para cima dele. Remus sentiu o corpo desabar sobre o manto branco e gelado que cobria a rua, e outra pancada. Com algum esforço, segurou os braços do rapaz e levantou-se. Não ia revidar. Havia alguma coisa muito errada acontecendo.

- É sua culpa! – berrou o ruivo quando não conseguiu mais atingi-lo - Ela vai morrer!

- Quem? – gaguejou ele, mesmo tendo uma boa idéia de a quem Carlinhos se referia – Do que você...?

- Tonks! – e, debatendo-se, conseguiu se livrar das mãos firmes de Remus em seus pulsos.

- Carlinhos, acalme-se. Você está fora de si...

- Não! – com outro movimento hábil ele conseguiu acertar Remus no estômago – Você fez isso com ela! É sua culpa!

O ruivo o atacou mais uma vez. Remus empurrou-o para longe. Notou um filete de sangue escorrendo pelo seu queixo, saindo do lábio inferior cortado. Sabia que provavelmente ia doer mais tarde, mas agora parecia imune à dor. Distanciou-se de Carlinhos, que ainda tinha um olhar assassino em sua direção, e recuperou o fôlego.

- O que está acontecendo? – ofegou.

- Ela está piorando! Está morrendo por você, porque você não a ama, como pode não amá-la? É a garota mais incrível que existe, e está trancada no quarto, chorando, por que um idiota como você...

- Chega – ele não gritou, mas seu tom de voz foi definitivo. Acrescentou, então em voz baixa e cansada – Eu tenho problemas demais com que me preocupar, Carlinhos. Tonks sabe de tudo o que está acontecendo, e que tenho razões para não ficar com ela neste momento. Vai ficar tudo bem.

Ante as palavras calmas e indiferentes de Remus, ele quis gritar outra vez. Impulsos de bater nele, enfeitiçá-lo, qualquer coisa que lhe proporcionasse o máximo de dor possível, atravessaram-no. Apanhou a varinha sem se preocupar com trouxas que pudessem estar assistindo. Mas Remus já dera meia volta e estava a metros de distância, andando à passos lentos em direção à sua casa.

Durante alguns minutos Carlinhos continuou parado, ofegante, a adrenalina percorrendo suas veias, sem pensar realmente no que tinha acabado de acontecer. Não tinha certeza do que dissera, ou lembrava-se do que ouvira. Mas tinha os nós dos dedos vermelhos para provar o que havia acontecido. E, de algum modo, sentiu que ao menos conseguira descarregar um pouco suas emoções. Fizera alguma coisa. Talvez não a coisa certa. Mas alguma coisa. E na hora aquilo lhe pareceu suficiente.


---

- Vamos ao Beco Diagonal tomar um sorvete para comemorar!

Tonks parecia radiante em comparação ao seu estado anterior de depressão. Ainda tinha o rosto cansado e os cabelos castanhos – crescendo ao ritmo normal de qualquer ser humano, agora as pontas alcançavam os ombros – mas os olhos tinham recuperado seu brilho e a voz deixava transparecer animação. Ela o abraçara infinitas vezes, gritara, e o abraçara mais um pouco, além de fazer aproximadamente quarenta e oito pedidos de desculpa por minuto. O ruivo estava relutante no início, depois se deixou contagiar pela atmosfera alegre, aliviado com o fato de que sua Tonks – surpreendeu-se com o termo que ele mesmo criara em sua mente, “sua” Tonks, como se fossem propriedade um do outro – estava finalmente de volta. Ou ao menos parte dela.

- Não podemos – explicou ele pacientemente – Está fechada desde que seqüestraram Florean, lembra?

- Bem, então podíamos ir a Hogsmeade. A Dedosdemel está sempre aberta, e tem o Três Vassouras!

- Tonks, eu tenho que voltar para a Romênia daqui algumas horas.

- Por favooooor – implorou, com sua melhor cara de pidona. E ele, como um bom amigo, e típico apaixonado, aceitou ao ver o quanto entusiasmada ela estava com a situação.

- Acho que podemos ir a Hogsmeade, então – concordou.

Minutos depois ambos aparatavam no pequeno povoado, e iam à direção ao bar. Não havia muita gente na rua, como esperado, e os cartazes do Ministério tiravam um pouco da atmosfera alegre do lugar. Mesmo assim, Tonks sentia seu coração inchar de alívio e contentamento. Ele a perdoara. Ele a perdoara! ELE A PERDOARA! Reprimiu o impulso de sair dançando e cantando pela rua, ou de contar ao barman o motivo de sua felicidade – com todos os detalhes dramáticos da história, é claro – quando ele comentou, com uma ponta de sarcasmo: “Estamos muito felizes hoje, não senhorita?”, devido a seu sorriso brilhante, que não tirara do rosto desde o momento em que Carlinhos concordara em perdoá-la. Fez de tudo para parar de abraçá-lo a cada instante, e tentou, sem muito sucesso, cessar as desculpas. Era inevitável.

- O que você vai querer? – Carlinhos perguntou, rindo dela, que continuava a fitá-lo, devaneando a respeito de quanta sorte tinha ao ter recuperado sua amizade – E pare de me olhar assim.

- Uma cerveja amanteigada. E não vou parar de te olhar. Estava com saudade de te olhar!

- Faz só uma semana que estive aqui.

- Acredite, pareceram muitos e muitos anos para mim! Mas tudo bem, pode brigar comigo, estava com saudade disso também – divertiu-se ela. Ele revirou os olhos, mas sua boca se torceu para cima, denunciando-o. Também pareceram a ele muitos e muitos anos. Sentiu-se feliz ao sentar com ela à mesa do bar e poder ouvi-la tagarelar, talvez menos do que em seu estado normal, mas com certeza bem mais do que falara nos últimos meses.

- O que aconteceu com você? – a pergunta não parara de rondar sua cabeça desde que a vira na porta de sua casa, tentando falar com ele.

- O que quer dizer? – ela arregalou os olhos negros e tomou mais um gole de cerveja, sem deixar de encará-lo. Havia um brilho familiar de curiosidade em seus olhos agora, ele constatou.

- Você está... Diferente. Desde a última vez que te vi, quero dizer.

- Ah, sim. Bem... Acontece que eu pensei muito a respeito de tudo. E estava cada vez mais difícil lembrar da antiga Tonks. De acreditar nela. Entende o que eu quero dizer? – perguntou, sem esperar resposta – Ela estava se afastando rápido demais. Eu ia perdê-la se não andasse logo.

- E falar comigo foi o modo que encontrou de trazê-la para perto de você outra vez? – perguntou ele, adotando a maneira figurada com que Tonks resolvera se expressar. Ela olhou para ele por alguns segundos e sorriu.

- Ah, eu não quis puxá-la para perto de mim – disse – Eu só achei que era hora de começar a correr para acompanhá-la. A Tonks – a Tonks de verdade – é muito rápida, sabe. Quase me escapa, a safadinha, dessa vez.

- E agora você a alcançou? - ele estava achando aquela conversa meio maluca, engraçada, mas entendia o que ela estava tentado dizer.

- Digamos que eu estou agarrada em seu braço, sendo arrastada por ela, alguns passos atrás. - ela riu.

Ele olhou para ela. Por algum tempo sem dizer nada, apenas sorrindo. Viu que não estava totalmente curada, mas era inegável que tinha avançado vários passos em sua recuperação. Enquanto ela bebia sua cerveja amanteigada em grandes goles, e fazia comentários inspirados sobre tudo o que lhe vinha à cabeça, ele podia sentir a felicidade – aquela felicidade verdadeira que se sente pelas pessoas de quem realmente gostamos, só pelo fato delas estarem felizes – dentro dele aumentar consideravelmente. Naquele momento, não importava que ela ainda fosse apaixonada por Remus, e fizesse qualquer coisa para tê-lo de volta. Não importava que seus poderes de metamorfomaga ainda não estivessem em forma como antes.

Ocorreu a Carlinhos que ainda havia chances de Tonks realmente vencer aquela corrida.

*

N/A: Uaaau, fazia muito tempo que eu não atualizava! Eu achava que ia escrever muito durante as férias, já que não precisaria estudar nem nada, mas parece que a minha inspiração só aparece no meio das aulas de matemática, e coisa assim. E já que as aulas voltaram hoje, eu provavelmente vou postar com mais freqüência agora. Além disso, a fic está quase acabando - mais uns três capítulos, no máximo. E depois disso acho que eu vou dar uma pausa nas fics. Eu até tenho alguns rascunhos e algumas idéias, mas não ando mais tão empolgada em escrevê-las como antes...

Sobre o capítulo, eu não aguentava mais ver a Tonks deprimida! Achei que já estava na hora de ela começar a se recuperar, mesmo que não completamente. Espero que vocês tenham gostado.

Obrigada mesmo pelos comentários!
Beijos,
Holly Granger

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