Lua Cheia
Cap. 12 – Lua Cheia
Mais uma vez ela conseguira. Mais uma vez o fizera esquecer daquele ser tão sensato, racional, daquele que se preocupava tanto com todos, menos consigo mesmo. Mais uma vez o fez se entregar a ela. Mais uma vez o enfeitiçara, lhe tirara o juízo, lhe tirara as preocupações. Mais uma vez o tinha feito se apaixonar.
Ele tentara, é claro. Tentara com todas as forcas manter-se longe dela, afastar seus pensamentos. Mas falhara. Oh, sim, falhara miseravelmente. Chegara a tal ponto que não conseguia mais resistir, a desejava com todas as forças.
Exatamente como há tantos anos. E, ao mesmo tempo, completamente diferente. Eles eram diferentes agora, mais velhos, maduros, experientes. Mas ele já a conhecia, e ainda podia lembrar-se com exatidão de cada detalhe, de seu corpo, de seus movimentos, de sua voz. Sim, decorara cada curva, o que a fazia suspirar, o que a fazia rir. Ainda podia senti-la, a pele quente junto à dele. Mas, pela primeira vez depois de milhares de noites, ele não precisava mais imaginá-la. Ela estava ali, ao seu lado. Dormindo serenamente, os cabelos negros bagunçados, a pele clara, macia, levemente corada. Ressonava levemente. Apenas observá-la o fez sentir uma explosão de felicidade no peito. Tinha-a finalmente.
Ainda estavam no sótão. Haviam dormido no sofá, tão juntos um ao outro que ocupavam o espaço de uma única pessoa. As pernas entrelaçadas, a respiração compassada dela em seu peito. Afora isso, reinava o mais completo silêncio. A música parara de tocar, provavelmente o feitiço já perdera o efeito há algum tempo.
- Bom dia – ouviu-a murmurar, após um bocejo – Bom saber que ainda está aqui. Não gostaria de acordar e descobrir que tudo não passara de um sonho.
- Não foi um sonho – afirmou ele, beijando-a suavemente. Ela sorriu.
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Os meses que se seguiram passaram como se em um sonho. Agiam durante o dia como se nada houvesse entre eles, e conversavam raramente. Mas ela acostumou-se a descer pé ante pé, em completo silêncio, as escadas da mansão, para recebê-lo na calada da noite. E, ao chegar a Ordem depois de uma ou outra missão, ele sorria como há muito tempo não fazia, ao vê-la ali, sentada no sofá da sala, os olhos brilhando, atentos, a sua espera. Algumas vezes a abraçava e eles ficavam ainda por horas conversando. Em outras ele a pegava no colo e a beijava, sem antes dizer sequer uma palavra. Não conseguia lembrar-se de já ter sido mais feliz.
E estavam se saindo excepcionalmente bem, para dois apaixonados. Podiam afirmar que ninguém suspeitava de nada. Bem, Sirius sabia, é claro. Não parava de lançar indiretas para os dois, de fazer comentários maliciosos. E Gina e Hermione tinham lá suas suspeitas. Mas nada muito preocupante. Na verdade, ambos estavam achando bem difícil se preocupar com qualquer coisa naqueles tempos. Se ousassem apenas olhar um para o outro em reuniões já não conseguiam prestar atenção. Os sorrisos vinham instintivamente, e os olhares se demoravam.
Mas ainda havia algo que incomodava Tonks. Um assunto raramente mencionado perpassava sua mente quando a deixava vagar. Infiltrava-se aos poucos, sem que ela percebesse e de repente a absorvia. Por mais que ela tentasse esquecer, não ligar. Era impossível.
A lua cheia.
Durante essas noites eles se desligavam. Voltavam a ser apenas conhecidos, colegas de trabalho. Ele não deixava ninguém se aproximar. Praticamente a proibira de ir visitá-lo durante os dias em que passava por isso. Não queria que ela fizesse parte daquilo.
Mas, droga. Gostava dele, não importando o fato de ser lobisomem. Não era só nas horas agradáveis que o queria por perto. Ficara com ele sabendo quem ele era de verdade, e não se importando com isso. Tinha consciência de tudo por que ele passava e, por mais terrível que fosse, o amava também nessas horas. Queria estar por perto. Só precisava convencê-lo disso. Mas ele parecia decidido a se condenar por sua condição, como se fosse assim por própria culpa.
- Remus?
Naquela noite os dois haviam ido para o seu quarto e ele acabara por dormir lá. Agora o dia já amanhecia e logo ele teria de sair, se não quisessem levantar suspeitas. Mas, demorando-se a sair, ele continuava deitado junto a ela, afagando-lhe os cabelos e beijando hora ou outra seu rosto.
- Mmmm?
- A lua cheia está chegando – afirmou ela, sem encará-lo. Sabia que ele ficaria chateado por ter tocado nesse assunto.
E, como esperado, sua postura tornou-se rígida de repente. Cessaram as carícias, e ele ficou estranhamente sério, calado. Tonks virou-se na cama e apoiou-se nos cotovelos, para conversar.
- Remus... Você sabe que a gente vai ter que conversar sobre isso algum dia. Qual o problema?
- Não quero que você participe disso – respondeu sombrio.
- Mas eu quero participar. Você está tomando a poção. Está calmo e quase totalmente racional, com todas as suas faculdades mentais. Só está com outra aparência. Por que eu não posso ficar com você?
Ele suspirou pesadamente.
- Tonks, não vamos começar com isso de novo. Você pode, por favor, parar de insistir nesse assunto?
- Não. Não vou parar de insistir até você ceder. Ou pelo menos até me dar um argumento decente sobre por que eu tenho que ficar afastada de você quando vira lobisomem.
Ele fechou os olhos e continuou sem dizer uma palavra. Foi um rápido momento em que Tonks desejou ser Legilimente para poder saber o que se passava em sua cabeça. Finalmente ele abriu os olhos novamente, e disse:
- Ninfa... eu aprendi desde pequeno que isso não dá certo. Eu me envolver com uma mulher. Tive namoradas em Hogwarts. Várias. Mas, as poucas para quem eu contei sobre o meu problema, acabaram se afastando de mim. No sétimo ano, quase ataquei uma delas. Eu nunca me perdoaria se a tivesse mordido. Não quero arriscar sua vida.
- Mas é diferente agora! Tem a poção e...
- Já sei por experiência que quando você entrar naquele quarto e vir como eu... – ele engoliu em seco – como eu fico, quando amaldiçoado... você não vai mais continuar com isso. Não vai mais querer...
- Remus! – exclamou, surpresa ao ver expondo seus sentimentos daquela forma, ele que sempre fora tão fechado. Abraçou-o forte, e por um instante ele pareceu fraquejar, antes de retomar o controle – Eu não acredito no que estou ouvindo! Como você pôde pensar, nem que fosse por um segundo, que eu ia largar você? Quem acha que eu sou? Algum tipo de aproveitadora? Acha que eu só quero a parte boa e depois fingir que nem te conheço, nas horas difíceis?
Pasmo com a “bronca” que estava levando daquela garota anos mais nova, se mostrando tão mais madura que ele, ele a encarava sem conseguir argumentar.
- Pois vou te contar uma novidade, Remus. Eu não sou mais criança. Sei bem onde estou me metendo – mas agora ela já voltara a sorrir – Pode ficar esperando várias visitas minhas na semana que vem.
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- Ei, Tonks!
Faltam apenas duas horas, e todos estarão dormindo. Pobre Remus, sozinho, sofrendo, sem ninguém para lhe fazer companhia. Ele deve estar se sentindo tão mal. Ser lobisomem deve ser mesmo terrível. Se fosse comigo, eu não sei o que faria. Mas agora que eu estou com ele, vai ser tudo diferente!...
- Olá, terra chamando! Tonks!
... Eu vou visitá-lo todos os dias e ele vai se sentir bem melhor! Foi maravilhoso ele ter se aberto comigo. Como eu ia imaginar que ele se sentia tão mal assim?Tão rejeitado? Todos foram sempre muito maus com ele. Bando de preconceituosos!
- Tonks, por Merlim, o que há com você?
Será que ele vai estar com fome? Talvez eu deva levar alguma coisa para ele. Mas e se ele só puder comer alguma coisa esquisita de lobo enquanto está transformado? Droga, queria tanto ter prestado mais atenção àquela aula sobre lobisomens no último ano do treinamento de aurores! Agora vou deixar o coitado passando fome! Que bela namorada ele foi arrumar...
- TONKS!
- Hã? O quê foi? Não precisa gritar, Sirius, eu não sou surda!
- Certo – ele riu – Então, em que estava pensando para ficar nesse momentâneo estado de surdez?
Ela deu um sorriso enigmático.
- Já pensou que talvez não seja da sua conta?
- Já pensou que talvez seja? Ora, vamos lá, Aluado é meu melhor amigo há anos, pensa que eu não sei quando ele está apaixonado? Aliás, vou te dizer uma coisa – ele ficou sério – Não sei o que vocês andam fazendo nesses encontros noturnos, mas nunca o vi tão feliz. Sabe, se você não fosse minha prima, até eu ia querer...
- SIRIUS!
- Calma, calma, brincadeira! – disse ele às gargalhadas, a uma Tonks extremamente corada – Mas, então, por que estava tão absorta em pensamentos desse jeito? O que está tramando?
- Nada. Não estou planejando nada. Por quê? – fingindo-se de desentendida ela olhou evasivamente para os lados, evitando o primo.
- Você não sabe mentir bem, pelo menos não para mim. Só era boa em enganar os professores e monitores da escola quando se metia em encrencas. Desembucha. Qual é o plano?
- Eu... – ela olhou distraidamente para fora da janela, onde a chuva caía forte, batendo nas janelas, e o vento parecia uivar, as árvores chacoalhando como se dançassem uma mesma coreografia – Eu vou ao ficar com o Remus esta noite.
Ela esperou algum comentário maldoso, risos, advertências, piadinhas. Aliás, enquanto as palavras lhe escapavam, já estava tentando pensar em uma resposta travessa para lhe dar caso ele a provocasse. Mas nada veio, e, provavelmente pela primeira vez na vida, Sirius não disse nada. Ele a encarou por algum tempo e então se sentou ao seu lado.
- Aluado sempre foi bem reservado, principalmente sobre esse assunto. Não contaria nem a nós, seus amigos, se não tivéssemos descoberto sozinhos. E, é claro, quando ficou mais velho ele se decepcionou muito com algumas, hmm... paixões. As garotas tinham medo dele, quando descobriam. Quer dizer, Lílian acabou sabendo e se tornou uma grande amiga, sempre ali para apóiá-lo. Acho que ele gostava de ter com quem desabafar às vezes, e garotos adolescentes não são lá muito bons para isso – ele riu – De qualquer modo, para ele deixar que você fosse lá hoje à noite... Ele deve gostar muito mesmo de você, priminha – ele passou o braço por seus ombros – Pode ter certeza.
Ela sorriu.
- Sirius, você é incrível.
- Eu sei.
- Haha – ela o empurrou – É sério. Remus teve muita sorte em achar amigos como vocês. Ah, Deus, olha à hora! Tenho que ajudar Molly a fazer o jantar!
Ela saiu da sala às pressas, deixando Sirius sozinho. Estava feliz pelo amigo e por sua prima, mesmo achando que devia ser um relacionamento meio estranho, sendo eles opostos por completo. Mas gostava muito dela, mesmo eles não tendo convivido por muito tempo e tinha absoluta certeza de que Remus cuidaria bem dela. E, provavelmente, ela o ensinaria a aproveitar um pouco mais a vida, acrescentou em pensamento. Enquanto subia as escadas para alimentar Bicuço.
Continuou lá, vendo o enorme animal devorar ratos, um por um, e depois cheirar o chão, à procura de restos que pudesse ter deixado escapar. Minutos depois ele teve certeza de que pôde ouvir pratos se quebrando no andar debaixo.
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Era agora. O coração dela pulava tanto no peito que ela tinha certeza de que logo acordaria a casa inteira. Apertou com força a varinha na mão direita, ao mesmo tempo se culpando por isso. Não estava com medo, estava? Era só Remus, afinal de contas. É claro que ele não iria atacá-la, estando sob efeito da poção. É claro que não.
Subiu os últimos degraus da escada até o corredor de seu quarto e adentrou mais alguns passos, parando à porta. Respirou fundo. Parou. Então respirou mais algumas vezes e abriu a porta.
O quarto estava escuro e silencioso. A janela fechada mostrava um céu escuro, sem estrelas, iluminado apenas pela luz daquela que lhe trazia tantos problemas: a lua cheia brilhava no alto, ao mesmo tempo linda e aterrorizante. Tonks avançou devagar, tentando na fazer barulho, enquanto procurava com os olhos o grande lobo que a esperava ali. Merlim, como estava curiosa! Bem mais do que gostaria de admitir, na verdade. Mal podia controlar sua ansiedade, sua vontade de encontrá-lo e, depois, de ver o que aconteceria.
Só então ela percebeu um ruído baixo que ainda não havia notado, o rosnar quase impercebível de um animal, que, viu pela primeira vez, a estava observando, semi-oculto, de trás da cama. Grande, peludo, um enorme lobo de pelos castanhos, os olhos amarelados, a encarava.
Ela ofegou. Embora já soubesse que ia encontrá-lo assim, não estava tão preparada quanto presumira para de fato aceitar aquilo. Era difícil acreditar que aquele era Remus. Foi até ele e ele recuou, como uma fera acuada, agora verdadeiramente rosnando, os dentes à mostra. Era, ela percebeu, a mesma postura defensiva que Lupin adotara para com ela, quando sugeriu ficar com ele nas noites de sua transformação. Ele não quis que ela presenciasse isso naquela época e também não queria agora. Estava tentando se proteger, se isolar, ficar longe dela. Mas ela estava decidida a mudar isso e, à essa altura ele já devia ter aprendido que, quando Ninfadora Tonks queria alguma coisa, ela fazia mais que o impossível para conseguir.
- Remus... – sussurrou, aproximando-se. O lobo continuou a se afastar, até encostar-se à parede às suas costas. Ela se ajoelhou à frente dele e estendeu a mão – Remus, sou eu, Tonks. Está tudo bem.
Aos poucos ele se acalmou, enquanto ela murmurava palavras tranqüilizadoras, e farejou desconfiado a mão que lhe era estendida. Ela o acariciou, como se ele fosse seu enorme cão de estimação. Então, para sua surpresa e contentamento, ele chegou mais perto dela e, em um comportamento totalmente atípico, deitou a cabeça em seu ombro. Ela sentiu a respiração quente do animal, e o abraçou, sentindo lágrimas queimarem seus olhos, mesmo não sabendo exatamente o porquê. De repente ela pareceu sentir toda a aflição dele, o seu medo, a sua dor. Mas ali estava ele, totalmente entregue a ela, deixando que entrasse de forma completa em sua vida. O abraçou ainda mais forte e acariciou seu pescoço.
- Obrigada – sussurrou – Está tudo bem agora. Eu vou ficar com você.
E, de algum modo, suas palavras não se referiam apenas àquela noite. E foi assim também que ele as interpretou.
N/A: Gente, mil desculpas pela demora, eu fiquei mesmo muuuuito tempo sem postar dessa vez, e também sem comentar nenhuma fic. Eu meio que dei uma pausa completa nas fanfics. Mas nesse fim de semana eu voltei a ler meu Harry Potter e a Ordem da Fênix e me deu uma saudaaaaaade ^^
Então, aí está o capítulo, espero que tenham gostado. Vou ler e comentar todas as fics que eu abandonei nesses meses de ausência, ok?
Beijos,
Holly Granger
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